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TEORIA GERAL DO PROCESSO PENAL Aline Marques Marino Teoria geral das provas no processo penal Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever as noções gerais das provas no processo penal. � Analisar os aspectos relevantes das provas. � Explicar as espécies de provas no processo penal. Introdução O processo penal é um ramo peculiar do Direito, pois é por intermédio dele que temos as regras para a imposição ou não da sanção penal, que pode consistir em penas privativas de liberdade (reclusão, detenção e prisão simples), penas pecuniárias (multa) e penas acessórias (suspensão ou interdição de direitos). Para ser fixada a sanção penal, no entanto, há a necessidade de acervo probatório suficiente, já que, no Direito Penal, existe o princípio da presunção de inocência, não podendo operar com meras conjecturas. Neste capítulo, você vai estudar as provas no processo penal. Você vai iniciar com os aspectos terminológicos e conceituais, passando pelas discussões relacionadas à valoração das provas, às provas ilícitas, ao livre convencimento motivado e às espécies de provas. 1 Conceitos e sistemas de avaliação das provas O conceito de “prova” relaciona-se à veracidade ou não de determinado fato. Nucci (2020) explica que a etimologia da palavra “prova” deriva do latim probatio, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Com base nessa concepção geral, Mirabete (2006, p. 249) elabora sua definição ao afirmar que “[...] provar é produzir um estado de certeza na consciência e mente do Juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo”. Partindo para a acepção jurídica do termo “prova”, cabe, então, a leitura do art. 155 do Código de Processo Penal (CPP), que assim dispõe: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas” (BRASIL, 1941, documento on-line). Nota-se que, para o Direito, prova adquire uma semântica mais restritiva por pressupor a aplicação do princípio do devido processo legal, diferindo-se dos elementos informativos, os quais são colhidos na fase administrativa, durante o inquérito policial. Isso significa que, para que a prova seja válida no intuito de formar a convicção do magistrado, há a necessidade do contraditório. Esse sentido se coaduna com a ordem constitucional vigente que, pautada na democracia, como explica Di Gesu (2019), deve obediência aos princípios da ampla defesa, do contraditório e da imparcialidade do julgador. Nessa esteira, fala-se em sistemas de avaliação das provas. Remetendo o leitor à história do Direito, Nucci (2020) explana sobre três desses sistemas: a livre convicção, que se associa à valoração livre pelo magistrado, de acordo com suas convicções e sem a necessidade de dissertar sobre as motivações das decisões; a prova legal, também conhecida como prova taxada ou tarifada, a qual tem critérios de valor para cada prova que são previamente fixados pelo legislador; e a persuasão racional ou livre convencimento motivado, que requer uma apreciação fundamentada da prova pelo magistrado. Ao que parece, o art. 93, IX, da Constituição Federal (CF), consagrou o livre convencimento motivado ao determinar que “[...] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade” (A CONSTITUIÇÃO..., 1988, documento on-line). Teoria geral das provas no processo penal2 A doutrina com viés garantista, estampada por Lopes Júnior (2020), tende a discorrer sobre o sistema inquisitório e sobre o sistema acusatório, de forma que, no sistema inquisitório, a gestão das provas está nas mãos do julgador e, no sistema acusatório, nas mãos das partes. O autor faz críticas veementes ao sistema inquisitório, afirmando que o Juiz com poderes instrutórios desenvolve “quadros mentais paranóicos”, tendente a já buscar provas para aquilo que ele, magistrado, entende como verdadeiro, afetando a imparcialidade. Nesse sentido, Masson e Marçal (2020) encontram o mesmo entendimento de Lopes Júnior (2020). Os autores denominam o papel do Juiz durante a fase de investigação como “Síndrome de Dom Casmurro”. Uma referência à obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, em que, ao fazer intertextualidade com Otelo, de Shakespeare, o personagem Bentinho se apaixona de forma doentia por Capitu, desenvolvendo ciúmes e, em consequência, desconfiança de que sua amada o tenha traído com seu melhor amigo, Escobar – principalmente, pelo fato de seu filho Ezequiel guardar semelhança física com este. No romance de Machado de Assis, Bentinho, impulsionado por esses sen- timentos, cogita matar Capitu, Escobar e Ezequiel. Mas seu plano é frustrado e, ao fim da história, Capitu e o filho viajam para a Europa, a fim de esconder da sociedade eventual traição possível de envergonhar Bentinho. A história, contudo, conduz o leitor para uma dualidade insanável: Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Se adotar os olhos de Bento Santiago, que em meio ao ciúme faz crer na veracidade de suas palavras, não há dúvida sobre a traição (BIFFE JÚNIOR; LEITÃO JÚNIOR, 2017). Masson e Marçal (2020), ao transferirem essa ideia para o Direito, men- cionando a “Síndrome de Dom Casmurro”, pressupõem que o Juiz já tenha uma opinião predeterminada sobre determinados fatos e, portanto, atuará com parcialidade, de forma a prejudicar o acusado. Daí, a corrente mais garantista inadmite a possibilidade de o magistrado atuar como gestor das provas, a exemplo de Lopes Júnior (2020), que defende o sistema acusatório, em detrimento do sistema inquisitório. Salienta-se que, independentemente do ativismo do Juiz no que tange às provas, o próprio art. 155 do CPP, anteriormente reproduzido, faz ressalvas ao trazer exceções em que o magistrado poderá formular suas convicções com base em provas que foram produzidas exclusivamente na fase de inquérito policial. São elas: provas cautelares, provas não repetíveis (irrepetíveis) e provas antecipadas. Acompanhe na Figura 1 o entendimento do art. 155 do CPP. 3Teoria geral das provas no processo penal Figura 1. Art. 155 do Código de Processo Penal. As provas cautelares, como o próprio nome sugere, são as que envolvem risco de desaparecimento do objeto de prova com o decurso do tempo. Via de regra, dependem de autorização judicial, como ocorre com a interceptação telefônica. A defesa em detrimento da prova cautelar se dá em momento posterior, isto é, pelo fato de o investigado tomar conhecimento dos elementos colhidos após a conclusão das diligências, o contraditório é diferido, postergado ou adiado. As provas não repetíveis são aquelas que não podem ser produzidas nova- mente, pois desapareceram, foram destruídas ou pereceram. É o que acontece, por exemplo, com a perícia forense computacional, que necessita dos dados que ficam gravados no computador para ser realizada e, a depender do tempo que se espera, pode ficar comprometida em razão da memória volátil e da perda dos vestígios (MARINO et al., 2013, 2014). Embora se assemelhem às provas cautelares no que diz respeito ao contraditório diferido, as provas irre- petíveis não dependem de autorização judicial, devendo a autoridade policial determiná-la assim que tiver conhecimento da prática de infração penal, nos termos do art. 6º, VII, do CPP. As provas antecipadas, diferentemente das provas cautelares e das provas irrepetíveis, são colhidas perante o Juiz (contraditório real), porém em mo- mento processual diferente do previsto em lei, por motivos de relevância e de urgência, tendoo mesmo valor probatório se produzidas no curso da instrução. A título de exemplo, temos o art. 225 do CPP, que autoriza a oitiva antecipada de testemunha em estado de enfermidade e de velhice; o art. 366 do CPP, que dispõe sobre a possibilidade de o Juiz determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes, quando houver suspendido o processo e o curso do prazo prescricional, na hipótese de o acusado que, citado por edital, não compareça e nem constitua defensor. Nessa situação, observa-se a redação da Súmula nº. 455 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “A decisão que deter- mina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser Teoria geral das provas no processo penal4 concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo” (BRASIL, 2020, documento on-line). Nota-se que a controvérsia gerada em torno da utilização dos elementos colhidos tão-somente no inquérito policial para formar o livre convencimento motivado do Juiz se relaciona à falta de aplicação do princípio do contraditório no decorrer da fase administrativa. A importância dessa discussão é tamanha que a doutrina costuma trazer conceitos como fonte de prova, meios de prova e meios de obtenção de prova, que diretamente envolvem premissas quanto à legalidade e à legitimidade para colher determinada prova, implicando consequências processuais como, por exemplo, nulidades, a depender do caso concreto. Fonte de prova, por exemplo, se refere ao local de onde advém a prova. Lima (2020, p. 661) explica que fonte de prova designa “[...] as pessoas ou coisas das quais se consegue a prova, daí resultando a classificação em fontes pessoais (ofendido, peritos, acusado, testemunhas) e fontes reais (documentos, em sentido amplo)”. São extraprocessuais e anteriores ao processo. Já o meio de prova, alude aos instrumentos por intermédio dos quais as fontes de prova são colocadas no processo. São endoprocessuais e se desen- volvem perante o magistrado, com a participação dos interessados. Badaró (2019) exemplifica ao dizer que o livro contábil é a fonte de prova, sendo a perícia contábil o meio de prova. Quanto aos meios de obtenção da prova, também conhecidos como meios de investigação da prova, são os procedimentos previstos em lei que servem para conseguir provas materiais, a exemplo das interceptações telefônicas (Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996) e da infiltração de agentes (art. 53, I, da Lei nº. 11.343, de 23 de agostos de 2006, e arts. 10 a 14 da Lei nº. 12.850, 2 de agosto 2013). Apesar de a distinção entre fonte de prova, meio de prova e meio de obtenção de prova parecer meramente teórica, destaca-se que as consequências práticas são relevantes porque pode implicar nulidade, caso haja irregularidades, por se referir a uma atividade endoprocessual, como leciona Lima (2020). Ressalta-se que, no processo penal, a legalidade quanto às provas ganha ainda mais visibilidade e relevância em razão do princípio da presunção de inocência, segundo o qual o acusado não será considerado culpado até o trânsito em julgado de decisão penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF). Consequentemente, o ônus probatório recai sobre quem acusa, de modo que, para fins penais, os elementos probatórios recaem sobre a narrativa fática contida na Denúncia, ora buscando comprovações sobre a veracidade, ora imputando os fatos da exordial, com a finalidade de absolvição ou de dimi- nuição da sanção penal. 5Teoria geral das provas no processo penal O tema ônus da prova no processo penal merece um estudo pormenorizado, pois é alvo de calorosas controvérsias. A doutrina especializada costuma fazer uma subdivisão em quatro espécies: ônus absoluto, ônus relativo, ônus subjetivo e ônus objetivo. Para entender de forma mais detalhada essa subdivisão, procure pelos textos de Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró sobre o assunto ônus da prova no processo penal. 2 Idoneidade das provas No decorrer da fase administrativa de inquérito policial, bem como durante a fase judicial, é possível ocorrer irregularidades que, consequentemente, podem acarretar vícios nas provas, corrompendo a base da Ação Penal, o que requer maiores cuidados no momento em que eventual decisão é proferida. Isso porque a Constituição Federal, no art. 5º, LVI, estipula que “são inadmis- síveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. No mesmo ínterim, o CPP, no art. 157, com redação dada pela Lei nº. 11.690, de 9 de junho de 2008, assim dispõe: Art. 157 São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas consti- tucionais ou legais. § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. § 4º (VETADO) § 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão (BRASIL, 2008, documento on-line). Teoria geral das provas no processo penal6 Nota-se que o referido dispositivo traz um simples conceito de prova ilícita, ao estabelecer que é aquela produzida em desconformidade com as normas legais, devendo ser desentranhadas do processo. Do mesmo modo, nos §§ 1º e 2º, as provas derivadas também se tornam ilícitas, é o que a doutrina costuma chamar de fruto da árvore envenenada ( fruit of the poisonous tree), sendo que, nas provas derivadas, há duas exceções, a teoria da fonte independente e a teoria da descoberta inevitável, ideias importadas do Direito norte-americano (MARCÃO, 2016). O CPP se limita a isso, deixando as maiores considerações a cargo do intérprete, cujas lições, no Brasil, são advindas do Direito italiano, mais especificamente de Pietro Nuvolone. Assim, a doutrina fala em provas ilegais como gênero que tem duas espé- cies: a prova ilícita e a prova ilegítima. Explica Lima (2020, p. 685) que “[...] a prova será considerada ilícita quando for obtida através da violação de regra de direito material”, como ocorre, por exemplo, quando há violação do art. 5º, III, da CF, quando alguém é constrangido a confessar a prática de um crime, mediante tortura. E a prova será ilegítima quando houver violação de norma de direito processual, como acontece na situação em que o reconhecimento de pessoa é feito sem a observância do art. 226 do CPP. Também pode ocorrer de a prova ser, ao mesmo tempo, ilícita e ilegítima, se houver, concomitantemente, violação às regras de direito material e de direito processual, como é o caso da busca e apreensão domiciliar realizada sem prévia autorização judicial, infringindo os requisitos para se fazer a busca e apreensão (arts. 240 a 250 do CPP) e, por isso, configurando o crime de abuso de autoridade (art. 22, caput, da Lei nº. 13.869, de 5 e setembro de 2019). Diante dessa classificação, em provas ilícitas e provas ilegítimas, são con- tundentes as críticas ao caput do art. 157 do CPP, pois o legislador foi omisso ao não estabelecer com clareza se a violação se refere à norma de natureza material ou à norma de natureza processual. Dessa forma, há entendimentos controvertidos. Nucci (2020), ao analisar o significado do termo “ilícito” contido no referido dispositivo, opta pela concepção ampla, de modo a abarcar tanto a prova ilícita quanto a prova ilegítima, originando uma corrente paralela à originária a partir de Nuvolone. Percebe-se que essa discussão quanto ao conceito tem um intenso efeito prático, pois se questiona o que pode e o que não pode se admitir em umprocesso-crime, culminando em inúmeras críticas doutrinárias. Grinover, Gomes Filho e Fernandes (2011), por exemplo, tenta solucionar o impasse, ao compreender que a redação do caput do art. 157 do CPP tem interpreta- ção restritiva, valendo apenas para os vícios de direito material, sendo que, quando houver vício de direito processual, o que se aplica são as nulida- 7Teoria geral das provas no processo penal des, impondo a renovação do ato de formação da prova, como preleciona o art. 573, caput, do CPP. As opiniões, entretanto, são divididas. Marino et al. (2013) sintetizam, apoiando-se nas lições da Ministra do STJ Maria Thereza Rocha de Assis Moura, que há quem opine pela admissibilidade processual da prova ilícita com base na verdade real (Fernando de Almeida Pedroso), há quem defenda a inadmissibilidade da prova ilícita, mesmo que tenha norma processual contrária (Ada Pellegrini Grinover), há entendimento pela teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade (Nelson Nery Júnior; STF e STJ), como também existe a defesa pela aplicação da teoria da proporcionalidade, desde que a prova ilícita seja interpretada a favor do réu. Com efeito, o Superior Tribunal Federal (STF) julgou alguns casos, como os listados a seguir. � RHC 135.683, em 03/04/2017, que entendeu pela invalidade das interceptações telefônicas relacionadas às Operações Vargas e Monte Carlo e das provas delas derivadas (teoria dos frutos da árvore envenenada), pois foram produzidas por juízo incompetente. � HC 129.678, em 13/06/2017, que considerou como lícita a prova obtida mediante interceptação telefônica, quando referente à infração penal diversa da investigada (“crime achado”), desde que presentes os requisitos constitucionais e legais. � MS 33.751, em 15/12/2015, que, com base no interesse público, admitiu a pos- sibilidade de se utilizar provas oriundas da internet, mesmo que em contexto internacional. � RE 583.937 QO-RG, em 18/12/2009, que reconheceu como lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. � HC 91.867 e o HC 93.050, que entenderam como válida a prova que pode ser reputada como ilícita, mas que, em razão da teoria da descoberta inevitável, entra como exceção. � HC 96.056, HC 91.883, HC 94.164 e HC 93.748, que reputaram como ilícita a prova autorizada judicialmente, porém com decisão desvestida de eficácia, por ausência de fundamentação concreta para a quebra do sigilo telefônico e para a quebra das informações financeiras. � HC 106.244 e HC 82.862, que decidiram pela ilicitude de interceptação telefônica feita sem autorização judicial (reserva de jurisdição), devendo ser desentranhada dos autos. Teoria geral das provas no processo penal8 � AI 578.858 AgR, RE 630.944 AgR e RE 453.562 AgR, que reconheceram a licitude da gravação telefônica feita por um dos interlocutores sem conhecimento do outro quando ausente causa legal de sigilo. � Inq 2.424-QO-QO e RMS 28.774, que admitiram a possibilidade de se utilizar prova emprestada em procedimento administrativo disciplinar, a qual é oriunda de inter- ceptação telefônica judicialmente autorizada, produzida em instrução processual penal. � HC 90.485 e HC 89.171, que, de acordo com o art. 5º, LVI, da CF e com a Resolução nº. 09, de 4 de maio de 2005, do STJ, entenderam pela legitimidade de liminar de diligências sem a ciência e sem a presença do réu por meio de carta rogatória, desde que estas frustrassem o resultado das diligências. � HC 83.921 e RE 626.600 AgR, que entenderam que o reconhecimento fotográfico realizado na fase de inquérito policial, feito em desconformidade com o art. 226, I, do CPP, não contamina as provas coligidas na fase judicial. � HC 80.949, que aduziu pelo princípio da proporcionalidade ao estabelecer a pre- valência da busca pela verdade real no processo, em detrimento da prova ilícita, tendo em vista a gravidade da infração penal. Prova ilícita por derivação A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, LVI, limitou-se a prever a inadmis- sibilidade da prova ilícita. Entretanto, foi omissa ao não determinar se essa prova ilícita é originária ou se é ilícita por derivação, ou, ainda, se o dispositivo se aplica a ambas (originária e por derivação). Ressalta-se que essa norma faz parte das chamadas “cláusulas pétreas”, as quais estão incluídas entre os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 60, § 4º, IV, da CF). Inobstante a ausência de previsão constitucional, a Lei nº. 11.690/2008 alterou a redação do art. 157 do CPP para abarcar a prova ilícita por derivação, de modo que também são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do pro- cesso, exceto em duas ocasiões: quando não evidenciado o nexo de causalidade ou quando as derivadas puderem ser obtidas por fontes independentes. Tal positivação que veda a prova ilícita por derivação vem em consonância com o direito alienígena norte-americano, bem como pela tendência dos entendi- mentos majoritários da doutrina e da jurisprudência nacionais. As exceções, contudo, são dignas de críticas na doutrina, no sentido de insuficiência e de falta de técnica na redação. 9Teoria geral das provas no processo penal A prova ilícita por derivação é conhecida como princípio da contaminação, teoria dos frutos da árvore envenenada ( fruits of the poisonous tree) e pelos brocardos jurídicos “árvore envenenada não pode dar bons frutos” (NUCCI, 2020, p. 32) e “o veneno da árvore se transmite a todos os seus frutos (MEN- DONÇA, 2009, p. 167). Trata-se, portanto, de/ vedar as provas que foram obti- das, aproveitando-se de informações contidas em provas obtidas em desacordo com os dispositivos constitucionais e legais, uma vez que se entende que “[...] de nada adiantaria preservar os direitos e garantias humanas fundamentais no nascedouro da produção da prova, permitindo-se depois, a utilização de derivações flagrantemente inconsistentes, pois calcadas em alicerces podres” (NUCCI, 2020, p. 32). A teoria dos frutos da árvore envenenada foi desenvol- vida pela Suprema Corte Norte-Americana no precedente Silverthorne Lumber Co. vs United States e foi adotada e consolidada no Supremo Tribunal Federal brasileiro no HC 69.912-0/RS, em 30/06/1993. Apesar disso, de modo passivo e acrítico, o legislador brasileiro parece ter adotado ao alvedrio as exceções provenientes do direito norte-americano, sobretudo por dois motivos, vejamos. Primeiro, por questões de vício formal, seja porque a Constituição Federal trouxe uma regra vinculada à matéria de cláusula pétrea e, por isso, eventual mudança a título de exceção ao previsto seria inconstitucional, seja porque é inadmissível ser feita por intermédio de uma mera lei ordinária, seja porque, no forçoso caso de se admitir, deveria ser realizada por emenda constitucional. Segundo, por questões de vício material, pois a redação dos §§ do art. 157 do CPP não parecem traduzir com exatidão o apregoado pela teoria original norte-americana. Cabe, aqui, tecer algumas considerações conceituais. Nesse sentido, são apontadas as seguintes limitações à teoria dos frutos da árvore envenenada, igualmente advindas do Direito norte-americano: a fonte inde- pendente (independent source limitation or doctrine), criada no precedente Silverthorne Lumber Co. vs. United States e desenvolvida no precedente Bynum vs. United States; a descoberta inevitável (inevitable discovery exception), adotada no precedente Nix vs. Williams; e a teoria do nexo causal atenuado (attenuated connection doctrine), também conhecida como exceção do vício (ou mancha) diluído (purged taint exception) ou teoria da contaminação expurgada. Teoria geral das provas no processo penal10 Em relação à fonte independente e à descoberta inevitável, o CPP, no § 2º do art. 157, traz uma definição de “fonte independente” que é rechaçada pelos estudiosos que apontam uma certa confusão em relação à definição de “descoberta inevitável”. Assimexplica Cecarelli (2011): […] no caso de aplicação da teoria da fonte independente é preciso que houvesse uma fonte autônoma e anterior (ou ao menos concomitante) ao momento em que se deu a ilicitude, e que esta fonte de provas tivesse conduzido o inves- tigador ao mesmo elemento de prova viciado por derivação. Isto é, quando da prática da ilegalidade pelo indivíduo que obtém a prova é preciso que a fonte de prova autônoma fosse já uma realidade concreta empiricamente verificável. Na descoberta inevitável, por sua vez, ainda que seja necessário que a linha de investigação paralela que levaria inevitavelmente ao mesmo elemento de prova obtido ilicitamente estivesse já em curso quando da prática da ilegalidade, o encontro da nova fonte de prova configura-se tão somente em uma probabilidade (CECARELLI, 2011, documento on-line). Por essas definições elencadas por Cecarelli (2011), percebe-se que a des- coberta inevitável pode levar a arbitrariedades nos autos do processo, já que, ao dizer que seria uma probabilidade, admite-se algo abstrato, isto é, não precisa que haja concretude quanto à obtenção da prova derivada. Já quanto à fonte independente, questiona-se sobre a dificuldade em se estabelecer critérios objetivos para aferição do nexo de causalidade entre a prova ilícita e a suposta prova derivada, pois é um tanto complexa essa “mitigação” que, no Direito norte-americano, é referida como exceção do vício diluído, purged taint exception ou attenuated connection doctrine. Para tanto, costuma- -se averiguar algumas condições na ocasião da obtenção/produção da prova, tais como: se a ilegalidade praticada era ou não era flagrante; o intervalo de tempo entre a ilegalidade e a aquisição da prova secundária, pois a tendência é que, quanto maior o tempo, menor é a ligação entre ambas as provas; e a ocorrência de eventos intervenientes entre os momentos da obtenção da prova primária e da prova secundária, pois a conexão será mais frágil caso exista mais eventos no curso da cadeia entre a prova ilícita e as provas posteriores. As discussões quanto a esses aspectos são expressivas na doutrina, que divide entendimentos, não tendo unanimidade de posicionamento, pois há quem defenda uma opinião mais garantista, afirmando que a contamina- ção não existirá somente com a ausência completa de nexo de causalidade, ao passo que existe inteligência diversa, apontando a impossibilidade de se ter no caso concreto essa ausência completa do nexo causal. 11Teoria geral das provas no processo penal Daí, a doutrina se exsurge, defendendo a insegurança jurídica das exceções previstas nos §§ 1º e 2º do art. 157 do CPP, que constituem uma afronta à garantia individual ao dar margem para condutas arbitrárias com essas aber- turas que deveriam ser excepcionais. Isso porque, da forma como previsto, acaba por permitir o argumento da possibilidade de obtenção da prova ilícita derivada por meios legais, esvaziando de sentido a garantia constitucional da vedação da prova ilícita. Por fim, o art. 164 do Projeto de Novo Código de Processo Penal, Projeto de Lei nº. 8.045/2010, veda a prova obtida direta ou indiretamente por meios ilícitos, determinando seu desentranhamento com o arquivamento sigiloso. Entretanto, nada consta sobre a mitigação das provas ilícitas por derivação, o que é elogiado pela doutrina. Recentemente, assuntos envolvendo a Operação Lava Jato ganharam as manchetes nacionais e internacionais. Uma das polêmicas surgidas se refere às possíveis provas ilícitas obtidas por Procuradores da República ao contatarem autoridades da Suíça e de Mônaco para obter provas relacionadas aos esquemas de corrupção e de lavagem de dinheiro envolvendo políticos brasileiros. Paulo Pimenta, líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, em 2019, apresentou notícia-crime perante o STF pedindo o oferecimento da denúncia contra os referidos membros do Ministério Público Federal (MP), acusando-os de fraude processual, prevaricação, participação em organização criminosa e abuso de autoridade. O relator, Ministro Celso de Mello, arquivou a notícia-crime apresentada, rejeitando o pedido e assinalando que o Poder Judiciário não tem a prerrogativa de ordenar o MP a oferecer a denúncia, sob pena de violação às funções institucionais do Parquet, que detém o monopólio da titularidade da ação penal pública. Quanto ao abuso de autoridade, o Ministro esclareceu que a Lei nº. 13.869/2019 só entraria em vigor em janeiro de 2020. Para saber mais sobre este assunto, pesquise pela Petição nº. 8.418-DF no site do STF. Teoria geral das provas no processo penal12 3 Espécies de provas O Código de Processo Penal (CPP) estabelece um rol exemplificativo quanto às espécies de provas. São elas: exame de corpo de delito; cadeia de custódia; perícias; interrogatório; confissão; oitiva do ofendido; testemunhas; reco- nhecimento de pessoas e coisas; acareação; documentos; indícios; e busca e apreensão. Vamos ver agora cada uma dessas espécies. Quanto ao indício, o art. 239 do CPP apenas traz uma breve definição, afirmando que é “[...] a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias” (BRASIL, 1941, documento on-line). O indício é apontado pela doutrina como prova indireta, circunstancial, crítica ou artificial. Discute-se sobre o valor probatório da prova indiciária. Para tanto, aplica-se o raciocínio silogístico, de maneira que se houver vários indícios na mesma direção de entendimento (conjunto indiciário convergente), a conclusão sobre estes é admitida, conforme preleciona a doutrina majoritária, seja para condenar, seja para absolver o acusado. Bonfim (2019) exemplifica, apoiando-se nas lições de Tornaghi, de forma que os indícios devem ser avaliados a partir de cada caso concreto e de acordo com a percepção do homem médio. Apesar da parcialidade, o CPP faz referência quanto à oitiva da vítima e ao interrogatório do réu. No art. 201, estipula que o ofendido será comunicado sobre os atos processuais e perguntado sobre as infrações sempre que possível, podendo, inclusive, ser conduzido à presença da autoridade caso seja intimado e se ausente por motivo injustificado. A vítima terá seus direitos à intimidade preservados, podendo o Juiz determinar o segredo de justiça se houver neces- sidade, como também o atendimento multidisciplinar psicossocial, da saúde e da assistência jurídica. Nos arts. 185 a 196, o CPP disciplina o interrogatório do acusado que, se comparecer perante o magistrado, será qualificado e interrogado na presença de advogado, de forma que o denunciado, se assim o quiser, permanecerá calado, em nome do direito de não produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), e o silêncio não poderá ser interpretado a seu desfavor. Já o réu preso, via de regra, será interrogado em sala própria, no estabele- cimento em que estiver recolhido e, excepcionalmente, de ofício ou a reque- rimento das partes, por videoconferência ou outro recurso tecnológico, desde que seja para cumprir uma das finalidades previstas em lei, quais sejam, para prevenir risco à segurança pública, para viabilizar a participação do réu que, por enfermidade ou outra circunstância pessoal, tenha relevante dificuldade para comparecer em juízo e, assim, assistir ao ato processual, para impedir a 13Teoria geral das provas no processo penal influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, ou para responder à gravíssima questão de ordem pública. O réu será interrogado sobre sua própria pessoa (dados familiares e so- ciais) e sobre os fatos a ele imputados, sendo que, em qualquer modalidade de interrogatório, terá direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor. Se o interrogado não quiser, não puder ou não souber assinar, será consignado no termo. Acrescenta-se que o CPP, de acordo com redação incluída pela Lei nº. 13.257, de 8 de março de 2016,dispõe que “deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa” (BRASIL, 2016, documento on-line). Se reputar necessário, o magistrado poderá fazer novo interrogatório, de ofício ou a pedido das partes. Outras particularidades sobre o interrogatório se referem às condições peculiares possíveis aos réus, como o fato de o réu ser mudo, hipótese em que as perguntas serão apresentadas oralmente e as respostas serão dadas por escrito, ou, então, de o réu ser surdo, ocasião em que as perguntas serão feitas por escrito e as respostas serão dadas oralmente. E, também, quando o réu é surdo-mudo, quando as perguntas e respostas serão de forma escrita. No caso de o réu não falar a língua nacional ou não souber ler ou escrever, o interrogatório será feito com a intervenção de um intérprete. Essas dispo- sições também se aplicam à oitiva das testemunhas (arts. 192 e 223 do CPP). No momento do interrogatório ou fora dele, o acusado poderá confessar a infração penal, como também retratar-se da confissão, fazendo jus à circuns- tância atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal (CP). Destaca-se que a confissão também é considerada uma espécie de prova e que se encontra disciplinada nos arts. 197 a 200 do CPP. Trata-se da situação em que o réu reconhece a infração a ele imputada, sendo válida se for espontânea ou por vontade própria, expressa e pessoal, afastando-se arbitrariedades, como imputações falsas confessadas mediante coação. Via de regra, não substitui outras provas, a exemplo do corpo de delito, em que o art. 158, caput, do CPP é expresso ao determinar que não pode ser suprido pela confissão. Quando a confissão é feita fora do interrogatório, será tomada a termo nos autos (art. 199 do CPP). Além disso, a confissão é “[...] divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do Juiz, fundado no exame das provas em conjunto” (BRASIL, 1941, documento on-line), podendo-se depreender as regras dos arts. 197 e 198 do CPP, no sentido de que o silêncio do réu não importa em confissão, podendo, apesar disso, constituir elemento para a convicção do Juiz, e de que o valor probatório da confissão é identificado por meio da análise conjunta da compatibilidade com as demais provas. Teoria geral das provas no processo penal14 Veja a seguir as finalidades da realização de interrogatório por videoconferência. � Prevenir o risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento. � Viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal. � Impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência. � Responder à gravíssima questão de ordem pública. No que tange à prova oral, há no CPP a previsão quanto à oitiva de teste- munhas, cujo depoimento se dará oralmente e, em regra, sob o compromisso de dizer a verdade do que souber sobre os fatos sob pena de falso testemunho, exceto quando a testemunha for doente, deficiente mental, menor de 14 anos de idade (art. 208 do CPP), ou se for pessoa que tem parentesco com o acusado ou com a vítima conforme o art. 206. Nessas hipóteses, a doutrina faz menção às chamadas testemunhas informantes. Assim, via de regra, qualquer pessoa pode ser testemunha, contudo, o art. 207 do CPP veda o depoimento de pessoas que, “[...] em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho” (BRASIL, 1941, documento on-line). O importante é que a pessoa que depõe como testemunha seja digna de fé e idônea, pois, caso contrário, as partes poderão contraditá-la após a qualificação e antes de iniciado o depoimento, sendo que a contradita constará no termo de audiência, embora o Juiz só a excluirá ou não lhe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208. As testemunhas serão inquiridas isoladamente, garantindo-se a incomuni- cabilidade entre elas e, além das arroladas pela defesa e pela acusação, o Juiz poderá ouvir também as testemunhas referidas. As perguntas serão dirigidas diretamente às testemunhas, primeiro pela acusação e, em seguida, pela de- fesa, podendo o Juiz complementar a inquirição sobre ponto não esclarecido. 15Teoria geral das provas no processo penal Destaca-se que, se a testemunha deixar de comparecer sem justificativa, embora regularmente intimada, o Juiz poderá requisitar a sua condução co- ercitiva, aplicando-se, ainda, multa e condenação ao pagamento das custas da diligência, além do processo-crime por desobediência. A testemunha de- verá, dentro do período de um ano, comunicar ao Juiz qualquer mudança de residência, sujeitando-se às sanções do não comparecimento se for omissa (art. 224). Buscando facilitar a colheita de provas, o art. 222 estabelece a in- quirição de testemunha por precatória, se esta residir em local não abrangido pela jurisdição correspondente à do juízo natural. Há, porém, situações de evidente dificuldade que são disciplinadas pelo CPP, como a testemunha impossibilitada de depor em razão de enfermidade ou velhice, hipótese em que será inquirida de onde estiver (art. 220). Também há previsões diferenciadas no caso de algumas autoridades que serão inquiridas em local, dia e horário previamente ajustados com o Juiz, como acontece com o Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estado e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os Deputados das Assembleias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo (art. 221). O § 1º do art. 221 estipula a faculdade em se optar pelo depoimento por escrito nas oitivas do Presidente e do Vice-Presidente da República, dos pre- sidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal. E os §§ 2º e 3º dispõem, respectivamente, sobre o dever de se requisitar à autoridade superior, no caso de a testemunha ser militar, e sobre o dever de se comunicar o chefe da repartição quando a testemunha for funcionário público. Outra espécie de prova é a acareação (arts. 229 e 230 do CPP), consistente no “[...] ato processual, presidido pelo Juiz, que coloca frente a frente declarantes, confrontando e comparando manifestações contraditórias ou divergentes, no processo, visando à busca da verdade real” (NUCCI, 2020, p. 460). A acareação pode se dar entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e o ofendido, e entre os ofendidos. Os arts. 231 a 238 do CPP disciplinam sobre os documentos como espécies de provas, trazendo informações genéricas, sobretudo ao prever que, em regra, “[...] as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo” (BRASIL, 1941, documento on-line). Teoria geral das provas no processo penal16 Os arts. 240 a 250 do CPP dispõem sobre a busca e apreensão, que poderá ser domiciliar e pessoal, sendo determinadas de ofício ou a pedido das partes (art. 242), na hipótese de fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma ou outra coisa que seja necessária à elucidação da infração (busca pessoal) e quando houver fundadas razões que autorizem a prisão de criminosos, a descoberta de objetos necessários à prova, a apreensão de pessoas vítimas de crimes, de coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, de armas e munições utilizadas em infrações, de cartas destinadas ao acusado, de instrumentosde falsificação ou de contrafação, ou de qualquer outro elemento de convicção (busca domiciliar). Quanto ao reconhecimento de pessoas ou coisas, os arts. 226 a 228 do CPP são elucidativos na descrição de tal procedimento, em que se lavrará auto pormenorizado, subscrito por duas testemunhas presenciais. Em resumo, a pessoa que fará o reconhecimento terá que descrever a pessoa a ser reconhe- cida, a qual deverá ser colocada ao lado de outras pessoas com semelhança física, para que o reconhecedor possa apontá-la. Na prática, há circunstâncias controvertidas, encontrando-se argumentos favoráveis e contrários à admissão de reconhecimento fotográfico, de reconhe- cimento por videoconferência e de reconhecimento de imagens e vozes, sendo que, neste último caso, a mais apropriada seria a prova pericial (NUCCI, 2020). Os arts. 158 a 184 do CPP trazem regras aplicáveis ao exame de corpo de delito, à cadeia de custódia e às perícias em geral. O exame de corpo de delito é indispensável quando a infração deixar vestígios, pode ser feito em qualquer dia e em qualquer hora e, assim como as outras perícias, é realizado por perito oficial, sendo que, na falta de profissional habilitado, duas pessoas idôneas poderão fazer isso, prestando compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo (arts. 158, 159 e 161). Atenta-se, ainda, para o art. 167 do CPP, ao dispor que “[...] não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta” (BRASIL, 1941, documento on-line). No curso da instrução processual, as partes poderão requerer a oitiva dos peritos para esclarecimentos ou para responderem a quesitos, devendo o mandado de intimação e os quesitos serem encaminhados com, no mínimo, 10 dias de antecedência. As partes também podem indicar assistentes técnicos para apresentar pareceres. No laudo, que será elaborado no prazo de 10 dias, admitindo a prorrogação, os peritos descreverão minuciosamente o que examinarem e responderão aos quesitos (art. 160). No mais, destacam-se alguns dispositivos relacionados à prova pericial que se aplicam a procedimentos específicos, tais como os arts. 162 a 166 do CPP, que trazem regras sobre autópsia; o art. 168, que fixa 17Teoria geral das provas no processo penal norma sobre perícia no caso de lesão corporal; o art. 169, que dispõe sobre os cuidados para fins periciais em relação ao exame do local onde a infração foi praticada; o art. 170, que atenta para a guarda de material para contraprova nas perícias de laboratório; e o art. 174, que faz menção a normas aplicáveis à perícia grafotécnica. Quanto à cadeia de custódia, o CPP fixa as regras dos arts. 158-A a 158-F, que foram inseridos pela Lei nº. 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Em síntese, dispõe sobre “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”, buscando trazer maior legitimidade à colheita probatória. Por fim, embora o CPP não faça previsão no tópico relacionado às espé- cies de provas, convém abordar a reconstituição, que está descrita no art. 7º do CPP: “Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública” (BRASIL, 1941, documento on-line). Essa previsão parte do pressuposto de que o acusado não pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo, de modo que eventual recusa não cons- titui crime de desobediência e que, por isso, as autoridades poderão adotar a reconstituição para melhores esclarecimentos dos fatos. Como a lei é omissa quanto ao procedimento a seguir, trata-se de prova atípica, consequentemente, sua produção é subsidiária, isto é, somente é admitida se não houver prova típica capaz de esclarecer o que se pretende (LIMA, 2020). Destaca-se, ainda, que a reconstituição não poderá ser admitida quando existir limitações na lei civil (art. 155, parágrafo único, do CPP) e quando houver regras de proibição da prova. Embora o CPP faça previsão da perícia em poucos dispositivos, ressalta-se que o exame pericial guarda uma certa dose de complexidade, pois demanda conhecimentos técnicos muito específicos em busca da verdade real. A título de exemplificação, temos a perícia forense realizada em computadores, cujo tempo de exclusão de determinado arquivo pode afetar a recuperação de dados. Para maiores informações sobre esse assunto, pesquise, no seu motor de busca, por “Perícia forense computacional: um diálogo entre a informática e o Direito” e por “PyHunterProcess: software para perícia forense de memórias voláteis”. Teoria geral das provas no processo penal18 A CONSTITUIÇÃO e o Supremo. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: STF, 1988. Disponível em: https://bit.ly/32BTffI. Acesso em: 20 ago. 2020. BADARÓ, G. H. R. I. Epistemologia judiciária e prova penal. São Paulo: Revista dos Tribu- nais, 2019. BIFFE JÚNIOR, J.; LEITÃO JÚNIOR, J. Concursos públicos: terminologias e teorias inusitadas. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. BONFIM, E. M. Curso de Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília: Presidência da República, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2008. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11690.htm. Acesso em: 20 ago. 2020. BRASIL. Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei nº 12.662, de 5 de junho de 2012. 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LOPES JÚNIOR, A. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. MARCÃO, R. Curso de Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. 19Teoria geral das provas no processo penal Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informaçõesreferidas em tais links. MARINO, A. M. et al. Perícia forense computacional: um diálogo interdisciplinar entre a Informática e o Direito. Janus, v. 10, n. 17, p. 95–101, 2013. Disponível em: https://bit. ly/3hgh1SK. Acesso em: 20 ago. 2020. MARINO, A. M. et al. PyHunterProcess: software para perícia forense de memórias volá- teis. Santa Rita do Sapucaí: Incitel, 2014. Disponível em: https://bit.ly/2ZJyixD. 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