Prévia do material em texto
CIÊNCIA POLÍTICA Unidade 2 Teoria Política, sua História e seus Pensadores Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial ALESSANDRA FERREIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria IARA CHAVES 4 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 A U TO RI A Iara Regina Chaves Olá. Sou formada em Administração de Empresas, com especialização em Gestão de Pessoas, mestre em Economia e doutora em Qualidade Ambiental, com experiência de mais de 5 anos em docência em educação de nível técnico e superior. Na área corporativa, tenho experiência de mais de 18 anos em Gestão de Recursos Humanos e Negócios. Passei por grandes empresas nacionais nas áreas de varejo de eletroeletrônicos e prestação de serviços, em multinacionais no ramo de alimentos e bebidas, copiadoras e courier, e fui conteudista em algumas universidades. Sou apaixonada pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando em suas profissões. Por isso fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! 5CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 ÍC O N ES Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO Para o início do desenvolvimento de uma nova competência. DEFINIÇÃO Houver necessidade de apresentar um novo conceito. NOTA Quando necessárias observações ou complementações para o seu conhecimento. IMPORTANTE As observações escritas tiveram que ser priorizadas para você. EXPLICANDO MELHOR Algo precisa ser melhor explicado ou detalhado. VOCÊ SABIA? Curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias. SAIBA MAIS Textos, referências bibliográficas e links para aprofundamento do seu conhecimento. ACESSE Se for preciso acessar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast. REFLITA Se houver a necessidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido. RESUMINDO Quando for preciso fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens. ATIVIDADES Quando alguma atividade de autoaprendizagem for aplicada. TESTANDO Quando uma competência for concluída e questões forem explicadas. 6 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 SU M Á RI O O pensamento político na antiguidade ................................... 9 O pensamento político na Grécia Antiga......................................................... 9 Política, justiça e igualdade ..............................................................................11 Política e filosofia ...............................................................................................14 Aristóteles ...........................................................................................................19 Epicurismo ..........................................................................................................22 A República Romana ........................................................................................23 O pensamento político na Idade Média ................................ 27 Filosofia política medieval ................................................................................27 Guerra ..................................................................................................................33 Direito civil e canônico ......................................................................................35 Poderes secular e espiritual ............................................................................37 A tradição medieval da filosofia política ........................................................ 39 O limite do governo ...........................................................................................40 O pensamento político no Renascimento ............................. 43 A filosofia moral e política de Hobbes ...........................................................43 Maquiavel ...........................................................................................................49 A filosofia política de Locke ..............................................................................53 O pensamento político na Idade Moderna ......................... 61 Barão de Montesquieu e o pensamento político ........................................ 61 As contribuições de Rousseau ........................................................................68 7CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 A PR ES EN TA ÇÃ O Você sabia que a área de Ciência Política é uma das mais importantes ciências a ser estudada, pois a vida de todas as pessoas é afetada pelas prioridades e escolhas políticas? A natureza humana sempre permeou o imaginário dos filósofos e dos pesquisadores do homem como ser social e político. Nesta unidade, vamos entender como vários pensadores, desde a Idade Antiga até a Idade Moderna, desvendaram essa incógnita e como considerar a moralidade humana como a base da política. Entender o porquê do conceito de que os seres humanos são egoístas por natureza e cheios de malícia, brutalidade e agressão de acordo com algumas definições, e por que a única estratégia para resolver a situação de hostilidade entre as pessoas é estabelecer um governo com autoridade absoluta segundo o entendimento de outros pensadores. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva, você vai mergulhar neste universo! 8 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O BJ ET IV O S Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o término desta etapa de estudos: 1. Entender o pensamento político na antiguidade, emitindo visão crítica e comparativa com o pensamento contemporâneo. 2. Compreender o pensamento político na idade média, discernindo sobre suas semelhanças e diferenças em relação ao atual pensamento político. 3. Identificar as características do pensamento político no renascimento, bem como suas diferenças e similitudes com o pensamento contemporâneo. 4. Discernir sobre as características, controvérsias e peculiaridades acerca do pensamento político na idade moderna. 9CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O pensamento político na antiguidade OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de entender o pensamento político da antiguidade. Isso será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que tentaram compreender a forma que a política, como ciência, influenciou na ciência política atual, sem o devido conhecimento tiveram problemas, uma vez que sem base de como ocorre a construção do pensamento político não conseguimos entender a evolução do pensamento político. Assim, procuramos embasamento no pensamento político da antiguidade ou Idade Média. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá. Avante! O pensamento político na Grécia Antiga Figura 1 – Discursos na Grécia Antiga Fonte: Wikimedia Commons. 10 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O estudo da política e de seus pensadores são importantes para o entendimento da política atual. No entanto, alguns questionamentos são importantes, conforme Redhead (1989, p. 7), autor de nossa época: A história do pensamento político é a história das tentativas através dos tempos de se responder à pergunta: ‘Por que devo obedecer ao Estado?’ [...] As respostas variam desde: a pragmática – “Porque se eu não obedeço a eles, me cortam a cabeça”; a teológica – “Porque é a vontade de Deus”; a contratual – “Porque o Estado e eu fizemos um acordo”; a metafísica - “Porque o Estado é a realidade da ideia ética”. Nenhuma resposta existiu isolada, embora algumas tenham sido dominantes em determinados séculos. Uma ou outra foi abandonada definitivamente e a maioria ainda sobrevive aqui e ali, com um grau maior ou menor de autoridade. O pensamento político trata da expressãoa educação extremamente importante para sua filosofia política. Seu ataque às ideias inatas aumenta a importância de dar às crianças o tipo certo de educação para ajudá-las a obter os tipos certos de ideias. Ele também observa que os seres humanos governam a si mesmos por uma variedade de leis diferentes, a mais eficaz na prática é a “Lei da Opinião ou Reputação”. Como as pessoas geralmente são altamente motivadas para serem bem vistas pelos outros, os padrões morais que operam dentro de uma sociedade para alocar elogios e críticas são poderosos e importantes (TARCOV, 1984). IMPORTANTE A principal obra educacional de Locke é Some Thoughts Concerning Education. O livro foi extremamente popular e teve inúmeras edições no século após sua publicação. Uma das características marcantes do livro é a maneira como os pais são encorajados a desenvolver e aumentar o amor da criança por elogios e estima. Cultivar esse desejo ajuda a criança a aprender a controlar outros desejos nocivos, como o desejo de domínio, e a aprender a controlar os impulsos e depois refletir porque eles acontecem (LOCKE apud TADIÉ, 2005, p. 65-66). Se os pais estão controlando rigidamente o ambiente educacional da criança com o objetivo de produzir um tipo particular de criança, e se na realidade as pessoas são guiadas principalmente pelas normas repetitivas que governam elogios e críticas, os críticos afirmam que isso revela que o sujeito liberal autônomo é, na realidade, um pretexto para a conformidade imposta (LOCKE apud TADIÉ, 2005). 60 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que Hobbes considera que o Estado é constituído por uma fusão completa dos indivíduos e que estes estão ligados pelo que ele chamou de contrato por meio do qual se associam entre si e comprometem-se em submeterem em ao Estado. Também entendemos que Maquiavel, quando escreveu seus livros, estava apenas tirando o véu dos olhos de todos e mostrando como realmente são aqueles que nos governam, o que nem sempre tem uma boa aceitação. E que Hobbes se apresentava como defensor de um Estado absoluto, ao qual o homem deve se submeter como última possibilidade, com o propósito de garantir sua própria sobrevivência, uma vez que o estado de natureza não é mais possível no contexto social. Por último, aprendemos que Locke influenciou a revolução norte-americana, cuja declaração de independência compartilhou de suas ideias. 61CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O pensamento político na Idade Moderna OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de entender o pensamento político na Idade Moderna. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que tentaram o entendimento da política como ciência, sem o devido conhecimento, tiveram problemas, uma vez que sem este conhecimento não somos capazes de entender a separação dos poderes político em Legislativo, Executivo e Judiciário. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá. Avante! Barão de Montesquieu e o pensamento político Montesquieu foi um dos grandes filósofos políticos do Iluminismo; ele construiu um relato naturalista das várias formas de governo. Figura 14 – Montesquieu Fonte: Wikimedia Commons. 62 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Montesquieu via o despotismo, em particular, como um perigo permanente para qualquer governo que ainda não fosse despótico, e argumentou que seria melhor preveni-lo por um sistema no qual diferentes órgãos exercessem o poder: Legislativo, Executivo e Judiciário, e no qual todos esses órgãos estivessem vinculados pelo estado de direito. Essa teoria da separação de poderes teve enorme impacto na teoria política liberal e nos autores da constituição dos Estados Unidos da América. Liberdade Segundo Montesquieu, a liberdade política é “uma tranquilidade de espírito decorrente da opinião que cada pessoa tem de sua segurança”. A liberdade não é a liberdade de fazer o que quisermos: se tivermos a liberdade de prejudicar os outros, por exemplo, os outros também terão a liberdade de nos prejudicar e não teremos confiança em nossa própria segurança. A liberdade envolve viver sob leis que nos protegem de danos enquanto nos deixam livres para fazer o máximo possível e que nos permitem sentir a maior confiança possível de que, se obedecermos a essas leis, o poder do Estado não será direcionado contra nós (DALLARI, 2007). IMPORTANTE Se é para fornecer a seus cidadãos a maior liberdade possível, um governo deve ter certas características, uma vez que “a experiência constante nos mostra que todo homem investido de poder está apto a abusar dele [...] (DALLARI, 2007, p. 87). Isso é alcançado por meio da separação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do governo. 63CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Se diferentes pessoas ou órgãos exercem esses poderes, cada um pode verificar os outros se eles tentarem abusar de seus poderes. Montesquieu, em sua obra Do Espírito das Leis, de 1748, acreditava que se uma pessoa ou corpo possui vários ou todos esses poderes, então nada impede que essa pessoa ou corpo aja de forma tirânica; e o povo não terá confiança em sua própria segurança. O sistema de separação de poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, foi associado à ideia de Estado Democrático e deu origem a uma engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema de freios e contrapesos. Segundo essa teoria, os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécies: ou são gerais ou são especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, constituem-se na emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou prejudicar a uma pessoa ou a um grupo em particular. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competências. (DALLARI, 2007, p. 183-185) 64 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Certos arranjos tornam mais fácil para os três poderes verificarem uns aos outros. Montesquieu argumenta que o Poder Legislativo sozinho deveria ter o poder de tributar, pois pode privar o Executivo de financiamento se este tentar impor sua vontade arbitrariamente. Da mesma forma, o poder Executivo deve ter o direito de vetar atos do Legislativo, e o Legislativo deve ser composto por duas casas, cada uma das quais pode impedir que os atos da outra se tornem lei (DALLARI, 2007). O Judiciário deve ser independente tanto do Legislativo quanto do Executivo, e deve limitar-se a aplicar as leis a casos particulares de maneira fixa e consistente, de modo que “o poder judiciário, tão terrível para a humanidade, [...] torne-se, por assim dizer, invisível”, e as pessoas “temem o ofício, mas não o magistrado” (DALLARI, 2007, p. 190). IMPORTANTE A liberdade também exige que as leis digam respeito apenas a ameaças à ordem e segurança públicas, uma vez que tais leis nos protegerão de danos enquanto nos deixam livres para fazer tantas outras coisas quanto possíveis. Assim, por exemplo, as leis não devem dizer respeito a ofensas contra Deus, visto que Ele não exige sua proteção. Não devem proibir o quenão precisam proibir: “toda punição que não deriva da necessidade é tirânica. A lei não é um mero ato de poder (DALLARI, 2007, p. 190). As leis devem ser construídas para facilitar ao máximo que os cidadãos se protejam da punição não cometendo crimes. Eles não devem ser vagos, pois, se fossem, nunca poderíamos ter certeza se determinada ação foi ou não um crime. Tampouco devem proibir coisas que possamos fazer inadvertidamente, como esbarrar em uma estátua do imperador, ou involuntariamente, como duvidar da sabedoria de um de seus decretos; se tais ações 65CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 fossem crimes, nenhum esforço para cumprir as leis de nosso país justificaria a confiança de que teríamos sucesso e, portanto, nunca poderíamos nos sentir seguros de processos criminais. Finalmente, as leis devem tornar o mais fácil possível para uma pessoa inocente provar sua inocência (DALLARI, 2007). Formas de governo Montesquieu sustenta que existem três tipos de governos: governos republicanos, que podem assumir formas democráticas ou aristocráticas; monarquias; e despotismos. Ao contrário, por exemplo, de Aristóteles, Montesquieu não distingue formas de governo com base na virtude do soberano. A distinção entre monarquia e despotismo, por exemplo, não depende da virtude do monarca, mas se ele governa ou não “por leis fixas e estabelecidas” (BONAVIDES, 2001, p. 35). IMPORTANTE Em uma democracia, o povo é soberano. Eles podem governar por meio de ministros ou ser aconselhados por um senado, mas devem ter o poder de escolher seus ministros e senadores por si mesmos. O princípio da democracia é a virtude política, incluindo a sua constituição democrática. A forma de governo democrático torna fundamentais as leis que regem o sufrágio e a votação (BONAVIDES, 2001). Uma democracia deve educar seus cidadãos para identificar seus interesses com os interesses de seu país, e deve ter censores para preservar seus costumes. Deve procurar estabelecer a frugalidade por lei, de modo a evitar que seus cidadãos sejam tentados a promover seus próprios interesses privados às custas do bem público; pela mesma razão, as leis pelas quais a propriedade é transferida devem visar a preservar uma distribuição igualitária da propriedade entre os cidadãos. 66 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Seu território deve ser pequeno, de modo que seja fácil para os cidadãos se identificarem com ele, e mais difícil para interesses privados amplos emergirem (BONAVIDES, 2001). IMPORTANTE As democracias podem ser corrompidas de duas maneiras, chamadas por Montesquieu de “espírito de desigualdade” e “espírito de extrema igualdade” (BONAVIDES, 2001). O espírito de desigualdade surge quando os cidadãos não mais identificam seus interesses com os interesses de seu país e, portanto, buscam promover seus próprios interesses privados às custas de seus concidadãos e adquirir poder político sobre eles. O espírito de extrema igualdade surge quando as pessoas não se contentam mais em ser iguais como cidadãos, mas querem ser iguais em todos os aspectos. Numa democracia funcional, o povo escolhe os magistrados para exercer o Poder Executivo, respeitando e obedecendo aos magistrados que escolheu. Se esses magistrados perderem o respeito, eles os substituem. Quando o espírito de extrema igualdade se enraíza, porém, os cidadãos não respeitam nem obedecem a nenhum magistrado. Eles “querem administrar tudo sozinhos, debater pelo senado, executar pelo magistrado e decidir pelos juízes” (BONAVIDES, 2001 p. 85). Eventualmente, o governo deixará de funcionar, os últimos resquícios de virtude desaparecerão e a democracia será substituída pelo despotismo. A principal tarefa das leis em uma monarquia é proteger as instituições subordinadas que distinguem a monarquia do despotismo. Para esse fim, elas devem facilitar a preservação de grandes propriedades indivisíveis, proteger os direitos e privilégios da nobreza e promover o estado de direito. Devem também estimular a proliferação de distinções e recompensas por conduta honrada, inclusive luxos (BONAVIDES, 2001). 67CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 IMPORTANTE Uma monarquia é corrompida quando o monarca destrói as instituições subordinadas que restringem sua vontade, ou decide governar arbitrariamente, sem levar em consideração as leis básicas de seu país, ou rebaixa as honras que seus cidadãos possam almejar, de modo que “os homens são capazes de ser carregados ao mesmo tempo com infâmia e com dignidades”. As duas primeiras formas de corrupção destroem os freios à vontade do soberano que separam a monarquia do despotismo; o terceiro corta a conexão entre conduta honrosa e suas recompensas apropriadas. Em uma monarquia funcional, a ambição pessoal e o senso de honra trabalham juntos (BONAVIDES, 2001). Essa é a grande força da monarquia e a fonte de sua extraordinária estabilidade: quer seus cidadãos ajam por uma virtude genuína, um senso de seu próprio valor, um desejo de servir a seu rei ou ambição pessoal, eles serão levados a agir de maneiras que sirvam a seus país. Um monarca que governa arbitrariamente, ou que recompensa o servilismo e a conduta ignóbil em vez da honra genuína, rompe essa conexão e corrompe seu governo (BONAVIDES, 2001). Nos Estados despóticos “uma única pessoa dirige tudo por sua própria vontade e capricho” (BONAVIDES, 2001 p. 116). Sem leis para controlá-lo e sem necessidade de atender quem não concorda com ele, um déspota pode fazer o que quiser, por mais imprudente ou repreensível que seja. Seus súditos não são melhores que escravos, e ele pode dispor deles como bem entender. O princípio do despotismo é o medo. Esse medo é facilmente mantido, pois a situação dos súditos de um déspota é genuinamente aterradora. O medo deve, portanto, deprimir seus espíritos e extinguir até mesmo o menor senso de ambição” (BONAVIDES, 2001). 68 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Por essas razões, o despotismo necessariamente está em uma relação diferente com a corrupção do que outras formas de governo: embora sejam passíveis de corrupção, o despotismo é sua personificação. As contribuições de Rousseau As contribuições de Rousseau para a filosofia política estão em suas principais obras: o Discurso sobre as origens da desigualdade, o Discurso sobre economia política e O contrato social. Sua doutrina central na política é que um Estado só pode ser legítimo se for guiado pela “vontade geral” de seus membros. Essa ideia encontra seu tratamento mais detalhado em O contrato social (ROUSSEAU, 1757). IMPORTANTE Em O contrato social, Rousseau se propõe a responder ao que considera ser a questão fundamental da política, a reconciliação da liberdade do indivíduo com a autoridade do Estado. Essa reconciliação é necessária porque a sociedade humana evoluiu a um ponto em que os indivíduos não podem mais suprir suas necessidades por meio de seus próprios esforços, mas devem depender da cooperação de outros. O processo pelo qual as necessidades humanas se expandem e a interdependência se aprofunda é exposto no Discurso sobre as Origens da Desigualdade (ROUSSEAU, 1999). Nessa obra, o momento final da história conjectural de Rousseau envolve a emergência do conflito endêmico entre os indivíduos agora interdependentes e o argumento de que a insegurança hobbesiana dessa condição levaria todos a consentir o estabelecimento da autoridade e do direito do Estado. No Segundo Discurso, esse estabelecimento equivale ao 69CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 reforço de relações sociais desiguais e exploradoras que agora são respaldadas pela lei e pelo poder do Estado. Figura 14 – Rousseau Fonte: Wikimedia Commons. Os sem-propriedade consentem com tal estabelecimento porque seu medo imediato de um estado de guerra hobbesiano os leva a deixar de atender às maneiras pelas quais o novo estado os prejudicará sistematicamente. O Contrato Social visa estabelecer uma alternativa aessa distopia, uma alternativa na qual, afirma Rousseau, cada pessoa desfrutará da proteção da força comum enquanto permanecerá tão livre quanto no estado de natureza. A chave dessa reconciliação é a ideia de vontade geral: ou seja, a vontade coletiva do corpo cidadão tomado como um todo. A vontade geral é a fonte do direito e é desejada por todo e qualquer cidadão. Ao obedecer à lei, cada cidadão fica assim sujeito à sua própria vontade e, consequentemente, segundo Rousseau, permanece livre (ROUSSEAU, 1979, p. 90). 70 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Uma característica da filosofia política de Rousseau que se mostrou menos persuasiva para pensadores posteriores é sua doutrina de soberania e representação, com sua aparente rejeição do “governo representativo”. IMPORTANTE No centro da visão de Rousseau em O Contrato Social, está sua rejeição da ideia hobbesiana de que a vontade legislativa de um povo pode ser investida em algum grupo ou indivíduo que então age com sua autoridade, mas os governa. Em vez disso, ele considera que entregar o direito geral de governar a si mesmo a outra pessoa ou corpo constitui uma forma de escravidão, e que reconhecer tal autoridade equivaleria a uma abdicação da agência moral (ROSSEAU, 2013 p. 45). Essa hostilidade à representação da soberania estende- se também à eleição de representantes para as assembleias de soberania, ainda que estes sejam periodicamente reeleitos. Mesmo nesse caso, a assembleia estaria legislando sobre uma série de temas sobre os quais os cidadãos não deliberaram. As leis aprovadas por tais assembleias vinculariam os cidadãos em termos que eles próprios não concordaram. Não só a representação da soberania constitui, para Rousseau, uma rendição da agência moral, como o desejo generalizado de ser representado no negócio do autogoverno é um sintoma do declínio moral e da perda da virtude (ROSSEAU, 2013). 71CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Karl Marx A ciência política marxista atribui a raiz dos conflitos sociais humanos às relações sociais de produção. Seu grande significado reside em colocar a pesquisa em ciência política em bases realistas e materialistas. Também tem um impacto profundo no desenvolvimento da ciência política ocidental moderna. Figura 15 – Karl Marx Fonte: Wikimedia Commons. O estudo da filosofia política de Marx é propício para entender sua crítica às relações de produção capitalistas e a concepção de uma sociedade comunista ideal. 72 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O princípio básico da filosofia política de Marx Marx se opôs a explicar a história e criticar a sociedade a partir de vários princípios abstratos de justiça e defendeu que as atividades materiais dos indivíduos ou do todo deveriam ser tomadas como base e princípio para a realização da equidade e da justiça (HELLER, 1998). VOCÊ SABIA? Diferentemente da teoria da natureza humana dos séculos XVII e XVIII, que expunha a questão da equidade e da justiça a partir de princípios abstratos, Marx dava grande importância à compreensão da questão da equidade e da justiça sob a perspectiva da vida social e econômica. Equidade e justiça não são racionalidade humana abstrata. “A conclusão de que nem as relações jurídicas nem as formas de Estado podem ser apreendidas por si mesmas ou com base no chamado desenvolvimento geral da mente humana, mas, ao contrário, têm sua origem nas condições materiais de existência” (MARX; ENGELS, 2009). Para Marx, a essência do capital não é material, nem dinheiro, mas um tipo de relação de produção. Como o trabalho capitalista é trabalho assalariado, é impossível realizar a igualdade de trabalho e a distribuição justa dos produtos. Sob a condição de propriedade privada capitalista, liberdade, igualdade e justiça são abstratas, formais e hipócritas. Elas não são liberdade real, igualdade e justiça na realidade. Marx criticou duramente a hipocrisia da igualdade econômica capitalista. A libertação política da burguesia marcada pelo estabelecimento da chamada liberdade, igualdade e direitos humanos universais tem limitações óbvias (LI, 2019). 73CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Marx sempre se baseou no papel decisivo da fundação econômica e defendeu que a equidade e a justiça só podem ser corretamente compreendidas na produção material, considerando assim a igualdade de propriedade como a premissa da justiça social humana e descartando a propriedade privada como equidade e justiça o caminho para alcançá-la. Somente por meio da revolução, abolindo a propriedade privada capitalista, eliminando a exploração e a opressão; o sistema social pode ser justo e razoável na sociedade comunista; a relação entre as pessoas é uma relação de igualdade real; a liberdade do desenvolvimento humano abrangente pode ser realizada; e o objetivo de equidade e justiça da sociedade humana pode ser realizado (LI, 2019). O desenvolvimento integral do homem é o objetivo final da filosofia política O pensamento da filosofia política de Marx está concentrado em obras como a Crítica da economia política, A ideologia alemã, o Manifesto do Partido Comunista etc. Do ponto de vista da filosofia política, expõe que a libertação humana é a forma futura e o destino final da libertação política. IMPORTANTE A “liberdade” em conceitos como “homem livre” e “associação do homem livre” mencionados por Marx não se limita à liberdade discutida sob a ótica das relações políticas. Em sua opinião, a liberdade não é uma espécie de direito humano, mas uma espécie de característica humana. Se a vida política é considerada como uma fronteira, então o ser humano pode realizar plenamente a liberdade individual. 74 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 No entanto, se o escopo da observação for estendido ao mundo natural, então, para a sobrevivência e desenvolvimento humanos, a liberdade humana é limitada. Portanto, a liberdade política é apenas dos seres humanos na sociedade de classes. IMPORTANTE Marx sempre acreditou que a democracia não é o mecanismo social da sociedade comunista (LI, 2018), e a existência da democracia é o sinal da existência continuada do estado. Portanto, é impossível para Marx considerar a democracia como o objetivo político de sua libertação, e o desenvolvimento livre e integral dos seres humanos é o objetivo final do desenvolvimento político, mesmo que o estado político desapareça Deus. Aqueles que interpretam a teoria da libertação humana de Marx e da liberdade humana do escopo da vida política veem apenas a categoria superficial da filosofia política, que não nos ajuda a entender corretamente o ideal comunista de Marx. No Manifesto do Partido Comunista, Marx demonstrou em detalhes várias teorias socialistas incorretas, sistemas e outros fatores políticos realistas porque ele vinculou organicamente a teoria da libertação humana com a revolução proletária, a ditadura e a teoria do partido. 75CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 A ideia marxista do Estado Na perspectiva marxista, o Estado é a construção da classe dominante. Marx em A Ideologia Alemã via o Estado como uma estrutura de exploração constituída para servir aos interesses econômicos da classe dominante, isto é, burguesia (MARX, 1998). IMPORTANTE Para Marx, existe a luta de classes ao longo da história entre os que têm e os que não têm acesso e controle dos meios e forças de produção. É a luta de classes que, em última instância, determina relações de produção dos povos e todas as outras relações, incluindo as políticas e econômicas. Nesta teoria, o Estado é um instrumento de domínio de classe que serve ao bem-estar da classe dominante. Ao fazer isso, o Estado não é permanente, eterno e harmônico. Torna-se funcional apenas com o desigual, com as relações de produção desiguais na sociedade. As relações de produção são muitas vezes construídas em favor da burguesia, pois os meios de produção (incluindo terra, indústrias, trabalho e recursos naturais)também são controlados por esta classe. A burguesia controla a economia (base), portanto, controla o Estado (base e superestrutura como um todo). Conforme refletido na teoria do materialismo histórico, a sociedade sem classes existirá apenas em um Estado da classe trabalhadora, que só pode ser realizado derrubando o Estado burguês por meio de uma revolução. No marxismo, portanto, as ideias de “abolição” e “definhamento” do Estado não são sinônimas. 76 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Ontologicamente, a perspectiva marxista rejeita a visão liberal do Estado. A rejeição é baseada na visão marxista na sociedade como um produto da luta de classes em que os interesses de diferentes classes são fundamentalmente contraditórios e exploradores. RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que Montesquieu via o despotismo, em particular, como um perigo permanente para qualquer governo que ainda não fosse despótico, e argumentou que seria melhor preveni-lo por um sistema no qual diferentes órgãos exercessem o Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, e no qual todos esses órgãos estivessem vinculados pelo estado de direito. Da mesma forma vimos que Rousseau, em O contrato social, é fundamentado em um pacto convencional, por meio do qual os cidadãos, em condições justas, abrem mão de seus direitos individuais e consentem com o poder de uma autoridade na qual depositam confiança. Por último, vimos com a obra de Karl Marx, que o significado da política assume novas roupagens. Acontece a incorporação da ideia de antagonismos das classes presentes na sociedade, dispostas de acordo com a relação diante dos meios de produção (aqueles que detêm os meios e aqueles que participam com a mão de obra, ou seja, os trabalhadores). 77CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 ATKINS, E.M. Cicero. In: Rowe and Schofield. [s.l.]:[s.n], 2000, pp. 477– 516. BONAVIDES, P. Formas de Estado e de Governo. In: Curso de introdução à ciência política: formas de Estado e de governo [Unidade III]. 2. ed. Brasília: Editora UNB, 1984, p. 05-45. BONAVIDES, P. Ciência política. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. CROCE, B. Politics and Morals. New York: [s.n.], 1925. DALLARI, D. A. Elementos de teoria geral do Estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DYSON, R.W. Three Royalist Tracts, 1296–1302: Antequam essent clerici; Disputatio inter Clericum et militem; [s.l.]:Thoemmes Press, 1998. FERNANDES, A. J. Introdução à ciência política. Porto: Porto, 1995. FOWLER, D. Lucretius and Politics. In: BARNE, J.; GRIFFIN, M. (eds.). Philosophia Togata. Oxford: Oxford University Press, pp. 120–150, 1989. FRIEDE, R. Curso de ciência política e teoria geral do Estado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 4-27. RE FE RÊ N CI A S 78 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 HAHM, D.E. The Mixed Constitution in Greek Thought. In: BALOT, R.K. (ed.). A Companion to Greek and Roman Political Thought. Chichester: Wiley-Blackwell, pp. 178–98. HELLER, A. Além da justiça. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. KONVITZ, M. Civil Disobedience and the Duty of Fair Play. In: HOOK, S. (ed.). Law and Philosophy: A Symposium. New York: New York University Press, pp. 19–28, 1964. LANE, M.S. Method and Politics in Plato’s Statesman, Cambridge: Cambridge University Press, 1998. LI, L. S. Research on Marx’s Theory of Human Liberation. Lanzhou: Northwest Normal University, (2018). LI, L. S. Research on Marx’s Justice Thought from the Perspective of Historical Materialism. Beijing: Capital University of Economics and trade, 2019. LINTOTT, A. The Constitution of the Roman Republic. Oxford: Oxford University Press, 1999. MANSFIELD, H. C. Machiavelli’s Virtue. Chicago: University of Chicago Press 1996. MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 79CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2009. MEINECKE, F. The Doctrine of Raison d’Etat and Its Place in Modern History. New Haven, CT: Yale University Press, 1924. MIETHKE, J. A potestate papae: A autoridade papal em conflito com a teoria política de Tomás de Aquino. Wilhelm von Ockham, Tübingen: Mohr Siebeck, 2000. MCCREADY, W. D. The Theory of Papal Monarchy in the Fourteenth Century. Toronto: Pontifical Institute of Mediaeval Studies, 1982. MORRALL, J. B. SKINNER, Q. The Foundations of Modern Political Thought: Vol. I, The Renaissance; Vol. II, The Age of Reformation. Pp.: Vol. I, 305; Vol. II, 405. (Cambridge University Press, 1978). Religious Studies, v. 16, n. 3, p. 375-377, 1980. NUSSBAUM, M.C., Shame, Separateness, and Political Unity: Aristotle’s criticism of Plato. In: RORTY, A.O. (ed.). Essays on Aristotle’s Ethics. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, pp. 395–436. 1980. OBER, J., Mass and Elite in Democratic Athens: rhetoric, ideology, and the power of the people. Princeton: Princeton University Press, 1989. PENNINGTON, K. Popes, Canonists and Texts 1150–1550 (Variorum Collected Series Studies CS412). London: Variorum, 1993. 80 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 PETERSEN, Á. Partidos Políticos. In: PETERSEN, Á. et al. Ciência Política: textos introdutórios. 4. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. pp. 131-158. REDHEAD, B. O pensamento político de Platão. Rio de Janeiro: Imago, 1989. ROBITZSCH, J.M. The Epicureans on Human Nature and its Social and Political Consequences. [s.l.]:[s.n], 2017. ROMANOS. In: BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de Padre Antônio Pereira de Figueredo. Rio de Janeiro: Encyclopaedia Britannica, 1980. Edição Ecumênica. ROUSSEAU, J. J. O contrato social. In: Oeuvres completes, tome III. Collection “Pléíade”. Paris: Gallimard, 1757. ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a desigualdade. In: Obras. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1979. ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural, 1999. SELL, C.E. Introdução à sociologia política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis: Vozes, 2006. SHARPLES, R. Stoics, Epicureans and Sceptics: an introduction to Hellenistic philosophy. London: Routledge, 1996. 81CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 TADIÉ, A. Locke. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. 208 p. TARCOV, N. Locke’s Education for Liberty. Chicago, IL: University of Chicago Press, 1984. TIERNEY, B. Religion, Law and the Growth of Constitutional Thought, 1150–1650. Cambridge: Cambridge University Press, 1980. TUCKNESS, A. Locke and the Legislative Point of View: Toleration, Contested Principles and Law. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2002. VILLA, D. Socratic Citizenship, Princeton: Princeton University Press, 2001. VON Fritz, K. The Theory of the Mixed Constitution in Antiquity: a critical analysis of Polybius’ political ideas. New York: Columbia University Press, 1954. WEBER, M. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982. WEFFORT, F.C. (org). Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “o Federalista”. 13. ed. São Paulo: Ática, 2002. WOOZLEY, A.D. Socrates on Disobeying the Law. In: VLASTOS, G. (ed.). The Philosophy of Socrates: a collection of critical essays. Garden City, NY: Anchor Books, 1972. pp. 299–318. O pensamento político na antiguidade O pensamento político na Grécia Antiga Política, justiça e igualdade Política e filosofia Aristóteles Epicurismo A República Romana O pensamento político na Idade Média Filosofia política medieval Guerra Direito civil e canônico Poderes secular e espiritual A tradição medieval da filosofia política O limite do governo O pensamento político no Renascimento A filosofia moral e política de Hobbes Maquiavel A filosofia política de LockeO pensamento político na Idade Moderna Barão de Montesquieu e o pensamento político As contribuições de Rousseaudas ideias de cada época, sob o entendimento dos indivíduos, pensadores e filósofos em relação ao coletivo e ao sistema corrente do poder do Estado. Todavia, nem sempre essas ideias estão correlacionadas à realidade, permanecendo, algumas vezes, no âmbito imaginado de uma situação ideal, de um Estado ideal. O entendimento distinto de “política” forjado na Grécia foi marcado pelo surgimento histórico da cidade-Estado independente e pela variedade de regimes que ela pôde abrigar. A cidade era o domínio da colaboração potencial na condução de uma boa vida, embora fosse, da mesma forma, o domínio da contestação potencial, caso essa busca viesse a ser entendida como colocando uns contra os outros (LANE, 2018). 11CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 A teorização política começou com argumentos sobre para que servia a política, quem poderia participar dela e por quê. Argumentos que eram ferramentas em batalhas cívicas pelo controle ideológico e material, bem como tentativas de fornecer estruturas lógicas ou arquitetônicas para essas batalhas (LANE, 2018). IMPORTANTE Tais conflitos foram abordados pela ideia de justiça, que foi fundamental para a cidade ao sair da idade arcaica para o período clássico. A justiça foi concebida por poetas, legisladores e filósofos igualmente, como a estrutura de laços cívicos que eram benéficos para todos (ricos e pobres, poderosos e fracos igualmente), em vez de uma exploração de alguns por outros (LANE, 2018). Assim compreendida, a justiça definia a base da cidadania igualitária e era considerada o requisito para que os regimes humanos fossem aceitáveis aos deuses (LANE, 2018). Política, justiça e igualdade A justiça dependia de tratar os iguais igualmente e distribuir a cidadania e os privilégios de ocupar cargos de acordo com essa igualdade. No entanto, como “o igual” deve ser entendido? Isso se tornou a principal falha política do século V grego a.C. Os regimes oligárquicos podiam considerar apenas os kalokagathoi (a elite e os bem-nascidos, geralmente também ricos proprietários de terras) como iguais; os regimes democráticos, por outro lado, tendiam a tratar os “muitos” (ou uma grande proporção deles) como iguais políticos aos “poucos” da elite, nas democracias mais completas, concedendo direitos a todos os homens nativos e livres (LANE, 2018). 12 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Esparta, uma entidade política única, ainda exemplificava o mesmo padrão amplo ao nomear seus cidadãos como “os iguais” ou (mais literalmente) “iguais” (hoi homoioi) (LANE, 2018). A ausência do status de escravo tornava alguém livre, mas não necessariamente um cidadão. A escravidão, por sua vez, foi muito pouco debatida como uma questão política, servindo para demarcar o domínio da “política” em contraste com ela, em vez de ser considerada um tópico dentro dela. A exclusão das mulheres da cidadania ativa em Atenas foi sentida de forma mais consciente, dando origem a fantasias de política dominada por mulheres na comédia aristofânica (Lysistrata, Assemblywomen) e à reflexão torturada em muitas tragédias (considere os títulos de Medeia), ambos atenienses, obras que estabelecem as explorações dos papéis das mulheres nos contextos dramáticos das políticas estrangeiras arcaicas (LANE, 2018). Entre iguais, qualquer que fosse a definição, o espaço do político era o espaço de participação na tomada de decisões relativas a assuntos e ações públicas. Cidadãos, fossem poucos (geralmente os ricos) ou muitos (incluindo os mais pobres e talvez os homens adultos livres mais pobres), reuniam-se para conduzir assuntos públicos, compartilhando por costume, por eleição ou por sorteio (OBER, 1989). 13CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 IMPORTANTE Ao mesmo tempo, a política foi moldada pelo legado da poesia arcaica e seu ethos heroico, e pelos cultos religiosos que incluíam, ao lado de ritos pan-helênicos e familiares, importantes práticas distintas para cada cidade-Estado. Esse era um cenário politeísta, e não monoteísta, no qual a religião era, pelo menos em grande parte, uma função da identidade cívica. Era um mundo inocente da burocracia moderna e do movimento moderno para a abstração intelectual na definição do Estado. Assim, se a filosofia política antiga deixou de fora muito do que a filosofia política moderna incluiria (por exemplo, em sua maior parte, a questão da justeza da escravidão), também incluiu muito do que esta última tenderia a excluir (LANE, 2018). A maioria daqueles geralmente reconhecidos como “sábios” (sophoi) e “estudantes da natureza” (physikoi) que apareceram nesse meio pensavam nos mesmos termos amplos dos poetas e oradores. A justiça foi amplamente, se não universalmente, tratada como um constituinte fundamental da ordem cósmica. Alguns dos physikoi influenciaram a vida política, outros mantiveram-se distantes da ação política enquanto ainda identificavam semelhanças ou consonâncias entre natureza e política. Todavia, esses retratos de ampla consonância entre natureza e política foram contestados em meados do século V a.C. por alguns dentre uma nova geração de pensadores e atores, os professores profissionais (“sofistas”), que começaram a perguntar se as leis e costumes (nomos, singular; nomoi, plural) incorporando a justiça política eram verdadeiramente um reflexo da justiça na natureza (phusis) ou meramente uma imposição de normas humanas arbitrárias (LANE, 2018). 14 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Embora seja amplamente verdadeiro dizer que os pensadores políticos gregos geralmente pressupunham a importância da justiça, nos séculos V e IV a.C. muitos deles também a problematizavam cada vez mais (LANE, 2018). Política e filosofia Figura 2 – Platão Fonte: Creative Commons. Ao dar à luz a filosofia, a polis também deu origem a uma tensão entre o que Aristóteles descreveria como duas vidas: a vida da política e a vida da filosofia. Abriu-se aqui uma cisão entre ética e política, tão intimamente ligada em uma cultura milenar preocupada com o florescimento (eudaimonia) e a virtude (aretê). Os filósofos devem agir politicamente (e, se assim for, devem se engajar na política comum nos regimes existentes, ou trabalhar 15CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 para estabelecer novos) ou devem se abster da política para viver uma vida de pura contemplação? Da mesma forma, havia a questão de saber se os filósofos deveriam pensar politicamente: valeria a pena pensar nos assuntos humanos na perspectiva mais ampla aberta pelo estudo da natureza e dos deuses? Ao se envolver com questões de retórica, virtude, conhecimento e justiça, a vida filosófica de Sócrates se envolveu com o político mesmo antes de sua morte (seu julgamento e execução nas mãos do regime democrático ateniense) o colocar em conflito com ele (LANE, 2018). Discípulo de Sócrates, Platão escreveu três obras sobre política: A república, O político e As Leis. Em sua obra, A República: Platão descreve um Estado ideal baseado em três classes sociais: os reis filósofos, os guerreiros e os trabalhadores. Cada uma destas classes deveria dedicar-se a sua tarefa, praticando a virtude e, além disso, os guerreiros e os governantes deveriam praticar o comunismo e ainda passar por uma educação especial. Platão é o primeiro dos grandes pensadores utópicos, ou seja, pensadores que buscam descrever modelos ideais de sociedade. (SELL, 2006, p. 25) Pode-se depreender que, para Platão, o governo seria entregue aos sábios, a defesa aos guerreiros e a produção a uma terceira classe, desprovido de direitos políticos. 16 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 VOCÊ SABIA? Para Platão, aluno de Aristóteles, a prática e até o estudo dos assuntos humanos, como a política, eram menos divinos e, portanto, menos admiráveis do que o estudo mais amplo da verdade sobre os reinos natural e divino. A filosofia podia ter de abordar o político, mas sua vocação mais elevada pairava acima dele. Se o destino políticode Sócrates foi parte do estímulo para Platão inventar uma nova metafísica e epistemologia a fim de articular um reino alternativo de possibilidade política, os diálogos de Platão mostram Sócrates afirmando simultaneamente uma independência para essas disciplinas das amarras do político sozinho (LANE, 2018). É importante reconhecer que os fundadores da filosofia política antiga estavam, em parte, tentando definir um novo espaço de fazer como filosofar, independentemente da ação política ordinária (LANE, 2018). Isso não quer dizer que eles também não tivessem intenções políticas comuns, mas, sim, enfatizar que a invenção da filosofia política também pretendia ser um modo de reflexão sobre o valor da vida política comum. Ética e política socráticas Sócrates nos fazer crer ter sido o primeiro filósofo a tratar a ética em oposição à cosmologia e à física como uma área distinta de investigação. Ele afirma, na Apologia de Platão, que “a vida não examinada não vale a pena ser vivida”, ele pressionou por definições das virtudes ou excelências que eram amplamente reconhecidas e reivindicadas por seus companheiros, mas que eles achavam difíceis de explicar. 17CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Figura 3 – Sócrates Fonte: Creative Commons. IMPORTANTE Essa elevação do conhecimento, por sua vez, levou Sócrates a militar contra as práticas de retórica e julgamento que animavam as instituições políticas de Atenas, os tribunais, a assembleia e o conselho. Em vez disso, ele postulou a existência, ou pelo menos a possibilidade, de perícia política, afirmando ser a única pessoa em Atenas que pelo menos tentou perseguir tal verdade, uma noção complexa que pode ser entendida como significando a política como uma espécie de especialização profissional (VILLA, 2001). A natureza da preocupação de Sócrates com a ética o levou diretamente a uma forma de filosofia política. A relação entre política e conhecimento, o significado da justiça como virtude, o valor da coragem militar que todas as cidades gregas valorizavam em seus cidadãos, tudo parece ter sido o tema central da conversa socrática (OBER, 2008). 18 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O julgamento de Sócrates: a filosofia política e a cidadania Sócrates, aos 70 anos de idade, foi denunciado, julgado e condenado à morte por um júri popular ateniense. Em uma acusação movida por um grupo de seus concidadãos, que afirmava estar arcando com esse fardo pelo bem da cidade (a forma usual pela qual as acusações eram feitas em Atenas), as acusações feitas contra ele eram três: não reconhecer os deuses da cidade; introdução de novos deuses; e corromper os jovens (OBER, 2008). Cada uma delas tinha uma dimensão política e ampla importância política de educar os jovens para ocupar seu lugar na ordem cívica. No relato de Platão, depois de contestar as acusações religiosas, Sócrates reconheceu sua abstenção dos assuntos públicos, mas afirmou ter recebido uma missão mais significativa do deus Apolo quando seu oráculo de Delfos declarou que nenhum homem era mais sábio do que Sócrates: sua missão era agitar a cidade, discutindo a virtude e assuntos relacionados e beneficiando cada pessoa “tentando persuadi-la” a cuidar da virtude em vez da riqueza para si e para a cidade. Sócrates aqui se descreve como um novo tipo de cidadão, conceituando o bem público de uma nova maneira e, assim, servindo-o melhor por meio de ações sem precedentes, em contraste com os caminhos convencionalmente definidos de disputa política e sucesso, o que mais adiante foi chamado de desobediência civil (VILLA, 2001). 19CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Aristóteles Aristóteles (384-322 a.C.) estudou na Academia de Platão quando jovem e pesquisou lá por muitos anos. Viveu grande parte de sua vida como estrangeiro residente em Atenas, com estreitos laços familiares com a extrapolis corte Macedônia (KONVITZ, 1964, WOOZLEY, 1972). Figura 4 – Aristóteles Fonte: Wikimedia Commons. Aristóteles, discípulo de Platão, julgava inviáveis alguns conceitos apresentados por Aristóteles, mas consentia que os homens são senhores ou escravos por natureza. Imaginava que a arte política era um componente da Biologia e da Ética e, desse modo, idealizou três formas de governo: • Monarquia: governo de um só. 20 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 • Aristocracia: governo de uma elite. • Democracia: governo do povo. A alteração dessas formas cederia lugar, na devida ordem, à tirania, à oligarquia e à demagogia. Deliberou que o melhor regime seria uma forma mista, na qual as virtudes das três formas se agregariam e se equilibrariam. Ética e política aristotélica Ao considerar a razão prática como o domínio da ética e da política, Aristóteles segue Platão ao não traçar uma linha nítida entre esses dois domínios. De fato, ele encerra sua Ética a Nicômaco (isto é, as virtudes éticas são hábitos que, como tais, adquirem-se pela experiência) observando que, para a maioria das pessoas, a prática da ética só pode ser assegurada pelo fato de serem regidas pela lei, que combina a necessidade (compulsão) com a razão. Isso porque, para a maioria das pessoas, a vida ética pressupõe o governo pela lei. O estudante de ética deve tornar-se um estudante de ciência política, estudando a ciência da legislação à luz da coleção de constituições reunidas por Aristóteles (KONVITZ, 1964, WOOZLEY,1972). Para Aristóteles, o legislador precisa ter compreensão da natureza da política como tal; compreensão das principais falhas na interpretação e prática da política; e controle sobre a estrutura e as características da cidade específica para a qual ele pretende legislar. Aristóteles oferece um relato quádruplo do que a perícia relativa às constituições deve abranger. 21CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 IMPORTANTE O primeiro, “aquilo que é melhor no abstrato...” orienta a política em torno do fim da política, a melhor vida. O segundo, o melhor em relação às circunstâncias, começa com a causa material e organiza a investigação política em torno do melhor que pode ser feito de determinado material. O terceiro, o melhor em hipótese, não parte do verdadeiro fim da política, mas de qualquer fim posto, e assim procura meios e dispositivos que irão preservar qualquer constituição dada, e por último a investigação final, a busca pela “forma de constituição que é mais adequada aos Estados em geral”, articula uma causa formal que pode organizar quase qualquer material, qualquer tipo de pessoa” (OBER, 1998). Aristóteles na filosofia política A Política enfatiza que “um Estado não é uma mera sociedade, tendo um lugar comum, estabelecido para a prevenção do crime mútuo e para fins de troca” (OBER, 1998, p. 290), mas “uma comunidade de famílias e agregações de famílias no bem-estar, em prol de uma vida perfeita e autossuficiente” (OBER, 1998, p. 290). Embora Aristóteles de fato valorizasse a possibilidade de participação política em cargos públicos e o controle de cargos públicos como parte da melhor constituição, ele a via como um bem intrínseco apenas na medida em que fosse uma expressão de virtude, como seria no melhor caso (seja governada por uma coletividade de cidadãos virtuosos ou no caso raro e talvez puramente hipotético de um monarca superlativamente virtuoso). Sem virtude, a participação política em cargos públicos e o controle de cargos deveriam ser avaliados com base na conveniência, embora, mesmo assim, a participação na comunidade política da polis permaneça essencial para o pleno florescimento humano. 22 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 De fato, os debates modernos sobre o significado de Aristóteles consideram-no um precursor ou inspiração para uma série de posições intelectuais e políticas. Ao avaliar o pensamento político de Aristóteles, é importante distinguir entre os pressupostos democráticos modernos e seus próprios pontos de partida, muitos dos quais estavam em tensão com as democraciasde seu tempo (NUSSBAUM, 1993). Epicurismo Fundada por Epicuro e elaborada, entre outros, pelo poeta latino Lucrécio em meados do século I a.C., a política não era vista por vários membros da escola epicurista como um assunto direto, mas como uma parte da boa vida ou uma realização do florescimento da natureza humana, em que é impossível viver prazerosamente sem viver prudentemente, belamente e justamente; sem viver prazerosamente (ROBITZSCH, 2017). Figura 5 – Epicuro Fonte: Wikimedia Commons. 23CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 IMPORTANTE Para os epicuristas, a cidade cumpre uma função legítima e necessária para garantir a segurança. Mas isso não significa que uma vida pública ativa também seja normalmente o caminho mais racional para a segurança. Pelo contrário, enquanto muitas pessoas serão atraídas pela possível fortuna e glória de tal vida, e enquanto as cidades precisam dessas pessoas, o sábio epicurista em geral se absterá de participação política ativa (FOWLER, 2007). Um potencial ponto de discórdia para a ética e a política epicuristas é a justificativa para uma dimensão ainda maior da vida comunitária: a disposição de se sacrificar por um amigo ou arriscar-se a infringir a lei para o bem maior de seus concidadãos (SHARPLES, 1996). A República Romana Enquanto se dizia que os fundadores da cidade de Roma eram os lendários gêmeos Rômulo e Remo, os romanos viriam a identificar as origens de sua liberdade distinta no assassinato de um rei tirânico, geralmente datado de 509 a.C. A posição do rei foi substituída por dois cônsules eleitos anualmente, o conselho real tornou-se o senado e as assembleias populares foram estabelecidas para eleger os magistrados e aprovar as leis que eles propunham. 24 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Figura 6 – República Romana Fonte: Wikimedia Commons. A época de Cícero, sob esse regime autoidentificado como o “Senatus populusque Romanus” ou “Senado e povo de Roma”, passou a ser interpretada como uma versão da “constituição mista”, que teve uma história complicada e até então relativamente menor, como uma ideia nas obras de Tucídides, Platão e Aristóteles (HAHM, 2009). 25CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 IMPORTANTE Um relato influente de Roma como uma constituição mista, nesse caso combinando as três formas clássicas de regime de monarquia, aristocracia e democracia, já havia sido feito pelo historiador grego Políbio, que se referiu à distinção entre os poderes característicos em cada tipo do regime e sua verificação e equilíbrio mútuos (VON FRITZ, 1954). Enquanto em Políbio a obtenção do equilíbrio entre os diferentes poderes era retratada como resultado de uma autoafirmação rivalizante mútua, Cícero referir-se-ia a isso em linguagem mais harmoniosa, em que uma forma de equilíbrio com as ideias de mistura e têmpera são primordiais (ATKINS, 2000). De acordo com Políbio, cada elemento da constituição exercia uma forma distinta de poder. Os cônsules eleitos exerciam o imperium, uma forma de comando executivo; o senado gozava do poder de deliberar e consentir políticas específicas; e as assembleias populares serviam como fonte de direito autoritário, elegendo também os magistrados, incluindo os tribunos populares, que, por sua vez, exerciam poder de veto sobre o senado (LINTOTT, 1999). A perene disputa grega entre oligarcas e democratas foi domada em Roma para permitir uma reconhecida segurança de papel para o senado, um grupo proveniente de não menos do que os escalões menores da aristocracia e tipicamente recompensando o nascimento, bem como o mérito que tinha conquistado e expresso na eleição para altos cargos políticos. No entanto, a tumultuada busca pessoal por cargos e influência levou muitos aristocratas a buscarem apoio entre o povo, às vezes com medidas radicais de reforma agrária às quais Cícero, entre outros, se apoiaria mais tarde. 26 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que a própria ideia da cidade e do vínculo cívico enraizada na justiça era um terreno comum em grande parte do espectro da filosofia política antiga. Mesmo os epicuristas viam a sociedade como baseada na justiça, embora entendessem a justiça, por sua vez, como baseada na utilidade. Os filósofos que aderiram a essa abordagem não ignoraram as possíveis objeções a ela. O diagnóstico da política como dominação nunca foi tão poderosamente avançado quanto pelo personagem de Platão, nem o ataque à justiça como uma boa vida para o indivíduo jamais foi feito com tanta força quanto pelo personagem de Platão. 27CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O pensamento político na Idade Média OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de entender como os pensadores e filósofos da Idade Média discutiam e entendiam a política. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que tentaram o entendimento de como ocorreu o estudo da ciência política nessa época, sem o devido conhecimento, tiveram problemas, uma vez que sem base de como ocorre a construção das alianças e do poder da igreja, o estudo da ciência política fica com lacunas a serem preenchidas de entendimento. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá. Avante! Filosofia política medieval Não há consenso, mesmo entre os medievalistas, sobre quando esse período começa ou termina; a filosofia medieval continuou até mesmo após o nascimento de Descartes (1596- 1650). A filosofia política medieval é a parte da filosofia que se preocupa com questões políticas. A escrita filosófica sobre política durante a Idade Média foi muitas vezes uma tentativa de influenciar eventos públicos, e a história do assunto, portanto, envolve referência a esses eventos. 28 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Figura 7 – A política na Idade Média Fonte: Wikimedia Commons. Também faz referência aos desenvolvimentos na cultura medieval, por exemplo, os renascimentos dos séculos IX e XII, e ao desenvolvimento de instituições como o sistema legal e as universidades. Há uma forte relação durante esse período entre filosofia e religião. Essas conexões “extrafilosóficas” estão entre as razões pelas quais a filosofia política passou por um desenvolvimento considerável ao longo da Idade Média, à medida que o pensamento religioso e político foi modificado pelos desenvolvimentos culturais e pelo estresse dos eventos. Por filosofia política medieval, entendemos os escritos medievais sobre política que são reconhecidamente semelhantes aos escritos modernos que classificamos como filosofia política. Seus autores eram geralmente acadêmicos que escreviam pensando em leitores formados em universidades; basearam- se em ideias exploradas nas escolas e escreveram de forma acadêmica (MIETHKE, 2000). 29CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Os autores de escritos políticos geralmente não escreviam essas obras no exercício de suas funções docentes. Eles escreviam em resposta a algum evento político. Alguns escreveram para a edificação de um rei ou outro governante; outros procuraram influenciar os conflitos entre a Igreja e os governantes seculares; outros estavam preocupados com conflitos dentro da Igreja sobre a constituição da Igreja e os poderes dos papas e concílios. Frequentemente, eles estavam comprometidos com um ou outro lado desses conflitos e muitos clérigos apoiavam governantes seculares em seus conflitos com a Igreja (MIETHKE, 2000). Obediência aos poderes constituídos Para os cristãos medievais, a Vulgata era o livro que hoje é chamado pelos cristãos de Bíblia, uma tradução latina do Antigo Testamento e do Novo Testamento. Os reformadores protestantes persuadiram muitos de que a Bíblia foi negligenciada durante a Idade Média. De acordo com Lutero,a Bíblia “veio para ficar esquecida no pó sob o banco” (FRIEDE, 1978 p.22). 30 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 IMPORTANTE As ideias políticas transmitidas por esses livros sagrados incluíam o conceito de que a raça humana é normalmente governada por reis ou imperadores. Existem muito poucos vestígios de instituições republicanas nesses textos. Os reis são muitas vezes tiranos perversos, egoístas e inimigos de Deus e os povos frequentemente compartilham os vícios de seus governantes. A realeza do rei Davi é um modelo. Os súditos devem obedecer aos governantes, mesmo os ímpios. É errado rebelar- se e, especialmente, fazer qualquer ataque à pessoa do governante (FRIEDE, 1978). No século XVII, a maioria dos protestantes e alguns católicos deduziam desses textos que os súditos sempre têm o dever religioso de obedecer seus governantes. Alguns dos Padres e os escritores carolíngios e a maioria dos autores escolásticos, sob a influência de ideias extraídas em parte de Aristóteles e em parte dos textos legais, sustentaram que, sob algumas circunstâncias, a desobediência e a rebelião podem ser justificadas (FRIEDE, 1978). Os padres da igreja cristã – Santo Agostinho Os teólogos cristãos da antiguidade tardia são referidos como os Padres da Igreja, e o mais influente deles na sociedade da Europa medieval foi Agostinho. Muitos dos padres foram influenciados pelo platonismo e pelo estoicismo com os quais toda pessoa instruída se familiarizou no mundo antigo. Agostinho foi particularmente influenciado pelo platonismo na versão que os estudiosos modernos chamam de neoplatonismo, e especialmente por Plotino. 31CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Figura 8 – Santo Agostinho Fonte: Wikimedia Commons Os padres transmitiram para a Idade Média a ideia de que certas instituições sociais importantes não faziam parte do plano original de Deus para a humanidade, ou seja, as instituições de governo coercitivo, escravidão e propriedade. A ideia encontrada em Sêneca e outros antigos estoicos da Era de Ouro tinha um paralelo no pensamento cristão, ou seja, a era da inocência no Jardim do Éden, de onde a humanidade foi expulsa por causa do pecado de Adão e Eva. Assim como Sêneca, que sustentou que originalmente não haveria necessidade de coerção, uma vez que os seres humanos aceitariam voluntariamente a orientação dos sábios; nenhuma necessidade de propriedade, já que ninguém teria procurado controlar mais recursos do que os necessários para sustentar um modo de vida temperado; e nenhuma escravidão, já que o escravo é um ser humano tratado como propriedade. Idealmente, os governos deveriam usar a coerção para reprimir as transgressões, com escravidão usada apenas como uma punição, mais branda do que a execução, por transgressão, e a propriedade deveria ser de extensão moderada, com o objetivo de proteger a posse de necessidades da ganância daqueles que, de outra forma, tentariam controlar tudo. 32 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 IMPORTANTE A opinião comum sobre governo coercitivo e escravidão foi expressa por Agostinho. Deus não pretendia que o homem tivesse domínio sobre qualquer criatura, exceto criaturas irracionais: não o homem sobre o homem, mas o homem sobre os animais. Portanto, os primeiros homens justos foram estabelecidos como pastores de rebanhos, e não como reis de homens (DYSON, 1998). Ele prossegue dizendo que a escravidão é uma punição justa pelo pecado, e que os servis são assim chamados porque “aqueles que poderiam ter sido mortos sob as leis da guerra às vezes eram poupados” (DYSON, 1998 p. 34). Alguns escritores medievais, a quem alguns historiadores modernos chamaram de “agostinianos políticos”, inferiram da discussão de Agostinho sobre a definição de república de Cícero que, entre os não cristãos, não pode haver comunidade. Os não cristãos não podem ter direitos de propriedade nem direitos políticos, uma vez que tais coisas pressupõem a pertença a uma comunidade, e apenas os cristãos podem formar uma verdadeira comunidade. Mas as opiniões desses chamados agostinianos políticos foram geralmente rejeitadas por outros pensadores políticos medievais (DYSON, 1998). Agostinho acreditava que a virtude cristã, se observada, contribui para um melhor governo. Entre os cristãos medievais, havia pelo menos três pontos de vista sobre os bens e os males do governo. O governo pode ser, e deve ser, governado pelo governante cristão ideal, a quem os protestantes mais tarde chamaram de “príncipe piedoso”; tal governante conduziria seu povo em obediência a Deus (DYSON, 1998). 33CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 IMPORTANTE Como podemos observar, a Idade Média esteve saturada da figura religiosa, por meio das ideias e preceitos do cristianismo. A religião passou a ser uma das bandeiras orientadoras das ações dos homens. Guerra De acordo com Agostinho, Deus pode tratar suas criaturas como quiser, e os israelitas não erraram ao cumprir os mandamentos de Deus. Por outro lado, as injunções aparentemente pacifistas do Novo Testamento se relacionam com a atitude interior, e não com o ato externo (MCCREADY, 1982). Figura 9 – Guerra na Idade Média Fonte: Wikimedia Commons. Esses preceitos dizem respeito mais à disposição interior do coração do que às ações que são feitas aos olhos dos homens, exigindo que, no íntimo do coração, cultivemos a paciência junto com a benevolência, mas, na ação externa, fazer o que parece mais provável beneficiar aqueles cujo bem devemos buscar (MCCREADY, 1982). 34 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Aqueles cujo bem devemos buscar incluem a nós mesmos e também nossos inimigos, e a coerção e a punição podem beneficiá-los, de modo que podemos guerrear contra eles para seu próprio bem, assim como para o nosso. Indivíduos particulares não podem guerrear, mas governantes, inclusive cristãos, podem fazê-lo, e soldados cristãos podem servir em tais guerras em obediência a um governante, mesmo pagão (MCCREADY, 1982). Agostinho enfatiza que tanto os governantes quanto aqueles que prestam serviço militar em obediência aos governantes devem evitar o ódio, a ganância e outras disposições incompatíveis com o amor (MCCREADY, 1982). Coerção de hereges De acordo com a visão de guerra de Agostinho, os cristãos tinham o direito de pedir às autoridades romanas, incluindo aquelas que eram cristãs, proteção militar contra a violência de hereges e anticristãos. Mas foi mais um passo para pedir às autoridades que coagissem os hereges a convertê-los ao cristianismo ortodoxo. A princípio, Agostinho desaprovou tal coerção: “um homem não pode acreditar a menos que esteja disposto”, mas depois de um tempo ele foi persuadido e se tornou um defensor do uso da força (MCCREADY, 1982). De acordo com Agostinho, a propriedade de seitas heréticas poderia ser confiscada com razão, o que justifica a apreensão do governo da propriedade donatista. Ele não argumenta que apenas os cristãos ortodoxos podem possuir propriedade de forma correta. Em vez disso, seu ponto é que quem possui propriedade a possui apenas em virtude de leis humanas feitas por reis e imperadores (MACQUEEN, 1972). 35CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Portanto, se o governante decidir confiscar a propriedade dos hereges, ele tem o direito de fazê-lo. Essa passagem foi frequentemente utilizada na Idade Média para apoiar a doutrina de que a propriedade existe apenas pela lei humana (MACQUEEN, 1972). Direito civil e canônico Os historiadores apontam para outro “renascimento” durante o século XII. Esse “renascimento do século XII” incluiu um renascimento no estudo do direito civil, isto é, o direito romano codificado e digerido por Justiniano e seus funcionários, e isso estimulou e influenciou o estudo do direito canônico. As ideias que os pensadores políticos medievais adotaram de diferentes maneiras e em diferentes graus dos textos legais incluíam: • Uma distinção entre tipos de leis: ou seja, direito natural(ius naturale); direito das nações (ius gentium); e direito civil (ou seja, o direito de uma comunidade particular). Os livros de direito foram talvez a principal fonte da ideia de lei natural, tão importante para o pensamento político medieval posterior (TIERNEY, 1980). IMPORTANTE Uma noção de direitos, incluindo direitos naturais (“direitos humanos”, como diríamos), atribuíveis a indivíduos. É digno de nota que a linguagem dos direitos, sem a qual muitas pessoas hoje em dia não saberiam falar sobre política, não entrou plenamente na filosofia política até o século XIV como um empréstimo da lei (TIERNEY, 1980). • A crença na “única liberdade de todos os homens”: isto é, a ideia de que os seres humanos são fundamentalmente 36 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 iguais e que a escravidão é contrária ao direito natural, embora conforme ao direito das gentes. De acordo com o direito canônico, a propriedade existe pela lei humana (que inclui a lei das gentes e a lei civil). Uma doutrina de direito canônico de que a lei humana não pode abolir completamente a comunhão original das coisas sob a lei natural. Os proprietários devem ajudar os pobres e, em casos de necessidade, uma pessoa pode reivindicar o direito natural de usar qualquer coisa necessária para sustentar a vida (TIERNEY, 1980). • A doutrina de que a fonte da autoridade política é o povo: que, no entanto, confiou seu poder ao imperador ou outro governante. • A doutrina de que o papa ou o imperador (ou ambos) tem uma “plenitude de poder” (TIERNEY, 1980). IMPORTANTE • A doutrina de que a lei natural permite a um indivíduo resistir à força pela força: essa doutrina forneceria uma premissa para argumentos a favor do direito de resistir a um governo tirânico, usado posteriormente por Locke. • Uma distinção entre Igreja e Estado: mais exatamente, entre o sacerdócio e o poder do imperador, cada um independente em sua própria esfera, embora o sacerdócio tivesse a função mais elevada. 37CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Poderes secular e espiritual Os poderes espiritual e secular, não apoiando nem se opondo a nenhuma religião, vêm de Deus. Então devemos obedecer ao espiritual sobre o secular apenas em questões que Deus especificou, ou seja, questões relativas à salvação da alma, e em questões cívicas devemos obedecer ao poder secular (é o poder do Estado sendo oficialmente imparcial em relação às questões religiosas) a menos que os poderes espiritual e secular estejam unidos em uma pessoa, como estão no papa, que, pelo arranjo de Deus, detém o ápice de ambos os poderes (TIERNEY, 1980). Em outras palavras, o papa tem autoridade suprema tanto em assuntos seculares quanto espirituais (TIERNEY, 1980). IMPORTANTE Existe uma hierarquia de objetivos, ou seja, existem fins intermediários que são também meios para fins superiores. Uma comunidade existe para garantir a vida de seus cidadãos, mas, acima de viver, está vivendo bem, isto é, virtuosamente, e acima disso está vivendo para alcançar a “visão beatífica” de Deus (o céu cristão). Se todos esses fins ordenados fossem alcançáveis simplesmente pelo esforço humano, a única agência diretora suprema se preocuparia com todos eles; porém, para alcançar a visão beatífica, é necessária a “graça”, isto é, a ajuda especial de Deus, que a atividade humana natural não pode merecer. Além do Estado, a humanidade, portanto, precisa da Igreja, uma agência humana que Deus estabeleceu para conferir a graça por meio dos sacramentos. Portanto, há uma distinção entre o governo secular, que usa meios naturalmente disponíveis para conduzir os cidadãos ao seu objetivo final, e o governo eclesiástico, que usa meios sobrenaturais, os sacramentos. Os governantes seculares devem estar sujeitos ao papa, “pois 38 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 aqueles a quem pertence o cuidado dos fins intermediários devem estar sujeitos àquele a quem pertence o cuidado do fim último” (TIERNEY, 1980). McCready (1982) rejeitou a tese de que uma comunidade não pode ser bem governada a menos que todo o poder coercitivo esteja concentrado em uma autoridade soberana; argumenta que, ao contrário, tal concentração é perigosa e incompatível com a liberdade. Assim como ele argumentou que a versão extrema da doutrina da plenitude do poder papal tornaria os cristãos escravos do papa, ao contrário da liberdade evangélica, ele também argumenta que a doutrina correspondente da plenitude do poder para o imperador seria incompatível com a melhor forma de governo, na qual os súditos são pessoas livres e não escravos. Consequentemente, defende limitações ao poder do governante secular. Ele glosa os famosos textos absolutistas da lei romana. Que o imperador esteja “libertado das leis” (legibus solutus) não é verdade, porque ele está sujeito não apenas ao direito natural e divino, mas também ao direito das gentes (um ramo do direito humano positivo), segundo o qual alguns são não escravos, mas livres. “O que agrada ao príncipe tem força de lei”, mas somente quando é algo razoável e justo para o bem comum e quando isso é manifestamente expresso (MCCREADY, 1982). 39CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 A tradição medieval da filosofia política Nos séculos XVI e XVII, a tendência liberal foi auxiliada, talvez paradoxalmente, pelo estreito entrelaçamento da religião com outros segmentos da vida medieval. Isso significava não apenas que a religião influenciava todos os aspectos da vida, mas também, reciprocamente, que os outros departamentos da vida influenciavam o pensamento religioso (TIERNEY, 1982; PENNINGTON, 1993; LEE, 2016). IMPORTANTE A dualidade entre realeza e sacerdócio (talvez originariamente devido apenas ao fato de que os cristãos não tinham poder político), e os conflitos que resultaram dessa dualidade fizeram que o pensamento religioso tivesse que acomodar as preocupações de pessoas poderosas que não eram oficiais do sistema religioso. Desde a época de Constantino e, no ocidente especialmente, desde a época de Agostinho, os cristãos praticaram a coerção dos hereges e a repressão da incredulidade. No entanto, seu regime nunca foi completamente repressivo. Entre os teólogos-filósofos políticos medievais, sempre houve algum reconhecimento dos direitos dos incrédulos (por exemplo, dos direitos dos pais judeus, da falta de jurisdição da Igreja sobre “aqueles sem”, os direitos de propriedade dos incrédulos). Houve o reconhecimento do dever de raciocinar e persuadir (“um homem não pode acreditar a menos que esteja disposto”). Nas relações sociais, havia a crença em uma liberdade e igualdade subjacentes, e uma crença de que originalmente o governo e a escravidão não existiam, uma ideia de que governo, lei e propriedade surgiram por “pacto” ou costume, e uma ideia de 40 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 que originalmente o governo pertencia ao “povo” e foi confiado aos governantes pelo consentimento do povo. Essas crenças eram semelhantes à presunção liberal moderna em favor da liberdade pessoal (MORRALL, 1980). Acreditava-se no “estado de direito”, na distinção entre bom governo e tirania, nos “direitos naturais”. Havia uma crença em um governo limitado e em uma distinção (ainda não uma separação) entre Igreja e Estado. Com relação à constituição da Igreja, alguns papas e seus partidários fizeram uma forte reivindicação de poder papal irrestrito, mas isso foi fortemente rejeitado por escritores que argumentavam que um papa herege ou pecador, incluindo aquele que violou os direitos dos leigos e dos incrédulos, poderia ser deposto (MORRALL, 1980). O limite do governo A ideia de governo limitado é especificamente moderna. Inclui a convicção de que, para evitar o abuso do poder do Estado e proteger os direitos dos cidadãos (especialmente seus direitos fundamentais de liberdade), o governo deve ser limitado e controlado por restrições legais impostas pelo poder do Estado, que, por sua vez,é controlado por um judiciário independente, de acordo com a lei (MORRALL, 1980). 41CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 VOCÊ SABIA? O escopo do governo limitado é substituir, na medida do possível, o estado de direito pelo governo arbitrário das pessoas humanas, com o objetivo de proteger os direitos humanos e civis fundamentais dos cidadãos. Em vez de conceder poder soberano a determinadas pessoas, o governo limitado entende a lei como soberania e os direitos de liberdade como reivindicações legalmente aplicáveis contra o poder governamental ou estatal. A realização prática de tal concepção pressupõe um sistema jurídico “multifacetado”, normalmente constituído por dois planos. Em 1789, o abade Emmanuel Joseph Sieyès em seu panfleto Qu’est-ce que le tiers état? escreve a dualidade de: (1) “poder constituinte”: um corpo, representando a “nação”, estabelecendo uma lei fundamental chamada “constituição”; e (2) os “poderes constituídos” que são os órgãos governamentais, instituições, e as regras processuais baseadas na lei constitucional, sendo ordenadas e limitadas pelas disposições legais da constituição (MORRALL, 1980). Durante os séculos XVI e XVII, abriu caminho para a teoria política. Fundiu-se com a ideia mais antiga de soberania popular e contratualismo medieval, a doutrina de que aqueles que governam estão unidos aos que governam por um vínculo contratual de proteção e obediência e, portanto, são responsáveis perante eles. Assim, sempre que o governante quebrou o vínculo, a lealdade mútua foi dissolvida e a desobediência tornou-se legal. Essa tradição acabou moldando as tentativas dos calvinistas de formular uma doutrina de resistência legítima, que eles primeiro rejeitaram com base nos fundamentos agostinianos porque, acreditavam, os tiranos deveriam ser suportados como punição divina pelos pecados daqueles governados por eles. Mas 42 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 agora os calvinistas começaram a considerar o governo de um rei infiel – isto é, um rei católico – como uma violência ilegítima contra o povo, o que, por sua vez, tornava legal a resistência violenta contra o rei. Para isso, calvinistas, e também luteranos, evocaram o princípio jurídico romano vim vi repellere, popular entre os juristas desde o século XIII. Ironicamente, eles efetivamente adotaram doutrinas católicas de resistência legítima contra a tirania, criando assim uma ponte decisiva entre o pensamento político medieval e moderno. A filosofia política de Tomás de Aquino foi talvez o ingrediente mais influente dessa tradição medieval (MORRALL, 1980) RESUMINDO E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que Agostinho acreditava que apenas bons cristãos podem ser governantes. Entre os cristãos medievais, havia pelo menos três pontos de vista sobre os bens e os males do governo: O governo pode ser, e deve ser, governado pelo governante cristão ideal, tal governante conduziria seu povo em obediência a Deus. O governo existe para organizar a cooperação de homens e, por fim, inclui a convicção de que, para evitar o abuso do poder do Estado e proteger os direitos dos cidadãos (especialmente seus direitos fundamentais de liberdade), o governo deve ser limitado e controlado por restrições legais impostas pelo poder do Estado, que, por sua vez, é controlado por um judiciário independente, de acordo com a lei. 43CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O pensamento político no Renascimento OBJETIVO Ao término deste capítulo, você será capaz de entender como funciona o pensamento político no renascimento. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que tentaram o entendimento do pensamento político no renascimento, sem o devido conhecimento, tiveram problemas, uma vez que não tinham base de como ocorre essa influência no indivíduo para que ele aceite seguir a orientação do Estado abrindo mão da sua liberdade pela autoridade de um poder soberano e absoluto. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! A filosofia moral e política de Hobbes O filósofo inglês do século XVII, Thomas Hobbes, é agora amplamente considerado um dos poucos filósofos políticos verdadeiramente grandes. Hobbes é famoso por seu desenvolvimento inicial e elaborado do que veio a ser conhecido como “teoria do contrato social”, o método de justificar princípios ou arranjos políticos apelando para o acordo que seria feito entre pessoas racionais, livres e iguais adequadamente situadas. 44 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Figura 10 – Thomas Hobbes Fonte: Wikimedia Commons. Enquanto sua inovação metodológica teve u profundo impacto construtivo no trabalho subsequente em filosofia política, suas conclusões substantivas serviram principalmente como uma folha para o desenvolvimento de posições filosóficas mais sentidas. A maioria dos estudiosos considera que Hobbes afirmou algum tipo de relativismo ou subjetivismo pessoal; mas as visões de que defendia a teoria do comando divino, a ética da virtude, o egoísmo das regras ou uma forma de projetivismo também encontram apoio em seus textos e entre os estudiosos (WEBER, 1982). Como Hobbes sustentava que “a verdadeira doutrina das Leis da Natureza é a verdadeira filosofia moral”, as diferenças na interpretação da filosofia moral de Hobbes podem ser atribuídas a diversos entendimentos do status e da operação das “leis da natureza” de Hobbes. A visão anteriormente dominante de que Hobbes defendia o egoísmo psicológico como fundamento de 45CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 sua teoria moral é atualmente amplamente rejeitada, e não houve até o momento nenhum estudo totalmente sistemático da psicologia moral de Hobbes (WEBER, 1982). O projeto filosófico Hobbes procurou descobrir princípios racionais para a construção de uma política civil que não estaria sujeita à destruição por dentro. Tendo vivido o período de desintegração política que culminou na Guerra Civil Inglesa, ele chegou à conclusão de que os fardos até mesmo do governo mais opressivo são “pouco sensíveis, em relação às misérias e calamidades horríveis que acompanham uma guerra civil”. Como praticamente qualquer governo seria melhor do que uma guerra civil e, de acordo com a análise de Hobbes, todos, exceto os governos absolutos, são sistematicamente propensos à dissolução em guerra civil, as pessoas deveriam se submeter a uma autoridade política absoluta. EXEMPLO Os súditos não devem disputar o poder soberano e, em hipótese alguma, devem se rebelar. De modo geral, Hobbes pretendia demonstrar a relação recíproca entre a obediência política e a paz (WEBER, 1982). 46 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Absolutismo Embora Hobbes oferecesse alguns fundamentos pragmáticos moderados para preferir a monarquia a outras formas de governo, sua principal preocupação era argumentar que o governo eficaz, seja qual for sua forma, deve ter autoridade absoluta. Seus poderes não devem ser divididos nem limitados. Os poderes de legislação, adjudicação, imposição, tributação, guerra (e o direito menos familiar de controle da doutrina normativa) estão conectados de tal forma que a perda de um pode impedir o exercício efetivo do resto; por exemplo, a legislação sem interpretação e aplicação não servirá para regular a conduta. Figura 11 – O absolutismo Fonte: Wikimedia Commons. 47CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Somente um governo que possui tudo o que Hobbes chama de “direitos essenciais de soberania” pode ser eficaz de forma confiável, pois onde conjuntos parciais desses direitos são mantidos por diferentes órgãos que discordam em seus julgamentos sobre o que deve ser feito, a paralisia do poder efetivo governo, ou a degeneração em uma guerra civil para resolver sua disputa, pode ocorrer (FERNANDES,1995). IMPORTANTE Da mesma forma, impor limitação à autoridade do governo é abrir disputas insolúveis sobre se ele ultrapassou esses limites. Se cada pessoa deve decidir por si mesma se o governo deve ser obedecido, divergências entre facções e guerra para resolver a questão, ou pelo menos paralisia de um governo efetivo, são bem possíveis. Encaminhar a resolução da questão para alguma outra autoridade, também limitada e tão aberta ao desafio por ultrapassar seus limites, seria iniciar uma regressão infinita de “autoridades” não autorizadas (em que a responsabilidade nunca para) (FERNANDES, 1995). Responsabilidade e limites da obrigação política A descrição de Hobbes da maneira pela qual as pessoas devem ser entendidas como sujeitas a uma autoridade soberana muda de seus Elements e De Cive para seu relato de Leviatã. No primeiro, cada pessoa estabelece seus direitos (de autogoverno e de buscar todas as coisas que julgue úteis ou necessárias para sua sobrevivência e vida cômoda) em favor de uma mesma pessoa soberana (seja pessoa natural, como monarca, ou uma pessoa artificial, como uma assembleia regida por regras). 48 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Nessas contas anteriores, os soberanos sozinhos retêm seu direito natural de agir de acordo com seu próprio julgamento privado em todos os assuntos e também exercer os direitos transferidos dos súditos. Seja exercendo seu próprio direito de natureza retido ou os direitos transferidos dos súditos, a ação do soberano é atribuível ao próprio soberano, e ele tem responsabilidade moral por isso. Em contraste, o relato do Leviatã, de Hobbes, tem cada pacto individual para “possuir e autorizar” todas as ações do soberano, tudo o que o soberano faz como uma figura pública ou comanda que os súditos façam. IMPORTANTE Essa mudança cria uma aparente inconsistência na teoria da responsabilidade de Hobbes por ações feitas sob o comando do soberano; se ao “possuir e autorizar” todas as ações de seu soberano, os súditos se tornam moralmente responsáveis por tudo o que ele faz e tudo o que fazem em obediência a seus comandos, Hobbes não pode manter consistentemente sua posição de que ações meramente obedientes em resposta a comandos soberanos são a responsabilidade moral exclusivamente do soberano. Uma resolução dessa aparente inconsistência nega que a ideia de autorização de Hobbes carregue consigo a responsabilidade pelo ato autorizado, como geralmente faz nossa ideia contemporânea de autorização (FERNANDES, 1995). 49CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Maquiavel Maquiavel é considerado o pioneiro do pensamento e da ciência política moderna, precisamente por escrever sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Croce (1925), vê Maquiavel simplesmente como um “realista” ou um “pragmatista” que defende a suspensão da ética comum em questões políticas. Os valores morais não têm lugar nos tipos de decisões que os líderes políticos devem tomar, e é um erro da categoria pensar de outra forma. Talvez a versão mais branda da hipótese amoral tenha sido proposta por Morrall e Skinner (1978), que afirmam que a comissão do governante de atos considerados perversos pela convenção é uma opção “última melhor”. Figura 12 – Maquiavel Fonte: Wikimedia Commons. 50 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O objetivo da “ciência” maquiavélica não é distinguir entre formas “justas” e “injustas” de governo, mas explicar como os políticos empregam o poder para seu próprio ganho. Assim, Maquiavel ascende ao manto do fundador da ciência política “moderna”, em contraste com a visão clássica carregada de normas de Aristóteles de uma ciência política da virtude. IMPORTANTE Maquiavel, com seus pensamentos e ideias, foi um dos protagonistas da divisão entre a religião e a política, e também foi um realista, mostrando o caráter do poder e como tudo realmente funciona. Provavelmente, essa tenha sido a razão de Maquiavel ter sido tão marginalizado, a ponto de criar um adjetivo com sentido pejorativo de “maquiavélico”. O Estado e o príncipe: linguagem e conceitos Maquiavel também foi creditado conforme Morrall e Skinner (1978) por formular pela primeira vez o “conceito moderno de Estado”, entendido no sentido amplamente weberiano de uma forma impessoal de governo possuindo um monopólio de autoridade coercitiva dentro de um limite territorial definido. Certamente, o termo lo stato aparece amplamente nos escritos de Maquiavel, especialmente em O Príncipe, em conexão com a aquisição e aplicação do poder em sentido coercitivo, o que torna seu significado distinto do termo latino status (condição ou posto) do qual é derivado. Além disso, os estudiosos citam a influência de Maquiavel na formação dos primeiros debates modernos em torno da “razão do Estado”, a doutrina de que o bem do próprio Estado tem precedência sobre todas as outras considerações, seja a moralidade ou o bem dos 51CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 cidadãos, como evidência de que ele foi recebido por seus quase contemporâneos como um teórico do estado (MEINECKE, 1924 [1957]). O nome e as doutrinas de Maquiavel foram amplamente invocados para justificar a prioridade dos interesses do Estado na era do absolutismo. IMPORTANTE No entanto, como Mansfield (1996) mostrou, uma leitura cuidadosa do uso de lo stato, por Maquiavel em O Príncipe e em outros lugares, não apoia essa interpretação. O “Estado” de Maquiavel continua sendo um patrimônio pessoal, uma posse mais alinhada com a concepção medieval de dominium como fundamento do governo (dominium é um termo latino que pode ser traduzido com igual força como “propriedade privada” e como “domínio político”). Assim, o “Estado” é literalmente propriedade de qualquer príncipe que tenha o controle dele. Além disso, o caráter do governo é determinado pelas qualidades e traços pessoais do governante, daí a ênfase de Maquiavel na virtù como indispensável para o sucesso do príncipe. Esses aspectos da implantação de lo stato em O Príncipe mitigam a “modernidade” de sua ideia. Maquiavel é, na melhor das hipóteses, uma figura de transição no processo pelo qual a linguagem do Estado emergiu no início da Europa moderna, como conclui Mansfield (1996). 52 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O lugar de Maquiavel no pensamento ocidental O que é “moderno” ou “original” no pensamento de Maquiavel? Mansfield (1996) traz o entendimento entre moderno e original através de Pocock (1975), o republicanismo de Maquiavel é de uma variedade humanista cívica cujas raízes podem ser encontradas na antiguidade clássica; para Rahe (2008), o republicanismo de Maquiavel é inteiramente novo e moderno. Os pensadores neorromanos (principalmente Pettit, Skinner e Viroli) apropriam-se de Maquiavel como fonte de seu princípio de “liberdade como não dominação”, enquanto ele também foi colocado para trabalhar na defesa de preceitos e valores democráticos. Da mesma forma, casos foram feitos para a moralidade política de Maquiavel, sua concepção do Estado, suas visões religiosas e muitas outras características de sua obra como base distintiva para a originalidade de sua contribuição (MANSFIELD, 1996). O que torna Maquiavel um pensador problemático, mas estimulante, é que, em sua tentativa de tirar conclusões diferentes das expectativas comuns de seu público, ele ainda incorporou características importantes exatamente das convenções que estava desafiando. Maquiavel não deve realmente ser classificado como puramente “antigo” ou “moderno”, mas merece ser localizado nos interstícios entre os dois (MANSFIELD, 1996). 53CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 A filosofia política de Locke John Locke (1632-1704) está entre os filósofos políticos mais influentes do período moderno. Nos Dois Tratados sobre o Governo, ele defendeu a alegação de que os homens são por natureza livres e iguais contra as alegações de que Deus havia feito todas as pessoas naturalmentesujeitas a um monarca. IMPORTANTE Locke usou a alegação de que os homens são naturalmente livres e iguais como parte da justificativa para entender o governo político legítimo como resultado de um contrato social em que as pessoas no estado de natureza transferem condicionalmente alguns de seus direitos ao governo, a fim de melhor garantir o gozo estável e confortável de suas vidas, liberdade e propriedade. “Uma vez que os governos existem pelo consentimento do povo para proteger os direitos do povo e promover o bem público, os governos que não o fazem podem ser combatidos e substituídos por novos governos” (SELL, 2006 p. 57). Locke defende também o princípio da regra da maioria e a separação dos poderes Legislativo e Executivo (SELL, 2006). Figura 13 – John Locke Fonte: Wikimedia Commons. 54 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Segundo Sell (2006, p. 56), “Locke apresenta a ideia de que os indivíduos através de um contrato social, criam o Estado (sociedade civil) para proteger suas liberdades fundamentais, que são a vida, a propriedade e a própria liberdade”. Locke defende um Estado Liberal. IMPORTANTE O conceito de estado de natureza de Locke foi interpretado por críticos de várias maneiras. À primeira vista parece bastante simples. “Os direitos naturais inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e à propriedade constituem, para Locke, o cerne do estado civil e ele é considerado, por isso, o pai do individualismo liberal” (WEFFORT, 2002, p. 88). A relevância das obras de Locke e de suas ideias a várias nações é considerada fundamental para definição política de vários países. De acordo com Weffort (2002, p. 89): Locke influenciou a revolução norte-americana, onde a declaração de independência foi redigida e a guerra de libertação foi travada em termos de direitos naturais e de direitos de resistência para fundamentar a ruptura com o sistema colonial britânico. Locke influenciou ainda os filósofos iluministas franceses, principalmente Voltaire e Montesquieu e, através deles, a Grande Revolução de 1789 e a declaração de direitos do homem e do cidadão. Em contradição a Hobbes, que defendia um Estado absolutista, Locke apresentou ao mundo a fórmula liberal do Estado moderno. A teoria do estado de natureza de Locke estará assim intimamente ligada à sua teoria da lei natural, uma vez que esta última define os direitos das pessoas e seu status como pessoas livres e iguais (WEFFORT, 2002). 55CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Consentimento, obrigação política e fins do governo A partir do estado natural de liberdade e independência, Locke enfatiza o consentimento individual como o mecanismo pelo qual as sociedades políticas são criadas e os indivíduos se juntam a essas sociedades. Embora existam algumas obrigações e direitos gerais que todas as pessoas têm da lei da natureza, as obrigações especiais surgem apenas quando as assumimos voluntariamente. Locke afirma claramente que alguém só pode se tornar um membro pleno da sociedade por um ato de consentimento expresso. A teoria do consentimento de Locke tende a se concentrar em como ele responde ou não com sucesso à seguinte objeção: poucas pessoas realmente consentiram com seus governos, então nenhum, ou quase nenhum, governo é realmente legítimo. Essa conclusão é problemática, pois é claramente contrária à intenção de Locke. A solução mais óbvia de Locke para esse problema é sua doutrina do consentimento tácito (LOCKE apud TADIÉ, 2005). EXEMPLO Simplesmente caminhando pelas estradas de um país, uma pessoa dá consentimento tácito ao governo e concorda em obedecê-lo enquanto vive em seu território. Isso, pensa Locke, explica por que os estrangeiros residentes têm a obrigação de obedecer às leis do Estado onde residem, embora apenas enquanto estiverem morando lá. Herdar propriedade cria um vínculo ainda mais forte, uma vez que o proprietário original da propriedade colocou permanentemente a propriedade sob a jurisdição da comunidade. 56 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Os filhos, quando aceitam a propriedade de seus pais, consentem na jurisdição da comunidade sobre essa propriedade. Há debate sobre se a herança de propriedade deve ser considerada consentimento tácito ou expresso. Em uma interpretação, ao aceitar a propriedade, Locke pensa que uma pessoa se torna um membro pleno da sociedade, o que implica que ela deve considerar isso como um ato de consentimento expresso (GRANT, 1987). Separação de poderes e dissolução do governo Locke afirma que o governo legítimo é baseado na ideia de separação de poderes. O primeiro e mais importante deles é o Poder Legislativo. Locke descreve o Poder Legislativo como supremo por ter autoridade final sobre “como a força para a comunidade deve ser empregada”. A legislatura ainda está vinculada à lei da natureza e muito do que ela faz é estabelecer leis que promovam os objetivos da lei natural e especificam punições apropriadas para eles. IMPORTANTE O Poder Executivo é então encarregado de fazer cumprir a lei conforme ela é aplicada em casos específicos. Curiosamente, o terceiro poder de Locke é chamado de “Poder Federativo” e consiste no direito de agir internacionalmente de acordo com a lei da natureza. Como os países ainda estão no estado de natureza entre si, eles devem seguir os ditames da lei natural e podem punir uns aos outros por violações dessa lei, a fim de proteger os direitos de seus cidadãos (LOCKE apud TADIÉ, 2005). 57CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 O fato de Locke não mencionar o Poder Judiciário como um poder separado fica mais claro se distinguirmos poderes de instituições. Os poderes referem-se a funções. Ter um poder significa que existe uma função (como fazer as leis ou fazer cumprir as leis) que alguém pode desempenhar legitimamente. Quando Locke diz que o Legislativo é supremo sobre o Executivo, ele não está dizendo que o parlamento é supremo sobre o rei. Locke está simplesmente afirmando que “o que pode dar leis a outro deve necessariamente ser superior a ele” (LOCKE apud TADIÉ, 2005 p. 41). Além disso, Locke pensa que é possível que várias instituições compartilhem o mesmo poder; por exemplo, o Poder Legislativo em sua época era compartilhado pela Câmara dos Comuns, a Câmara dos Lordes e o Rei. Como os três precisavam concordar para que algo se tornasse lei, todos os três faziam parte do Poder Legislativo. Acreditava também que o Poder Federativo e o Poder Executivo estavam normalmente colocados nas mãos do Executivo, pelo que é possível que uma mesma pessoa exerça mais do que um poder (ou função). Não há, portanto, correspondência biunívoca entre poderes e instituições (TUCKNESS, 2002). 58 CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Tolerância Na Carta sobre a tolerância de Locke, ele desenvolve várias linhas de argumentação que visam estabelecer as esferas apropriadas para religião e política. Locke apresenta três razões de natureza mais filosófica para impedir os governos de usar a força para encorajar as pessoas a adotarem crenças religiosas (LOCKE apud TADIÉ, 2005). IMPORTANTE Primeiro, ele argumenta que o cuidado das almas dos homens não foi confiado ao magistrado por Deus ou pelo consentimento dos homens. Suas crenças são uma função do que eles pensam ser verdade, não do que eles querem. O segundo argumento de Locke é que, uma vez que o poder do governo é apenas a força, enquanto a verdadeira religião consiste na genuína persuasão interior da mente, a força é incapaz de levar as pessoas à verdadeira religião. O terceiro argumento de Locke é que, mesmo que o magistrado pudesse mudar a opinião das pessoas, uma situação em que todos aceitassem a religião do magistrado não traria mais pessoas para a verdadeira religião. Muitos dos magistrados do mundo acreditam em religiões falsas (LOCKE apud TADIÉ, 2005). 59CIÊNCIA POLÍTICA U ni da de 2 Educação e política Locke acreditava que o entendimento humano o leva a considerar