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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA LEI MARIA DA PENHA: UMA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA? MARIANA NARLOCH LENKAITIS São José, 2008 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA LEI MARIA DA PENHA: UMA AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA? Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau em Direito na Universidade do Vale do Itajaí. . MARIANA NARLOCH LENKAITIS Orientador: Professor Claudio Andrei Cathcart São José, 2008 DEDICATÓRIA É com amor e gratidão que eu dedico este trabalho a minha família, especialmente aos meus tios para os quais eu desejo seja efetivamente estendido o manto da justiça e da dignidade. AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus pela dádiva da vida; o mais complexo e gratificante presente que recebemos e que devemos cultivar com todo amor e responsabilidade. A minha mãe Mauren por todo seu amor e por toda sua dedicação em me proporcionar a melhor educação; o mais valioso bem que possuo. Aos meus familiares, vó Ivone, tios Charles e Marcelo, irmão Maurício pela constante presença e por todo auxílio prestado no decorrer da minha vida. Ao meu namorado Alysson por nossa linda história de amor, a qual eu quero viver para o resto das nossas vidas. As minhas grandes e estimadas amigas pela companhia, pela ajuda, pelo carinho (...). Ao meu professor orientador, Professor Claudio Andrei Cathcart, por ter aceitado orientar-me, por sua dedicação e por sua paciência com minhas inseguranças. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. São José, junho de 2008. Mariana Narloch Lenkaitis Graduanda ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS Art. – Artigo CID – Código Internacional de Doenças LICC – Lei de Introdução do Código Civil STF – Supremo Tribunal Federal ROL DE CATEGORIAS Família “[...] espaço de realização da afetividade humana e da dignidade de cada um dos seus membros [...].”1 Homossexualidade “[...] prática sexual entre pessoas do mesmo sexo.”2 Lei Maria da Penha; lei nº 11.340/2006 Trata-se de uma lei que objetiva, principalmente, coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.3 1 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Repersonalização das Relações de Família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre. v. 6, nº 24, jun/jul de 2004. p. 138 e 139. 2 ASSIS, Reinaldo Mendes de. União entre homossexuais: aspectos gerais e patrimoniais. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2432>. Acesso em: 10 Abr. 2008. 3 BRASIL. Lei nº 11.340, Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em: 23 Abr. 2008. PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Mariana Narloch Lenkaitis, sob o título “Lei Maria da Penha: uma ampliação do conceito de família?”, foi submetida em 16/06/2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Claudio Andrei Cathcart (presidente da banca), MSc Renato Heusi de Almeida (Membro 1), MSc Luiza Cristina Valente Almeida (Membro 2), MSc Marciane Zimmermann Ferreira (Suplente), e aprovada com a nota São José, junho de 2008. Claudio Andrei Cathcart Orientador e Presidente da Banca MSc. Elisabete Wayne Nogueira Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica SUMÁRIO RESUMO ................................................................................................................ XI ABSTRACT ............................................................................................................ XII 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 01 2 NOÇÕES GERAIS DE DIREITO DE FAMÍLIA ...................................................... 05 2.1 ASPECTOS DESTACADOS DA ORIGEM FAMILIAR ........................................... 05 2.2 ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL COLONIAL E NAS CONSTITUIÇÕES (IMPERIAL E REPUBLICANAS) DO BRASIL ............. 16 2.2.1 A Constituição do Império – 1824 ....................................................................... 18 2.2.2 A Constituição Republicana – 1891 .................................................................... 20 2.2.3 A Constituição da Primeira Era Varguista – 1934 ............................................. 21 2.2.4 A Constituição do Estado Novo – 1937 .............................................................. 23 2.2.5 A Constituição do Retorno à Democracia – 1946 ............................................. 24 2.2.6 A Constituição Revolucionário-Militar - 1967 - e as Emendas Constitucionais nº 1 de 1969 e nº 9 de 1977 ...................................................... 25 2.2.7 A Constituição Cidadã – 1988 ............................................................................. 26 2.3 ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO DE FAMÍLIA NOS DECRETOS PROMULGADOS ENTRE A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL DE 1824 E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1891 ....................................................................................................................... 29 3 NOÇÕES GERAIS SOBRE A FAMÍLIA DA ATUALIDADE ................................. 32 3.1 O CONCEITO DE FAMÍLIA .................................................................................... 32 3.2 OS PRINCÍPIOS INERENTES À FAMÍLIA ............................................................ 35 3.2.1 Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana ............................ 37 3.2.2 Princípio Constitucional do Reconhecimento de Entidades Familiares ou do Pluralismo das Entidades Familiares ........................................................... 38 3.2.3 Princípio Constitucional da Liberdade e Princípio Constitucional da Igualdade ............................................................................................................... 40 3.2.4 Princípio Constitucional da Solidariedade Familiar ......................................... 41 3.2.5 Princípio da Afetividade ...................................................................................... 42 3.3 AS ESPÉCIES DE FAMÍLIA ................................................................................... 43 3.3.1 Do Casamento ...................................................................................................... 46 3.3.2 Da União Estável .................................................................................................. 48 3.3.3 Da Família Monoparental .....................................................................................51 4 A CARACTERIZAÇÃO DA FAMÍLIA À LUZ DA LEI MARIA DA PENHA, LEI Nº 11.340/2006 ...................................................................................................... 54 4.1 AS FAMÍLIAS POSSÍVEIS CONFORME A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ................ 54 4.2 HOMOSSEXUALIDADE E RELAÇÕES HOMOAFETIVAS ................................... 60 4.2.1 Breve Histórico; Alteração da Terminologia Adotada; Homossexualidade como Direito da Personalidade ........................................................................... 60 4.2.2 Da Relação Homoafetiva e a Legislação Brasileira .......................................... 64 4.3 AS ENTIDADES FAMILIARES SOB O ENFOQUE DADO PELA LEI MARIA DA PENHA (11.340/2006) ............................................................................................ 73 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 79 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 83 RESUMO O tema proposto no presente trabalho monográfico teve como objetivo a análise da ampliação do conceito de família a partir da previsão do artigo 5º, II, parágrafo único da Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006, que discorre expressamente sobre as uniões homoafetivas, considerando-as famílias formadas por vontade expressa, ou seja, considerando-as como verdadeiras famílias que merecem o devido reconhecimento e proteção. Para atingir esse propósito, foi feito um singelo apanhado histórico sobre a estrutura familiar e sobre as passagens legislativas da família no ordenamento jurídico brasileiro (principalmente nas Constituições), foi verificada a situação em que se encontra a família da atualidade, bem como foi feita uma análise da família sob o prisma da Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006. Em razão disso, constatou-se que a família se transforma constantemente (adequando-se ao momento social por que passa a sociedade), que a família que se tem atualmente está voltada aos interesses pessoais de seus membros (importando o afeto e o pleno desenvolvimento de seus membros), que embora houvesse outros meios de se buscar o reconhecimento das uniões homoafetivas, foi a Lei Maria da Penha que trouxe o reconhecimento expresso dessas formas de família e, conseqüentemente, a ampliação do conceito de família (pois, reconhecer as famílias homoafetivas significa ditar a inexistência de uma limitação imposta pelos tipos de entidades familiares previstos expressamente pela Constituição de 1988 e significa a inserção dos novos rumos assumidos pela família no ordenamento jurídico pátrio, amparando legalmente a ampliação do que se entende por família). Palavras chave: família, homossexualidade, Lei Maria da Penha; lei nº 11.340/2006 ABSTRACT The theme proposed in this present monograph study had as purpose, the analysis of the ampliation of the concept of family based on the foreknowledge article 5, II, unique paragraph of Maria da Penha Law number 11.340 of 2006 that discourses expressively about the homo - affective union, considering them as a family created by expressed whish, that is, considering them as a real family that deserves recognition and protection. To achieve this purpose, it has been done a humble history study about the family structure and of the legislatives passages about the family in the Brazilian juridical commandment (especially in the Constitutions) and it was confirmed that the present situation of the nowadays family and also the analysis of the family based on the angle of Maria da Penha Law number 11.340 of 2006. For all these reasons, it has been proved that the family changes constantly (adjusted by the social moment that the society is passing) and also be focused for the personal interesting of your members and even if had any other ways to get the recognition of the homo – affective unions, it was the Maria da Penha Law number 11.340 of 2006 that brought the expressed acknowledgment of this type of family and resultantly, the amplification of the meaning family, therefore, recognizing homo-affective relationships means that it is not correct to dictate the non existing of a limitation forced by other families entities, that is foreseen by the Constitution of 1998, and it means that the starting of new ideas taken by the families in this juridical native commandment, legally secured by the enlargement of the meaning of family. Key-words: family, homossexuality, Maria da Penha Law number 11.340 of 2006 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho, intitulado “Lei Maria da Penha: uma ampliação do conceito de família?”, destina-se à obtenção do título de bacharel em direito pela Universidade do Vale do Itajaí e apresenta como tema a ampliação do conceito de família ante a leitura do art. 5º, II, parágrafo único da Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006, que previu expressamente uma forma de família (a saber, a família homoafetiva) diferente daquelas positivadas pela Constituição de 1988. Este trabalho se justifica por abordar um tema bastante relevante, a família. Tema que se torna bastante polêmico ao se tratar da ampliação do que se entende por família em decorrência do reconhecimento legal das uniões homoafetivas pela Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006. Trata-se de uma discussão atual e necessária, visto que o preconceito que insiste em permear a homossexualidade prejudica, por sua vez, o reconhecimento da pluralidade das formas de família. Desafio que coloca os mandamentos constitucionais vintenários frente a uma interpretação mais maleável e frente a inovações abarcadas por uma lei infraconstitucional sancionada há poucos anos, qual seja, Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006. No primeiro capítulo serão vistas noções gerais sobre o direito de família, sendo que o foco do mesmo será a elaboração de um histórico sobre a família. Inicialmente, este capítulo tratará das primeiras formas de constituição de família, demonstrando-se quais foram e em qual contexto se inseriram, bem como demonstrando-se a substituição que houve entre esses modelos familiares, afinal a família sempre se transformou com o passar dos tempos, encontrando-se em movimento desde o início de suas primeiras formações até o presente momento, visto que os motivos pelos quais se originam, a forma com que se constituem, as pretensões que almejam, entre outras coisas, são fatores resultantes dos momentos históricos vivenciados por uma sociedade. (motivo pelo qual as primeiras formas de família eram abruptamente diferentes das famílias atuais, afinal a sociedade mudou substancialmente desde então). 2 Em um segundo instante, serão visitados alguns aspectos do direito de família no Brasil colonial, bem como serão visitados os principais aspectos inerentes à família que se insculpiram nas Constituições do Brasil. Chegando- se, por fim, à Constituição de 1988 que será bastante discutida neste trabalho, pois apesar de ter ampliado as formas de constituição de família em relação às Constituições anteriores, deixou de reconhecer expressamente outros tipos de arranjos familiares presentes na sociedade, gerando uma aparente limitação dos tipos de entidades familiares possíveis. E ao final, serão observados os conteúdos trazidos por diversos decretos que foram promulgados entre a Constituição Imperial de 1824 e a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 e que cuidaram das formalidades inerentes ao casamento, demonstrando-se como os casais da época poderiam constituir as suas famílias; indiretamente, demonstrando-se a desvinculação entre o Estado e a Igreja. Quanto ao segundo capítulo, este tratará de noções gerais sobre a famíliada atualidade. Primeiramente, será explicitado o conceito de família ante uma visão mais contemporânea, identificando-se os novos propósitos assumidos pela família da atualidade. Afinal, a família que se tem hoje não mais se forma pautada em interesses patrimoniais, mas sim em interesses pessoais, resultando no deslocamento dos valores que tangenciam a família. Posteriormente, serão identificados e explanados alguns princípios entendidos como relevantes à família. São eles: o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o princípio constitucional do reconhecimento de entidades familiares ou do pluralismo das entidades familiares, o princípio constitucional da liberdade e o princípio constitucional da igualdade, o princípio constitucional da solidariedade familiar e, por fim, o princípio da afetividade. Finalmente, serão vistas as espécies de família, as quais se encontram expressamente previstas na Constituição de 1988 e são constituídas pelo casamento, pela união estável e pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Espécies de família que traduzem as formas de constituição de família previstas expressamente pela Constituição de 1988, mas que posteriormente serão discutidas em relação a sua exclusividade, posto que a riqueza das relações humanas é capaz de gerar agrupamentos familiares 3 diversos destes positivados, os quais também devem ser merecedores de atenção quando garantidores de um ambiente propício ao desenvolvimento dos seus membros. No último capítulo, será discutida a caracterização da família à luz da Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006. Para tanto, serão identificadas as famílias possíveis conforme a Constituição de 1988, indicando-se, através do exposto, a existência de arranjos familiares implícitos na Constituição de 1988 (demonstrando-se, com isso, que aquelas três espécies de família anteriormente elencadas não se exaurem nos únicos modelos de constituição de família). Também serão verificados alguns aspectos em relação à homoafetividade e as relações homoafetivas, bem como serão trabalhadas as inovações abarcadas pela Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006, e suas implicações em relação à ampliação do conceito de família, uma vez que a mesma reconheceu de forma inequívoca as uniões homoafetivas como entidades familiares. Como objetivo geral pretende-se analisar o art. 5°, II, parágrafo único da Lei Maria da Penha, lei n° 11.340/06, posteriormente à verificação de um contexto histórico e das novas feições assumidas pela família, para averiguar se houve a ampliação do conceito de família em virtude do reconhecimento legal das uniões homoafetivas trazido em seu bojo. O presente estudo tem como objetivos específicos fazer uma abordagem histórica sobre a família e sobre as passagens legislativas da família no ordenamento jurídico brasileiro (principalmente nas Constituições) para demonstrar que a família está em constante adequação ao momento por que passa a sociedade, delinear as noções gerais sobre a família da atualidade para explicitar, principalmente, os motivos pelos quais se formam as famílias destes tempos e quais os seus objetivos, isto é, qual norte que orienta essas famílias hodiernamente e, por fim, caracterizar a família à luz da Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006 para o quê se buscará discutir a ampliação do conceito de família através do reconhecimento legal das uniões homoafetivas no art. 5º, II, parágrafo único da Lei Maria da Penha, lei nº 11.340/2006 (inserindo-se, nesse objetivo específico, a discussão do tratamento dispensado 4 às uniões homoafetivas até o advento da referida lei), afinal, não se pode deixar a família a mercê dos conservadorismos e do preconceito que existem em relação ao reconhecimento da pluralidade das formas de entidades familiares. Destaca-se que o método adotado para a elaboração da presente monografia, resume-se ao método dedutivo de pesquisa. 5 2 NOÇÕES GERAIS DE DIREITO DE FAMÍLIA O incipiente capítulo tratará, ainda que distante do exaurimento do assunto, acerca de aspectos destacados da origem familiar, de aspectos destacados do Direito de Família no Brasil colonial e nas Constituições (Imperial e Republicanas) do Brasil, de aspectos destacados do Direito de Família nos Decretos promulgados entre a Constituição Imperial de 1824 e a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Para tanto, serão explicitados desde os primeiros grupos familiares até os mais atuais da mesma forma como também serão explicitados os desdobramentos inerentes à família que se exteriorizaram no País, passando-se da sua fase colonial até a sua fase atual, ora, Republicana, a fim de proporcionar o embasamento do presente estudo. 2.1 ASPECTOS DESTACADOS DA ORIGEM FAMILIAR No que concerne ao objetivo deste tópico, imprescindível se faz a análise da obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado4, escrita por Friedrich Engels em virtude das investigações realizadas por L. H. Morgan.5 De acordo com os ensinamentos trazidos por esta, depreende-se que existiram três épocas principais, quais sejam, a época do estado selvagem, da barbárie e da civilização e foi juntamente a estas épocas que se deu a evolução da família. Aliás, conforme entende Luciana Marcassa, foram os avanços obtidos em cada uma das épocas que influenciaram o desenvolvimento humano e, conseqüentemente, as formas de constituição de família.6 Quanto às duas primeiras épocas, foram adotadas as subdivisões: 4 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 5 Em verdade, conforme consta no prefácio à primeira edição (1984), Friedrich Engels fala que sua obra corresponde à execução de um testamento, afinal as investigações feitas por seu falecido amigo L. H. Morgan, durante aproximadamente quarenta anos, não chegaram a ser publicadas pelo mesmo. (ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 1-3.) 6 MARCASSA, Luciana. A origem da família, da propriedade privada e do Estado - Friedrich Engels - . Disponível em: 6 fases inferior, média e superior. Quanto à última, ora, civilização, houve, apenas, o esclarecimento acerca de como se deu a passagem da segunda para a terceira época.7 Na fase inferior do estado selvagem, existiram homens vivendo em bosques, usufruindo de frutos e raízes. Foi nesta que se deu a formação da linguagem articulada. Já na fase média do estado selvagem, iniciou, concomitantemente, o uso de peixes como alimento e o emprego de fogo, motivo que facilitou a migração e disseminou povoamentos no curso dos rios. Também em decorrência da descoberta do fogo, os homens passaram a utilizar outros tipos de alimentos e mesmo assim receavam quanto à falta destes. Por esse motivo, acredita-se que a antropofagia tenha surgido nessa fase. Por fim, na fase superior do estado selvagem, encontram-se indícios de fixação do homem e, conseqüentemente, do desenvolvimento de suas técnicas de subsistência. É nesta fase que são inventados o arco, a flecha e que são habitualmente consumidos animais provenientes das caçadas.8 Diante desse contexto, existiu como forma de família o matrimônio por grupos.9 Embora se coloque o matrimônio por grupos nesta época, é preciso comentar sobre a promiscuidade que lhe antecedeu para facilitar a compreensão da origem do mesmo. A história primitiva demonstra que existiu um período em que os relacionamentos eram pautados na desordem, havia um estado de promiscuidade em que homens e mulheres pertenciam uns aos outros indistintamente, isto é, cada mulher pertencia a todos os homens e cada homem pertencia a todasas mulheres.10 Mas esta anomia11 traz consigo diversos questionamentos. Para Caio Mário da Silva Pereira “Tal condição é incompatível com a idéia exclusivista do ser humano [...]”12, para Rodrigo da Cunha Pereira não passam de hipóteses, <http://www.politecnica.br/programasinst/Revistas/revistas2006/rev_educacao/10.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2007. p. 85. 7 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 21. 8 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 22-23. 9 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 56. 10 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 31. 11 Designação adotada por Pontes de Miranda ao escrever sobre a promiscuidade. Significa ausência de regras, conforme MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. v. I. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2001. p. 63. 12 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 16 ed. rev. e atual. por Tânia da Silva Pereira. De acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v.V. p. 24. 7 pois defende que desde o início haviam impedimentos e tabus13, para Carlos Silveira Noronha é pouco provável a origem familiar pautada meramente na satisfação dos desejos e na necessidade de procriação da prole, uma vez que tais motivos equiparariam o homem aos animais.14 Carlos Silveira Noronha ainda menciona: A origem familiar na promiscuidade de sexos só pode ser admitida em fases episódicas da caminhada histórica. É que, se constituindo em forma de agregação inorgânica, senão anárquica, pouco compatível com a racionalidade do homem e da mulher, guarda duvidosas possibilidades de oferecer a origem da entidade sócio-jurídica transcendente e fundamental, como o é a família.15 Por fim, tem-se que dada situação fez parte de tão distante época que sequer é possível encontrar provas diretas capazes de comprovar a existência da promiscuidade de sexos. Acredita-se também que as diversas elucubrações acerca dessa união livre entre homens e mulheres podem corresponder aos primeiros passos dados até se chegar ao matrimônio por grupos; seria uma espécie de transição da animalidade para a humanidade.16 Retomando as explicações condizentes ao matrimônio por grupos, forma de família que existiu durante o estado selvagem, tem-se que tal arranjo familiar encontrou como formas de exteriorização a família consangüínea e a família punaluana. Acerca destas, Luciana Marcassa menciona: Na Família Consangüínea, que é a expressão do primeiro progresso na constituição da família, na medida em que excluiu os pais e os filhos de relações sexuais recíprocas, os grupos conjugais classificam- se por gerações, ou seja, irmãos e irmãs são, necessariamente, marido e mulher, revelando que a reprodução da família se dava através de relações carnais mútuas e endógenas. O segundo progresso corresponde à Família Panaluana, da qual são excluídas as relações carnais entre irmãos e irmãs, criando a categoria dos 13 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A família – Estruturação jurídica e psíquica. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord). Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 20-21. 14 NORONHA, Carlos Silveira. Conceito e Fundamentos de Família e sua Evolução na Ordem Jurídica. Ajuris. Ano XXI, v. 61, julho de 1994, p. 313. 15 NORONHA, Carlos Silveira. Conceito e Fundamentos de Família e sua Evolução na Ordem Jurídica. p. 315. 16 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 31-36. 8 sobrinhos e sobrinhas, primos e primas, manifestando-se como um tipo de matrimônio por grupos em comunidades comunistas.17 Quanto à família consangüínea, Friedrich Engels destaca que seu falecido amigo L. H. Morgan passou a maior parte da sua vida na tribo dos senekas (uma das tribos dos iroqueses e cujos integrantes eram índios americanos), a qual era regida por essa forma de constituição de família. Aponta que L. H. Morgan encontrou diversas contradições quanto aos reais vínculos de família existentes nessa estrutura. Isso porque o homem iroquês chamava de filho ou de filha a prole de seus irmãos como se fossem seus próprios (pelos quais também era chamado de pai), chamando de sobrinhos e de sobrinhas apenas os filhos e as filhas de suas irmãs, enquanto que as mulheres iroquesas, por sua vez, entendiam como filhos ou filhas os seus próprios, além da prole de suas irmãs (pelos quais igualmente era chamada de mãe), chamando de sobrinhos ou de sobrinhas apenas os filhos e as filhas de seus irmãos.18 Já quanto à família punaluana, tem-se que esta é oriunda da família consangüínea, contudo, apresentando-se em um estágio mais avançado, uma vez que limitou a família consangüínea na medida em que ficaram excluídos das relações sexuais recíprocas os irmãos e as irmãs. Corroborando este aspecto: [...] a proibição das relações sexuais entre irmãos e irmãs pela sociedade levou à divisão dos filhos de irmãos e irmãs, até então indistintamente considerados irmãos e irmãs, em duas classes: uns continuam sendo, como antes, irmãos e irmãs (colaterais); outros -de um lado os filhos dos irmãos, de outro os filhos das irmãs- não podem continuar mais como irmãos e irmãs, já não podem ter progenitores comuns, nem o pai, nem a mãe, nem os dois juntos; e por isso se torna necessária, pela primeira vez, a categoria dos sobrinhos e sobrinhas, dos primos e primas, categoria que não teria sentido algum no sistema familiar anterior.19 17 MARCASSA, Luciana. A origem da família, da propriedade privada e do Estado - Friedrich Engels -. p. 86. 18 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 28-29. 19 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 41. 9 E ainda em decorrência dessa limitação exposta, também houve reflexos quanto à compreensão dos graus de parentesco, visto que ficou bastante facilitada.20 Por fim, no tocante à endogamia anteriormente aludida por Luciana Marcassa, Sílvio de Salvo Venosa reconhece que “Disso decorria que sempre a mãe era conhecida, mas se desconhecia o pai, o que permite afirmar que a família teve de início um caráter matriarcal, porque a criança ficava sempre junto à mãe, que a alimentava e a educava.”21 Acerca desse matriarcalismo, Caio Mário da Silva Pereira compreende que até pode ter existido essa formação matriarcal baseada na convivência das proles juntamente às suas mães, entretanto acredita que isso ocorria tão somente quando os homens precisavam se fazer ausentes em virtude das guerras e das caçadas. Acredita-se que os homens passavam os seus poderes às mulheres somente nesses momentos, verificando-se, com isso, uma soberania temporária das mulheres perante a estrutura familiar na qual estavam contidas.22 Já Carlos Silveira Noronha entende que as primeiras organizações se deram em torno da figura feminina independentemente da ausência do homem para que essa prerrogativa fosse possível às mulheres: Segundo registra a história, quando a sociedade se organizou em tribos, a família formou-se em torno da mulher, admitindo-se, então a poliandria e resultando, daí, a forma do matriarcado. Justifica-se essa transição numa circunstância de que, desconhecendo-se o pai, o filho tomava o nome da mãe. Mas esse período não teve duração, modificando-se para o regime patriarcal com o desenvolvimento da civilização.23 Foramesses os principais desdobramentos familiares que permearam a vida durante a época do estado selvagem. Já quanto à fase inferior da barbárie, houve a introdução da cerâmica, a domesticação de animais, bem como o cultivo de plantas. Sua fase média foi 20 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 39-44. 21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 19. v. 6. 22 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. p. 24. 23 NORONHA, Carlos Silveira. Conceito e Fundamentos de Família e sua Evolução na Ordem Jurídica. p. 315. 10 caracterizada pela vida pastoril e pelo sentimento de impossibilidade de abandono voluntário das terras. Acredita-se que o cultivo de cereais teve início nesta fase, mas primeiramente para suprir a alimentação dos animais e somente mais tarde para a alimentação dos próprios homens. E é sob essa nova perspectiva de alimentação que foi se esvaecendo a antropofagia anteriormente citada. A última fase da barbárie, a superior, iniciou com a fundição do minério de ferro e devido a essa nova aptidão houve a invenção do arado de ferro puxado por animais, instrumento que possibilitou a lavra da terra em grande escala e o aumento da população.24 Nesse cenário, existiu como forma de família a designada sindiásmica.25 Em virtude das limitações impostas no decorrer das fases do estado selvagem, restou dificultado o matrimônio por grupos e, com isso, houve o favorecimento de novos arranjos familiares. Conforme consta no parágrafo anterior, a barbárie foi marcada pela existência da família sindiásmica e esta apresentou homem e mulher unidos em pares26, porém não se verificaram grandes avanços quanto à estabilidade, haja vista que aos homens permaneceram permitidas a poligamia e a infidelidade, enquanto que às mulheres sobrou o dever de absoluta fidelidade perante o seu homem, enquanto com ele estivesse.27 Além disso, o estabelecimento de pares também retirou da mulher a prerrogativa de ser a única figura passível de reconhecimento pela prole, porquanto o pai, agora presente, conseguiu manter vínculos perante a sua prole.28 Essa conquista masculina, surgida no decorrer da família sindiásmica, propiciou mudanças substanciais nas relações hierárquicas e patrimoniais no seio das famílias. Os homens passaram a ser proprietários, dentre outras riquezas, do gado e dos escravos ao passo que as mulheres ficaram unicamente com os utensílios domésticos. Além dessa pouca monta a que 24 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 24-27. 25 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 56. 26 Comum a celebração de casamentos entre duas pessoas estranhas, pois o comprometimento entre elas dava-se pelo interesse de suas mães. ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 50. 27 Perceptível o aumento da força do homem em detrimento da força da mulher, pois aquela mulher que anteriormente pertencia indistintamente a todos os homens e que todos os homens lhe pertenciam, deixou de existir para dar lugar a uma mulher submissa. 28 MARCASSA, Luciana. A origem da família, da propriedade privada e do Estado - Friedrich Engels -. p. 86. 11 tinham direito, foram rebaixadas da direção da casa, passaram à qualidade de meras reprodutoras e perderam a prerrogativa da sucessão pautada no direito materno, haja vista que a sucessão dos bens aos descendentes passou a se dar pelo direito hereditário paterno. Com efeito, dada transformação na forma de sucessão dos bens somente foi possível a partir do momento em que o homem percebeu sua expressividade perante a família e, valendo-se da mesma, decidiu alterar a forma de filiação, passando-a dos moldes da descendência por linha feminina para os moldes da descendência em linha masculina (na qual os descendentes de um membro masculino permaneceriam nas gens29, contrapondo-se ao destino dos descendentes de um membro feminino, os quais deveriam sair da gens em que estivessem para pertencer à gens de seus pais). Mas mesmo diante desse quadro de submissão inerente à família sindiásmica, a união era facilmente dissolúvel por ambas as partes, posto que eram comuns o rapto e a compra de mulheres, em virtude da escassez destas. Relembrando que referida escassez originou-se da redução das possibilidades de relacionamento, isto é, as restrições paulatinamente implantadas tornaram mais complexa a busca por um relacionamento na medida em que os homens tinham que procurar por mulheres distantes das suas origens, diferentemente de como ocorria no matrimônio por grupos.30 Como elemento causador da passagem da fase superior da barbárie à civilização, tem-se a invenção da escrita alfabética.31 Na civilização, prevaleceu a monogamia como forma de família.32 Consoante menciona Luciana Marcassa: O primeiro efeito do poder exclusivo dos homens no interior da família, já entre os povos mais civilizados, é o patriarcado, uma forma de família que assinala a passagem do matrimônio sindiásmico à monogamia [...] Baseia-se no predomínio do homem, o qual tem como finalidade procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível; exige-se 29 “A palavra latina, gens, [...] procede, como a palavra grega de idêntico significado (genos), da raiz ariana comum gan [...], que significa “engendrar”. Da mesma forma, significam linhagem ou descendência as palavras gens, em latim; genos, em grego; [...].” ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 92. 30 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 49-60. 31 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 26-27. 32 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 56. 12 essa paternidade porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão na posse dos bens de seu pai.33 Analisada sob o prisma das famílias gregas, referenciais de cultura e de avanço da antigüidade, a monogamia também seguiu com os matrimônios arranjados, em virtude dos interesses e conveniências que estes poderiam trazer às famílias. Contudo, apesar desse viés comum às famílias sindiásmica e monogâmica, a família fundada na monogamia foi a primeira pautada em atributos meramente econômicos à proporção em que era útil, unicamente, para a manutenção da propriedade privada. Isso porque o homem, detentor da paternidade indiscutível, possuía interesses relativos à permanência dos seus bens no seio familiar, preservando a propriedade privada, quando da superveniência de sucessão aos seus filhos, herdeiros diretos. A família monogâmica também se revestiu com a disparidade de direitos entre homens e mulheres. Nesse momento histórico, a infidelidade permaneceu consentida aos homens34, enquanto que às mulheres coube o dever de rigorosas castidade e fidelidade conjugal35, além da responsabilidade perante os filhos legítimos, herdeiros de seus maridos, e perante as escravas. Diferentemente da família sindiásmica, a escolha pela dissolução de uma união, na família monogâmica, passou a ser atributo exclusivo do homem, fator que propiciou uma maior estabilidade das relações conjugais. E o repúdio do homem à sua mulher dava- se, principalmente, quando esta deixava de observar os deveres pelos quais a mulher legítima tinha que se orientar, quais sejam, castidade e fidelidade. Friedrich Engels aponta que dada forma de relacionamento propiciou “a primeira opressão de classes, com a opressão do sexofeminino pelo masculino.”36 33 MARCASSA, Luciana. A origem da família, da propriedade privada e do Estado - Friedrich Engels -. p. 87. 34 Referida liberdade sexual conferida aos homens dava-se através do heterismo; forma de relação extraconjugal concomitante à monogamia e que, futuramente, corresponderia ao embrião da prostituição. (ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 71-72.) 35 Embora houvesse fortes reprimendas para as mulheres que infringiam os deveres conjugais, afinal eram submissas aos maridos, impossível a obediência plena de todas elas, caracterizando o início do adultério como instituição social ao lado do heterismo. (ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 73.) 36 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 66-72. 13 Ainda que verificados esses desdobramentos na Grécia, estes não foram uniformes em todo o mundo, pois entre os Romanos houve diferentes delineamentos. Pautada no patriarcalismo, exercido pelo representante masculino ascendente mais velho, paterfamilias (homem que não tem ascendente masculino vivo), a família romana apresentou uma formação bastante diferenciada porquanto agregava, sob o consentimento do paterfamilias, pessoas estranhas em seu nicho familiar. E esse grande poder de gestão sobre a família (a exemplo do reconhecimento de uma pessoa não consangüínea) fez do pater uma pessoa sui júris (pessoa capaz) e sob a qual todas as demais estavam subordinadas, constituindo-se em alieni júris (de direito alheio).37 Ratificando esse poderio, Caio Mário da Silva Pereira coloca que “O pater era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz.”38 Sacerdote porque a família romana revestia-se de religiosidade, conforme explica Sílvio de Salvo Venosa: A família como grupo é essencial para a perpetuação do culto familiar. [...] Os membros da família antiga eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto dos antepassados. Esse culto era dirigido pelo pater. [...] Por esse largo período da Antigüidade, família era um grupo de pessoas sob o mesmo lar, que invocava os mesmo antepassados. Por essa razão, havia necessidade de que nunca desaparecesse, sob pena de não mais serem cultuados os antepassados, que cairiam em desgraça.39 Mas embora extremamente importantes a religiosidade, a família e o paterfamilias inserido entre esses dois institutos, o curso natural da evolução fez com que fossem cedendo espaço para o direito da cidade, ocasionando o declínio do expressivo poder do pater.40 Já quanto às contribuições deixadas pelos Germanos, tem-se que entre eles houve uma monogamia diferenciada, melhor dizendo, suavizada. Esse abrandamento, entre os Germanos, deveu-se ao fato de que a situação da mulher, na transição da família sindiásmica para a família monogâmica, foi mantida, enfraquecendo o ideal da supremacia masculina inerente ao modelo 37 LUZ, Valdemar P. da. Curso de Direito de Família. Caxias do Sul: Mundo Jurídico, 1996. p. 14. 38 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. p. 26. 39 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 20. 40 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. p. 27. 14 monogâmico de família. E essa maior consideração da figura feminina na sociedade, além de ter resultado em uma contraposição aos moldes monogâmicos verificados até o momento, foi responsável pelo surgimento do chamado amor sexual individual moderno. Todavia, sem deixar de se perceber que dado sentimento não consistiu em uma verdade única, uma vez que as demais formas de aproximação entre homens e mulheres, tal como interesses e conveniências, continuaram a semear uniões.41 Por fim, a civilização, alicerçada na propriedade privada dos meios de produção, na família monogâmica e no Estado (criado para ditar diretrizes sobre a propriedade privada), representou o auge do desenvolvimento ante o entendimento de Luciana Marcassa.42 Em contrapartida a esse arcabouço histórico defendido por diversos doutrinadores, igualmente explicitado desde o início deste tópico, há entendimentos que apontam para outras formas de visualização do estudo da origem da família. A exemplo disso, Pontes de Miranda, embora ciente das contradições que permeiam a tentativa de se fixar a origem da família, aponta três teorias que considera principais. São elas: a teoria da monogamia originária, a teoria da promiscuidade primitiva e a teoria das uniões transitórias.43 A primeira delas defende que a monogamia surgiu devido à existência do amor mútuo entre os cônjuges e do amor destes perante seus filhos. Todavia, Pontes de Miranda acredita na inversão dessa lógica, pois entende que foi a monogamia que proporcionou o surgimento destes sentimentos e não o contrário.44 A segunda teoria refere-se à ausência de regras e, acerca desta, o autor leciona que não acredita na promiscuidade como fato ensejador do matriarcado (em detrimento de outros posicionamentos que defendem o matriarcado como sendo oriundo da promiscuidade, haja vista a intensa convivência da prole com suas mães ante a dificuldade de reconhecimento do verdadeiro pai, posto que os relacionamentos eram totalmente desordenados; 41 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 74-75. 42 MARCASSA, Luciana. A origem da família, da propriedade privada e do Estado - Friedrich Engels -. p. 88-90. 43 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. p. 62-64. 44 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. p. 63. 15 fato comum à promiscuidade). Motivo que faz o autor desacreditar no matriarcado como intermediário entre a promiscuidade e o patriarcado.45 Como última teoria apontada por Pontes de Miranda, tem-se a chamada teoria das uniões transitórias, cujo conteúdo é brevemente explicado a partir da permanência do homem junto à mulher apenas por mais algum tempo depois do nascimento de um filho.46 Ante todo o exposto, encerra-se a primeira etapa do presente capítulo, cabendo, dessa forma, passar ao estudo de aspectos destacados do Direito de Família no Brasil colonial e nas Constituições (Imperial e Republicanas) do Brasil, e, posteriormente, ao estudo de aspectos destacados do Direito de Família nos Decretos promulgados entre a Constituição Imperial de 1824 e a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 mediante o intuito de se demonstrar o nascedouro do ordenamento jurídico pátrio no tocante ao Direito de Família. 45 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. p. 63. 46 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família. p. 64. 16 2.2 ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO DE FAMÍLIA NO BRASIL COLONIAL E NAS CONSTITUIÇÕES (IMPERIAL E REPUBLICANAS) DO BRASIL Os Portugueses47, no processo de colonização48 do Brasil, optaram por moldes de exploração diversos daqueles que eram praticados habitualmente nos países tropicais, pautando-se na criação local de riqueza, mediante a exploração do trabalho escravo. Com isso, deu-se o surgimento da “colônia de plantação” caracterizada por sua base agrícola e pela forte ligação do colono com sua terra. Além dessa inovação no que diz respeito à técnica econômica, também houve inovação quanto à política social, visto que houve o emprego da mão de obra dos nativos, cabendo à mulher, além do empréstimo da sua forçade trabalho, servir como elemento de formação da família.49 Sob essas novas perspectivas, o Brasil se fez uma sociedade colonial estruturada no patriarcalismo e na aristocracia das chamadas casas-grandes, a qual cultivou vultosas plantações de cana de açúcar e a qual foi responsável pela existência, quase exclusiva, da família rural ou semi rural.50 Consoante leciona Gilberto Freyre: 47 “Em 9 de março de 1500 uma esquadra portuguesa partia de Lisboa, sob o comando de Pedro Álvares Cabral, tendo por destino as Índias. [...] No dia 21 de abril, Cabral encontrou plantas marinhas, e no dia 22 avistou uma montanha, a qual chamou de Monte Pascoal, denominando o país de Terra da Vera Cruz, nome com que o tratou na carta de Caminha, de primeiro de maio, dirigida ao Rei Dom Manuel. A 23, a esquadra lançou âncora a meia légua da costa, em frente do rio Caí; no dia 25, os navios ancoraram numa baía que foi denominada Porto Seguro, mas que tomou o nome de baía de Santa Cruz quando ali se fundou uma vila, no século XVI. [...] O nome de Vera Cruz, atribuído ao país por Cabral, foi substituído por Terra de Santa Cruz na notificação feita pelo rei Dom Manuel aos soberanos católicos, datada de Cintra, aos 25 de julho de 1501. Mas a terra não tardaria a ser conhecida como “Brazil”, nome já empregado no comércio para designar uma madeira de cor vermelha (ibirá pitang dos indígenas), que se encontrava em abundância nessa parte do continente americano.” PARANHOS. Barão do José Maria da Silva. Esboço da História do Brasil. Trad. Sérgio F. G. Bath. Brasília: MRE-FUNAG, 1992. p. 13-15. 48 “Em 1531, tendo recebido os poderes necessários para ocupar o país, Martim Afonso de Souza chegou com uma esquadra e quatrocentos colonos. [...] Entre 1532 e 1535, o país, que só fora explorado no seu litoral, foi dividido, por linhas paralelas ao Equador, em quinze seções, formando doze capitanias hereditárias, de 600 a 12.000 léguas quadradas. O Rei D. João III doou essas capitanias a diversos nobres portugueses, para que nelas instalassem colônias. [...] Pouco depois da fundação dessas colônias teve início a introdução de escravos negros no Norte do Brasil, em Pernambuco e na Bahia.” PARANHOS. Barão do José Maria da Silva. Esboço da História do Brasil. p. 21-24. 49 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 42. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 91. 50 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. p. 92. 17 A família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado nem nenhuma companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator colonizador no Brasil, a unidade produtiva, o capital que desbrava o solo, instala fazendas, compra escravos, bois, ferramentas, a força social que se desdobra em política, constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América. Sobre ela o rei de Portugal quase que reina sem governar.51 E, no tocante à legislação aplicada durante os primórdios da existência do Brasil, Rui Ribeiro de Magalhães explicita que: Por ocasião do descobrimento do Brasil, o poder eclesiástico era tão forte que, praticamente, se confundia com o do Estado. Portugal era um país católico, conseqüentemente, a colônia também o era. Ao tempo do descobrimento, vigoravam em Portugal as Ordenações Afonsinas, de 1446, substituídas pelas Ordenações Manuelinas, de 1521 e, finalmente, pelas Ordenações Filipinas, de 1603. Esta, a mais importante de todas, porque teve vigência no Brasil, em matéria civil, até o dia 31 de dezembro de 1916, isso porque a 01 de janeiro de 1917, entrou em vigor o Código Civil Brasileiro.52 Destarte, o Brasil iniciou sua caminhada regrada pelos ditames portugueses contidos nas Ordenações Filipinas, acerca das quais Arnaldo Rizzardo se refere como “a principal fonte”53 do Direito de Família. Das observâncias quanto à família, é possível extrair, em sua maioria, aspectos relativos ao casamento (embora Rui Ribeiro de Magalhães escreva que as Ordenações Filipinas, no que diz respeito ao casamento, citaram apenas, a proibição do casamento sem licença do rei para as mulheres que tinham proventos ligados à Coroa e para os julgadores junto às mulheres que estavam sob sua jurisdição54), como por exemplo, o que se entendia como casamento55, a sua indissolubilidade56, o contrato antenupcial57, a defesa dos interesses do casal58. 51 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. p. 92. 52 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Instituições de Direito de Família. p. 32. 53 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei n° 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 7. 54 MAGALHÃES, Rui Ribeiro de. Instituições de Direito de Família. p. 32. 55 “As ordenações Filipinas, no Liv. IV, Tít. 46, § § 1° e 2°, referem-se ao casamento “por palavra de presente à porta da Igreja ou por licença do prelado fora dela, havendo cópula carnal” (46, § 1°), e àquele em que os cônjuges são tidos “em pública voz e fama de marido e mulher por tanto tempo que, segundo direito, baste para presumir matrimônio entre eles, posto se não provem as palavras de presente” (46, § 2°).” WALD, Arnoldo. O novo direito de família. p. 18. 56 “A legislação filipina manteve a indissolubilidade do vínculo conjugal, distinguindo entre o casamento meramente consensual e o consumado em que houvera relações carnais. Quanto 18 A seguir, tratar-se-á da análise das Constituições Brasileiras (Imperial e Republicanas) e para designá-las serão adotados os termos encontrados na obra de Euclides Benedito de Oliveira.59 2.2.1 A Constituição do Império - 1824 A primeira Constituição do Brasil foi outorgada por Dom Pedro I60 em uma época na qual o Estado e a Igreja ainda possuíam fortes vínculos, uma vez que a religião oficial do Império correspondia à Católica Apostólica Romana.61 Inclusive, enfatizando tal imposição, o art. 5° da Constituição Imperial de 1824 assim dizia: A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.62 Para Euclides Benedito de Oliveira, Dilvanir José da Costa, Rodrigo da Cunha Pereira e José Sebastião de Oliveira a Constituição Imperial de 1824 ao primeiro, admitia-se em casos especiais a sua anulação, quando não fora seguido por relações sexuais entre os nubentes.” WALD. Arnoldo. O novo direito de família. p. 18. 57 “[...] Esclarece a respeito o Tít. XLVII do Liv. IV das Ordenações Filipinas que: “Quando alguns casam, não pelo costume e lei do Reino, por que o marido e mulher são meeiros, mas per contracto de dote e arras, mandamos que pessoa alguma, de qualquer estado e condição que seja, não possa prometter, nem dar a sua mulher camara cerrada, e prometendo-lha tal promessa, ou doação não valha. Mas podera cada hum em contracto dotal prometter e dar a sua mulher a quantia ou quantidade certa, que quizer ou certos bens, assim como de raiz, ou certa cousa de sua fazenda, com tanto que não passe o tal promettimento ou doação de arras da terça parte do que a mulher trouxer em seu dote. E se mais for promettido do que o montar na terça parte do dote, não valerá o tal promettimento na demasia, que mais for”. WALD. Arnoldo. O novo direito de família. p. 18-19. 58 “O legislador filipino foi muito diligente na defesa dos interesses do casal, estabelecendo a necessidade de outorga uxória (consentimento da mulher) para a venda de imóveis, qualquer que fosse o regime de bens do casal, sob pena de nulidade.” WALD. Arnoldo. O novo direito de família.p. 19. 59 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. Org. Antônio Carlos Mathias Coltro. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000. p. 30. 60 “Nossa primeira Constituição foi elaborada por um Conselho de Estado, sob forma de Projeto, sendo que, por motivos de perturbação política na época, nosso imperador D. Pedro I acabou jurando o projeto como lhe fora apresentado, tendo-a promulgado em 25 de março de 1824.” OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 27. 61 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. p. 30. 62 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao24.htm>. Acesso em: 02 Out. 2007. 19 não se voltou aos direitos atinentes à família, porquanto nada legislou a respeito.63 Segundo as constatações de Rodrigo da Cunha Pereira e de Dilvanir José da Costa, o terceiro capítulo (Da Família Imperial, e sua Dotação) do título quinto (Do Imperador) dessa Constituição trouxe, apenas, regras condizentes à família imperial e a respectiva sucessão da mesma no poder.64 José Sebastião de Oliveira preconiza que este cuidado tomado em relação à família imperial decorreu, tão somente, do interesse em resguardar a forma de transmissão hereditária do poder, sem quaisquer outras preocupações intervencionistas no seio familiar.65 Apesar desse vazio legislativo inerente à família comum, Euclides Benedito de Oliveira aponta que nessa época existia, unicamente, o casamento realizado nos moldes religiosos, não existindo na forma civil66, isso em decorrência do teor do art. 5° anteriormente transcrito, o que por sua vez implica que “A família constituía-se, então pelo casamento, celebrado nos moldes religiosos.”67 Mas, considerando-se o momento histórico no qual foi promulgada, há que se compreender essa situação já que o cenário da época levava a um modelo liberal-clássico68 em que as preocupações eram meramente políticas e 63 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. p. 30.; COSTA, Dilvanir José da. A família nas Constituições. p. 14.; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família Contemporâneo. p. 15-16.; OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 25. 64 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família Contemporâneo. p. 16.; COSTA, Dilvanir José da. A família nas Constituições. p. 14. 65 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 32. 66 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. p. 30. 67 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato: de acordo com o novo código civil, Lei n° 10.406, de 01-01-2002. p. 233. 68 “Não se pode compreender a Constituição Imperial de 1824 senão à luz das idéias liberais tão em voga è época. [...] O liberalismo tem por ponto central colocar o homem, individualmente considerado, como alicerce de todo o sistema social. Os homens inicialmente vivem em estado de natureza no qual são livres (Rosseau). Para maior conveniência sua, pactuam um contrato social que traslada algumas das suas faculdades para tornar possível a formação do poder. Daí dois corolários fundamentais: em primeiro lugar, todo o poder emana do povo. E, em segundo lugar, o Estado só deve exercer aquelas funções que os órgãos, individual ou coletivamente, não conseguem desenvolver. A ação do Estado é, portanto, excepcional e restrita, enquanto a da sociedade é ampla e ilimitada. O liberalismo, com tais premissas, não podia deixar de significar uma revolução em face da ordem político-jurídica preexistente. [...] Suas idéias se opunham frontalmente à monarquia absoluta, que extraía a sua fonte de legitimidade do poder divino dos reis. A trasladação do poder pelo povo significava pôr em xeque, de maneira frontal, as monarquias existentes. Umas foram derrubadas por não terem tido condições para se adaptarem à nova ordem ideológica. Outras, contudo, continuaram de pé mediante concessões ao princípio da soberania popular. O Brasil se insere neste último caso. A Constituição outorgada de 1824, embora sem deixar de trazer consigo 20 descuidadas de aspectos tais como os culturais, econômicos, sociológicos e sociais.69 2.2.2 A Constituição Republicana - 1891 A segunda Constituição do Brasil, a primeira da República, também foi esculpida em consonância aos valores liberais clássicos e não intervencionistas, da mesma forma como ocorreu na Constituição Imperial de 1824. Mas apesar dessa inclinação individualista, não houve unanimidade quanto a esta, haja vista os anseios do legislador constituinte Pinheiro Guedes que tentou garantir à família o status de base da sociedade, todavia não logrando êxito. Ainda, pode-se dizer que além dos projetos, bem como além do próprio conteúdo promulgado, a única reforma por que passou o texto constitucional de 1891 igualmente se omitiu quanto à família, deixando, de forma derradeira, a família brasileira à margem de uma “proteção normatizada”.70 Embora reais esses aspectos, verifica-se, ao menos, que a Constituição de 1891 fez uma breve disposição sobre o casamento, através da qual ficou determinado o reconhecimento, tão somente, dos casamentos civis, dessa forma, excluindo-se do ordenamento jurídico brasileiro o casamento religioso71 (segundo Euclides Benedito de Oliveira “Operou-se, em definitivo, a desvinculação do aspecto religioso da instituição matrimonial.”72). Trata-se do art. 72, § 4° da Constituição de 1891, previsto no título IV (Dos Cidadãos Brasileiros), Seção II (Declaração de Direitos), referenciado por diversos autores, cujo teor determina que “A República só reconhece o características que hoje não seriam aceitáveis como democráticas, era marcada, sem dúvida, por um grande liberalismo que se retratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais que era praticamente o que havia de mais moderno na época, como também na adoção da separação de poderes que, além dos três clássicos, acrescentavam um quarto: o Poder Moderador.” BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 104. 69 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 28 e 30. 70 Designação adotada por José Sebastião de Oliveira, conforme OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 37. 71 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 32- 39. 72 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. p. 31. 21 casamento civil, cuja celebração será gratuita”.73 Encerra-se com os dizeres de Paulo Luiz Netto Lôbo, conforme os quais “Compreende-se a exclusividade do casamento civil, pois os republicanos desejavam concretizar a política de secularização da vida privada [...].”74 2.2.3 A Constituição da Primeira Era Varguista - 1934 Diferentemente das Constituições anteriores, esta, promulgada em 16 de julho de 1934, surgiu como forma de ruptura ao modelo liberal clássico75, a fim de garantir aos menos favorecidos o amparo econômico e social que lhes fora negado nos textos constitucionais antecedentes. Referida ruptura adveio da crise que se instaurou mundialmente, e inclusive no Brasil, em virtude das previsões meramente políticas (excluídas as econômicas e sociais) defendidas até então pela Constituição Imperialde 1824 e pela Constituição de 1891.76 Diz-se que: A Revolução de 1930 colocou fim ao período da Primeira República, finalizando com o falido modelo liberal puro. A consciência nacional clamava por uma nova ordem política, econômica e social, logo, também por uma nova Constituição [...].77 E foi o que ocorreu, pois, conforme coloca Euclides Benedito da Silva, a Constituição de 1934 teve “remarcado cunho social”78 (sendo que as posteriores a esta também o terão, consoante mencionam Paulo Luiz Netto Lôbo e Rodrigo da Cunha Pereira79). 73 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao91.htm>.Acesso em: 02 Out. 2007. 74 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Repersonalização das Relações de Família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre. v. 6, nº 24, jun/jul de 2004. p. 143. 75 “Esse Estatuto Político, a par de assumir teses e soluções da Constituição de 1891, rompeu com a tradição até então existente, porque, sepultando a velha democracia liberal, instituiu a democracia social [...].” BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 119 76 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 40- 43. 77 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 41. 78 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. p. 31. 79 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Repersonalização das Relações de Família. p. 143.; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família Contemporâneo. p. 16. 22 Diante desse novo contexto, a família, finalmente, projetou-se como preocupação do Estado.80 Dessa forma, foi dedicado um capítulo especial a ela, ora, o capítulo I (Da Família) constante no título V (Da Família, da Educação e da Cultura)81, cujas previsões foram distribuídas entre os artigos 144 à 147. Álvaro Villaça Azevedo resume o assunto “família”, presente na Constituição de 1934, alegando que esse texto “Admitiu, assim, o casamento civil e o casamento religioso, desde que registrado devidamente [...].”82 Entretanto, mesmo com esse progresso constitucional, há autores que defendem não ter havido uma mudança significativa por entenderem que a Constituição de 1934 deixou de cuidar de aspectos relevantes, como, por exemplo, a determinação de um conceito para a família, cuidando, apenas, da constituição e da preservação da mesma, na medida em que fixou a indissolubilidade do casamento.83 Mas, conforme dispõe Pinto Ferreira: [...] a Constituição de 1934 pouco durou, uma vez que o País se encontrava em uma temível efervescência política. O Partido Comunista, organizado sob a chefia de Luís Carlos Prestes, intentou uma transformação revolucionária, logo debelada. O Congresso Federal elaborou três emendas à Constituição [...] que enfraqueceram a democracia. [...] A ditadura estava à mostra, não obstante as precauções dos democratas.84 E, em virtude desse turbulento contexto histórico acima reproduzido, foram propiciadas as primeiras passadas rumo à quarta Constituição do Brasil, a qual será vista a seguir. 80 Guilherme Giacomelli Chanan menciona, ainda, que “No âmbito constitucional, as entidades familiares só passaram a receber explícita tutela do Estado a partir da Constituição de 1934, que destinou todo um capítulo à família. CHANAN, Guilherme Giacomelli. As Entidades Familiares na Constituição Federal. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre. v. 9, nº 42, p. 48, jun/jul de 2007. 81 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p.46. 82 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato: de acordo com o novo código civil, Lei n° 10.406, de 01-01-2002. p. 233. 83 CHANAN, Guilherme Giacomelli. As Entidades Familiares na Constituição Federal. p. 48.; OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 48. 84 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. ampl. e atual. de acordo com as Emendas Constitucionais e a Revisão Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 55. 23 2.2.4 A Constituição do Estado Novo - 1937 A quarta Constituição do Brasil, a terceira republicana, surgiu em meio a um golpe de Estado85, razão pela qual Paulo Luiz Netto Lôbo a designa autoritária.86 Nesta, permaneceram as previsões anteriores somando-se poucas inovações em seu bojo, inclusive, permanecendo a inobservância outrora apontada quanto a não destinação de um conceito à família.87 O que foi tratado sobre ela inseriu-se no título “Da Família”, composto por quatro artigos (do art. 124 ao art. 127), dos quais se enfatiza a educação como dever imposto aos pais88, a equiparação entre os filhos89, a proteção da infância e da juventude90. Acerca da Constituição de 1937, Álvaro Villaça Azevedo também teceu suas considerações aduzindo que “[...] a Constituição de 10 de novembro de 1937 reafirmou a mesma proteção especial à então família legítima constituída pelo casamento indissolúvel (art. 124); [...]”.91 Dilvanir José da Costa leciona 85 “[...] promovido pelo então presidente da República, Dr. Getúlio Dornelles Vargas, em 10 de novembro de 1937, quando impôs um novo texto constitucional ao povo brasileiro colocando-se na condição de chefe supremo do Estado, sem qualquer respaldo de representação popular.” OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 50. 86 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Repersonalização das Relações de Família. p. 143. 87 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 52- 53. 88 Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 09 Out. 2007. 89 Art 126 - Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais. . BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 09 Out. 2007. 90 Art 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades. O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral. Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação da sua prole. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao37.htm>. Acesso em: 09 Out. 2007. 91 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato: de acordo com o novo código civil, Lei n° 10.406, de 01-01-2002. p. 233-234. 24 nesse mesmo sentido, embora destaque que não houve qualquer menção à forma desse casamento; elemento de formação da família.92 Somando-se o enfraquecimentodo fascismo internacional, acompanhado pelo Brasil durante o Estado Novo, e os movimentos a favor da constitucionalização do País, adveio a quebra da ditadura, possibilitando a redação da Constituição de 1946.93 2.2.5 A Constituição do Retorno à Democracia - 1946 Afastado o regime autoritário em que vigorou a Constituição de 1937, coloca-se a frente do povo brasileiro um estado liberal, caracterizado pelo retorno à democracia, em que a Constituição de 1946, no tocante à família, prevê três artigos no capítulo I (Da Família) do título VI (Da Família, da Educação e da Cultura). Quanto a esta, José Sebastião de Oliveira aponta que: Extrai-se do teor dos dispositivos constitucionais relativos à família nessa Constituição que eles tratam fundamentalmente da proteção legal à família legítima e do casamento celebrado de acordo com a exigência da norma constitucional, tendo em vista que o pensamento predominante da época neles vislumbrava as duas únicas instituições sobre as quais repousava a estrutura da sociedade.94 Revestindo-se de especialidade a assertiva inserida no art. 165 porquanto cuidou do interesse da família no que concerne à sucessão de bens de estrangeiro95, conforme apregoa o texto: “Art 165 - A vocação para suceder em bens de estrangeiro existentes no Brasil será regulada pela lei brasileira e em, benefício do cônjuge ou de filhos brasileiros, sempre que lhes não seja mais favorável a lei nacional do de cujus.”96 92 COSTA, Dilvanir José da. A família nas Constituições. p. 15. 93 FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional. p. 58. 94 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 62. 95 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. O Direito de Família após a Constituição Federal de 1988. p. 31. 96 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. Acesso em: 09 Out. 2007. 25 2.2.6 A Constituição Revolucionário-Militar - 1967 - e as Emendas Constitucionais nº 1 de 1969 e nº 9 de 1977 O Brasil, subordinado ao governo revolucionário de 1964, presenciou a outorga da sua quinta Constituição republicana através de um ato institucional97 posto pelo governo militar com a intenção de afirmar e fortalecer o poder que possuía na época.98 Este texto constitucional economizou ao legislar sobre a família, visto que dedicou somente um artigo (o art. 167 constante no título VI, Da Família, da Educação e da Cultura) ao tema, sem sequer trazer o esperado conceito de família, sendo que manteve os mesmos direitos garantidos na Constituição de 1946, ora, anterior a esta.99 Dessa forma, permaneceu o entendimento de que a família se constituía apenas pelo casamento, o qual, ainda considerado vínculo indissolúvel, e que somente esta família, legítima se assim constituída, receberia a devida proteção constitucional.100 Ressalvando-se a peculiaridade atribuída à proteção nesse novo texto constitucional, na medida em que trocou os termos “proteção especial do Estado” (empregado na Constituição de 1946)101 por “proteção dos Poderes Públicos”102, mostrando a despreocupação em fazer alguma alteração substancial quanto ao tema.103 Embora se tenha colocado a indissolubilidade do casamento em mais esse texto constitucional e nada tenha sido alterado com a emenda constitucional nº 1 de 1969, referida indissolubilidade não perdurou por muito 97 “Antes de oferecermos uma síntese das suas principais medidas, convém lembrar que este Texto Constitucional continuava a conviver com os atos institucionais, o que enfraquecia brutalmente a parte aproveitável do seu conteúdo. Estávamos longe, pois, de uma normalidade jurídico-constitucional.” BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. p. 145. 98 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 62- 65. 99 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 65- 67. 100 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de Fato: de acordo com o novo código civil, Lei n° 10.406, de 01-01-2002. p. 234.; OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 66. 101 Art 163 - A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao46.htm>. Acesso em: 10 Out. 2007. 102 Art 167 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao67.htm>. Acesso em: 10 Out. 2007. 103 OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. p. 66-67. 26 tempo mais, porquanto a emenda nº 9 de 1977 trouxe o instituto do divórcio entre seus dispositivos.104 2.2.7 A Constituição Cidadã - 1988 Finalmente, a última e atual Constituição do Brasil, a chamada Cidadã, adveio após 21 anos de regime militar e abarcou um sensível avanço do texto constitucional em relação ao tema família, constando no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo VII (Da Família, Da Criança, Do Adolescente e Do Idoso) as inovadoras previsões constitucionais. São elas: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.105 Desta feita, através da Constituição de 1988, garantiu-se à família o status de base da sociedade, como também se apregoou sua proteção pelo 104 Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Podêres Públicos. § 1º O casamento é indissolúvel. § 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 9. de 1977) BRASIL. Emenda Constitucional nº 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 10 Out. 2007. 105 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 29 Out. 2007. 27 Estado, conforme os dizeres do caput do art. 226 da Constituição de 1988, acima reproduzido,
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