Prévia do material em texto
Texto 05 TEMA 1 – REDES SOCIAIS COMO PALCO PARA O NARCISISMO TEMA 2 – CELEBRIDADES COMO OBJETOS NARCÍSICOS TEMA 3 – VALIDAÇÃO E RECONHECIMENTO TEMA 4 – DISTÚRBIOS DE IMAGEM TEMA 5 – ANSIEDADE E DEPRESSÃO Conversa inicial Anteriormente, trabalhamos questões referentes ao narcisismo, ao eu ideal e ao ideal do eu, ao narcisismo das pequenas diferenças e ao ciberespaço. Vimos, de forma isolada, cada um desses temas. Nesta etapa, iremos uni-los. Vamos, portanto, trabalhar com o tema algumas reflexões sobre o narcisismo e as redes sociais. Para organizar nossa reflexão, o conteúdo será dividido da seguinte forma: redes sociais como palco para o narcisismo, celebridades como objetos narcísicos, validação e reconhecimento, distúrbios de imagem e, finalmente, ansiedade e depressão. Você pode ver que temos muito o que discutir... Vamos começar? TEMA 1 – REDES SOCIAIS COMO PALCO PARA O NARCISISMO Vimos, em nossas duas primeiras etapas, que o narcisismo é parte natural do nosso desenvolvimento psíquico, mas que pode, sob certas circunstâncias, tornar-se patológico, com a necessidade de validação e a vulnerabilidade às críticas se fazendo presentes. As redes sociais, nesse contexto, tornam-se locais ideais para exibição do narcisista, uma vez que é dada primazia à imagem e exposição constante. Essa é uma realidade social de que não temos como escapar. Sendo assim, vamos entendê-la melhor? 1.1 Declínio da ordem simbólica A ordem simbólica refere-se à estrutura de significados, valores e normas que regulam a vida social e psicológica dos indivíduos, sendo essencial para a formação da identidade e para a integração do sujeito na sociedade. Podemos dizer que é construída e mantida por meio de símbolos, mitos, narrativas culturais e instituições que fornecem um senso de estabilidade e continuidade. Nesse sentido, Bender (2023, p. 1) irá nos dizer que A ordem simbólica da qual emergem as identificações que estruturam o Eu é uma construção histórica e cultural que não possui causalidade material direta. Sendo assim, o que chamamos de identidade provém do campo ficcional, mas trata-se de uma ilusão necessária para que o indivíduo possa integralizar a experiência de ser ‘si mesmo’ ao longo do tempo, costurando uma narrativa capaz de atribuir um sentido apaziguador à sua existência. A força do símbolo, isto é, a crença na sua legitimidade é o que determina o efeito que produzirá no psiquismo. Na contemporaneidade, contudo, é possível verificar uma crescente relativização dos valores e verdades que, anteriormente, eram considerados absolutos. Aliado a isso, temos mudanças econômicas; o advento das novas tecnologias, como a internet e as redes sociais; a crise das figuras de autoridade, como pais, líderes religiosos e instituições políticas; o crescimento do individualismo radical; e, finalmente, a secularização e a perda de influência das grandes religiões e filosofias na vida cotidiana. Todos esses fatores, somados, contribuíram para a desestabilização de estruturas tradicionais de significado e valor, gerando um enfraquecimento significativo da eficácia simbólica. As coordenadas simbólicas que antes organizavam nossa vida psíquica e social não existem mais. Bender (2023, p. 1) nos diz: “Quando a função simbolizante é muito forte, a subjetividade produzida tende a ser reprimida por sua crença em verdades vivenciadas como absolutas. Diante da relativização dos valores e certezas, diante da dúvida, a eficácia simbólica declina.” 1.2 Impacto das novas tecnologias As novas tecnologias, particularmente as plataformas de redes sociais, mudaram drasticamente a forma como nós interagimos. A comunicação, que antes se baseava em trocas simbólicas mais profundas e significativas, passou a ser mediada por plataformas que favorecem a rapidez e a superficialidade. Tal mudança tem implicações diretas na ordem simbólica, pois o significado e os valores simbólicos dependem de um processo comunicacional mais lento e reflexivo, algo que as novas tecnologias muitas vezes não promovem. Não é nenhuma novidade dizer que a imagem se tornou o principal meio de expressão e comunicação. As redes sociais, em particular, são centradas na visualidade, em que a aparência e a performance têm primazia sobre o conteúdo. Isso se reflete em uma mudança significativa na ordem simbólica: o simbólico é substituído pelo imagético, e o significado profundo é suplantado pela aparência superficial. Bender (2023, p. 2) irá nos dizer que, “[...] diante do relativismo absoluto e da impossibilidade de simbolização, a ficção das metanarrativas institucionais tem sido, em parte, substituída pelo simulacro imaginário.” Baudrillard (1991) vai nos dizer que simulacros são cópias ou representações que não possuem uma referência direta na realidade. Com as redes sociais, essa ideia se expande, pois a vida on-line, muitas vezes, se torna mais real que a vida off-line. Grande parte das pessoas passa a viver para o espetáculo, criando versões idealizadas de si mesmas que pouco, ou nada, têm a ver com suas vidas reais. Podemos, portanto, pensar que, diante da ausência de uma ordem simbólica forte e com a incorporação cada vez maior das novas tecnologias em nossas vidas, as identidades criadas on-line (simulacros) irão tomar o lugar das realidades simbólicas sociais. Há, portanto, uma retroalimentação do processo de declínio, favorecendo o estabelecimento de um ambiente em que o narcisismo pode prosperar sem as limitações do mundo físico. 1.3 Narcisismo e construção da identidade Vimos, em etapa anterior, que o narcisismo é uma fase essencial do nosso desenvolvimento psíquico saudável, pois permite, por um lado, a construção da nossa autoestima por meio de uma identidade sólida e, por outro, o desenvolvimento equilibrado de nossas relações afetivas com os outros. Nos dias atuais, contudo, há uma intensificação das características narcisistas devido à ênfase na imagem e na autoexposição, especialmente nas redes sociais. Isso pode levar a uma exacerbação do narcisismo secundário, pelo qual a busca incessante por aprovação externa pode prejudicar a capacidade do indivíduo de se relacionar de forma saudável com os outros e consigo mesmo. Podemos afirmar, sem medo de errar, que, em nossa sociedade, há o predomínio de uma cultura em que a individualidade é celebrada e a construção da identidade torna-se um projeto central da vida de cada pessoa. Contudo, essa centralidade do eu muitas vezes leva a uma fragmentação da identidade, pela qual nos vemos, constantemente, moldando e ajustando nossa imagem para atender às expectativas externas, uma vez que nos tornamos cada vez mais dependentes do olhar do outro sobre nós (Bender, 2023). 1.4 Cultura do exibicionismo A cultura do exibicionismo trata-se de um fenômeno contemporâneo em que a exibição da própria imagem, vida e realizações se torna uma prática central na vida social, especialmente mediada pelas redes sociais. Esse comportamento está intrinsecamente ligado ao narcisismo moderno, pelo que a necessidade de ser visto e reconhecido pelos outros se torna um imperativo quase universal. Gomes et al. (2015) vão nos dizer que redes sociais atuam como arenas públicas onde as performances de identidade são avaliadas e validadas por um público potencialmente global. A busca por visibilidade e reconhecimento se torna uma força motriz, impulsionada pelos algoritmos das plataformas, que privilegiam conteúdo popular e altamente visível. Esse ciclo de feedback positivo (mais visibilidade leva a mais validação, que leva a mais visibilidade) cria um ambiente em que a autoexposição se torna quase compulsiva. Atualmente, a popularidade é, muitas vezes, confundida com sucesso ou valor social e isso é extremamente perigoso, pois sua busca incessante pode ocasionar consequências psicológicas negativas quando o objetivo nãoé alcançado. Iremos abordar essa questão um pouco mais adiante. TEMA 2 – CELEBRIDADES COMO OBJETOS NARCÍSICOS Quando nos propusemos a desenvolver o tema algumas reflexões sobre narcisismo e redes sociais, escolhemos alguns tópicos que consideramos fundamentais. As celebridades, sem sombra de dúvida, são um deles. Não podemos ignorar que elas são um fenômeno particularmente relevante no contexto contemporâneo, em que a constante exibição midiática é fator intensificador de identificação narcísica por parte do público. Devemos, portanto, buscar compreender um pouco melhor essa relação complexa entre o eu e o outro e os impactos psicossociais dessa adoração em massa que pode tanto reforçar quanto distorcer a percepção de identidade e valor pessoal. 2.1 Contextualizando Para a psicanálise, objeto é um termo que se refere ao alvo da pulsão, ou seja, àquilo pelo qual a pulsão se orienta para alcançar satisfação. Os objetos não são necessariamente pessoas; podem ser partes do corpo, objetos reais ou até representações psíquicas. Na concepção freudiana, o objeto é, em muitos casos, secundário à pulsão, que é o aspecto primário da constituição da subjetividade. Em Introdução ao narcisismo, Freud (2021) descreve como a libido, originalmente direcionada ao próprio eu, pode ser redirecionada a objetos externos. Contudo, mesmo quando direcionada a objetos externos, essa escolha pode manter um caráter narcísico. Sendo assim, objetos narcísicos seriam aqueles escolhidos pelo sujeito por sua capacidade de refletir ou representar aspectos do próprio eu. Em uma escolha narcísica, o indivíduo projeta em um objeto externo (pessoa, ideia, figura pública...) aspectos de si mesmo, ou de seu ideal de eu, ou de suas aspirações. As escolhas narcísicas de objeto, para Freud (2021), baseiam-se em o que o sujeito é (reflexo de uma autorreferência, em que o objeto é visto como uma extensão ou espelho do próprio sujeito); o que o sujeito foi (busca-se no objeto uma versão anterior de si mesmo ou uma idealização do passado); o que gostaria de ser (ideais que ele ainda não atingiu); em alguém que foi parte de si (antiga conexão do sujeito que foi essencial em sua formação). Quando um objeto é investido narcisicamente, torna-se um reflexo do eu e nossa relação com esse objeto tende a ser marcada por expectativas de confirmação e validade da nossa própria identidade. Caso pensemos em um narcisismo patológico, teremos relações disfuncionais, em que o outro será valorizado não por suas qualidades, mas pelo que ele representa para nosso eu. É possível vermos isso em casos de figuras públicas (como as celebridades) idealizadas e transformadas em objetos narcísicos por seus admiradores. 2.2 Celebridades como objetos narcísicos As celebridades, em nossa sociedade, se tornaram ícones culturais e símbolos de sucesso, beleza, poder e perfeição, que são atributos que boa parte das pessoas aspiram alcançar. Esse fenômeno é, ainda, reforçado pela cultura do exibicionismo e pelas redes sociais, que criam uma ilusão de proximidade entre figuras públicas e seus seguidores. Ortiz (2016) destaca outro ponto importante. Segundo ele, numa sociedade de consumo (como a nossa), que promove e sustenta a cultura das celebridades ao criar um mercado ávido por notícias, imagens e produtos associados a essas figuras públicas, tornam tais celebridades em símbolos consumíveis, cujas imagens e narrativas são constantemente reproduzidas e comercializadas. Aliado a isso, temos Bender (2023), que afirma que o vazio identitário é preenchido por figuras que fornecem uma ilusão de identidade e completude, como as celebridades, que são consumidas não apenas por suas habilidades ou talentos, mas pelo que representam no imaginário social . As celebridades funcionam, portanto, como emblemas sociológicos na medida em que encarnam ideais culturais e sociais. São, assim, investidas de um valor simbólico que transcende sua individualidade, tornando-se ícones culturais que influenciam as dinâmicas sociais e psíquicas. A identificação com essas figuras se dá muitas vezes em um nível inconsciente, pelo que o indivíduo projeta seus desejos e aspirações sobre a celebridade. Essa dinâmica é explicada pela teoria freudiana dos objetos de identificação, na qual o eu se forma por meio da introjeção de qualidades observadas em figuras idealizadas , de acordo com Coelho Jr. (2001). Tal forma de identificação é fundamental para a compreensão de como as celebridades podem exercer uma influência tão poderosa sobre o comportamento e a autoestima das pessoas. No contexto do narcisismo, contudo, essa identificação pode se tornar compulsiva, com o indivíduo constantemente buscando se alinhar com os ideais representados pelas celebridades. TEMA 3 – VALIDAÇÃO E RECONHECIMENTO Em nossa etapa sobre narcisismo, vimos que, para a teoria freudiana, um desenvolvimento psíquico saudável depende de um equilíbrio adequado entre a libido investida no eu e nos objetos externos. Para Kohut (citado por Etchegoyen, 2007), quando os objetos do self (p. ex., pais) fornecem respostas empáticas e consistentes, a criança desenvolve um self saudável. A falta dessa resposta leva a um self frágil, que busca, incessantemente, validação externa. Diante disso, podemos afirmar que a validação e o reconhecimento dos outros ajudam a mover a libido do narcisismo primário para um relacionamento mais equilibrado com os objetos externos. Caso essa validação não ocorra, serão utilizados mecanismos de defesa para proteger o eu, tais como a projeção e a formação reativa. Ao pensarmos em uma pessoa que necessita de validação e reconhecimento constantes, o mundo digital, com suas múltiplas plataformas e redes sociais, cria um cenário ideal, pois o sujeito pode explorar infinitas possibilidades de ser sem ser, no sentido de que ela adotará identidades performáticas e superficiais, desconectadas de uma essência autêntica. De acordo com Giordano Filho (2019, p. 5), “o principal objetivo dos indivíduos é a busca por admiração e amor, de modo tão instantâneo que nem ocorre uma reflexão se ele se sentirá melhor após muitas curtidas e elogios, prevalecendo o imaginário sobre o simbólico.” A busca incessante por validação pode levar a um comportamento compulsivo, pelo qual o indivíduo estará sempre à procura da próxima “dose” de reconhecimento, de modo similar a uma dependência. A aprovação digital torna-se uma moeda de troca, uma forma de medir o próprio valor, mas que nunca realmente satisfaz de maneira duradoura. Nesse sentido, Benilton Bezerra Jr. (citado por Bender, 2023, p. 2-3) nos diz que: Numa sociedade tradicional, você sabe o que você é, quem você é, porque a sociedade lhe diz isso. Não é algo que caiba a uma instância interna definir. O seu lugar na hierarquia social é determinado para além das suas vontades. Numa sociedade individualista radical esse princípio se torna fluido. Vivemos em um imaginário em que cabe a cada um se fazer valer, se fazer reconhecer e, portanto, ficamos cada vez mais dependentes desses mecanismos de reconhecimento, cada vez mais dependentes do olhar do outro sobre nós, o que faz com que o sujeito viva permanentemente na busca de ser reconhecido, cada vez mais atravessado por essa insegurança que o olhar do outro precisa compensar. Isso é a essência do fenômeno do narcisismo nas sociedades contemporâneas. Não é tanto o mito de narciso que se encanta com a própria imagem; é mais o espelho da bruxa da branca de neve para o qual ela pergunta constantemente ‘existe alguém mais bonito do que eu’? Ao sermos, sem ser, experienciamos um vazio existencial que, com o tempo, se agrava e nos aliena. Estamos sempre em busca de algo que nunca realmente encontramos. O ciclo de insatisfação e busca incessante de validação, além de nos fragilizar, pode ser determinante no desenvolvimento dealguns transtornos e sofrimentos psíquicos. É o que veremos nos próximos tópicos. TEMA 4 – DISTÚRBIOS DE IMAGEM Diante de tudo que já trabalhamos até agora, não temos dúvidas que a cultura do narcisismo, aliada ao uso excessivo dos meios digitais, em que a primazia da imagem e a exposição constante são hipervalorizadas, podem levar a transtornos e sofrimentos psíquicos, tais como ansiedade, depressão e diversas questões relacionadas à autoimagem e autoestima. Dessa forma, resolvemos inserir dois tópicos sobre tais questões. Agora, iremos trabalhar alguns pontos sobre os distúrbios de imagem. 4.1 Definição Para podermos entender o que são distúrbios de imagem, torna-se essencial, primeiro, entender o que é imagem, para a psicopatologia. Para Dalgalarrondo (2019, p. 260), imagem ou esquema corporal são definidos como [...] a representação que cada indivíduo faz de seu próprio corpo. Essa percepção do próprio corpo é construída e organizada tanto pelos sentidos corporais externos e internos como pelas representações mentais, afetivas e cognitivas, referentes ao organismo. Assim, a diferenciação entre o corpo físico, objetivo (corpo anatômico), e o vivenciado, percebido subjetivamente pelo sujeito (esquema corporal), é de suma importância. Nosso esquema corporal é construído ao longo da nossa história de vida e envolve a forma como nossos pais, irmãos e pares nomeavam, significavam e valorizavam suas partes e funções. Nesse sentido, “o esquema corporal está sempre ligado à experiência afetiva, imposta pela relação com o outro, além da história de vida e experiências culturais do indivíduo”, de acordo com Dalgalarrondo (2019, p. 261). Podemos compreender que os distúrbios de imagem, no contexto psicopatológico, referem-se a alterações na percepção ou na representação que o indivíduo tem do próprio corpo, ou seja, nas distorções em sua aparência física, particularmente quanto ao tamanho, forma e proporções. É importante ressaltar que tais distorções não estão alinhadas com a realidade objetiva, mas sim com uma visão subjetiva e frequentemente negativa que pode influenciar profundamente o comportamento, as emoções e a autoimagem do indivíduo. Normalmente, quando falamos em distúrbios de imagem, as pessoas os associam aos transtornos alimentares, tais como: anorexia nervosa e bulimia. Contudo, não há essa restrição, uma vez que tais distúrbios também podem ser observados em outras condições, como o transtorno dismórfico corporal, pelo qual a pessoa é obcecada por um defeito imaginário ou uma pequena imperfeição na aparência física que, geralmente, passa despercebida pelos outros, mas é uma fonte de grande angústia para o indivíduo. A definição de distúrbios de imagem, portanto, está intrinsecamente ligada à percepção subjetiva que o indivíduo tem de si mesmo e a como essa percepção distorcida pode influenciar negativamente sua vida. A cultura midiática, com sua ênfase em padrões estéticos idealizados e frequentemente inalcançáveis, pode exacerbar essas distorções, contribuindo para a sua manutenção e agravamento. 4.2 Características Os distúrbios de imagem podem estar presentes em diversos transtornos e condições distintas. Sendo assim, não há como tecer um rol taxativo de suas características e nem afirmar que se alguma delas estiver presente teremos diante de nós, necessariamente, uma pessoa com distúrbio de imagem. Ressaltamos ainda que essas características podem variar de intensidade e manifestação e requerem uma abordagem terapêutica multifacetada para que possam ser compreendidas em toda a sua extensão. Cientes de tal complexidade, vamos a algumas características: ● Distorção da percepção corporal. O indivíduo tem uma visão irrealista e geralmente negativa de seu corpo, acreditando que partes de seu corpo são maiores ou menores do que realmente são. ● Preocupação excessiva. Pessoas com distúrbios de imagem frequentemente demonstram uma preocupação obsessiva, com o peso e a forma física, que pode dominar seus pensamentos diários e influenciar suas decisões e comportamentos. Há uma busca constante por um corpo ideal, frequentemente inspirado por padrões irreais promovidos pela mídia. ● Comportamentos compensatórios e restritivos. Devido à distorção e à insatisfação com o próprio corpo, é comum que os indivíduos com distúrbios de imagem adotem, para supostamente corrigir o que percebem como falhas, comportamentos extremos que serão frequentemente acompanhados por um ciclo de culpa e vergonha, caso não consiga mantê-los. ● Impacto na autoestima e identidade. Pessoas com esse tipo de distúrbio tendem a basear grande parte de sua autoestima e valor pessoal em sua aparência física, levando a uma autoavaliação negativa constante. Essa dependência da aparência pode resultar em sentimentos crônicos de inadequação, vergonha e até desespero, especialmente se a pessoa não conseguir atingir os padrões de beleza que internalizou como centrais. ● Isolamento social e dificuldades interpessoais. É muito comum, devido à percepção equivocada da imagem, que situações que envolvam exposição do corpo sejam evitadas. O medo de críticas e julgamentos pode levar a um isolamento cada vez maior, ocasionando conflitos tanto na esfera familiar quanto na profissional. ● Comorbidades psicológicas. Tais distúrbios coexistem com outros transtornos mentais, tais como: depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtornos alimentares, transtorno dismórfico corporal, entre outros. ● Resistência à mudança. Uma das características mais desafiadores dos distúrbios de imagem é a resistência do indivíduo à mudança de percepção mesmo quando é confrontado com evidências reais que o contradizem. Isso se deve, na maior parte das vezes, à natureza enraizada de tais distorções, uma vez que são sustentadas por padrões de pensamento rígidos. 4.3 Tratamento Vimos que os distúrbios de imagem englobam diversos tipos de transtornos e sofrimentos psíquicos. Então, não há como apresentar aqui um tratamento padrão ou formas específicas para cada espécie de transtorno. Devemos ressaltar, contudo, que a melhor abordagem é a multidisciplinar, envolvendo intervenções psicológicas, psiquiátricas e médicas. O objetivo principal do tratamento será auxiliar o sujeito a desenvolver uma percepção mais realista e saudável de seu corpo, além de tratar as possíveis comorbidades correlacionadas. É extremamente importante que o tratamento seja adaptado às necessidades individuais levando em consideração (além dos aspectos clínicos) o contexto social e cultural do paciente. TEMA 5 – ANSIEDADE E DEPRESSÃO Diante de todo o conteúdo já trabalhado por nós, vimos como nossa relação com o meio digital é complexa. De um lado, ele nos auxilia ao possibilitar novas formas de ser, ajudando a conhecer novas culturas, a interagir com pessoas que estão distantes de nós, a trabalhar em locais que as barreiras físicas não permitiriam, entre tantas outras experiências. De outro, o ciberespaço também é considerado como fonte importante de sofrimento. A exposição contínua a imagens e narrativas idealizadas nas redes sociais pode criar um ciclo de comparação prejudicial à saúde mental e tem sido apontada como um fator significativo para ansiedade e depressão. Tendo isso em mente, vamos agora conversar um pouco sobre esse assunto. 5.1 Definição e características Em nossa clínica, é muito comum nos depararmos com analisandos com quadros de ansiedade e depressão. Devemos, portanto, compreender um pouco melhor o que elas são e quais suas características. Dalgalarrondo (2019) define a ansiedade como um estado de humor desconfortável em que há uma apreensão negativa em relação ao futuro e uma inquietação interna desagradável. Aliado a isso haverá, também, manifestações somáticas, tais como desconforto respiratório, taquicardia, tensão muscular,tremores, entre outras. A depressão, por sua vez, é caracterizada por Dalgarrondo (2019) por um humor triste, prostração profunda, desespero e uma incapacidade de sentir prazer (anedonia) e uma série de alterações na esfera volitiva, como desânimo acentuado. Essas características são desproporcionalmente mais intensas e duradouras do que as respostas normais de tristeza que ocorrem ao longo da vida. Sintomas adicionais podem ser agrupados em diferentes esferas psicopatológicas (afetivas, de volição e somáticas); mas, em casos graves, é possível incluir, também, sintomas psicóticos como delírios e alucinações. 5.2 Ansiedade, depressão e redes sociais As redes sociais têm gerado, nos últimos anos, grande interesse e preocupação por parte de especialistas em saúde mental, uma vez que são plataformas que podem gerar/ampliar sintomas de ansiedade e depressão, principalmente em adolescentes e adultos jovens. Vimos, anteriormente, que a necessidade permanente de validação e reconhecimento e o modo como as redes sociais são projetadas podem resultar em uma necessidade compulsiva de se estar sempre conectado, postando conteúdos interessantes que serão repostados e comentados, recebendo likes, curtidas. Barlow, Durand e Hofmann (2021) apontam que os estressores sociais, como a pressão para se conformar às expectativas das redes sociais, podem desencadear vulnerabilidades psicológicas que contribuem para o desenvolvimento da ansiedade e da depressão. A constante exposição a conteúdos que destacam a vida idealizada de outras pessoas pode intensificar a sensação de inadequação e desamparo, levando a um ciclo vicioso. Outro aspecto importante é o da solidão, que pode alimentar significativamente a depressão. Embora as redes sociais possam proporcionar conexões, elas muitas vezes promovem interações superficiais que não têm a profundidade emocional necessária para construir relações significativas, levando a sentimentos de isolamento e solidão. A relação entre redes sociais, ansiedade e depressão é complexa e bidirecional. Conexão social, acesso à informação, apoio, espaço para expressão pessoal e criatividade são alguns dos aspectos benéficos apontados que justificam o uso cada vez maior das redes sociais. Outros podem achar que o uso das redes sociais aumenta seus sentimentos de isolamento e desconforto emocional. Não temos dúvidas que as duas formas de olhar estão corretas e que o ideal seria o uso equilibrado das plataformas sociais, o que não é, contudo, feito pela maioria das pessoas. Devemos, portanto, aprofundar nossos estudos sobre o assunto, uma vez que, apesar de o impacto negativo ser mais evidente em pessoas mais vulneráveis, todos sofremos, em alguma medida, seus efeitos. Dessa forma, o impacto negativo das redes sociais na saúde mental não pode ser subestimado e não podemos nos esquecer que o suicídio é um desfecho trágico que está frequentemente associado a transtornos de humor, como a depressão, e que podem ser exacerbados por fatores relacionados ao uso das redes sociais. A sensação de desamparo e desesperança, intensificada por interações on-line negativas, pode aumentar o risco de suicídio, especialmente entre os jovens, que são mais vulneráveis à pressão social digital. Dalgalarrondo (2019) afirma que estudos epidemiológicos indicam que de 15% a 40% das pessoas com depressão já tentaram alguma vez o suicídio. Outros estudos mais completos sobre suicídios revelam que 60% de todos eles são realizados por pessoas com depressão. Ter a doença aumenta em 20 vezes o risco de suicídio. É imperativo, portanto, que continuemos a estudar profundamente tais questões. Não podemos, nunca, desvincular o aspecto social da nossa clínica, por mais que existam especialistas da nossa área que defendam que psicanálise é essencialmente individual. NA PRÁTICA Veremos, agora, um recorte clínico de como questões de imagem estão presentes em nossa clínica. Ressaltamos que todos os dados e nomes foram alterados para que a privacidade e a confidencialidade fossem preservadas. Jaqueline e Filipe, casados, procuram Teodora para iniciar uma análise de casal. Questões financeiras estão minando a relação, apesar de Filipe não entender o motivo, pois ambos trabalham e têm bons salários. Jaqueline é a responsável pelas contas domésticas e afirma que realmente o salário dos dois não é suficiente. Após algum tempo, Filipe vai sozinho a uma sessão para contar que Jaqueline havia feito uma grande cirurgia plástica escondida dele, mas que não havia dado certo e ela estava internada em estado grave. Ela estava desviando dinheiro de casa havia algum tempo, pois seu objetivo era ficar com o corpo de uma modelo, pois acreditava que assim ele a amaria. FINALIZANDO Nesta etapa, foi possível perceber como as redes sociais funcionam como um palco privilegiado para a exibição narcisista, exacerbando a busca incessante por validação e reconhecimento. A cultura do exibicionismo, ao lado do culto às celebridades, reforça uma dinâmica social em que o eu é constantemente moldado para atender às expectativas alheias, muitas vezes em detrimento de uma identidade autêntica e saudável. Além disso, essa exposição constante, aliada à pressão para atender a padrões de beleza e sucesso muitas vezes inalcançáveis, pode resultar em distúrbios de imagem, ansiedade e depressão. A necessidade compulsiva de aprovação digital reflete uma fragilidade do self, que se vê dependente do olhar do outro para sentir-se validado. Esperamos que tenhamos conseguido mostrar a você a necessidade de aprofundar seus estudos (não apenas da psicanálise), além de termos uma visão crítica dos diversos fenômenos da hipermodernidade. Vamos para nossa última etapa?