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A História de Rio Claro e Seu Gabinete de Leitura 1 Por Simone Michelin Iost Giovani, bibliotecária, si_iost@yahoo.com.br Desde criança, as aulas que mais me entretinham eram as de História, principalmente quando a professora falava sobre as civilizações antigas e o que elas podem nos ensinar. O amor pela História me fez desejar ser arqueóloga. Egiptóloga, mais precisamente. Interessei-me muito pelas civilizações Gregas e, principalmente, do Antigo Egito e, sempre que posso, procuro informações sobre novas descobertas nas escavações. O que carrego comigo da cultura egípcia é o fascínio pelas danças folclóricas e clássicas originadas nos templos antigos e que, hoje, fazem parte da cultura dos povos árabes. Danças que pratico e estudo há mais de 10 anos. Não consegui ingressar no curso de História. A vida me levou para a Biblioteconomia. Apaixonei-me ainda mais pelos livros através dessa profissão e deixei de lado minha “veia histórica”. Ao final do curso, durante uma disciplina, o tema de estudo foi na realidade um tema de pesquisa. Cada aluno – éramos menos de 10 e cada um de uma cidade do interior do Estado de São Paulo – levantaríamos dados e informações sobre as bibliotecas públicas de nossas cidades. O trabalho foi tão envolvente que se tornou meu tema na monografia para obtenção do título de Bacharel em Biblioteconomia, na UFSCar, em 2006. Nasci em Rio Claro. Passei toda a minha vida nesta cidade e nunca me perguntei o porquê de certos fatos, nunca tive a iniciativa de pesquisar a história da minha cidade natal (que bela historiadora eu seria!). Sabia que a cidade possui forte influência alemã e italiana devido à sua colonização; que foi a primeira cidade do país a libertar seus escravos, antes mesmo da assinatura da Lei 1 Artigo publicado na Revista do Arquivo Rio Claro, v. 12, p. 48-52, 2013. Áurea; da descoberta de túneis subterrâneos; dos sítios arqueológicos na região e muitos outros fatos curiosos e interessantes. Fiz um levantamento documental histórico, coletando documentos que contassem como foi fundada a cidade e fazendo a leitura e seleção dos textos encontrados, além de pesquisa de campo, conversando e entrevistando funcionários das bibliotecas e tentando conhecer um pouco da sua rotina e funcionamento. A ideia inicial do trabalho era a de narrar o desenvolvimento da cidade de Rio Claro até a fundação do Gabinete de Leitura Rio-clarense e contextualizá-lo no período em que surgia. Ao realizar a pesquisa de campo, notei a importância da história da cidade, portanto, seria muito pouco relatar apenas um aspecto de importância para a cidade e não mencionar os outros, pois desde sua formação em 1826, até tornar-se Cidade em 1857, Rio Claro tem muito o que contar! 2 O padrão das ruas foi adotado em 1830, trazido de Piracicaba pelo Senador Vergueiro 3 : traçado das ruas em cruzamento de ângulos retos com 60 palmos (13,2m) de largura e quadras medindo 88m x 88m. Fonte: Rio Claro: Sesquicentenária. 4 2 PENTEADO, Oscar de Arruda. Rio Claro: coletânea histórica. Rio Claro, 1977. 3 FORJÁS, Djalma. O Senador Vergueiro: Sua Vida e Sua Obra. São Paulo: Oficinas do Diário Oficial, 1924. Os primeiros imigrantes europeus eram alemães e suíços que vieram trabalhar na Fazenda Ibicaba e chegaram na década de 1840, recebendo pelo sistema de parceria, dividindo os lucros das vendas do café. Como não havia estabilidade pela grande variação de preços, passaram a receber salários 5 . Rio Claro teve moradores ilustres – e Republicanos! – como o Doutor Manoel Ferraz de Campos Salles, que foi Presidente da República em 1898 e o Doutor Cerqueira César Deputado e, depois de alguns anos, Governador do Estado de São Paulo. Em relação à Educação, sua primeira escola foi criada no dia 4 de março de 1843, mas o seu funcionamento se deu apenas em fevereiro do ano seguinte, com o professor Tito Corrêa de Mello como regente. O prédio da Estação Ferroviária foi inaugurado na Avenida 1, em 11 de agosto de 1876, quando o primeiro trem de ferro chegou de Campinas sendo recebido com muita festa, pela população ansiosa pelo evento tão importante.. Fonte: Álbum Histórico de Rio Claro Na cidade, muitos jovens aprendiam as primeiras letras em casa e frequentavam a escola primária. Depois, iam para a Capital da Província em busca de Ensino Superior, ou 4 RIO CLARO (Cidade). Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia.Museu Histórico e Pedagógico “Amador Bueno da Veiga”. Rio Claro: Sesquicentenária. Rio Claro, 1978. 5 FERRAZ, J. Romeu. Álbum Histórico de Rio Claro. São Paulo: Typographia Hennies Irmãos. 1922. aqueles que tinham mais recursos, se formavam na Europa, vindo de lá como advogados ou engenheiros, principalmente. Assim, ao voltar, traziam consigo seus livros de estudo e pequenas bibliotecas particulares. Iniciava-se então a idéia de se formar uma biblioteca para que todos tivessem acesso à leitura. No dia 25 de maio de 1876, em reunião na casa de Antonio Gonçalves Amorim, os senhores João Theodoro de Souza Leão, Benedicto Leite de Freitas Junior, Padre Flamínio Álvares de Vasconcelos (vigário da paróquia), Theodoro de Paula Carvalho, Theophilo de Toledo Machado, Francisco Aprígio Pacheco Jordão, João Vergueiro Bonamy, Francisco de Arruda Camargo e Zacharias Machado de Oliveira, todos médicos, advogados ou escritores, fundaram uma casa de leitura então denominada “Gabinete de Leitura Rio- Clarense”6. A instituição, que não possuía prédio próprio para comportar o acervo, ficou sediada em prédio alugado na antiga Rua do Comércio, atual Avenida 1. Lá permaneceu neste local até 1890, quando foi inaugurado o prédio que serve de sede até os dias atuais. O terreno foi doado pelo Major Carlos Emílio e a construção do prédio se deu graças ao movimento popular, através da organização de quermesses, festejos e empréstimo bancário. 6 FERRO, Luso dos Santos. Palestra sobre o centenário do Gabinete de Leitura Rio-Clarense. Rio Claro, 1976. Discurso. MARTINS, Ana Luiza. Gabinetes de Leitura da Província de São Paulo: a pluralidade de um espaço esquecido (1847-1890). SP, 1990. Originalmente apresentada como dissertação de Mestrado, FFLCH, USP, 1990. Estiveram presentes à inauguração o Presidente do Estado, senhor Prudente de Moraes Barros; o Chefe da Polícia, Dr. Bernardino de Campos e o Tesoureiro do Estado e ex- -presidente, Dr. José Alves de Cerqueira Cezar. Fonte:Álbum Histórico de Rio Claro O prédio foi construído com dois pavimentos: o superior composto por um salão nobre que era usado para festas literárias, conferências e aulas; e o inferior que abrigava a biblioteca. Na reunião de criação do Gabinete, também ficou estipulado que o padre Flamínio seria o responsável pelas aulas de primeiras letras e instrução religiosa, bem como pela elaboração do Estatuto de funcionamento do Gabinete. Lá, também foram ministradas aulas para os jovens que estavam se preparando para ingressar nas Universidades.Segundo consta nos documentos encontrados e nos Estatutos 7 , qualquer pessoa tinha acesso livre para consultar os livros. Porém, para poder levá-los para leitura domiciliar, era necessário que a pessoa fosse associada ao Gabinete. Essa associação dava-se das seguintes formas: – Sócios Contribuintes: a pessoa interessada pagava uma taxa de adesão e mensalidades fixas; 7 GABINETE DE LEITURA RIO-CLARENSE. Estatutos e Regimento Interno do Gabinete de Leitura Rio-Clarense. São Paulo, 1894. ______. Estatutos e Regimento Interno do Gabinete de Leitura Rio-Clarense. São Paulo, 1920. Formatado: Fonte: 10 pt – Sócios Remidos: a pessoa deveria pagar uma taxa não inferior a 200 mil réis, num único pagamento. O Gabinete de Leitura completou neste ano de 2013, 137 anos de existência, dos quais ficou fora de funcionamento do início da década de 1930 até meados da década de 1940, quando serviu de sede para o Tiro de Guerra e setor de distribuição de alimentos, retomando suas atividades depois que um sócio remanescente percebeu que a documentação, referente à administração da instituição pela Prefeitura, não estava devidamente regularizada. Vários documentos se perderam nesse período, mas, ainda hoje, no seu livro de registro, é possível encontrar as assinaturas de Dom Pedro II nas duas visitas que fez à Cidade e a de Camilo Castelo Branco em 1890, fato que talvez não fosse tão curioso se o ano em questão não fosse o de morte do escritor. Entre os exemplares de seu acervo, são 4 mil obras raras, dentre elas um exemplar de 1876, de “Dom Quixote de La Mancha” ditado em Portugal e traduzido por Castilho. Gabinete de Leitura, uma instituição com 137 anos de vida, inclusa num município que completou 187 anos em 2013. A segunda biblioteca pública construída no Estado de São Paulo e a mais antiga em funcionamento. Quantas histórias a população pode contar sobre ela? Quais mistérios poderemos desvendar vasculhando seus documentos antiquíssimos e suas obras raras? Quem passou por lá e qual sua atuação no País? Deixo a sugestão de continuarmos vasculhando os arquivos para ver o que mais pode ser descoberto, discutido e divulgado, tanto da nossa Cidade Azul, quanto do seu valioso Gabinete de Leitura.
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