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SANTOS Klécio_O Reino das Sombras_Almanaque-v2

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O REINO DAS SOMBRAS
PALCOS, SALÕES E O CINEMA EM PELOTAS (1896-1970)
Klécio Santos1
O cinema morre de velho e renasce a cada dia.
 Ou melhor, a cada noite, como ato sexual que é.
O cinema – alguma dúvida? – é um afrodisíaco.
(Guillermo Cabrera Infante)
Gaúchos a cavalo e pilchados ao redor do fogo durante uma festa da União Gaúcha foram 
personagens dos primeiros planos filmados em Pelotas em 24 de abril de 1904. Era um domingo 
de sol em um capão de mato na localidade do Retiro, na hospedaria de propriedade de Gustavo 
Braunner. O responsável pelas imagens foi José Filippi (ou Giuseppe, em italiano), da “Companhia 
de Arte e Bioscopo Inglês”, que desde 26 de março estava em temporada no Theatro Sete de 
Abril. As cenas pioneiras estão na origem da cinematografia gaúcha. Um mês antes, o mesmo 
Filippi havia feito tomadas do alvoroço em torno da chegada do senador Pinheiro Machado a Rio 
Grande, o mais antigo registro de uma filmagem no Rio Grande do Sul2.
O festejo e o passeio até a zona rural de Pelotas foram organizados por membros da diretoria 
da União Gaúcha. Os convidados eram recepcionados na antessala da hospedaria com 
café, leite, bolos, pão e manteiga, antes de se dirigirem para o capão onde ocorreriam a 
festa e o churrasco. Duas vacas gordas, mestiças, foram assadas no espeto, e servidas junto 
com leitão, sanduíches de presunto e queijo, e o vinho “Quinta Bom Retiro”, produzido pelo 
industrialista Ambrósio Perret. Quem não foi se refrescar nas águas da localidade dançava ao 
som da música do violão de Junius Domingos Vieira e de um castelhano de nome Ricardo, 
acompanhados do gaiteiro Gregório. Filippi chegou ao local por volta das 14h, com vários 
equipamentos para registrar o evento.
1 Jornalista. Especialista em 
Patrimônio Cultural pela 
Universidade Federal de Pelotas 
(UFPel). É coautor de “Theology by 
the young people in Brazil” (texto 
sobre a censura, por questões 
religiosas, de Je Vous Salue, Marie, 
de Jean-Luc Godard) no livro 
Stories Make People, editado em 
Genebra. Em 2010, concluiu o 
Master de Jornalismo do Instituto 
Internacional de Ciências Sociais 
(IICS), que possui vínculo de 
cooperação com a Universidade de 
Navarra/Espanha. É autor de Sete 
de Abril, o teatro do imperador 
(Porto Alegre: Libretos, 2012).
190
Vários amadores, entre eles o estimável coronel Justiniano Simões Lopes, também 
tiraram vistas fotográficas com as máquinas que conduzia o Sr. Filippi, que se mos-
trou encantado com a festa, para ele altamente original e impressionista3.
As imagens documentando a festa de cavaleiros, daquele que talvez seja o primeiro filme 
pelotense, foram exibidas na quinta-feira dia 28 e a notícia publicada na imprensa dois 
dias depois no Diário Popular: “A função de [ante]ontem, no 7 de Abril, constituiu para 
o Bioscopo Inglês, inteligentemente dirigido por José Filippi, um esplêndido triunfo, por 
haver exibido, com grande nitidez, bem combinados grupos da União Gaúcha, fotografados 
no Retiro, ao dar-se ali convescote de que foi diretor nosso distinto amigo tenente Dirceu 
Moreira. Este e outros sócios da União apareceram ora montados, ora a pé, nos trajes gaúchos 
e cavalgando bonitos animais”. Já o Correio Mercantil registrou: “A União Gaúcha, sociedade 
a que pertence uma roda de finos cavaleiros e jovens da maior distinção, foi gentilmente 
brindada por José Filippi, diretor do Bioscopo Inglês, o qual reproduziu por esse aperfeiçoado 
aparelho um grande número de interessantes vistas – gaúchos em grupo e isolados, em torno 
do fogão, gauchinhos montados e até um gaúcho falsificado!”, acrescentando que figuras de 
reconhecida popularidade foram “bioscopadas” com inteira fidelidade.
As vistas da União Gaúcha foram, segundo a imprensa, a atração da programação, mas 
a companhia já havia caído nas graças da sociedade pelotense, que lotava os espetáculos diante 
de um repertório inusitado, fora dos padrões: “Não se conhecia, desde muito em Pelotas, 
certo frêmito de ir ao teatro, atraído o público por alguma coisa de novo”4.
Em Pelotas, Filippi também exibiu fotografias de profissionais da imprensa e filmes de curta 
duração que incluíam cenas de outras cidades pelas quais passara e da revolta armada no 
Uruguai5, quadros sacros da Paixão de Cristo e o féerie (filmes que recriavam os espetáculos 
teatrais da época com configurações fantásticas) O sonho de Natal6.
A despedida foi em 1º de maio depois de uma temporada com 18 espetáculos – um deles 
em prol do Asilo São Benedito – e uma renda de 8.797$000 (8 contos e 797 mil réis). 
No lugar das projeções de cinema, o Sete de Abril foi ocupado pela cantora lírica Olinta 
Braga. Filippi seguiu para Jaguarão, Montevidéu e Buenos Aires e em julho retornou ao 
Estado, apresentando-se em Porto Alegre, onde exibiu no Theatro São Pedro as primeiras 
filmagens em Rio Grande e Pelotas. O aparelho de Filippi era tido como uma versão melhorada 
dos cinematógrafos exibidos em Pelotas.
 
***
A primeira projeção de cinema na cidade ocorreu em 26 de novembro de 1896 no salão da 
Bibliotheca Pública Pelotense, quando o precursor Francisco De Paola usou um aparelho de 
Thomas Édison, que rivalizava na América com o cinematógrafo dos irmãos Lumière. Sua 
passagem efêmera por Pelotas durou menos de uma semana7.
À época, Pelotas vivia um esplendor econômico e possuía uma vida artística agitada por 
conta da riqueza que jorrava das charqueadas. Em pleno apogeu do ciclo do charque, a 
cidade era local de passagem de grandes companhias teatrais que se deslocavam em direção 
aos países do Prata. A elite se divertia assistindo a óperas, e nos saraus; e o povo, nos clubes 
carnavalescos, em prostíbulos camuflados e na profusão de circos que se espalhavam pela 
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cidade e contavam até com touradas. Foi nesse ambiente que, por cinco noites seguidas, De 
Paola proporcionou aos pelotenses o primeiro contato com imagens em movimento, arte que 
havia pouco tempo começara a encantar as plateias na Europa8.
As notas publicadas não fazem referência à programação, mas é provável que De Paola tenha 
apresentado as mesmas cenas animadas que exibiu em Porto Alegre no começo do mês, como: 
Uma corrida de velocípede, Baile escocês, Chegada de um trem a Londres e Dança Serpentina 
– coreografia da atriz norte-americana Loie Fuller, grande vedete da dança de solo da época.
Antes desse pioneirismo, exibidores itinerantes seduziram o público com imagens estáticas 
ampliadas por meio de engenhosos instrumentos, as chamadas “lanternas mágicas”. As 
figuras eram deslocadas apenas no interior do projetor, criando o artifício de movimento 
na parede. Era um período arqueológico do cinema. O desfecho de um espetáculo que 
misturava números teatrais, circenses, de mágicas, cartomancia, hipnose e de prestidigitação. 
Um exemplo ilustrativo é o de Faure Nicolay, um dos mais famosos ilusionistas da época, que 
esteve em Pelotas por duas vezes.
Outra companhia de relativo sucesso na cidade, que por conta da disseminação do 
cinematógrafo incorporou a novidade, foi a do ilusionista português Amarante. Ele fez uma 
temporada no Sete de Abril em julho de 1897, um ano após De Paola plantar a semente do 
cinema em Pelotas. As primeiras apresentações de Amarante não contaram com o aparelho 
de cinematógrafo. Para variar os espetáculos, o ilusionista contratou o projetista Carlos 
Fourcade para exibir o novo invento no dia 19, duas semanas depois da estreia. Foi por 
intermédio de Amarante, contudo, que o cinema chegou à vizinha cidade de Rio Grande9. 
Os filmes exibidos por Amarante eram projeções de raros segundos. Diante da escassez de 
imagens, a maioria dos filmes se repetia.
Nesses primitivos tempos do cinema, era intensa a presença de exibidores itinerantes com 
aparelhos de denominações variadas, parentes próximos ou até mais rudimentares que o 
cinematógrafo. Em 1898, a imprensa local registra que nos dias 23 e 24 de abril seria exibido 
por F. Taboada, no Sete de Abril, um espetáculo de cronofotógrafo, que reproduzia uma 
sequênciade fotos dando ideia de animação.
A primeira sessão com o uso do cinematógrafo Lumière, contudo, ocorre um mês depois, 
em maio de 1898. A atriz Apolônia Pinto e o marido e ator Germano Alves, depois de 
dissolverem em Porto Alegre sua companhia de variedades, desembarcaram em Pelotas para 
realizar espetáculos na Sociedade Ginástica Alemã, na rua Quinze de Novembro, 249, com 
a promessa de uma diversão agradável e barata ao preço de 2$000 (sentado) e 1$000 (em 
pé)10. Os ingressos também podiam ser comprados no Café Amaral, ao lado do Sete de Abril.
O mau tempo impediu a sessão no dia 26, transferindo-a para o dia seguinte, mas ela só 
ocorreu, de fato, no dia 28, um sábado, quando o Correio Mercantil publicou um anúncio 
com a programação que incluía imagens de um mar revolto, barcos em movimento, o desfile 
de batalhões, além de quadros do prestidigitador Hermann e da vida cotidiana - como O 
jogo da cabra cega e Um chá em família. O espetáculo contou com “auxílio de luz elétrica, 
sem oscilação que incomode a vista”. Nos intervalos, a energia elétrica também iluminou os 
salões do clube, cujo acesso ao público foi um transtorno diante da multidão que lotou as 
apresentações. A última foi realizada no dia 12 de junho, com exibição de retratos de próceres 
da República como Campos Salles, recém-eleito, que assumiria a Presidência em novembro. 
192
Já Apolônia sofria com dores lancinantes de ouvido, mas mesmo assim a companhia seguiu 
para Rio Grande para algumas exibições, antes de partir a bordo do vapor Aymoré para 
Santos, onde ela pretendia iniciar um tratamento.
A novidade movimentava a cidade junto com a energia elétrica, que na virada do século era 
fornecida por geradores, sendo utilizada na iluminação pública, nos bondes de transporte 
coletivo e em unidades industriais. Foi graças à energia fornecida por um motor do Moinho 
Pelotense que, em 1901, o cinematógrafo Grand Prix do engenheiro Henrique Sastre virou 
atração por várias noites no Sete de Abril. A primeira sessão do Sastre & C. foi em 24 de agosto.
Em 1905, Alfredo Mauro exibe também no interior do Theatro o Bioscopo Franco-Americano. 
E o francês Edouard Hervet realiza uma das primeiras tentativas de sincronização entre 
imagens e sons. Esses projetores coletivos eram chamados de “cinematógrafos falantes”. Na 
prática, tratava-se de um projetor e um gramofone. Sua estreia no Sete de Abril foi em 1º 
de outubro, também com o auxílio da energia elétrica fornecida pelos industrialistas Xavier 
& Duarte, e, segundo o próprio Hervet, foi a melhor de sua turnê. As notícias publicadas 
na imprensa local destacavam que as imagens não balançavam, ao contrário de outras 
cujas trepidações tanto incomodavam as plateias. O espetáculo acabou por volta da meia-
noite, diante dos inúmeros pedidos de bis. Um dos momentos de maior sucesso foi quando 
Mercadier, artista do cassino de Paris, interpretava a canção “Bonsoir, Madame La Lune”. 
Além dessa serenata em meio à paisagem lunar, a voz de Mercadier voltou a encantar o 
público com “La Femme est un Jouet”. A bilheteria é uma prova do sucesso alcançado. Com 
a temporada em Pelotas, que se estendeu até o dia 21, Hervet atingiu uma renda bruta de 
quase 11.000$000 (11 contos de réis).
Ainda naquele ano, José Filippi, que estava em nova turnê por Rio Grande e Jaguarão, 
retorna a Pelotas. Se De Paola foi o pioneiro a trazer o cinema, Filippi foi o primeiro 
cinegrafista a esquadrinhar cenas do cotidiano de Pelotas, sobretudo as festas da União 
Gaúcha, recorrentes na sua trajetória de caçador de imagens. À frente da entidade naquele 
ano estava o escritor João Simões Lopes Neto, que organiza uma festa em homenagem aos 
marinheiros da canhoneira Pátria, que aportaram em Pelotas no dia 1º de dezembro11. A 
recepção contou com um jantar no Sete de Abril e uma grande festa campestre no domingo 
dia 3 na estância de Antônio Ribas, no Fragata. Uma multidão se deslocou até o local a 
cavalos, em carros, bondes (a Ferro Carril transportou cerca de nove mil pessoas) e três trens 
da Viação Rio-Grandense, com 993 passageiros.
As mesas foram postas embaixo das figueiras da estância para abrigar os convidados 
portugueses que pela primeira vez assistiriam a cenas da vida campeira. A festa contou com 
demonstrações de tiros de laço, marcação de animais e rodeio, além de churrasco (assado no 
couro), música e danças crioulas, regadas a chope e vinho verde. “José Filippi, do Bioscopo 
Inglês, vindo expressamente de Rio Grande, apanhou algumas das mais curiosas passagens 
da diversão para exibir em vistas movimentadas.” A notícia do Correio Mercantil do dia 
seguinte ainda diz que aparecerá nas imagens uma figura conhecida como “Pechinanguito” 
de chiripa negro e lenços colorados.
A exibição do filme Festa Gaúcha à oficialidade da canhoneira Pátria foi no dia 4 de 
janeiro de 1906 no Sete de Abril, com a presença da orquestra de Eduardo Cavalcanti12. 
O teatro havia sido requisitado por meio de telegrama enviado de Jaguarão por 
Domingos, irmão de José Filippi. A estreia da nova temporada foi na virada do ano 
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com os irmãos Filippi exibindo uma série de aparelhos – inclusive uma versão do 
cinematógrafo falante, batizado de vitaphonoscópio – e novas vistas animadas, em um 
total de trinta.
A precariedade de algumas exibições ainda era frequente. A padaria de Xavier & Dutra também 
forneceu energia para o cinematógrafo falante Star Cy, que tinha na direção o operador 
técnico Thiago da Cunha. A primeira sessão foi em 19 de maio de 1906, no Sete de Abril, 
e só terminou após a meia-noite. Algumas fitas tinham pouca nitidez e a luz elétrica também 
apresentou problemas durante algumas projeções, mas o teatro, apesar do mau tempo – as 
chuvas provocaram enchentes em alguns arroios e nas charqueadas –, esteve lotado durante 
as apresentações, divididas em três partes, com cerca de 20 filmes, entre eles alguns já 
conhecidos, com a famosa voz do cançonetista Mercadier.
Em janeiro de 1907, funcionou no Sete de Abril o cinematógrafo da empresa Candburg, com 
destaque para cenas da Guerra Russo-Japonesa. Entre agosto e setembro, Filippi retorna com 
seu espetáculo, agora batizado de Bioscopo Lyrico e incrementado com uma banda de 
música. Fez exibições em prol de famílias pobres e dos colégios Gonzaga e Pelotense. Em 
dezembro, as projeções são do cinematógrafo Moderno, também com apresentações da 
Banda Lyrica Pelotense, inclusive na véspera de Natal.
Entre abril e maio de 1908 duas empresas se apresentam em Pelotas: o cinematógrafo 
Paraizo do Rio, de propriedade de Paulo Cavalcante, e a Germa & C., com o cinematógrafo 
Brazileiro, ocasião em que foi exibido o filme dos funerais do Rei D. Carlos e do Príncipe 
Herdeiro D. Luis Filipe, ocorrido no dia 10 de fevereiro em Portugal13.
Os programas eram compostos basicamente de documentários de personalidades e 
tragédias, imagens de locais turísticos ou mesmo filmes baseados em clássicos do teatro e 
figuras históricas e bíblicas como, por exemplo, O Reino de D. Luiz XIV, D. Quixote de La 
Mancha, Vida de Napoleão e A vida, paixão e morte de N.S. Jesus Cristo. Os cinematógrafos 
tomavam conta da programação do Sete de Abril, a principal sala exibidora da cidade, 
mas tinham um caráter itinerante. As projeções eram no pano de boca do teatro. Ainda 
naquele ano fizeram temporada no teatro o cinematógrafo Sul-Americano, da empresa 
Edison & C., e o Pathé, da empresa Cruzeiro do Sul. Alguns espetáculos ainda mesclavam 
apresentações de prestidigitação, como o de Salvador Montesarchio, que exibiu em agosto 
o cinematógrafo Guarany.
Em abril de 1909, o cinematógrafo Pathé da empresa Brothers & C. exibe imagens das cidades italia-
nas de Reggio Calabria e Messina, após o terremoto, um dos mais poderosos da Europa, que deixou 
um rastro de mortes14. Ainda naquele semestre, o Cinema Parisiense intercalava apresentações no 
teatro com o espetáculo da gigante Abomah15. E na Sociedade Euterpe, numa das raras sessões 
fora do Sete de Abril, foram feitas projeçõesdo cinematógrafo da empresa Kraus & C.
 
***
É nesse ambiente que surgem as primeiras salas de projeção. Em 15 de agosto de 1909 
é inaugurado o Éden Salão, de propriedade dos irmãos Petrelli (Nicolau e Humberto), 
localizado na rua Marechal Floriano 06 (na esquina com a Quinze de Novembro). “O aparelho 
cinematográfico é superior e as fitas são excelentes, sendo feitas exibições de meia em 
194
meia-hora”16. Os espetáculos começavam às 18h30min e terminavam às 22h. Entre as fitas 
selecionadas pelos irmãos Petrelli na inauguração estão Cabeças fantásticas, Excursão a 
Veneza, Mulher eleita, Sogra desenfreada e Ladrão sentimental. Aos poucos, além das sessões 
à noite, o Éden passou a contar também com matinés.
Entre as projeções que sucederam a inauguração estavam a fita O crime de madame Steinheil17, 
Os funerais dos estudantes mortos no Largo São Francisco (reportagem sobre recente 
acontecimento no Rio)18, e Washington, com 900 metros, um recorde de projeção na época. 
O Éden também franqueava ao público cosmoramas (aparelho óptico que ampliava pinturas 
de lugares famosos) por 200 réis.
Desde 1908, Nicolau Petrelli se dedicava ao cinema e à fotografia. Os irmãos chegaram em 
outubro da Itália e se estabeleceram em Rio Grande, onde exibiram seu cinematógrafo. Nicolau 
veio a Pelotas realizar as primeiras filmagens de uma partida futebol de que se tem notícia no 
Estado, um documentário do jogo entre o E.C. Pelotas e S.C. Rio Grande, no dia 25. A fita foi 
uma das primeiras exibidas no Éden, um mês depois da inauguração. Além das imagens da 
partida, registrava a recepção dos rio-grandinos na estrada de ferro, a inauguração do pavilhão 
do Pelotas, que havia sido fundado há cinco meses, e a presença de figuras da elite local.
Os Petrelli também levaram o cinematógrafo para São Lourenço, expandindo suas atividades, 
já que possuíam duas máquinas e muitos filmes. Em 4 de dezembro, um fato inusitado: as 
sessões foram suspensas, porque o Éden precisou fornecer corrente elétrica para o palacete 
de Antonio Augusto Assumpção, por conta da festa de casamento da filha Amelinha. A 
corrente do Éden alimentou 80 lâmpadas19.
 
***
A inauguração do Éden foi o maior acontecimento cinematográfico. Na cidade, contudo, 
ainda eram comuns sessões ao ar livre em frente à loja de fazendas Ao Barquinho, na rua 
General Osório. Em 1910, na sequência do Éden, vieram outras salas de cinema: o Parisiense, 
dos irmãos Aquaviva, o Coliseu (no antigo local do circo Risoli, na rua General Vitorino, hoje 
Anchieta) e o Polytheama. Estes dois últimos foram administrados no começo pelos Petrelli, 
que mais tarde transferiram seus negócios para a empresa Del Grande & Cia e passaram a 
construir cinemas em Porto Alegre20.
Em 1911, é inaugurado o cinema Popular, da empresa Salvi & C., na esquina da Osório com 
Argolo. Em setembro foi projetado no Cinema Caixeiral, nos salões do clube, um documentário 
trazido do Rio de Janeiro por Luiz Tavares Pereira: As obras da Barra e o Porto de Rio Grande21.
Em meio a essa efervescência, outro italiano, Guido Panella, dedica-se a fazer documentários, 
financiado pelo governo. Ele passou alguns meses entre Porto Alegre, onde desembarcou no 
começo de julho de 1911, e o interior do Estado. Panella foi contratado pelo Ministério da 
Agricultura para realizar filmes sobre o desenvolvimento econômico e social do país, com a 
intenção de enviar os mesmos para a Exposição de Turim. Em Pelotas, o cenário das filmagens 
é novamente uma festa campestre da União Gaúcha, ocorrida no dia 8 de outubro, desta vez 
às margens do Arroio Pelotas na propriedade de Ramão Iribarni. A iniciativa das filmagens 
do terceiro filme a retratar a União Gaúcha também teria partido de Simões Lopes, que não 
era mais presidente, mas membro influente da diretoria da entidade gauchesca. Dois dias 
195
depois, Panella embarca para Rio Grande e lá pega um vapor para o Rio de Janeiro, levando 
na bagagem um rolo de 8 mil metros de fitas tiradas no Estado22.
O filme foi exibido nas telas do Coliseu em primeira mão no dia 28 de novembro de 1911, 
enquanto que o Poytheama reprisava As obras da Barra.
Com extensão de 300 metros, um curta-metragem, e dividida em quatorze quadros, A festa 
da Gaúcha acabou lotando a casa de diversões, promovendo um “ruidoso” sucesso nas duas 
primeiras sessões, o que acabou provocando sua permanência em cartaz. A programação 
contava também com o Pathé Journal – um cinejornal distribuído pela Cia. Cinematográfica 
Brasileira – e produções nacionais como a partida de futebol entre Palmeiras e Paulistano e 
Interior da Fábrica Phenix dos Irmãos Noll, em Porto Alegre23.
A grande invenção cai no gosto popular. Mas quem traduz o auge da atração do 
cinematógrafo e o deleite com as filmagens locais é o crítico que assina F.O., no 
Diário Popular: “O cinematógrafo fica realmente delicioso quando se veem na tela 
fisionomias conhecidas, caras ou máscaras mais ou menos familiares e as quais, ali, 
esfumadas pela projeção, adquirem um tic de graça, um certo ar de gravidade risonha, 
que os espectadores não podem deixar de festejar nas interjeições, nos comentários, nos 
traços fugazes de ironias brejeiras com que sublinham o discurso da fita. Por isso que 
o filme da simpática Gaúcha levou ao Coliseu tão numerosa assistência.” Na sequência 
de A festa da Gaúcha, o Coliseu passa a exibir outra produção local, com as filmagens 
da posse do bispo Francisco de Campos Barreto, que estreou no dia 5 de dezembro, 
com o título: A chegada do bispo de Pelotas. Entre os figurantes, o intendente José 
Barboza Gonçalves e o empresário Joaquim Augusto de Assumpção. Algumas pessoas 
foram filmadas ainda a bordo, como o casal Casimira e Bruno Gonçalves Chaves (então 
diplomata junto a Santa Sé, amigo do Papa Pio X), e outras no tombadilho, como o 
arcebispo de Porto Alegre, Dom Claudio Ponce de Leon24.
Em 1912, outras três salas de cinema são inauguradas: Eldorado, Recreio Ideal e o Ideal 
Concerto (Ponto Chic). Este último era um dos mais luxuosos da cidade. Foi inaugurado 
em 30 de março na esquina da Quinze de Novembro com Sete de Setembro, local onde 
antes era a ferragem Farias & C. À frente havia um bar e café com mesas de mármore e o 
salão do cinema tinha capacidade para 500 pessoas, além dos camarotes e uma orquestra 
que tocava durante as sessões. As cadeiras do mesmo modelo do Sete de Abril foram 
trazidas da Áustria e o aparelho cinematográfico era dotado de uma lente que permitia 
projetar imagens a uma distância de 30 metros. O cinema virou marca de carteira de 
cigarros, distribuída aos fregueses no intervalo das sessões. Aromáticos e feitos com o 
fumo Turco, os cigarros Ideal Concerto eram confeccionados por Francisco Dias Loureiro, 
que já comercializava na cidade a marca Ford. As instalações foram feitas pelo eletricista 
e dono de uma clicheria José Brisolara da Silva, que, como amador, passou a se dedicar a 
realizar documentários na cidade. Em 2 de setembro estreia no Ponto Chic o filme de 
Brisolara, com 600 metros, As festas do centenário de Pelotas25.
Em 1913, já como funcionário da prefeitura, Brisolara dirigia filmes que eram exibidos no 
largo do Mercado Central, programação chamada Cinema Municipal e realizada no governo 
de Cypriano Barcellos. O aparelho foi encomendado pelo seu antecessor, José Barbosa 
Gonçalves, para exibições ao ar livre. Em 21 de abril, uma multidão assistiu Uma excursão ao 
Cerro das Almas, no Capão do Leão; Uma excursão pelo rio São Gonçalo, da boca do arroio 
196
Pelotas ao porto da cidade; e Panorama de represa no Quilombo e filtros na garganta do 
Sinott. As fitas de Brisolara eram preparadas com viragens e tinturas diversas, uma técnica de 
tingir a película, provocando efeitos especiais em cenas inteiras.
Com as várias salas exibidoras na cidade, os clubes sociais, salões de festa e até mesmo o Sete de 
Abril perderam a primazia, mas ainda eram os locais preferidos de espetáculos de magia, hipnose 
e prestidigitação que continuavam ocorrendona cidade. Em 1913, se apresentaram no teatro 
duas dessas figuras caricatas: o ilusionista indiano Dr. Richards e o Conde Patrizio Castiglione.
As fitas da Pathé, Gaumont e da dinamarquesa Nordisk26 passaram a inundar Pelotas. Com 
preços mais baratos, “ao alcance de todas as bolsas”, a concorrência com as peças teatrais 
era desigual. “É possível apreciar trabalhos que, na cena do teatro, nos custariam os olhos 
da cara! faz bem ou mal o povo, preferindo-o?... O que nos interessa saber que ele vai aos 
espetáculos cinematográficos, deixando às moscas os teatros caríssimos...”, escreveu o jovem 
intelectual Victor Russomano num longo artigo com o título “Cinematographo”27.
O próprio Theatro Sete de Abril passa a ser arrendado pela empresa Ideal em maio de 1913, 
com energia elétrica fornecida pelo Polytheama, que também havia sido alugado pela mesma 
empresa em agosto de 1912. A Ideal tencionava comprar o Sete transformando-o numa espécie 
de parque de recreio popular ou mesmo construir no local um teatro de ferro, mais moderno.
 
***
É nessa época que surge em Pelotas um dos mais importantes ciclos regionais de cinema, a 
partir da fundação da Guarany Films, criada por Francisco Santos. O ator português, que 
estava em temporada em Bagé, resolve dissolver sua companhia teatral e se dedicar à produção 
de filmes. A notícia é veiculada primeiro na Capital, e em Pelotas no dia 25 de setembro de 
1912, no Correio Mercantil, apontando Porto Alegre como local provável da fábrica de fitas 
cinematográficas. Pelotas estava de luto pela morte de Alexandre Cassiano do Nascimento28. Os 
funerais foram filmados por Brisolara e o filme exibido no Ponto Chic em 1º de outubro de 1912.
Em dezembro de 1912, Santos e seu sócio Francisco Xavier anunciam que vão instalar a 
Guarany Films em Pelotas, desistindo de Rio Grande, outra opção. A sede era no prédio da 
Deodoro com General Telles, ainda hoje existente. Santos, que já havia trabalhado como 
ambulante do cinema na Europa, começou a fazer uma série de documentários, alguns 
exibidos ainda naquele mês no Ponto Chic, como Exposição Feira de Bagé e a partida entre 
União e Rio Branco, de Bagé. 
Santos, contudo, causou furor nas telas seguindo uma tendência nacional de reconstituir 
crimes reais explorados pela imprensa, como o ocorrido em Rio Grande e que abalou a 
opinião pública, o longa-metragem O Crime dos Banhados.
Antes, Santos havia rodado Os Óculos do Vovô – o mais antigo filme de ficção brasileiro 
preservado – e O Marido Fera. Para o crítico Pery Ribas, Francisco Santos foi “o maior homem 
de cinema de seu tempo”.
A Guarany também exibia filmes no Eldorado, como O préstito do Clube Carnavalesco 
Brilhante, que teve como operador Raphael Grecco, e Panorama de Pelotas, ambos já exibidos

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