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O estudo das células-tronco constitui uma área de grande importância científica, devido ao seu potencial para a regeneração tecidual e aplicação em terapias celulares. Essas células apresentam capacidade de autorrenovação e proliferação, o que as torna fundamentais em pesquisas voltadas à medicina regenerativa. As células-tronco podem ser classificadas em dois principais grupos: embrionárias e adultas. As células-tronco embrionárias originam-se da massa celular interna do blastocisto — estrutura formada aproximadamente quatro a cinco dias após a fecundação — e são consideradas pluripotentes, pois possuem a habilidade de gerar células derivadas das três camadas germinativas do embrião: endoderme, mesoderme e ectoderme. Já as células-tronco adultas estão distribuídas em diferentes tecidos do corpo humano, sendo mais presente e encontradas na medula óssea e no sangue do cordão umbilical. Essas células são classificadas como multipotentes, pois apresentam capacidade de originar apenas subtipos celulares relacionados a um tecido específico, surgindo em estágios mais avançados do desenvolvimento (Alves, 2014; Rehen & Paulsen, 2007; Pereira, 2002). Com base em seu potencial de diferenciação, podem ser classificadas como totipotentes, pluripotentes ou multipotentes (Verfaillie, 2002). As totipotentes são capazes de dar origem a todos os tipos celulares, tanto embrionários quanto extraembrionários — como ocorre no zigoto e nos blastômeros. As pluripotentes têm a capacidade de formar todos os tipos celulares que compõem o embrião, enquanto as multipotentes geram apenas células pertencentes a uma linhagem específica, como as células-tronco mesenquimais e as células-tronco neurais (Wagers & Weissman, 2004). As pesquisas sobre células-tronco são organizadas em três níveis. A pesquisa básica dedica-se ao reconhecimento das populações celulares, seus mecanismos biológicos e potenciais terapêuticos. A etapa pré-clínica avalia eficácia e segurança em modelos experimentais animais, enquanto a fase clínica testa tolerabilidade, compatibilidade e efeitos em seres humanos. Apesar dos avanços conceituais, há consenso entre pesquisadores sobre a complexidade de transpor descobertas fundamentais para intervenções celulares seguras e efetivas na prática clínica. Defensores da terapia celular enfatizam seu potencial regenerativo no tratamento do envelhecimento, de traumas e de doenças crônico-degenerativas ( Regen,2012). As primeiras observações relacionadas às células-tronco os ocorreram no século XIX. No entanto, um marco histórico significativo ocorreu em 1968, quando foi realizado, nos Estados Unidos, o primeiro transplante bem-sucedido de medula óssea, representando um avanço notável no campo da terapia celular (Gatti et al., 1968). Pesquisas com células-tronco no Brasil No contexto latino-americano, o Brasil ocupa uma posição pioneira no desenvolvimento de terapias celulares. Em 1979, foi realizado o primeiro transplante de medula óssea no país, um marco que impulsionou as pesquisas na área e estimulou a formação de equipes especializadas (Dóro e Pasquini, 2000). A partir dos anos 2000, houve um avanço no campo, especialmente com a criação, em 2001, do Instituto Milênio de Bioengenharia Tecidual, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Essa iniciativa teve como finalidade fortalecer o desenvolvimento acadêmico e tecnológico de instituições brasileiras, fomentando a criação de abordagens terapêuticas inovadoras baseadas no uso de células-tronco para reparo e regeneração de órgãos e tecidos (Luna, 2012). O ano de 2001 também foi marcado pela inauguração do primeiro banco privado de células de sangue de cordão umbilical e placentário do Brasil, destinado ao uso autólogo — em que o doador é o próprio receptor. Esse evento simbolizou um avanço significativo, uma vez que ampliou as possibilidades de armazenamento e utilização de células-tronco hematopoiéticas. A criação dos Institutos do Milênio representou, portanto, um marco institucional e financeiro que permitiu o desenvolvimento de uma rede de pesquisas coordenadas e apoiadas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Essa estrutura colaborativa fomentou estudos voltados à bioengenharia tecidual, com foco no desenvolvimento de terapias pré-clínicas aplicáveis a doenças degenerativas do sistema cardiovascular, nervoso, ósseo e cartilaginoso ( Brasil, 2010, 2005). Diversos centros de pesquisa e instituições de excelência, como a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Instituto Nacional de Cardiologia e o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, passaram a integrar redes cooperativas de estudos e pesquisas, consolidando o que atualmente é denominado medicina regenerativa (Brasil, 2005; Brasil, 2010). O Instituto Nacional do Câncer, por exemplo, inaugurou em 2002 o primeiro banco público de sangue de cordão umbilical, ampliando o acesso de pacientes a fontes alternativas de células-tronco hematopoiéticas e fortalecendo a infraestrutura nacional para transplantes (Carvalho,2005, Silva Junior et al, 2009). Apartir de 2004, foi criada a Rede BrasilCord, composta inicialmente por quatro bancos de sangue de cordão umbilical, com o objetivo de facilitar a busca por doadores compatíveis e ampliar as possibilidades de tratamento para pacientes que necessitam de transplantes de medula óssea. As doações realizadas nessa rede são voluntárias e destinam-se a terapias contra doenças hematológicas, como leucemias e linfomas, além de anemias graves, imunodeficiências e condições congênitas. Também há aplicações crescentes em áreas de regeneração tecidual e tratamento de melanomas e disfunções do sistema imunológico (Silva Junior et al., 2009). Em 2004, o Ministério da Saúde financiou um programa que viabilizou o Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias, composto por quatro ensaios clínicos independentes conduzidos em centros distintos, cada qual focalizado em uma condição cardiológica específica: infarto agudo do miocárdio (Universidade Federal do Rio de Janeiro), doença isquêmica crônica (Instituto do Coração, São Paulo), miocardiopatia dilatada (Instituto Nacional de Cardiologia, RJ) e cardiomiopatia chagásica (Fundação Oswaldo Cruz, Bahia). Esses estudos foram planejados como ensaios multicêntricos, randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo, o que assegura que tanto os participantes quanto os avaliadores desconheçam a alocação ao tratamento ativo ou ao placebo, aumentando a robustez metodológica das conclusões (Tura et al., 2007). Um estudo pioneiro conduzido em Salvador avaliou trinta pacientes portadores de insuficiência cardíaca de origem chagásica e não relatou eventos adversos significativos, apontando para um perfil de segurança preliminarmente favorável. Entretanto, análises sistemáticas da literatura mostraram que eventuais ganhos na função cardíaca costumam ser discretos e, em alguns casos, inexistentes; tais discrepâncias ressaltam a necessidade de ensaios adicionais e de investigações que esclareçam mecanismos, populações-alvo e desfechos clínicos relevantes antes da adoção ampla dessas intervenções (Rossi & Borojevic, 2009). O Brasil desenvolveu duas linhagens de células-tronco reprogramadas: a Rio-1, obtida de fibroblastos de pele de camundongos, e a iPS293, derivada de células de rim de embrião humano. Com isso, o país tornou-se o quinto do mundo a dominar essa tecnologia (Del Cerlo et al., 2009). Essas células são geneticamente idênticas ao doador, o que reduz o risco de rejeição e possibilita o avanço da medicina personalizada, além de contribuir para diminuir as filas de transplante. Contudo, ainda existem limitações técnicas, como o uso de vetores retrovirais, que podem causar mutações (Montoliu, 2009). Um estudo mais recente (Beltrão-Braga et al., 2011) apresentou uma nova técnica brasileira que utiliza células da polpa dentária infantil, substituindo as tradicionais células da pele ( Beltrão-Braga et al., 2011) O Brasil demonstra grande potencial científico, mas enfrenta o desafiode equilibrar o entusiasmo com a prudência, garantindo que o avanço das pesquisas ocorra de forma segura e responsável, até que o uso das células-tronco seja plenamente comprovado e aplicado de modo rotineiro. Existem diversas instituições que se destacam na área de pesquisa com células-tronco, contribuindo significativamente para o avanço da medicina regenerativa e das terapias celulares. Entre os principais centros de referência, destaca-se o Centro de Terapia Celular (CTC), localizado no Hemocentro de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), que atua em pesquisas com células-tronco hematopoéticas, mesenquimais e pluripotentes, além do desenvolvimento de terapias inovadoras voltadas à regeneração tecidual (CTC,2025). Outro importante núcleo é o Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), também da USP, que realiza estudos sobre genética, doenças hereditárias e aplicações terapêuticas de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs), integrando ciência básica e medicina translacional (CEGH-CEL,2025). Além desses, o país conta com outros centros expressivos, como o Laboratório de Células-Tronco e Regeneração Tecidual (LACERT) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Centro de Tecnologia para Terapia Celular da PUC-PR e o Instituto de Pesquisa com Células-Tronco (IPCT) da UFRGS, que reforçam a relevância do Brasil no cenário internacional das pesquisas com células-tronco.