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Texto 01 
 
TEMA 1 – CONSTRUÇÃO HISTÓRICA 
TEMA 2 – NARCISISMO PRIMÁRIO E NARCISISMO SECUNDÁRIO 
TEMA 3 – ALGUMAS ABORDAGENS DO NARCISISMO 
TEMA 4 – DEFESAS NARCÍSICAS 
TEMA 5 – NARCISISMO PATOLÓGICO 
 
Conversa inicial 
Vamos começar agora a trabalhar um tema de extrema relevância nos dias 
atuais: Narcisismo e Cultura Midiática. 
Estudar tal tema é fundamental para que possamos entender como as mídias 
sociais, publicidade e outros veículos influenciam a maneira como as pessoas 
percebem a si mesmas e aos outros. A valorização excessiva da imagem, a busca 
incessante por validação externa e a exaltação do ego se tornam normas culturais. 
A exposição constante a ideais de beleza, sucesso e estilo de vida promovidos pela 
mídia pode exacerbar tendências narcisistas, levando a questões como baixa 
autoestima, ansiedade e outros transtornos psicológicos. 
A cultura midiática, especialmente por meio das redes sociais, transformou a 
maneira como nos relacionamos. A análise do narcisismo nesse contexto irá nos 
permitir compreender como a superficialidade e a objetificação do outro podem 
prejudicar a profundidade das relações interpessoais. 
Para podermos fazer todas essas análises, iremos trabalhar os seguintes 
temas: narcisismo, eu ideal e ideal do eu, narcisismo das pequenas diferenças, 
ciberespaço, reflexões sobre o narcisismo nas redes sociais e fecharemos com 
psicanálise e ciberespaço. 
Em última análise, estudar o Narcisismo e Cultura Midiática também é uma 
forma de crítica cultural, que questiona os valores propagados pelos meios de 
comunicação e suas consequências na sociedade incluindo uma reflexão sobre o 
consumismo, o individualismo extremo e a perda de vínculos comunitários. 
Espero que você aproveite! 
TEMA 1 – CONSTRUÇÃO HISTÓRICA 
Para podermos trabalhar de forma mais consistente o tema “Narcisismo e 
Cultura Midiática”, entendemos ser necessário fazer uma digressão histórica 
dividida em dois momentos. No primeiro, iremos abordar, propriamente, o mito de 
Narciso. Posteriormente, veremos como Freud desenvolveu a temática do 
narcisismo. 
1.1 O Mito de Narciso 
A origem do Mito de Narciso está na mitologia grega, mas foi realmente 
detalhado por Ovídio, um dos mais proeminentes poetas romanos, nascido em 43 
a.C e falecido entre 17 e 18 d.C. 
Ovídio escreveu diversas obras que abordavam temas mitológicos e amorosos, 
sendo uma das principais a Metamorfoses, composta por 15 livros em que o autor 
narra a história do mundo desde sua criação até a deificação de Júlio César, sendo 
que, em seu livro III, encontra-se o Mito de Narciso. Como existem diversas versões 
deste mito, trabalharemos com a mais popular. 
Narciso era filho do deus-rio Cefiso e da ninfa Liríope que, ao indagar ao profeta 
Tirésias sobre o destino de seu filho, é informada que ele teria uma vida longa desde 
que nunca visse sua própria imagem. A despeito desta profecia, Narciso cresceu e 
se tornou um jovem de beleza extraordinária. Sua aparência encantava todos ao seu 
redor, mas ele era indiferente aos sentimentos dos outros. 
Entre suas admiradoras estava Eco, uma ninfa muito falante que foi 
amaldiçoada por Hera, esposa de Zeus. Como punição por tê-la distraído por horas 
enquanto Zeus a traía com outras ninfas, Hera condenou Eco a apenas repetir as 
últimas palavras que ouvisse. Um belo dia, Eco viu Narciso enquanto ele caçava na 
floresta e se apaixonou perdidamente. Incapaz de falar diretamente com Narciso por 
causa da maldição, Eco esperou que ele falasse primeiro. Quando finalmente ele 
chamou por alguém, Eco repetiu suas palavras, emergindo de seu esconderijo e 
tentando abraçá-lo. Narciso a rejeitou cruelmente, dizendo que preferiria morrer a 
ser tocado por ela. Eco, devastada, retirou-se para a solidão das cavernas e 
montanhas, onde definhou até que nada restou dela além de sua voz. 
Contudo, quando estava escondida, em profunda tristeza e frustração, pediu aos 
deuses que Narciso experimentasse o sofrimento do amor não correspondido. Essa 
prece foi ouvida por Nêmesis, a deusa da vingança, que decidiu punir Narciso pela 
sua crueldade e falta de empatia. Decidiu que a punição apropriada para Narciso 
seria fazer com que ele se apaixonasse por algo que nunca poderia ter. Ela fez isso 
de tal forma que ele se apaixonasse por sua própria imagem, levando à sua 
auto-obsessão e, eventualmente, à sua destruição. 
Certo dia, após uma caçada, Narciso se aproximou de uma fonte cristalina para 
saciar sua sede. Ao inclinar-se para beber, viu sua própria imagem refletida na água 
e se apaixonou instantaneamente por aquela figura de beleza incomparável, sem 
perceber que era ele mesmo. Consumido pelo amor por sua própria imagem, 
Narciso não conseguia se afastar da fonte. Ele ficou ali, contemplando seu reflexo, 
incapaz de comer ou dormir, e lentamente definhou. Suas súplicas para que o reflexo 
retribuísse seu amor eram inúteis e acabou morrendo de tristeza. 
Após sua morte, as ninfas da floresta encontraram, no lugar onde ele havia 
caído, uma flor de pétalas brancas com um centro amarelo, que passou a ser 
conhecida como narciso, simbolizando a beleza efêmera e a natureza autodestrutiva 
do amor-próprio excessivo. 
1.2 Construção de um conceito 
A construção, por Freud, do conceito de narcisismo se deu aos poucos, sendo 
que é possível vislumbrar, em diversas de suas obras, aspectos que irão, somados, 
servir de base para seu desenvolvimento. 
Em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, escrito em 1905 e revisado em 
1915, Freud introduziu a ideia de que a libido está inicialmente centrada no próprio 
corpo e só após se dirige a objetos externos. Isso poderia ser visto como um 
precursor do conceito de narcisismo primário. 
Antes de continuarmos, cumpre ressaltar que até 1914, Freud, além de não 
utilizar o termo narcisismo, estava trabalhando com a primeira tópica (CS – PCS – 
ICS) onde o “Eu” ainda não é uma instância psíquica. 
Em 1911, em seu Estudo sobre o Caso Schreber, Freud observou que o jurista 
retirou sua libido dos objetos externos e a reinvestiu em si próprio onde ficou 
estacionada. Percebeu que tal fixação se manifestou na forma de delírios 
grandiosos e a crença de que Schreber possuía um papel especial no plano divino. 
Tais delírios podem ser interpretados como uma forma de narcisismo extremo onde 
se busca uma defesa contra sentimentos de impotência e inferioridade. 
Não é incorreto, portanto, afirmarmos que as ideias abordadas a partir desse 
estudo influenciaram, de forma significativa, o desenvolvimento do conceito de 
narcisismo. 
Em 1914, temos a introdução formal do conceito por Freud em seu trabalho 
Introdução ao Narcisismo. Nesse texto, o narcisismo é considerado como uma fase 
normal do desenvolvimento psíquico, onde a libido (energia psíquica) é investida no 
próprio eu. As distinções entre suas formas primária e secundárias são 
estabelecidas, bem como o conceito de catexia, desenvolvimento do Eu, relação 
entre narcisismo e condições patológicas, entre outras questões. 
Alguns tipos de caráter encontrados na prática psicanalítica é um texto escrito por 
Freud, em 1916, onde ele explora as patologias do narcisismo, abordando diversos 
tipos de caráter e suas implicações clínicas. 
Em 1917, em Luto e Melancolia, Freud discute a melancolia como uma neurose 
narcísica. A partir da leitura desse texto, podemos afirmar que tal condição é uma 
forma complexa e patológica de luto, profundamente interligada com o narcisismo, 
pois há uma identificação intensa com o objeto perdido onde a libido é 
redirecionada ao próprio eu. 
O conceito de narcisismo é ampliado para além do nível individual na obra 
Psicologia das massas e análise do Eu, de 1921. Nesse trabalho, Freud explora como 
o narcisismo se manifesta e opera dentro de grupos sociais e instituições. Ao ler tal 
texto, podemos afirmar que ele demonstra como o narcisismo individual se projeta e 
se refletenas relações grupais, particularmente por meio da identificação com 
líderes e ideais grupais. 
Os líderes de grupos geralmente exibem características narcísicas, como 
grandiosidade, autoconfiança e um desejo de ser admirados. Os seguidores, por sua 
vez, projetam suas próprias aspirações narcísicas no líder. Dessa forma, uma 
dinâmica seria criada, tendo como base uma relação simbiótica entre líder e 
seguidores. Assim, narcisismo seria de extrema importância na formação de grupos 
e na manutenção da coesão e da identidade grupal. 
Em O Ego e o ID, de 1923, temos a formalização das ideias freudianas sobre a 
estrutura do aparelho psíquico e da inclusão do narcisismo como aspecto central 
para o funcionamento do Eu. Além de demonstrar a estruturação de sua segunda 
tópica, Freud também explora as defesas do ego relacionadas ao narcisismo. 
Em 1937, em seu texto Análise Terminável e Interminável, Freud revisita a análise 
do Eu e discute os desafios contínuos apresentados pelo narcisismo na prática 
psicanalítica. Para tanto, ele aborda questões como resistência ao tratamento, 
transferência em pacientes narcisistas, relação entre autoestima e grandiosidade, 
ambivalência em relação ao processo terapêutico, entre outras questões. Podemos 
dizer que esse texto é uma reflexão sobre os limites e as potencialidades da 
psicanálise. 
A escolha desses textos para apresentar como se deu a “construção” do 
narcisismo sob a ótica freudiana teve como objetivo demonstrar não apenas a 
evolução do conceito, mas também deixar claro que Freud durante toda sua 
trajetória não se “desprendeu” de tal temática. 
TEMA 2 – NARCISISMO PRIMÁRIO E NARCISISMO SECUNDÁRIO 
Como vimos no tópico anterior, Freud trabalhou o narcisismo em diversas obras 
ao longo de sua vida. Contudo, foi em 1914 que ele utilizou o mito escrito por Ovídio 
para ilustrar seu conceito. Aqui, Freud refere-se ao narcisismo como um 
investimento libidinal que uma pessoa faz em si mesmo, sendo que seu 
desenvolvimento se dá na infância. Nessa fase, passamos por um processo 
complexo que envolve a transição do narcisismo primário ao secundário e, com 
isso, temos diversos desdobramentos a depender da forma, saudável ou não, em 
que tudo ocorreu. 
Vamos agora, portanto, trabalhar os conceitos de narcisismo primário e 
secundário tão importantes para a teoria psicanalítica. 
2.1 Narcisismo primário 
Ao estudarmos a obra Introdução ao Narcisismo, podemos ver que Freud 
justifica a necessidade de um olhar mais atento ao narcisismo a partir de diversas 
observações e reflexões teóricas. 
Inicialmente, esse termo designava “a conduta em que o indivíduo trata o 
próprio corpo como se este fosse o de um objeto sexual, isto é, olha-o, toca nele e o 
acaricia com prazer sexual, até atingir plena satisfação” (Freud, 2021, p. 14). 
Contudo, a partir de suas observações clínicas, Freud percebeu que características 
isoladas do comportamento narcísico eram encontradas em várias pessoas com 
distúrbios diversos. Apontou, ainda, como necessidade de se atentar com a ideia de 
um narcisismo primário a partir das dificuldades encontradas em tratar pacientes 
esquizofrênicos sob a hipótese da teoria da libido (Freud, 2021). 
Outro ponto apresentado decorre das observações e concepções da vida 
psíquica das crianças e dos povos primitivos. Freud encontrou traços de 
megalomania e onipotência em ambos os casos, sugerindo, portanto, que a 
formação de um originário investimento libidinal do Eu que se difere da libido objetal 
e que ambas são contrapostas (Freud, 2021). 
Podemos, de certa forma, relacionar este investimento libidinal do Eu ao 
narcisismo primário que, segundo a teoria psicanalítica, ocorre nos primeiros meses 
de vida quando o bebê ainda não diferencia entre si mesmo e o mundo externo. 
Durante esta fase, o bebê irá investir toda a sua libido (energia psíquica) em si 
mesmo. É totalmente autocentrado, sua principal preocupação é o cumprimento de 
suas necessidades básicas que acredita serem satisfeitas automaticamente (por si 
próprio). Vale lembrar que Freud salienta que esse autoinvestimento de libido, 
fundamental para a constituição narcísica do sujeito, não se dá de forma inata, ele é 
efeito da relação com os pais que sustenta esse investimento ao se ocupar da 
criança. Podemos dizer que, nesta fase, existe um sentimento oceânico em que a 
criança se sente onipotente. 
Contudo, à medida que o bebê cresce, ele começa a perceber que não há essa 
onipotência e que existe um mundo externo com outras pessoas que atendem suas 
necessidades. É nesse momento que a criança começa a formar uma imagem do 
outro (objeto) como separado de si e podemos dizer que há aqui uma fase de 
transição do narcisismo primário ao secundário. 
A partir do momento em que há a percepção que é o outro quem satisfaz suas 
necessidades, o bebê redireciona sua libido, inicialmente investida no próprio eu 
(narcisismo primário), a objetos externos durante seu desenvolvimento. 
Passamos a entender, aqui, que dependemos do outro para sobreviver (e 
sermos felizes). Assim, investimos toda nossa energia no outro uma vez que temos 
que agradá-lo, deixá-lo satisfeito para, em contrapartida, sermos amados. 
2.2 Narcisismo secundário 
Freud irá sugerir que o narcisismo secundário é construído sobre o primário e é 
revelado quando a libido retirada dos objetos é redirecionada ao eu, construído 
sobre a base do narcisismo primário. 
Essa mudança de direcionamento da libido pode ser vista em condições 
patológicas como a esquizofrenia, em que pacientes mostram uma retirada da libido 
dos objetos externos e uma subsequente megalomania. Freud nos explicou que tal 
megalomania não seria uma criação nova, mas sim uma ampliação e explicitamento 
de um estado pré-existente (narcisismo primário) (Freud, 2021). 
Apesar de Freud ter trabalhado o narcisismo secundário em estados 
patológicos, tais como esquizofrenia e melancolia, ele desempenha um papel 
significativo na formação do amor-próprio. Sendo assim, não devemos compreender 
o narcisismo secundário como algo essencialmente negativo uma vez que ele 
possui aspectos saudáveis e funcionais a depender do contexto. 
Em níveis “normais”, o narcisismo secundário pode ajudar na autoconservação e 
autovalorização, ou seja, pode levar a uma autoestima saudável, necessária para 
enfrentar desafios e lidar com situações adversas. Em momentos de crise ou perda, 
por exemplo, uma retirada temporária da libido dos objetos externos e seu 
redirecionamento ao eu pode ser um valioso mecanismo de defesa que auxilia 
(viabiliza) na recuperação emocional e resiliência, permitindo que o indivíduo se 
reorganize internamente antes de voltar a investir em novos objetos externos. 
Uma dose saudável de narcisismo secundário pode promover autossuficiência, 
independência emocional, autoconhecimento, além de incentivar o desenvolvimento 
pessoal. Tudo isso é de extrema importância para a formação de um eu forte e 
capaz de manter relacionamentos equilibrados. 
Roussillon (2023) irá nos enfatizar a importância das relações primitivas e do 
ambiente inicial na formação de um narcisismo secundário saudável. Ele destaca a 
função espelhante desempenhada pelo outro, ou seja, o papel exercido pelo 
cuidador principal que reflete de volta ao bebê suas próprias emoções e estados 
internos. Tal função seria essencial para o desenvolvimento da autoimagem e da 
identidade. Outra função seria a capacidade de contenção do outro, que auxilia a 
criança a integrar e subjetivar experiências primitivas. 
Contudo, Roussillon (2023) destaca que, se houver falhas nesse momento 
inicial, a criança pode desenvolver defesas narcísicas secundárias para lidar com a 
fragmentação psíquica e as falhas no ambiente inicial. Dessa forma, podemos 
compreender que a depender do papel desempenhado pelo outro e como a criança 
o percebe, podemos ter um narcisismo saudável ou patológico.TEMA 3 – ALGUMAS ABORDAGENS DO NARCISISMO 
O narcisismo foi trabalhado em diversas formas e, se olharmos isoladamente, 
diferentes linhagens da psicanálise. Já afirmamos, anteriormente, que não é 
aconselhável a adoção de uma linhagem específica, mas sim, termos uma 
compreensão de todas elas. Tendo isso em mente, iremos abordar agora, 
brevemente, como famílias diversas trataram o narcisismo. 
3.1 Freud 
Como visto até então, Freud introduziu o conceito em sua obra de 1914 
Introdução ao Narcisismo e ocupou-se dele em diversos outros momentos ao longo 
de sua vida. De forma resumida, para não sermos repetitivos, Freud enxergou o 
narcisismo como algo normal e necessário. Ele relacionou o narcisismo com o 
investimento libidinal que fazemos em nós mesmos durante a infância. Percebeu 
que, na realidade, durante o desenvolvimento infantil passamos por um processo 
complexo onde, inicialmente, temos o narcisismo primário e, posteriormente, o 
secundário. A depender do ambiente externo, do papel desempenhado pelo outro e 
de como percebemos tudo isso, podemos ter desdobramentos saudáveis ou não ao 
final desse percurso. 
3.2 Lacan 
Lacan reinterpretou e expandiu diversos conceitos freudianos e isso não foi 
diferente com o narcisismo, uma vez que é possível verificar que em vários de seus 
Seminários, bem como em alguns textos do seu Escritos, tal tema é trabalhado seja 
direta ou indiretamente. 
A título de exemplo (tendo em vista que não é objetivo desta etapa aprofundar 
na teoria lacaniana), no texto O estádio do espelho como formador da função do eu, 
Lacan descreve como a criança se reconhece no espelho e forma uma imagem 
idealizada de si mesma, o que é um processo fundamental para o desenvolvimento 
do narcisismo. Já no texto A instância da letra no inconsciente, Lacan discute como a 
linguagem e a simbolização afetam o desenvolvimento do narcisismo e do ego. 
Ambos os textos e diversos outros integram o Escritos (2021), que foi publicado 
originalmente em 1966. 
No Seminário 1, Os escritos técnicos de Freud, Lacan (2020a) oferece uma leitura 
e uma análise aprofundada de alguns textos técnicos de Freud, que foram 
fundamentais para o desenvolvimento de sua própria teoria psicanalítica. O 
narcisismo é trabalhado de várias formas, seja por uma abordagem direta seja de 
maneira transversal. Lacan, ao trabalhar a relação entre a formação do eu e a do 
objeto, irá destacar como o narcisismo surge a partir dessa correlação. Ao destacar 
a importância do narcisismo primário, ele também discutirá o desenvolvimento do 
eu, que se baseia em uma relação imaginária onde o eu se constitui a partir de uma 
imagem especular. 
Lacan (2010), no Seminário 2 O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da 
Psicanálise, também trabalha o narcisismo como um elemento estruturante nas 
relações do homem com o mundo exterior e irá destacar a importância da imagem 
do corpo e como ela é percebida externamente. Ele discutirá a diferença entre os 
narcisismos primário e secundário, enfatizando a natureza dinâmica e contínua do 
narcisismo na vida psíquica do sujeito. 
Já no Seminário 8, A transferência, Lacan (2020b) também irá discutir a função 
do narcisismo em termos de investimento libidinal e a importância do ideal como 
ponto fundamental na produção da transferência. No Seminário 11 Os quatro 
conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan (2020c) irá utilizar o conceito de 
narcisismo para aprofundar a compreensão da estrutura psíquica e das relações 
intersubjetivas, ao estabelecer diversas conexões entre suas elaborações teóricas e 
a teoria freudiana. 
Ao tentarmos estabelecer um paralelo sobre as abordagens lacaniana e 
freudiana, não seria incorreto afirmar que, enquanto Freud trabalhou em termos de 
investimentos libidinais, Lacan incorporou o narcisismo no contexto mais amplo de 
sua teoria dos três registros. Para ele, o narcisismo está profundamente ligado às 
identificações imaginárias e à alienação do sujeito em sua própria imagem. 
3.3 Winnicott 
O narcisismo, em Winnicott, é trabalhado de forma diversa das linhagens 
anteriormente trazidas. A abordagem winnicottiana se concentra no 
desenvolvimento do self, na importância do relacionamento mãe-bebê e na 
capacidade de ser criativo e autêntico, entre outros fatores. Essa linhagem valoriza, 
sobremaneira, a importância do ambiente facilitador e da resposta da mãe 
suficientemente boa para a formação de um self saudável e a consequente 
mitigação de aspectos patológicos. 
Podemos perceber o narcisismo sendo trabalhado transversalmente em 
diversos momentos. Ao introduzir o conceito de objeto transicional, que se faz 
presente quando a criança começa a se relacionar com o mundo externo, Winnicott 
nos permite intuir que estamos diante da transição do narcisismo primário para 
relacionamentos mais maduros com objetos externos. Tal objeto, portanto, auxilia a 
criança no deslocamento gradual de seu investimento libidinal de si mesma para o 
outro, de forma a facilitar no desenvolvimento de um senso de realidade e na 
capacidade de se relacionar de forma saudável. 
O conceito de mãe suficientemente boa é (felizmente!) criado por Winnicott e 
possui um papel fundamental para o desenvolvimento saudável do nosso self. 
Diante de uma mãe (ou cuidador principal) que responde de forma adequada e 
consistente proporcionando um ambiente de segurança e suporte sem intrusões 
excessivas, o bebê desenvolverá a capacidade de lidar com a realidade e se tornar 
um indivíduo independente. Tal conceito está intrinsecamente relacionado com a 
ideia winnicottiana do desenvolvimento de um self saudável (verdadeiro). 
Trazendo tais ideias para o nosso tema, podemos pensar que o ambiente/mãe 
suficientemente bom permite que a criança passe por um narcisismo primário 
saudável e, gradualmente, desenvolva um secundário igualmente equilibrado. Assim, 
a construção de um falso self que poderia levar a narcisismo patológico seria 
desnecessário. 
Outro ponto da teoria winnicottiana que podemos tentar relacionar com o 
narcisismo é a “capacidade de estar só” que seria um indicativo de saúde emociona 
e (por que não?) de um narcisismo saudável, pois reflete uma base segura, 
internalizada que é fundada no amor e cuidado e que permite possuirmos o 
sentimento de estarmos confortáveis com nós mesmos, sem que precisemos de 
aprovação constante do outro. 
3.4 Melanie Klein 
Klein trouxe contribuições significativas no que se refere às fases primitivas do 
nosso desenvolvimento psíquico e, da mesma forma que Winnicott, sua concepção 
se diferencia das demais. Seu trabalho enfatizou, primordialmente, as fases mais 
precoces da vida e as primeiras relações objetais. 
No que tange o narcisismo, ela acredita que ele está intrinsecamente 
relacionado ao sentimento de onipotência desenvolvido pela criança. Tal sentimento 
seria evidente durante a fase do narcisismo (primário?) em que a criança acredita 
que seus pensamentos (e excrementos) possuem poderes mágicos e destrutivos. 
Haveria, ainda, uma distinção entre os narcisismos feminino (que estaria distribuído 
por todo o corpo) e masculino (concentrado no pênis) (Klein, 1981). 
Além disso, podemos pensar, ainda, na forma como Klein trabalha a ideia de 
culpa e reparação. Por meio dos conceitos de posição esquizoparanóide e posição 
depressiva, verificamos como ela desenvolve questões referentes aos mecanismos 
de defesa e reparação que são centrais para o narcisismo. 
Uma vez na posição esquizoparanóide, a criança lida com a ansiedade 
persecutória, onde partes boas e más do objeto são mantidas separadas. O 
narcisismo aqui é marcado por uma forte defensividade, onde o ego ainda frágil se 
protege projetando as partes ruins para fora e idealizando as boas. Já na posição 
depressiva, a criança começa a integrar os aspectos bons e maus do objeto, 
reconhecendo-os como pertencentes a uma mesma figura. Ciente da sua própria 
capacidadede causar dano, tenta reparar o objeto e, simultaneamente, lida com o 
medo de ter causado dano irreversível. Nesse contexto, o narcisismo é uma defesa 
contra a culpa e o desespero, manifestando-se na fantasia de ser necessário e 
amado pelo objeto que agora se busca reparar (Klein, 1981). 
Podemos entender, portanto, que na posição esquizoparanóide o narcisismo 
aparece como defesa onipotente, evitando o reconhecimento da nossa dependência 
e vulnerabilidade. Na posição depressiva, por sua vez, temos um narcisismo mais 
elaborado onde tentamos lidar com a dependência/perda por meio da reparação e 
internalização do objeto bom e amado. 
As fantasias e impulsos sádicos, assim como a angústia persecutória, 
diminuem de intensidade. A criança, então, introjeta o objeto total, tornando-se, 
simultaneamente, capaz, em certa medida, de sintetizar os vários aspectos objetais 
e suas respectivas emoções, de acordo com Klein (1981). 
TEMA 4 – DEFESAS NARCÍSICAS 
Neste ponto, iremos trabalhar as defesas narcísicas, para tanto, iremos partir da 
compreensão do que sejam. Após estudarmos as obras de Freud e de sua filha, 
Anna Freud, podemos vê-las como mecanismos de defesa que o Eu utiliza para 
proteger a integridade do self diante de ameaças ao narcisismo. São, portanto, 
acionadas em respostas a feridas narcísicas, tais como frustrações e críticas. 
Neste mesmo sentido, Roussilon (2023) afirma que as defesas narcísicas estão 
profundamente ligadas à proteção do self contra a fragilidade e as ameaças ao 
senso de identidade e coesão do Eu, uma vez que teriam sua origem nas primeiras 
experiências traumáticas envolvendo decepções e feridas narcísicas primárias. 
Tal concepção se baseia na ideia de que o narcisismo se envolve em uma luta 
constante entre a necessidade de coesão do Eu e as ameaças a essa coesão, 
levando o sujeito a desenvolver mecanismos para se proteger de sentimentos de 
impotência e desintegração (Roussilon, 2023). 
Algumas defesas narcísicas que podemos enumerar são o recalque, a 
idealização, a desvalorização, a identificação projetiva, a negação, o deslocamento, 
a racionalização e a sublimação. 
Recalque:trata-se de mecanismo de defesa do ego que opera para afastar da 
consciência impulsos, desejos ou memórias que são considerados inaceitáveis ou 
ameaçadores para o equilíbrio psíquico do indivíduo. Envolve a “repressão” de 
conteúdos psíquicos que não podem ser integrados à consciência sem causar 
angústia, resultando na sua manutenção no inconsciente. É frequentemente 
acompanhado por outros mecanismos que irão auxiliar no controle/modificação dos 
impulsos recalcados para que eles possam ser expressos de maneiras mais 
aceitáveis para o indivíduo e para a sociedade (Freud, 2007). 
Idealização: de acordo com Anna Freud (2007), esse mecanismo está 
relacionado à forma como o ego tenta proteger a autoimagem do indivíduo, 
elevando ou superestimando certas características de si mesmo ou de objetos 
externos, de maneira que eles se tornem menos ameaçadores e mais aceitáveis. 
Serve, portanto, para manter a coesão do ego ao lidar com frustrações e ansiedades 
que poderiam desestabilizar o equilíbrio psíquico. 
Desvalorização:tal mecanismo ocorre quando o indivíduo, para preservar uma 
autoimagem idealizada, minimiza ou desmerece características, realizações ou 
qualidades de outra pessoa ou até mesmo de si próprio, quando esses elementos 
ameaçam seu senso de superioridade ou autoestima (Freud, 2007). De acordo com 
Roussilon (2023), esse mecanismo também pode ser observado em situações em 
que o narcisismo do indivíduo está ameaçado por comparações desfavoráveis. Ao 
desvalorizar aqueles que lhe causam inveja ou que representam uma ameaça ao 
seu status, o indivíduo mantém a ilusão de superioridade e protege o ego de 
possíveis feridas narcísicas . 
Identificação Projetiva:Anna Freud (2007) descreve esse mecanismo como, 
combinado com a introjeção, pode resultar em uma forma de defesa onde o ego lida 
com impulsos ameaçadores, projetando-os no outro e, simultaneamente, 
identificando-se com esse outro. Essa dinâmica pode ser observada, por exemplo, 
na "identificação com o agressor", onde o indivíduo, ao projetar seus impulsos 
agressivos, também incorpora aspectos do agressor para lidar com o medo e a 
angústia que essas pulsões provocam . 
Negação:este mecanismo atua para proteger o indivíduo de enfrentar realidades 
dolorosas, mas, ao mesmo tempo, pode comprometer a capacidade de lidar de 
forma adaptativa com a realidade externa, especialmente quando o ego depende 
excessivamente dessa defesa. Anna Freud (2007) explica que, durante a infância, a 
negação é uma forma comum de defesa, onde a criança pode criar fantasias para 
inverter situações reais desagradáveis. No entanto, à medida que o ego amadurece, 
esse mecanismo pode se tornar menos eficaz. 
 Deslocamento:Anna Freud (2007) observa que o deslocamento pode ocorrer 
em resposta a impulsos que são percebidos como inaceitáveis ou perigosos para o 
equilíbrio psíquico do indivíduo. Permite, portanto, que o ego mantenha uma certa 
coesão ao redirecionar a intensidade emocional de uma ideia ou objeto perigoso 
para outro que seja mais aceitável ou menos desestabilizador. 
Racionalização: pode ser descrita como uma estratégia pela qual o ego busca 
justificar ou explicar, de maneira lógica ou aceitável, sentimentos, comportamentos 
ou pensamentos que de outra forma poderiam ser inaceitáveis ou desconfortáveis 
para o indivíduo. Roussilon (2023) sugere que a racionalização funciona para que o 
indivíduo mantenha uma autoimagem consistente. 
Sublimação: de forma praticamente oposta aos demais mecanismos que 
buscam suprimir/distorcer impulsos inaceitáveis, na sublimação temos a 
canalização dos mesmos para atividades aceitáveis e valorizadas socialmente. 
Anna Freud (2007) descreve a sublimação como uma forma de defesa do ego que, 
embora ainda ligada à transformação dos impulsos, permite uma adaptação mais 
harmoniosa entre o indivíduo e as demandas sociais. 
TEMA 5 – NARCISISMO PATOLÓGICO 
Freud, por meio de sua obra, nos mostrou que não podemos enxergar o 
narcisismo por meio, apenas, de uma lente negativa, tendo em vista que ele deve ser 
encarado como uma fase saudável e necessária do nosso desenvolvimento. 
Trata-se do alicerce para a construção do nosso senso de autoestima, identidade e 
do necessário equilíbrio entre a realidade externa e as relações objetais. 
Contudo, de acordo com o mesmo Freud (2021), é possível a ocorrência de um 
narcisismo patológico quando há uma regressão ou um reforço do narcisismo 
primário em que o indivíduo retira sua libido dos objetos externos e reinveste no Eu, 
de forma a levar a autoestima e autopercepção desproporcionalmente grandiosas. 
Existe, ainda, a possibilidade desse tipo de narcisismo estar relacionada a 
condições psicopatológicas graves, uma vez que, em casos mais exacerbados, 
podemos verificar sentimentos de megalomania e a desconexão com a realidade, de 
forma a gerar incapacidade de se relacionar de forma saudável (Freud, 2021). 
Em Introdução ao Narcisismo, Freud relaciona, também, o narcisismo patológico 
a dificuldades na formação do Ideal do Eu (que veremos no próximo capítulo). O 
sujeito, portanto, não conseguiria sublimar seus impulsos instituais, ficando preso 
em uma busca incessante de perfeição e admiração. 
Dalgalarrondo (2019), por sua vez, afirma que para a psicopatologia o termo 
“narcisismo patológico” pode ser entendido como uma forma extrema e disfuncional 
de narcisismo, onde as características normais de autoestima e autoconfiança se 
transformam em uma fixação patológica em si mesmo, levando a comportamentos 
prejudiciais tanto para o indivíduo quanto para as pessoas ao seu redor. 
Ao tentar unir a teoria psicanalítica de base freudiana e o conteúdo de 
psicopatologia trazido por Dalgalarrondo (2021) e Barlow, Durand e Hofmann (2020), 
podemosverificar a proximidade da concepção desse tipo de narcisismo. Senso 
grandioso de autoimportância, necessidade excessiva de admiração, falta de 
empatia pelos outros, aliado a uma vulnerabilidade subjacente a críticas e fracassos 
que podem levar a reações intensas de raiva ou depressão, são algumas das 
características do narcisismo patológico. 
Tendo em vista a necessidade de compreendermos melhor o tema para 
sabermos diferenciar uma pessoa que possui transtorno de personalidade narcisista 
de outra que é apenas “vaidosa”, iremos desenvolver melhor algumas 
características do sujeito que possui TPN. 
Grandiosidade e Sentimento de Superioridade. O indivíduo com narcisismo 
patológico possui uma visão inflada de sua própria importância. Ele frequentemente 
acredita que é especial e único, merecendo tratamento superior e que suas 
necessidades e desejos estão acima dos outros. 
Necessidade excessiva de admiração. O narcisista patológico busca 
incessantemente elogios, reconhecimento e atenção dos outros, e pode reagir com 
hostilidade ou desprezo quando não recebe a adulação esperada. 
Falta de empatia.Uma característica central do narcisismo patológico é a 
incapacidade de se colocar no lugar do outro, uma vez que está excessivamente 
focado em si mesmo e em seus próprios desejos. 
Vulnerabilidade à crítica e à rejeição. Embora demonstre uma imagem exterior 
de autoconfiança e superioridade, o narcisista patológico é extremamente sensível à 
crítica e à rejeição. Sendo assim, qualquer ameaça à sua autoimagem grandiosa 
pode desencadear reações de raiva, depressão, ou mesmo comportamentos 
vingativos. 
NA PRática 
Veremos, agora, um recorte clínico onde é possível ver algumas características 
de um narcisista patológico. 
Ressaltamos que todos os dados e nomes foram alterados para que a 
privacidade e confidencialidade fossem preservados. 
Carlos iniciou um tratamento psicanalítico por sentir-se constantemente frustrado 
e incompreendido pelos outros, além de uma dificuldade crescente em manter 
amizades. 
Apesar de Antônio (psicanalista) ter estabelecido regras para a realização das 
sessões, Carlos sempre chega atrasado e quer permanecer além do horário 
combinado. 
Durante uma sessão, Carlos relatou uma briga recente com um colega de trabalho. 
Disse que o colega tentou "minar" sua autoridade durante uma reunião ao apresentar 
uma ideia contrária à sua. Carlos reagiu com raiva, desvalorizando o colega e 
espalhando rumores negativos sobre ele para outros membros da equipe. 
FINALIZANDO 
Neste capítulo, fizemos um estudo do narcisismo, desde suas origens 
mitológicas até sua construção teórica na psicanálise. Vimos que o mito de Narciso 
nos oferece uma metáfora poderosa sobre os perigos da obsessão, do amor-próprio 
excessivo, da incapacidade de se relacionar verdadeiramente com os outros e da 
falta de empatia; enquanto Freud nos proporciona uma compreensão mais 
elaborada do narcisismo como parte integrante do nosso desenvolvimento, com 
suas manifestações normais e patológicas. 
Trabalhamos o tema por meio das diferentes linhagens psicanalíticas, 
abordamos as defesas narcísicas e o narcisismo patológico, vimos como esses 
mecanismos podem atuar tanto para proteger quanto para prejudicar a integridade 
do self. O entendimento dessas nuances é essencial para diferenciar entre um 
narcisismo funcional, que promove a autoconfiança e a resiliência, e um narcisismo 
patológico, que pode levar a comportamentos destrutivos e relações interpessoais 
prejudicadas. 
Por fim, devemos sempre ter em mente que o estudo do narcisismo não se 
limita apenas ao campo da psicopatologia, mas se estende a diversas áreas da vida 
humana, incluindo a cultura, as relações sociais e até mesmo a organização dos 
grupos e das instituições. Compreender o narcisismo é, em última análise, 
compreender melhor a natureza humana, com suas potencialidades e suas 
fragilidades.

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