Prévia do material em texto
A infância é uma fase de primordial importância do desenvolvimento, pois é onde a criança desenvolve aspectos físicos, neurológicos e afetivos. Freud definiu o desenvolvimento humano em cinco estágios, cada um com suas características específicas que influenciam o crescimento e a formação da personalidade da criança ao longo do tempo, refletindo a importância de cada etapa para um desenvolvimento saudável e equilibrado: O primeiro é referente ao estágio oral (do nascimento a um ano de idade), em que a boca é a parte mais sensível do corpo, concentrando a energia libidinal. Em seguida, a criança segue para o estágio anal (1 a 3 anos), em que há o controle e sensibilidade na região do ânus. O terceiro estágio é a fase fálica (3 a 6 anos) em que a libido se encontra centralizada nos órgãos genitais. É na fase fálica que surgem conflitos importantes para a constituição do psiquismo, como o complexo de Édipo e a angústia de castração. Também há o período de latência (6 anos até a puberdade), em que os interesses libidinais são reprimidos e concretados em outros aspectos, como o desenvolvimento intelectual e as interações sociais. Por fim, no estágio genital (puberdade à morte), há um amadurecimento dos interesses sexuais característicos do mundo adulto (Freud,1905 / 2016). O ponto central dessa teoria é que o desenvolvimento infantil saudável requer um ambiente familiar seguro e a satisfação das necessidades afetivas e físicas da criança. Segundo Freud (1905 / 2016), o estágio oral não é concluído se o bebê não recebe a estimulação oral necessária. Quando as demandas de um estágio não são atendidas, a criança retém a insatisfação, o que prejudica seu desenvolvimento saudável. Para começar a discutir sobre o enredo de Édipo, visando aprofundar a questão da sexualidade e da formação do indivíduo, percebe-se um campo teórico permeado de valiosas ideias, porém também sujeito a diversas críticas. No ponto de vista de Jacqueline Moreira (2004): O complexo de Édipo para a teoria psicanalítica é o momento decisivo da constituição do sujeito situa-se no contexto da cena edípica. “Dessa forma, o Édipo não é somente o “complexo nuclear” das neuroses, mas também o ponto decisivo da sexualidade humana, ou melhor, do processo de produção da sexuação”. Neste sentido, será com base no Édipo que o sujeito irá construir e organizar o seu virar ser especialmente em torno da distinção entre os sexos e de seu posicionamento frente à angústia de castração. (Moreira, 2004, p. 219). Lacan (1938, p. 30, grifo nosso) em Complexos Familiares trabalha o complexo de Édipo nos seguintes termos: A psicanálise revelou na criança pulsões genitais cujo apogeu se situa no quarto ano de vida. Sem nos estender aqui sobre a sua estrutura, digamos que elas constituem uma espécie de puberdade psicológica, bastante prematura, como se vê, em relação à puberdade fisiológica. Fixando a criança por um desejo sexual ao objeto mais próximo que normalmente a presença e o interesse lhe oferecem, a saber, o progenitor de sexo oposto, essas pulsões fornecem ao complexo sua base; a sua frustração delas forma o seu nó. Ainda que inerente à prematuracão essencial dessas pulsões, essa frustração é referida pela criança ao terceiro objeto que as mesmas condições de presença e de interesse lhe designam normalmente como o obstáculo para sua satisfação: a saber, ao progenitor do mesmo sexo. Desta maneira, o convívio familiar é visto como o contexto inicial de desenvolvimento da criança, com a educação fornecida pelos pais sendo essencial para sua formação. A família é um sistema constituído de relações que formam uma rede participativa no desenvolvimento de crianças e adolescentes (McGoldrick; Garcia-Preto; & Carter; 2016). A orientação recebida no seio familiar terá um papel crucial na construção da personalidade da criança e, consequentemente, no modo como o adulto se comportará. A sexualidade é entendida como o fruto de um acompanhamento psicológico, visando ajustar a natureza do ser humano (que, segundo o autor, é propensa à perversão) a um padrão de normalidade estabelecido pela sociedade: Confrontados com o facto, agora reconhecido, de que os pecadores pervertidos foram amplamente expostos, impôs-se-nos a ideia de que a predisposição para a perversão era a predisposição original e universal do impulso sexual humano, a partir do qual o comportamento sexual normal se desenvolveu no decurso da maturação sob o efeito da modificação orgânica e das inibições psicológicas. Esperávamos identificar a predisposição original na infância; entre as forças que delimitam a orientação da pulsão sexual, destacamos a modéstia, o nojo, a compaixão e as construções sociais da moralidade e da autoridade (Freud, 1987, pág. 179-180). Quando Freud batizou, em 1923, o Édipo como estrutura, situou a bissexualidade originária nos fundamentos deste complexo. A bissexualidade originária forma uma espécie de substrato sobre o qual se trabalha e se processa o Édipo. A elaboração da bissexualidade é, portanto, crucial e determinante para o destino de Édipo quando de sua dissolução e a formação do seu herdeiro, o superego. Para Freud do terceiro capítulo do “O Ego e o Id”, o Édipo é programado hereditariamente; é guiado pelo “pai” filogenético, que impõe a identificação direta, sem investimento, ao pai ou aos pais. Entretanto, este plano genético é ativado pela A percepção da diferença entre homens e mulheres antecede a aquisição do sentido simbólico em torno do falo (Freud, 1925). Assim, Édipo provem de uma origem distinta, isto é, pertence à uma esfera simbólica: em determinado momento, estabelecendo-se o valor simbólico do falo. A função que o falo assume no inconsciente, como produto da operação edipiana, é de significante, o falo como desejo do Outro (Φ), articulado à linguagem por sua própria qualidade de significante (Lacan, 1958). Imaginário, enquanto faltante, órgão sujeito a dialética presença-ausência. Simbólico, enquanto desejo do Outro. O falo não designa uma das ‘fases’, mas o ponto de articulação das organizações pré-genitais (oral e anal) ao nível de um significante ordenador – que é precisamente o significante falo, ou o falo como significante – que permite ao sujeito o acesso a um ponto para o qual não há significante algum, o ponto em que o sexual como tal não se faz representar no inconsciente, o ponto que a doutrina freudiana situa no cerne daquilo que, não por acaso, Freud chamou de castração, o ponto no qual o próprio falo, como significante, incide como faltoso (ELIA, 2004, p. 65). Esse começo da vida sexual costuma terminar por volta dos cinco anos de idade e é sucedido por um período de latência completo, no qual são construídas as barreiras éticas para proteger contra os impulsos e desejos do complexo de Édipo. Durante a puberdade, o complexo de Édipo ressurge no inconsciente e passa por novas transformações. Apenas na puberdade é que os instintos sexuais se desenvolvem plenamente; no entanto, a direção desse desenvolvimento e todas as predisposições a ele já foram estabelecidas pelo despertar infantil da sexualidade. Freud identificou de forma clara a normalidade da energia sexual na fase infantil e analisou de maneira detalhada as expressões sexuais nesse estágio de crescimento, auxiliando na sua interpretação, revelando seu progresso, possibilitando a partir dessas pesquisas entender como surgem os traços essenciais da pulsão sexual infantil. O autor em seus estudos salientou “A significação da infância para a origem de certos fenômenos importantes que dependem da vida sexual, e desde então nunca deixei de trazer para primeiro plano o fator infantil na sexualidade” Freud (1896, p. 54). Defendia também que a habilidade de absorver e replicar, em nenhum outro momento da existência possuía tamanha relevância do que na fase inicial,já que poderia carregar vestígios emocionais, influenciando de forma crucial nosso crescimento futuro. Cada fase que a criança atravessa durante seu crescimento psicossexual, é capaz de deixar impressões bastante marcantes em sua formação psicológica. O sentido atribuído por Freud ao termo “sexualidade” era comumente confundido com a ideia de ato sexual ou coito e, por isso, não foi bem recebida pela sociedade devido à forte proibição de se abordar assuntos e temas que falassem ou abordassem a sexualidade e, porém, ao escrever sua obra, Freud se apropria desse termo designando-o como estatuto conceitual e determina que “[...] o sexual não coincide com o genital.” (Miguelez, 2012, p. 41), mas sim com as experiências prazerosas causadas pela estimulação das zonas erógenas. No primeiro ensaio de seus “Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade infantil”, intitulado curiosamente de “Aberrações sexuais”, Freud introduz dois termos em que se dão os “desvios” da sexualidade: quanto ao objeto sexual (pessoa de quem provém a atração sexual) e quanto ao alvo sexual (ação para a qual a pulsão impele). Elia (1995) pontua que este título já é uma indicação metodológica, uma vez que: Tomar o aberrante sob exame é, aqui, aquilo que diz a verdade sobre o “normal”, o avesso do quadro, que, ao revelar suas entranhas, desnuda a sua verdade. É isto o patológico, o aberrante, para Freud: via de acesso à verdade possível, confissão da verdade que, fora da aberração, permaneceria inconfessa, oculta sob as formas ordeiras da normalidade, que, pela mesma lógica, é lugar de engano, de farsa. (Elia; 1995, p. 43) Pode-se observar que uma das contribuições significativas de Freud foi a afirmação de que a vida sexual não se inicia na puberdade, mas já se manifesta claramente logo após o nascimento. Assim, na adolescência, etapa fundamental do desenvolvimento psicossexual do sujeito, que é precedida pelo período de latência, ocorre uma retomada do que já havia se iniciado na infância (Freud; 1996/1905, p. 117-231). Nessa direção, a adolescência pode ser entendida como um processo psíquico organizador da vida do sujeito, que age de forma retroativa, conferindo sentido à sexualidade infantil, além de dar significado ao que está por vir na fase adulta, tanto no que se diz respeito às escolhas objetais quanto no que se refere à possíveis evoluções patológicas (Marty e Cardoso, 2008). A ausência da educação sexual no ambiente familiar é mantida porque nela permanece a ideia de filhos “assexuados” (Tiba, 1994; Trindade & Bruns, 1999). Embora nossa civilização tenha, nos últimos anos, vivido alguns momentos de maior liberalidade em relação aos comportamentos sexuais dos jovens, a sexualidade ainda é considerada exclusiva do mundo adulto e isso significa um controle do exercício da sexualidade das crianças e adolescentes. A temática sexualidade é vista como um assunto muito delicado e que muitas vezes dificulta um convívio aberto entre pais e filhos adolescentes, se tornando um tabu. Brandão (2004) propõe que um tipo de relacionamento familiar ideal seria aquele baseado nas situações de diálogo, na negociação e argumentação. Para o autor, não é mais possível educar os filhos atualmente sem levar em consideração o tema da sexualidade. Diante disso, é de fundamental importância que se aborde o tema da sexualidade com os adolescentes na família. Porém, é preocupante a dificuldade dos pais em fazer isso de maneira segura. Dessa forma, é válido refletir sobre quais fatores estariam influenciando na criação de obstáculos para esse diálogo (CANO; Ferriani, 2000). Seguindo essa tendência contemporânea, encontramos sujeitos que parecem optar pelo sexo e gênero fluido (Mattos, 2016). Assim, apoiados na afirmação de que meu corpo é meu. Alguns evitam, adiam ou rejeitam a posição feminina ou masculina, oscilando de identidade sexual e na escolha do parceiro. Com aparência andróginas, transitam entre parcerias hetero e homossexuais, travestem-se ou realizam mudanças transexuais, outros declaram-se assexuados ou vivem sem relação com um outro corpo, mas com alguns gadgets. (Mattos, 2016, p.117118). Por parte da psicanálise “sexo biológico e sexualidade pouca coisa têm em comum, salvo o fato de que a sexualidade pode sexualizar o biológico, mas não o contrário” (Alberti; 2009, p. 125). A anatomia é dada, o que não é dado é o modo como cada sujeito vê sua anatomia. Para a psicanálise não é a anatomia que dita a opção sexual, esta é dada pelo modo como cada um se posiciona. Freud, numa nota de rodapé acrescentada em 1915 aos “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905), evitou o significado presumido dos conceitos de masculino e feminino que ele pensava estarem “entre os mais confusos da ciência” (Freud; 2016, p.139). Aqui cabe ressaltar que o corpo é central no discurso analítico, mas não é o corpo orgânico. Elia em seu livro, O conceito de sujeito, comenta sobre o malentendido cometido por muitos que dizem que a psicanálise desconsidera a vida biológica: A psicanálise não desconsidera que tenhamos um organismo e que este é regido por leis naturais e biológicas (o que seria louco), nem afirma que as vicissitudes deste organismo não afetam o sujeito (o que seria impróprio). Ela evidencia e formaliza, como aliás é de sua vocação fazer, o que todo mundo sabe pela experiência, mas disso não tira, em geral, nenhuma consequência: que a experiência que temos de nosso organismo, de suas exigências, proezas, debilidades ou doenças, nós só a temos através do campo da significação, do sentido, ou seja, pelo fato de que, por sermos falantes, somos marcados pela linguagem, pelo significante, mesmo no mais extremo nível de intimidade que possamos estabelecer com nossos órgãos e com nosso corpo (Elia, 2004, p. 46)