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Epidemiologia-2015 Ragner Borgia Junott UNIDADE I 6. Relação Causal O conceito de que certos sintomas anormais ou enfermidades são “causados” é tão antigo como a história registrada. Para os acadianos (2500 a.C.), se alguém ficasse doente, ou era por sua própria culpa (por ter pecado) ou por desígnios de agentes de fora, como mau‑cheiro, frio, espíritos maus ou deuses. Em termos mais modernos, há duas grandes classes de fatores etiológicos: genéticos e adquiridos (infecciosos, nutricionais, químicos, físicos etc,). O conhecimento ou a descoberta da causa primária permanece como a espinha dorsal sobre a qual é feito um diagnóstico, uma enfermidade é compreendida, ou um tratamento é desenvolvido. Mas o conceito de uma causa levando a uma doença - em grande parte desenvolvida pela descoberta de agentes infecciosos específicos como causas de enfermidades específicas ‑ não mais é suficiente. Embora seja verdade que não haveria malária se não houvesse os parasitas da malária, não haveria tuberculose sem os bacilos da tuberculose, não haveria gota sem o distúrbio do metabolismo dos uratos, nem todos os indivíduos portadores desses organismos ou nascidos com a anormalidade metabólica desenvolvem a enfermidade, ou desenvolvem‑na na mesma incidência e com a mesma intensidade. Fatores genéticos afetam claramente as enfermidades induzidas ambientalmente, e o meio ambiente pode ter influências profundas nas doenças genéticas. 6.1. Os Modelos de Causalidade Nos últimos 100 anos, três modelos causais genéricos orientam os estudos epidemiológicos. Os modelos estão intrinsecamente relacionados com os conceitos de saúde e, certamente, com a mudança nos padrões das doenças. 6.1.2. Modelo causa única / efeito único: E o primeiro e mais simples modelo epidemiológico. Uma única causa é suficiente para produzir um efeito observado. Este modelo e bastante lógico, mas irreal. Os epidemiologistas usaram esta abordagem quando as doenças infecciosas eram predominantes uma única bactéria ou vírus era suficiente para produzir uma doença. 6.1.3. Modelo múltiplas causas / efeito único: Uma óbvia extensão do modelo anterior. Esta abordagem é válida onde os padrões de doença se encontram em estado transitório - em Comunidades ou áreas onde as doenças infecciosas estão em declínio e as doenças crônicas em ascensão. Assim, os padrões crônicos como doença coronária, câncer, acidente vascular cerebral e acidentes de trânsito podem ser analisados usando este modelo. 6.1.4. Modelo múltiplas causas / efeitos múltiplos: E extremamente complexo. Este modelo envolve os modelos holísticos de saúde e é perfeitamente aplicável aos padrões de doenças dos anos 80. Por exemplo: a poluição do ar, o fumo e formas específicas de radiação (causas) podem produzir câncer do pulmão, enfisema e bronquite (efeitos). 6.2. Conceito de Causa e de fator de Risco A causalidade dos eventos adversos à saúde é uma das questões centrais da epidemiologia, mas também uma das mais complexas. A epidemiologia em seus primórdios foi influenciada por conceitos unicausais da determinação das doenças, derivados principalmente do desenvolvimento da microbiologia no final do século passado. De acordo com essa concepção, a cada doença infecciosa deveria corresponder um agente etiológico específico. Essa concepção da unicausalidade das doenças tinha, entre seus principais referenciais teóricos, os chamados Postulados de Koch, originalmente formulados por Henle (1840) e adaptados por Robert Koch, em 1877. No entanto, já nas primeiras décadas do século XX, verificava-se que essa teoria não se adequava à compreensão da maioria das doenças infecciosas ou não-infecciosas, restringindo a aplicabilidade dos Postulados de Koch. A compreensão da concepção multicausal pressupõe o conhecimento dos conceitos de risco e de fator de risco, que apresentamos a seguir. Entende-se por risco em epidemiologia a probabilidade de ocorrência de uma particular doença ou evento adverso à saúde. Pode-se definir como fator de risco o elemento ou característica positivamente associado ao risco (ou probabilidade) de desenvolver uma doença. Podemos então entender a causalidade como algo que pode apresentar-se de duas formas: a direta ou a indireta. Esquema das formas direta e indireta de causalidade Fonte: Adaptado de L. Gordis, 1996 Na causação direta o fator A causa diretamente a doença B sem a interação com nenhum fator adicional. Na causação indireta o fator A causa a doença B, mas por meio da interação de um ou mais fatores adicionais (fatores X, Y...), que podem ser entendidos como fatores de risco. Na biologia humana, raramente o processo causal está associado diretamente a um único fator. Aplicando um raciocínio semelhante, mas utilizando uma abordagem algo diferente, podemos apresentar a causalidade como uma relação de causa – efeito em que alguns elementos devem estar presentes para que a doença ocorra. Teríamos dois componentes da causalidade: A causa “necessária”, entendida como uma variável (patógeno ou evento) que deve estar presente e preceder a doença, produzindo uma associação causa – efeito; A causa “suficiente”, entendida como certa variável ou um conjunto de variáveis cuja presença inevitavelmente produz ou inicia a doença. A presença de um patógeno pode ser necessária para a ocorrência de uma doença, mas sua presença pode não ser suficiente para que ela se desenvolva. Em situações como essa à causa suficiente pode ser a quantidade do inoculo ou a presença de outros fatores numa configuração favorável ao desenvolvimento da doença. Geralmente, a causa suficiente abrange um conjunto de componentes (fatores de risco), não sendo necessário identificá-los na totalidade para implementar medidas efetivas de prevenção, uma vez que a eliminação de um deles pode interferir na ação dos demais, naquilo que denominamos configuração favorável, e, portanto, evitar a doença. A partir desses pressupostos, em epidemiologia pode-se definir como causa uma multiplicidade de condições propícias que, reunidas em configurações adequadas, aumentam a probabilidade (ou risco) de ocorrência de determinada doença ou evento adverso à saúde. Se tomarmos o exemplo da tuberculose, pode-se aceitar a presença do bacilo de Koch como sua causa necessária, embora não seja suficiente, pois a evolução da infecção tuberculosa para a doença é conseqüência da intervenção de um conjunto de fatores de risco, tais como a má alimentação, as condições inadequadas de habitação, a debilidade física resultante de trabalho extenuante e fatores genéticos. Esse conjunto de fatores de risco constitui o que podemos entender por causa suficiente. É possível destacar quatro tipos de fatores que intervêm na causalidade das doenças, atuando seja como causas necessárias, seja como causas suficientes: Fatores predisponentes, como idade, sexo, existência prévia de agravos à saúde, que podem criar condições favoráveis ao agente para a instalação da doença. Fatores facilitadores, como alimentação inadequada sob o aspecto quantitativo ou qualitativo, condições habitacionais precárias, acesso difícil à assistência médica, que podem facilitar o aparecimento e desenvolvimento de doenças. Fatores desencadeantes, como a exposição a agentes específicos, patogênicos ao homem, que podem associar-se ao aparecimento de uma doença ou evento adverso à saúde. Fatores potencializadores, como a exposição repetida ou por tempo prolongado a condições adversas de trabalho, que podem agravar uma doença já estabelecida. Com alguma freqüência podemos identificar diferentes fatores de risco para uma mesma doença, o que pressupõe a existência de uma rede de fatores ligados à causalidade. A força de cada fator, como determinante do agravo, pode ser variável. Da mesma forma, existem fatores de risco associados a mais de uma doença. A Epidemiologia se dedicaa encontrar associações entre os estados de saúde/doença e os fatores a eles associados numa população. Associação significa o relacionamento que pode existir entre a ocorrência de um fato e outro. Três possíveis tipos de relacionamentos podem ocorrer: Uma associação positiva - tende a ocorrer juntos; Uma associação negativa - o aumento da ocorrência de um tende a diminuir a do outro; Sem associação - tem ocorrência independente. 6.3. Cálculo do risco relativo O RR, ou razão de incidências, expressa uma comparação matemática do risco de adoecer entre grupos de expostos e não-expostos a um determinado fator em estudo. A interpretação dos valores encontrados no cálculo do risco relativo é feita da seguinte maneira: Quando o RR apresenta um valor igual a 1, temos a ausência de associação. Quando o RR é menor que 1, a associação sugere que o fator estudado teria uma ação protetora. Quando o RR é maior que 1, a associação sugere que o fator estudado seria\ um fator de risco; quanto maior o RR, maior a força da associação entre exposição e o efeito estudado. Tomando como exemplo um estudo de coorte sobre o tabagismo e a ocorrência de câncer de pulmão, podemos calcular o RR da seguinte forma: Incidência de câncer de pulmão entre fumantes e não-fumantes FUMANTES CANCER DE PULMÃO TOTAL INCIDENCIA* SIM NÃO FUMANTES 153 98.870 99.023 1,54 NÃO-FUMANTES 05 52.690 52.695 0,09 TOTAL 158 151.560 151.718 1,04 * Por 1.000 habitantes. Fonte: Adaptado de Doll & Hill. O cálculo da incidência entre os expostos e não-expostos e do risco relativo (RR), isto é, da força da associação, é o seguinte: IE = Incidência nos expostos. IE = (153 casos de câncer de pulmão) / (99.023 expostos ao risco) = 1,54 INE = Incidência nos não-expostos. INE = (5 casos de câncer de pulmão) / (52.695 não-expostos ao risco) = 0,09 Temos, portanto, uma forte associação entre o tabagismo e a ocorrência de câncer de pulmão; os expostos ao risco (tabagistas) têm uma probabilidade 17,11 vezes maior de ser atingidos pelo câncer de pulmão do que os não-expostos (não-tabagistas). Num outro exemplo, podemos ter o RR<1. Taxa de ataque de avitaminose A entre indivíduos que têm alto e baixo consumo de carne fresca EXPOSIÇÃO POPULAÇÃO AVITAMINOSE A TOTAL INCIDENCIA* ATINGIDOS NÃO-ATINGIDOS CONSUMO DE CARNE FRESCA ALTO 9 208 217 4,1 BAIXO 52 472 524 9,9 TOTAL 61 680 741 8,2 * Expressa em % Fonte: CDC (6) IE = Incidência nos expostos IE = 9/217 = 4,1% INE = Incidência nos não-expostos INE = 52/524 = 9,9% Neste caso o RR é < 1; portanto, podemos dizer que a ingestão de carne fresca é um fator protetor contra a avitaminose A. 6.4. Cálculo do risco atribuível na população O risco atribuível na população mede a margem de excesso de morbidade que ocorre no conjunto de uma população e que é atribuível à presença de um determinado fator de risco. Sua expressão matemática é a seguinte Io = Incidência na população INE = Incidência nos não-expostos No exemplo do tabagismo como fator de risco para a ocorrência de câncer de pulmão, teríamos: Nesse exemplo, o risco atribuível na população indica que a queda da incidência de câncer de pulmão seria de 91,34% se o hábito do tabagismo fosse banido da população. Essa é outra forma de apresentação do impacto de um programa de saúde. Atividade 4.1. Calcule o RR e o RA Estudo de coorte sobre o alcoolismo e a ocorrência de cirrose hepática, no município Bauri, no ano de 2006. POPULAÇÃO CIRROSE HAPÁTICA TOTAL Incidência p/103 RR RA SIM NÃO ALCOÓLATRA 5.289 87.688 NÀO-ALCOOLATRA 226 45.879 TOTAL FONTE: Bauri ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ BIBLIOGRAFIA 1. Módulos de Princípios de Epidemiologia para o Controle de Enfermidades. Manual. Organização Pan-Americana da Saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; Ministério da Saúde, 2010. 94 p.: il. 7 volumes. 2. ACUÑA, D. L. e A. Romero. Perspectivas de la Investigación Epidemiológica en el Control y Vigilancia de las Enfermedades. México, Salud Pública, 26:281-296, 1984. 3. ALMEIDA FILHO, N. e M. Z. 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Causação direta Fator A Doença B Fator X Doença B Fator Y Causação indireta 17,11 = 1,54 0,09= IE INE = Risco relativo (RR) 0,41 4,1 9,9 IE INE = = = Risco relativo (RR) Io – INE x 100 Io = Risco atribuição (RA) na população Risco atribuição (RA) na população = 1,04 – 0,09 x 100 = 91,34 1,04 �PAGE � �PAGE �1�
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