Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

escala nacional e internacional. É preciso ainda garantir a sua implantação e 
o seu reconhecimento, observando os direitos universalmente, e de forma 
efetiva, para os povos dos Estados-membros, assim como para aqueles que 
compõem as comunidades de territórios sob a sua jurisdição. 
A DUDH é um documento que regula a relação entre governantes e 
pessoas. Contudo, ainda há um itinerário longo e bastante tortuoso para garantir 
a aplicação dos direitos contidos na carta magna da humanidade. 
Vejamos o preâmbulo da declaração: 
Declaração Universal dos Direitos Humanos 
Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas 
(resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. 
Preâmbulo 
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os 
membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é 
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, 
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos 
resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da 
humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e 
homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de 
viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a 
mais alta aspiração do ser humano comum, 
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos 
pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como 
último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, 
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações 
amistosas entre as nações, 
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, 
sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no 
valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da 
mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores 
condições de vida em uma liberdade mais ampla, 
Considerando que os Países-Membros se comprometeram a 
promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal 
aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância 
desses direitos e liberdades, 
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e 
liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse 
compromisso, 
 
 
6 
Agora portanto a Assembleia Geral proclama a presente Declaração 
Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido 
por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada 
indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta 
Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por 
promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de 
medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por 
assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e 
efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto 
entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. (Unicef, 1948) 
Além dos Estados, toda a sociedade é responsável pela aplicação e 
conscientização dos direitos previstos pela declaração. Cabe à comunidade 
monitorar tais ações e posturas estatais, já aplicadas em benefício da 
humanidade e do alcance dessas metas. 
TEMA 3 – DIREITOS HUMANOS E PSICANÁLISE: ÉTICA DO SUJEITO 
A relação entre direitos humanos e psicanálise é complexa e 
multifacetada. Embora sejam campos diferentes, apresentam pontos de 
interseção que podem ser explorados. 
A psicanálise é uma teoria e um método terapêutico desenvolvido por 
Sigmund Freud no final do século XIX. Ela busca compreender o funcionamento 
da mente humana, incluindo os processos inconscientes que influenciam o 
comportamento e as emoções. A psicanálise também aborda questões 
relacionadas com identidade, trauma, opressão e alienação, buscando promover 
bem-estar psicológico e autonomia individual. 
Os direitos humanos, por sua vez, são um conjunto de princípios e normas 
que protegem e promovem a dignidade e a liberdade de todos os seres 
humanos. Incluem direitos civis e políticos, como a liberdade de expressão e o 
direito à vida, bem como direitos econômicos, sociais e culturais, como o direito 
à educação e ao acesso à saúde. 
Podemos pensar em várias relações entre psicanálise e direitos humanos: 
• Trauma e justiça: a psicanálise pode ajudar a compreender as 
consequências psicológicas do trauma, seja ele causado por violações 
dos direitos humanos, abuso ou experiências adversas. Essa 
compreensão pode levar ao desenvolvimento de abordagens mais 
sensíveis e justas, buscando justiça e reparação para as vítimas. 
• Direitos da criança: a psicanálise enfatiza a importância dos primeiros 
anos de vida na formação da personalidade e do desenvolvimento 
 
 
7 
psicológico. Isso é importante para os direitos das crianças, sublinhando 
a essencialidade de um ambiente seguro e de apoio para o pleno 
desenvolvimento de seu potencial. 
• Gênero e sexualidade: a psicanálise tem sido criticada por sua abordagem 
inicialmente patologizante da homossexualidade. No entanto, muitos 
psicanalistas contemporâneos têm trabalhado para reformular essas 
teorias, promovendo uma visão mais inclusiva e respeitosa da diversidade 
sexual e de gênero. Esses esforços estão em consonância com os 
princípios dos direitos humanos de igualdade, e não com a discriminação. 
• Subjetividade e poder: a psicanálise examina as relações entre o indivíduo 
e a sociedade, destacando como o poder e as estruturas sociais podem 
influenciar a subjetividade e a saúde mental. Essa análise pode contribuir 
para uma compreensão mais profunda das desigualdades sociais e dos 
fatores que impedem o pleno exercício dos direitos humanos. 
É importante ressaltar que a relação entre direitos humanos e psicanálise 
também envolve debates e críticas. Alguns argumentam que a psicanálise 
enfatiza demais o indivíduo e negligencia o contexto social e político em que os 
direitos humanos são exercidos. Outros questionam se a psicanálise pode 
realmente contribuir para a promoção dos direitos humanos, ou se ela está 
limitada a uma esfera mais clínica e individual. 
Segundo a perspectiva dos filósofos Hegel e Marx, a história da 
humanidade está alicerçada no conflito empregado contra empregador, 
explorador contra explorado, capital contra trabalho, e por aí vai. Nesse sentido, 
observamos também uma história humana de constante colonização, seja ela de 
texto ou linguagem. Lacan afirma que o têxtil é primeiramente um texto (Lacan, 
2008, p. 272). 
Na sequência, Lacan também defende que o ser humano é um ser repleto 
de direitos, cujo processo de individualização ocorre na medida em que ele se 
apropria de panos com furos: coloca a cabeça e em seguida o braço, em um 
processo que serve como meio para iniciar e se organizar como trajado, ou seja, 
a partir de necessidades que vão sendo supridas. 
 
 
 
 
8 
TEMA 4 – LACAN E OS DIREITOS HUMANOS 
A relação entre o pensamento do psicanalista Jacques Lacan e os direitos 
humanos é objeto de discussão e debate. Lacan desenvolveu uma abordagem 
psicanalítica única e complexa, que enfatiza a linguagem, o inconsciente e a 
estrutura do sujeito. Embora não tenha se dedicado explicitamente aos direitos 
humanos, as suas ideias podem ter implicações relevantes para essa área. 
Alguns aspectos do pensamento de Lacan podem se relacionar aos 
direitos humanos, da seguinte forma: 
• Subjetividade e autonomia: Lacan enfatiza que a formação da identidade 
e da subjetividade ocorre dentro de um contexto social e simbólico. Ele 
argumenta que o sujeito é construído por meio de estruturas linguísticas 
e culturais. Nesse sentido, o reconhecimento da autonomia e da liberdade 
individual, princípios fundamentais dos direitos humanos, se relaciona 
com a capacidade do sujeito de se desvencilhar das influências e 
pressões sociais, no caminho para o desenvolvimento de uma identidade 
autêntica. 
• Igualdade e não discriminação: Lacan aborda a noção de alienação, na 
qual o sujeito se identifica com uma imagem idealizadaou socialmente 
estabelecida de si mesmo. Essa identificação pode levar à exclusão e 
discriminação de pessoas que não se enquadram nas normas 
dominantes. Assim, a crítica de Lacan à alienação pode ser interpretada 
como apelo à igualdade e ao reconhecimento dos direitos humanos, por 
parte de todas as pessoas, independentemente de sua conformidade com 
as normas estabelecidas. 
• Acesso à saúde mental: a psicanálise lacaniana enfatiza a importância do 
trabalho terapêutico para a compreensão e transformação do sujeito. 
Nesse sentido, o acesso a serviços de saúde mental de qualidade é 
relevante para a promoção do bem-estar psicológico e o pleno exercício 
dos direitos humanos. Garantir que todas as pessoas tenham acesso a 
tratamentos psicanalíticos adequados pode contribuir com a realização 
desses direitos. 
No entanto, é importante ressaltar que existem críticas e limitações em 
relação à aplicação direta do pensamento de Lacan aos direitos humanos. 
Alguns argumentam que a sua teoria é complexa e hermética, dificultando a sua 
 
 
9 
aplicação prática em questões sociais e políticas. Além disso, há debates sobre 
a forma como o pensamento lacaniano pode ser interpretado e adaptado para 
questões de justiça social, igualdade e direitos humanos. 
Contudo, embora o pensamento de Lacan não se volte diretamente para 
os direitos humanos, certos elementos de sua teoria podem ser considerados 
relevantes para questões relacionadas com subjetividade, igualdade e acesso à 
saúde mental, abrindo caminho para diálogos e reflexões sobre essas temáticas. 
Segundo observamos, o bem se desenvolve para outro norte, não se 
limitando à ótica da necessidade, pois existem outras possibilidades além do 
gozo e do valor de uso. Em outros termos, o bem se articula no nível em que o 
sujeito pode dele dispor: “dispor de seus bens é ter o direito de privar os outros 
de seus bens” (Lacan, 2008, p. 274). 
Nesse sentido, Lacan defende que a dimensão do bem (do gozo) 
estabelece um bloqueio poderoso na via do desejo. Nesse quadro, a rejeição 
radical de certo ideal do bem é fundamental para a apreensão da via que cresce 
na experiência analítica. Dessa forma, a partir dessas indicações, é possível 
indagar: apesar da DUDH ter sido historicamente considerada em seu contexto 
de surgimento, ela viabiliza a constituição de um arcabouço jurídico-institucional 
capaz de realizar uma rejeição radical do ideal do bem? 
A impressão é que Lacan disserta a respeito de um ideal do bem 
alicerçado pelo utilitarismo, ou seja, pelo máximo de utilidade e bens para a 
maioria, em busca pela felicidade sancionada socialmente. Ora, Lacan (2008, p. 
274) observa, ainda no discurso sobre a função do bem, o seguinte: 
O âmbito do bem é o nascimento do poder. A noção de disposição do 
bem é essencial, e se a colocamos no primeiro plano vem à luz tudo o 
que significa a reivindicação do homem que conseguiu, num certo 
momento de sua história, dispor de si mesmo. Não fui eu, mas Freud 
quem se encarregou de desmascarar o que quer dizer isso na 
efetividade histórica. Dispor de seus bens, todos sabem que isso se 
acompanha de certa desordem, que mostra suficientemente sua 
verdadeira natureza — dispor de seus bens é ter o direito de privar os 
outros de seus bens. 
Essa permanente colonização comprova o caráter parasitário da 
linguagem em relação ao ser. A colonização permanente, que atesta o caráter 
parasitário da linguagem em relação ao ser, de tal modo que só é possível 
conceber o ser a partir dela, é o tema do ensaio de Manoel Tosta Berlinck, 
intitulado “Insuficiência imunológica psíquica”, de 2008. Ele argumenta que a 
linguagem desempenhou um papel fundamental na dominação cultural e 
 
 
10 
psicológica dos povos nativos americanos. A ideia de "insuficiência imunológica 
psíquica" sugere que esses povos foram vulneráveis à influência e à opressão 
do Ocidente moderno, por conta da sua exposição e da adoção da linguagem e 
da cultura ocidentais. 
Com base nas considerações apresentadas, entende-se que o analista, 
embora orientado pela estrutura da linguagem e do discurso, não deve ignorar a 
realidade social e política em que está inserido. Embora Lacan tenha afirmado 
que todo laço social é segregativo, isso não implica endossar ou apoiar políticas 
segregatórias presentes na atualidade. 
Considerando as críticas filosóficas e sociais aos direitos humanos 
mencionadas anteriormente, nossa ideia é ir além, abrindo espaço para algo 
novo, que possa ser construído a partir da psicanálise. Nesse sentido, surge a 
ideia do impossível da universalidade da declaração dos direitos humanos, com 
a convocação do sujeito do desejo em sua relação íntima com o sujeito de direito. 
TEMA 5 – UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS 
Essa proposta sugere que a universalidade dos direitos humanos pode 
ser problemática e limitada, pois não leva em conta as particularidades e 
singularidades do sujeito. Em vez disso, há um convite para explorar o que é 
impossível de universalizar, abrindo caminho para o sujeito do desejo, que é 
constituído em sua relação íntima com a sua própria interioridade e 
singularidade. 
Essa abordagem pode levar a uma reflexão mais profunda sobre a 
natureza dos direitos humanos, a construção de identidades e subjetividades, 
bem como a consideração das dimensões éticas e políticas envolvidas na 
psicanálise e nas relações sociais. 
Em resumo, a proposta apresentada visa reconhecer tanto o impossível 
da universalidade dos direitos humanos quanto a força simbólica e o horizonte 
ético que representam. Os direitos humanos são vistos como ordem social 
baseada na fragilidade da condição humana diante dos desafios da existência, 
expressando o "desamparo fundamental" descrito por Freud. No entanto, além 
disso, sugere-se arriscar desejar o impossível, o desejo de desejar e o desejo de 
durar, que são intrínsecos ao sujeito do desejo. 
Essa abordagem vai além da busca por necessidades básicas e da mera 
sobrevivência (primum vivere), direcionando-se para uma busca por uma vida 
 
 
11 
qualificada, que transcende a conformidade com o cenário político em que 
estamos imersos. 
Em outras palavras, a ideia é ir além das demandas imediatas e da 
simples reprodução da vida cotidiana, direcionando o desejo para a busca por 
uma vida que seja significativa, autônoma e qualificada, levando em conta as 
necessidades individuais e as aspirações subjetivas. 
Essa perspectiva implica reconhecer a dimensão ética dos direitos 
humanos, mas também desafiar os seus limites e considerar o desejo como um 
motor para a construção de uma vida plena, para além das imposições sociais e 
políticas. 
A passagem enigmática de Lacan, retirada do seminário "Televisão", traz 
uma reflexão sobre o santo e a sua relação com o gozo e a justiça distributiva. É 
importante ressaltar que as formulações de Lacan muitas vezes requerem uma 
análise mais aprofundada e um contexto teórico mais amplo para que sejam 
compreendidas em sua totalidade. 
Lacan afirma que "o santo é o rebotalho do gozo", sugerindo que o santo 
é aquele que está além das convenções sociais e das normas estabelecidas. O 
gozo, nesse contexto, é uma dimensão do prazer que escapa às categorias 
comuns, sendo mais próximo do real, daquilo que não pode ser totalmente 
simbolizado ou representado. O santo, portanto, estaria associado a uma 
experiência subjetiva que transcende o ordinário, pois está relacionada a uma 
dimensão mais profunda e misteriosa do ser. 
Quando Lacan diz que o santo "pouco se lixa para a justiça distributiva", 
ele está apontando para o fato de que a busca do santo não está voltada para a 
justiça ou para uma distribuição igualitária dos bens materiais. O santo está além 
dessas preocupações mundanas, pois busca algo além das regras sociais e das 
noções de justiça estabelecidas. 
Essa passagem sugere que o santo é alguém que se desvincula de 
demandaspode trazer uma perspectiva crítica à discussão, 
questionando as noções tradicionais de direitos humanos e destacando a 
importância da compreensão dos desejos, das faltas e das dinâmicas 
inconscientes na construção da subjetividade e na promoção de relações mais 
justas e igualitárias. 
Em resumo, a relação entre direitos humanos e psicanálise envolve uma 
reflexão sobre a dimensão subjetiva do ser humano, reconhecendo que os 
direitos fundamentais não são apenas uma questão legal, mas também uma 
questão que envolve experiências, emoções e dinâmicas psíquicas dos 
indivíduos. 
 
 
 
16 
REFERÊNCIAS 
DIDIER-WEILL, A. Psicanálise e direitos do homem. Trivium, v. 3, n. 2, jul./dez. 
2011. 
GUIMARÃES, E. M. Holocausto. Cola da Web. Disponível em: 
. Acesso em: 26 jun. 2023. 
LACAN, J. O seminário: Livro 7 – a ética da psicanálise. 2. ed. Rio de Janeiro: 
Zahar, 2008. 
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Declaração Universal 
dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: 
. 
Acesso em: 26 jun. 2023.e expectativas sociais, buscando uma experiência subjetiva singular 
e um encontro com o real. Ele não está preocupado com as questões da justiça 
distributiva, mas sim com a busca por uma dimensão de gozo que ultrapassa os 
limites estabelecidos pela sociedade. 
É importante notar que Lacan utiliza uma linguagem provocativa e 
enigmática em muitas de suas formulações, visando estimular a reflexão e o 
questionamento das noções convencionais. Portanto, essa passagem em 
 
 
12 
particular requer um estudo mais aprofundado e uma análise contextualizada 
para que seja plenamente compreendida em sua complexidade. 
Ao afirmar que "quanto mais somos santos, mais rimos", Lacan está 
apontando para a ideia de que a busca pelo gozo e pela satisfação subjetiva 
pode ser contrária à lógica do discurso capitalista, que se baseia em valores 
utilitários e de acumulação de bens materiais. Ele sugere que a superação dessa 
lógica utilitária não se materializaria em verdadeiro progresso se fosse alcançada 
apenas por alguns indivíduos, em detrimento de outros. 
A referência a Alexandre chegando a Persópolis, e a Hitler chegando a 
Paris, possivelmente relaciona-se ao fato de que ambos foram conquistadores 
militares que alcançaram os seus objetivos, mas isso não necessariamente 
trouxe benefícios ou progresso para todos. Lacan estaria destacando que a 
busca por poder e conquista pode levar a consequências negativas e injustiças. 
Essas referências apontam para uma reflexão mais ampla sobre a ética e 
a moralidade na psicanálise. Lacan questiona os valores convencionais e a 
lógica utilitária predominante na sociedade, enfatizando a importância do gozo 
subjetivo e sugerindo que uma abordagem ética não pode ser reduzida a uma 
simples distribuição de bens ou à busca por sobrevivência. 
Essas ideias requerem uma análise cuidadosa e contextualizada dentro 
do pensamento de Lacan, levando em consideração o seu vocabulário e as suas 
formulações teóricas específicas. É importante estudar os textos originais e 
explorar a complexidade dessas questões, em busca de uma compreensão mais 
abrangente do pensamento de Lacan sobre ética e moralidade. 
A ideia apresentada por Didier-Weill é que o sujeito, conforme concebido 
pela psicanálise, emerge no espaço entre dois significantes, ou seja, no intervalo 
simbólico onde ocorre a produção de sentido. Esse intervalo permite que o 
humano se torne aquilo que ainda não é. Didier-Weill propõe que essa 
transformação, esse vir-a-ser, transcende os diferentes artigos da Declaração 
Universal dos Direitos Humanos. 
Segundo a perspectiva de Didier-Weill, o verdadeiro direito fundamental 
do ser humano é o direito de se reconhecer e de se fazer reconhecer como um 
ser falante. Trata-se de um direito absoluto e único, que implica estar endividado 
e libertado pela linguagem. Essa concepção subversiva remonta à figura de 
Antígona, que desafia a lei estabelecida em nome de valores éticos mais 
profundos. 
 
 
13 
Esse direito subversivo e além da lei não é garantido pela legislação, mas 
sim pela própria condição do sujeito falante. O autor enfatiza a importância da 
linguagem e da subjetividade na construção do humano, destacando que o 
reconhecimento e a afirmação como um ser falante são fundamentais para a 
constituição subjetiva e o exercício pleno da humanidade. 
Essa abordagem coloca em questão a mera garantia legal dos direitos, 
apontando para a dimensão subjetiva e existencial do ser humano, que vai além 
de normas e leis estabelecidas. Ressalta ainda a importância do reconhecimento 
e da expressão da fala como dimensão essencial da humanidade. 
Este direito é tão mais vivaz e tão mais subversivo, quanto não se 
deduz não do que está legitimamente escrito, mas de um real que não 
cessa de não se escrever: por isso, o sujeito está destinado a ser um 
herético, exposto à possibilidade de inventar, na solidão em que o 
deixa o fato de não ser garantido pela lei. (Didier-Weill, 2011, p. 6) 
A afirmação de Lacan, de que o objeto da psicanálise não é o humano, 
mas aquilo que lhe falta, aponta para a centralidade da falta e do desejo na 
psicanálise. Lacan argumenta que o objeto de desejo é sempre um objeto 
perdido ou ausente. Essa falta impulsionaria o sujeito a buscar a satisfação. Não 
se trata de uma falta absoluta, mas da falta de um objeto específico, que varia 
de sujeito para sujeito. Essa falta é fundamental para a constituição do sujeito, 
influenciando seus desejos, fantasias e também a forma como se relaciona com 
o mundo. 
 Quando fazemos referência ao limite epistemológico do discurso dos 
direitos humanos, sugerimos que a perspectiva psicanalítica pode trazer 
questionamentos e desafios para a compreensão dos direitos humanos. A 
psicanálise enfatiza a dimensão subjetiva, a falta e o desejo como elementos 
centrais da experiência humana, o que pode oferecer uma perspectiva crítica em 
relação às noções tradicionais de direitos humanos. 
Essa abordagem levanta a questão da dimensão subjetiva, marcada pela 
falta e pelo desejo, considerando como poderá ser considerada no discurso dos 
direitos humanos. Ela sugere que a compreensão dos direitos humanos deve ir 
além das normas e leis estabelecidas, levando em conta as complexidades e 
contradições da experiência subjetiva. 
É importante ressaltar que essa questão não invalida a importância dos 
direitos humanos, mas nos convida a uma reflexão mais profunda sobre o modo 
 
 
14 
como os direitos podem ser concebidos e implementados, levando em 
consideração a dimensão subjetiva e as especificidades de cada sujeito. 
NA PRÁTICA 
Na prática, a relação entre os direitos humanos e o pensamento de Lacan 
pode ser explorada de diversas maneiras, dependendo da perspectiva adotada 
e da aplicação dos conceitos lacanianos aos direitos humanos. Algumas 
possíveis abordagens incluem: 
• Subjetividade e reconhecimento: Lacan enfatiza a importância do 
reconhecimento e da intersubjetividade na constituição do sujeito. Esses 
aspectos estão diretamente relacionados aos direitos humanos, que 
reconhecem a igualdade e a dignidade de todos os seres humanos. A 
partir dessa perspectiva, os direitos humanos podem ser vistos como 
garantia a um espaço de reconhecimento e respeito mútuos, essenciais 
para a construção da subjetividade. 
• Direitos e sofrimento psíquico: Lacan desenvolveu conceitos como os de 
desejo, gozo e falta, que podem ser aplicados ao entendimento do 
sofrimento psíquico e às questões relacionadas com os direitos humanos. 
Por exemplo, a violação dos direitos humanos pode resultar em traumas 
e sofrimentos psíquicos que afetam a subjetividade das pessoas. Nesse 
sentido, a teoria lacaniana pode fornecer ferramentas para a 
compreensão e a abordagem do sofrimento psíquico, considerando 
violações aos direitos humanos. 
• Discurso e poder: Lacan desenvolveu uma análise dos discursos e do 
poder que pode ser aplicada à compreensão das estruturas e dinâmicas 
sociais que afetam os direitos humanos. A partir dessa perspectiva, os 
direitos humanos podem ser vistos como uma forma de resistência aos 
discursos de poder, perpetuando a opressão e a violação de direitos 
fundamentais. A análise lacaniana pode ajudar a desvendar os 
mecanismos inconscientes e simbólicos que sustentam esses discursos 
e a explorar formas de transformação e luta pelos direitos humanos. 
É importante ressaltar que essas são apenas algumas abordagens 
possíveis. A relação entre os direitos humanos e o pensamento de Lacan pode 
ser objeto de discussão e interpretação. Diferentes estudiosos e teóricos 
 
 
15 
oferecem perspectivas distintas. A aplicação prática dessas ideias requer um 
estudo aprofundado e uma reflexão crítica. 
FINALIZANDO 
A relação entre direitos humanos e psicanálise reside na consideração da 
dimensão subjetiva e psíquica dos indivíduos, no contexto dos direitos e da 
justiça social. A psicanálisepode trazer uma perspectiva crítica à discussão, 
questionando as noções tradicionais de direitos humanos e destacando a 
importância da compreensão dos desejos, das faltas e das dinâmicas 
inconscientes na construção da subjetividade e na promoção de relações mais 
justas e igualitárias. 
Em resumo, a relação entre direitos humanos e psicanálise envolve uma 
reflexão sobre a dimensão subjetiva do ser humano, reconhecendo que os 
direitos fundamentais não são apenas uma questão legal, mas também uma 
questão que envolve experiências, emoções e dinâmicas psíquicas dos 
indivíduos. 
 
 
 
16 
REFERÊNCIAS 
DIDIER-WEILL, A. Psicanálise e direitos do homem. Trivium, v. 3, n. 2, jul./dez. 
2011. 
GUIMARÃES, E. M. Holocausto. Cola da Web. Disponível em: 
<https://www.coladaweb.com/historia/holocausto>. Acesso em: 26 jun. 2023. 
LACAN, J. O seminário: Livro 7 – a ética da psicanálise. 2. ed. Rio de Janeiro: 
Zahar, 2008. 
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Declaração Universal 
dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: 
<https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. 
Acesso em: 26 jun. 2023.

Mais conteúdos dessa disciplina