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97 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia Unidade II 5 ROMANTISMO Os alicerces do pensamento romântico surgem na Alemanha, no fim do século XVIII, com um movimento denominado Sturm und Drang (tempestade e ímpeto), criado por Johann Gottfried Herder, que exaltava o nacionalismo, a natureza, os sentimentos, em detrimento da razão, e as crenças populares, além de valorizar a liberdade de criação. Mais do que um movimento, o Romantismo predominou em toda Europa na primeira metade do século XIX, se tornando a expressão de um mundo que gira em torno do indivíduo, foi um modo de vida que se espalhou por toda a Europa. Foi uma época de transformação cultural, filosófica, artística, científica e histórica. O sistema monárquico absolutista entra em crise, dando vez ao liberalismo da burguesia em ascensão, o que faz com que o início do Romantismo esteja ligado à crise do pensamento clássico, caracterizado por uma perspectiva de mundo contrária ao racionalismo, que se identificava com o tradicionalismo aristocrático. Dessa forma, o movimento romântico buscava critérios estéticos que fossem relativos, valorizando assim o conhecimento intuitivo e a rebeldia individual. Consequência das contradições da Revolução Industrial e da burguesia ascendente, o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes e por isso faz uso de uma linguagem que ponha em evidência o subjetivo, pois a crise da razão servirá de alicerce ao homem romântico para a valorização do sentimento e da passionalidade. O homem romântico só encontra seu lugar no seu interior, no seu íntimo, pois a subjetividade é atemporal e atópica, pois seu interior não é organizado segundo as normas do mundo fora dele, aí ele está em plena liberdade. Lembrete Os autores românticos, portanto, voltam-se para si mesmos, marcando o século XIX com emocionalidade e uma postura moldada a partir do olhar particular e da relativização dos conceitos, contrariando as verdades absolutas do racionalismo. Segundo diversos pesquisadores, as origens do Romantismo remontam da Inglaterra, Escócia e Alemanha, sendo a França o país responsável por sua disseminação. Entre os grandes escritores românticos, podemos citar Goethe, Victor Hugo e Lord Byron. 98 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Em Portugal, esses são anos de grande crise e atribulação. Em 1808, D. João VI, a família real e boa parte dos intelectuais e comerciantes vêm para o Brasil devido às invasões napoleônicas. Com a saída dos franceses em 1817, inicia-se entre os irmãos D. Miguel e D. Pedro IV (nosso D. Pedro I) a luta pelo poder. Inicialmente, D. Miguel, com uma postura retrógrada, vence essa disputa. Contudo, em 1833, D. Pedro invade Portugal e coloca sua filha, Maria, no poder. A desordem interna é imensa e a situação só se regulariza em 1847, quando se inicia a Regeneração. Em clima tão confuso, a estética romântica demorou a se estabelecer em Portugal. Assim, somente nos anos tranquilos, após a Regeneração, o movimento pôde se desenvolver. Em solo português o Romantismo passou por diferentes fases, que podem ser vistas dessa maneira: • 1º. período: Fase de instauração do movimento, na qual ainda se observam traços neoclássicos. • 2º. período: Fase de consolidação do Romantismo. • 3º. período: Fase de transição para o Realismo. 5.1. Produção e características Por pregar a livre expressão das emoções humanas, a estética romântica se colocava contra a postura clássica então vigente. Ou seja, era contra as regras clássicas e a favor da liberdade formal. O Romantismo é conhecido como a estética da burguesia, pois evidencia o surgimento de um novo público leitor, diverso da aristocracia. Faz-se mister as simplificações estéticas, refletindo a democratização da cultura. É um movimento bastante complexo, com muitas características. • Subjetivismo: a valorização do “eu” é a principal característica romântica. • Idealização: uso da fantasia e da imaginação. • Escapismo: fuga da realidade, do cotidiano, do presente. • Idealização da mulher: a amada é pura e perfeita, assim como o amor é eterno. • Fusão entre o grotesco e o sublime: há uma nova concepção de beleza. Surge o “belo-feio”. • Sentimentalismo: sentimentos como amor e ódio são extremamente exacerbados. • Espiritualismo, religiosidade: valores medievais cristãos são resgatados. • Satanismo: por outro lado, há obras que valorizam o satânico, o mistério das sombras. • Intensidade do amor: a paixão vigora, o amor leva o ser humano à felicidade e à loucura. • Medievalismo: a figura do herói medieval é resgatada. Fuga ao passado e a lugares distantes. • Libertação formal: os românticos são contrários às regras clássicas e suas formas rígidas. 99 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia Didaticamente, dizemos que o Romantismo se inicia em Portugal em 1825, quando o poeta Almeida Garrett publica o poema Camões, composto de 10 cantos em versos decassílabos brancos. Apesar de conter ainda características clássicas, as regras não são seguidas e o poema tende para uma biografia sentimental, na qual o subjetivismo e a melancolia dão o tom. Os maiores artistas do Romantismo português são os novelistas e romancistas Camilo Castelo Branco e Júlio Dinis, que serão estudados em Literatura Portuguesa: Prosa. No que concerne à poesia, temos uma produção literária mediana, da qual podemos destacar os poetas Almeida Garrett, Soares Passos e João de Deus. 5.2 Almeida Garrett João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (1799-1854) nasceu na cidade do Porto. Em 1809, partiu para a ilha Terceira por causa das invasões francesas, onde teve uma formação clássica. Cursou Direito na Universidade de Coimbra, onde aderiu às ideias liberais vigentes. Contrário a D. Miguel, exilou-se na Inglaterra, entrando em contato com a literatura romântica de Byron e Walter Scott. Foi um grande intelectual e participou das questões políticas de seu país. Publicou várias peças de teatro: Um Auto de Gil Vicente (1838), O alfageme de Santarém (1841), Frei Luís de Sousa (1843), Falar verdade a mentir (1845), entre outras. Publicou os romances Arco de Santana (1845) e Viagens na minha terra (1846), assim como os livros de poemas Flores sem fruto (1845) e Folhas caídas (1853). Morreu em 1854, em Lisboa. Sua obra revela certa ambiguidade, na qual temos de um lado o conservador e de outro o revolucionário. Contudo, seus escritos não apresentam uma ruptura radical com o Arcadismo. Sua poesia possui tom confessional, o que muitas vezes passa a impressão de que o poeta demonstra estar mais interessado em confessar seu amor do que trabalhar esteticamente o poema, o que pode ser corroborado pelo fato de que seu relacionamento com a viscondessa da Luz, Rosa Mara Nontúfar Barreiros, inspira-lhe os poemas de Folhas caídas de dois volumes. O primeiro com 24 poemas e o segundo com 18. Vejamos o oitavo poema do primeiro volume, bastante conhecido (Garrett apud MOISÉS, 2006, p.219): Este inferno de amar Este inferno de amar – como eu amo! Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi? Esta chama que alenta e consome, Que é vida – e que a vida destrói. Como é que se veio atear, Quando – ai se há de ela apagar? 100 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Eu não sei, não me lembra: o passado, A outra vida que dantes vivi Era um sonho talvez… foi um sonho. Em que a paz tão serena a dormi! Oh! Que doce era aquele sonhar… Quem me veio, ai de mim! Despertar? Só me lembra que um dia formosoEu passei… Dava o Sol tanta luz! E os meus olhos que vagos giravam, Em seus olhos ardentes os pus. Que fez ela? Eu que fiz? Não o sei; Mas nessa hora a viver comecei… Aqui o eu lírico confessa seu amor intenso, deixando-se enlevar pelo sentimentalismo amoroso. Amar é estar no inferno, mas sua amada é sua vida. Há maior liberdade formal e uso de um vocabulário mais simples. De acordo com Moisés (2006), o melhor de Almeida Garret encontra-se sem dúvida na obra Folhas caídas, pois há um “certo artificialismo” nos poemas, que demonstram a incapacidade do autor de ser inteiramente romântico. Na verdade, Garret não conseguia colocar-se acima da paixão, do sexo, como vemos no poema a seguir, pertencente à obra Folhas caídas (Garrett apud MOISÉS, 2006, p. 219): Não te amo Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma. E eu n’alma --- tenho a calma, A calma --- do jazigo. Ai! não te amo, não. Não te amo, quero-te: o amor é vida. E a vida --- nem sentida A trago eu já comigo. Ai, não te amo, não! Ai! não te amo, não; e só te quero De um querer bruto e fero Que o sangue me devora, Não chega ao coração. Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela. Quem ama a aziaga estrela Que lhe luz na má hora Da sua perdição? 101 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia E quero-te, e não te amo, que é forçado, De mau feitiço azado Este indigno furor. Mas oh! não te amo, não. E infame sou, porque te quero; e tanto Que de mim tenho espanto, De ti medo e terror... Mas amar!... não te amo, não. No poema, o autor restringe-se ao plano sensual e concreto, em que o lirismo brota da carne excitada pelo desejo da posse. O poeta não entende o amor senão como impulso erótico, confessado de forma lapidar nos versos “Não te amo, quero-te: o amar vem d’alma”. Saiba mais Conheça os melhores poemas de Almeida Garrett: os líricos amorosos. Nesses poemas, o autor atinge seu ápice artístico. GARRETT, A. Folhas caídas. 3. ed. Lisboa: Europa-América, 1999. 5.3 João de Deus João de Deus é considerado por muitos como o maior poeta romântico português. Nasceu em 1830 em São Bartolomeu, no Algarve. Frequentou o curso de Direito na Universidade de Coimbra e dedicou-se ao jornalismo e à advocacia. Ligado inicialmente ao ultrarromantismo, depressa o abandonou, seguindo uma estética muito própria, sendo considerado um pós-romântico. Suas poesias foram reunidas na coletânea Campo de flores, publicada em 1893, incluindo-se nesta duas obras anteriores: Flores do campo e Folhas soltas. Dedicou-se à pedagogia, resultando daí a Cartilha maternal, publicada em 1876 e tendo como fim o ensino da leitura às crianças. Sua obra apresenta singeleza e extremo lirismo, lembrando-nos as cantigas trovadorescas e a lírica camoniana. Sua linguagem é simples, sem afetações e de extrema qualidade estética: Adoração1 Vi o teu rosto lindo, esse rosto sem par; contemplei-o de longe, mudo e quedo, 1 Disponível em: <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/jdeus.htm>. Acesso em: 10 nov 2010. 102 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 como quem volta de áspero degredo e vê ao ar subindo o fumo do seu lar! Vi esse olhar tocante, de um fluido sem igual; suave como lâmpada sagrada, bem-vindo como a luz da madrugada que rompe ao navegante depois do temporal! Vi esse corpo de ave, que parece que vai levado como o Sol ou como a Lua, sem encontrar beleza igual à sua, majestoso e suave, que surpreende e atrai! Atrai, e não me atrevo a contemplá-lo bem; porque espalha o teu rosto uma luz santa, uma luz que me prende e que me encanta naquele santo enlevo de um filho em sua mãe! Tremo, apenas pressinto tua aparição; e, se me aproximasse mais, bastava pôr os olhos nos teus, ajoelhava! Não é amor que eu sinto, é uma adoração! Que as asas providentes do anjo tutelar te abriguem sempre à sua sombra pura! A mim basta-me só esta ventura de ver que me consentes olhar de longe... olhar! Veja como o poema evidencia lirismo e simplicidade. Há seis estrofes de seis versos (sextilhas), com número de sílabas irregulares, mas constantes. Apresenta paralelismo sintático, como nas cantigas medievais, em contraste com a subjetividade e o amor intenso. O amor é tão imenso, que se torna adoração pela mulher, que é idealizada, bela e santa. 103 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia Um dos marcos da poesia romântica portuguesa é o poema Vida (Deus apud MOISÉS, 2006, p. 153): Vida A vida é o dia de hoje, A vida é ai que mal soa, A vida é sombra que foge, A vida é nuvem que voa; A vida é sonho tão leve Que se desfaz como a neve E como o fumo se esvai: A vida dura num momento, Mais leve que o pensamento, A vida leva-a o vento, A vida é folha que cai! A vida é flor na corrente, A vida é sopro suave, A vida é estrela cadente, Voa mais leve que a ave: Nuvem que o vento nos ares, Onda que o vento nos mares, Uma após outra lançou, A vida – pena caída Da asa da ave ferida De vale em vale impelida A vida o vento levou! João de Deus é arraigado na terra e na condição humana e escolhe caminhos metafísicos para seguir. No poema Vida verificamos, nas palavras de Moisés (2006, p. 153), “másculas e filosóficas notas elegíacas sem igual no século XIX”. Observação Na literatura, elegia é uma poesia triste, melancólica ou complacente. Na verdade, uma reflexão poética sobre a morte. 6 REALISMO E SIMBOLISMO A segunda metade do século XIX é marcada pelo cientificismo (valorização das ciências) e por uma demanda material e ideológica gerada pela Revolução Industrial. Aparecem teorias positivistas que 104 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 valorizam o progresso e o conhecimento. Com os novos modos de produção, surge uma grande massa de operários explorados e marginalizados, o proletariado. Assim, um novo cenário social se constrói: a pobreza tornou-se um problema associado à industrialização. Como o número de vagas de trabalho era insuficiente, havia uma grande quantidade de camponeses perdidos nas grandes cidades, vivendo da mendicância. Os artistas dessa época passaram a adotar uma visão mais objetiva da realidade, por meio do uso da razão. Em Portugal, a crise se dá no setor agrário. Camponeses, soldados e a pequena burguesia se revoltam. O país é totalmente dependente da Inglaterra e a monarquia encontra-se enfraquecida. Em 1851, por meio de um golpe político, o marechal Saldanha institui a monarquia parlamentarista (nos moldes ingleses) e se inicia o período de Regeneração (1851-1910). 6.1 Realismo: produção e características O Realismo tem origem francesa e inicialmente surge nas artes plásticas, quando Flaubert publica Madame Bovary, um retrato crítico da hipocrisia da sociedade burguesa e romântica. Dez anos depois, Émile Zola publica Thérèse Raquin e dá origem ao extremismo realista, o Naturalismo. Lembrete Como vimos, várias teorias deram fundamento ideológico ao Realismo, como o determinismo de Hippolite Taine, o positivismo de Augusto Comte, o socialismo utópico de Proudhon, o evolucionismo de Charles Darwin, entre outras, que serão exploradas quando tratarmos da prosa realista, na qual foram amplamente utilizadas. Em 1861, o grande poeta Antero de Quental fundou a Sociedade do Raio, composta por duzentos estudantes da Universidade de Coimbra propensos a romperem com o convencionalismo acadêmico do Romantismo. Empolgado com as novas ideias revolucionárias, Anterode Quental editou Odes modernas. Essas novidades provocaram a reação do grupo de românticos, encabeçados pelo professor e poeta Antônio Feliciano de Castilho, que zombou e criticou os novos poemas numa carta a Pinheiro Chagas, em que ironizava os jovens realistas dizendo que lhes faltava “bom senso e bom gosto”. Com a resposta de Antero de Quental, inicia-se a famosa Questão Coimbrã, considerada o marco literário do Realismo em Portugal. Essa questão consistiu em uma crise acadêmica, na qual diversos textos ofensivos foram trocados. De um lado, os românticos, veteranos e mestres na academia, liderados por Castilho. De outro, os rebeldes estudantes da Sociedade do Raio. Houve inclusive ataques físicos, como o duelo entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão. 105 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia Saiba mais Para saber mais da geração de jovens estudantes e intelectuais de Coimbra, que nas décadas de 1860-70 sobressaltaram o país com suas ideias revolucionárias, podemos consultar a obra de Saraiva e Lopes, especialmente os capítulos VII e X. SARAIVA, A. J.; LOPES, Ó. História da literatura portuguesa. 16. ed. Porto: Porto, 1996. O Realismo português foi bastante organizado, repleto de encontros e estudos sobre o novo estilo. Nunca a literatura portuguesa havia conseguido alcançar tal feito. As Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense, em 1871, nas quais se discutiam filosofia e literatura, representam a consolidação dos ideais realistas em Portugal. Participaram dessas reuniões o famoso romancista Eça de Queirós e o poeta, folclorista e futuro presidente de Portugal Teófilo Braga. A seguir, os temas das Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense: • 1ª. conferência: O espírito das conferências – por Antero de Quental. • 2ª. conferência: Causas da decadência dos povos peninsulares – por Antero de Quental. • 3ª. conferência: Literatura Portuguesa – por Augusto Soromenho. • 4ª. conferência: A literatura nova: o Realismo como nova expressão de arte – por Eça de Queirós. • 5ª. conferência: A questão do ensino – por Adolpho Coelho. • 6ª. conferência: Os historiadores críticos de Jesus – por Salomão Sáraga. • 7ª. conferência: O socialismo – por Batalha Reis. • 8ª. conferência: A República – por Antero de Quental. • 9ª. conferência: A instrução primária – por Adolpho Coelho. • 10ª. conferência: A dedução positiva da ideia democrática – por Augusto Fuschini. Das dez conferências previstas, apenas cinco se realizaram. As demais foram proibidas pelo governo, que julgava que elas defendiam doutrinas que atacavam a religião e o Estado. O Realismo aparece como uma reação ao Romantismo e se desenvolve a partir da observação da realidade, com uso da razão e da ciência, evidenciando o desenvolvimento científico, que se volta para a valorização da intelectualidade, o que culmina no cientificismo. Como consequência surge o materialismo em oposição à metafísica, tão valorizada no movimento anterior, o Romantismo. 106 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 No Realismo, vê-se clara reação contra as excentricidades românticas, como o egocentrismo. Vê-se respeito pela objetividade dos fatos, pelos estudos políticos e sociais, como o positivismo de Augusto Comte e o determinismo geográfico e biológico de Hypolyte Taine. Valorizam-se as ciências exatas e experimentais, como o evolucionismo de Charles Darwin, a dialética de Hegel, e pelo progresso tecnológico. O eu perde lugar para a sociedade e existe uma preocupação por descrever, analisar e até criticar a realidade, pois, motivados pelas teorias científicas e filosóficas, os escritores realistas desejavam captar o homem e a sociedade em sua totalidade, isto é, em seu cotidiano massacrante, no amor adúltero, no egoísmo humano e nas diferenças de classes. Stendhal e Balzac foram os precursores do realismo literário, retratando a sociedade francesa. Balzac olha os indivíduos como representantes de grupos sociais, e esses indivíduos só possuem significado dentro das narrativas se expressarem as vivências e as ideias de seus grupos. Stendhal desenvolve o método analítico de observação psicológica, seus personagens são construídos a partir de pormenores mínimos. Gustave Courbet foi um famoso pintor realista francês que se preocupou em retratar cenas do cotidiano, buscando ser fiel à realidade que o cercava. A tela Os quebradores de pedras2 marca o compromisso de Courbet com a estética realista e com o Realismo, isto é, com o enfrentamento direto da realidade, descartando qualquer tipo de ilusionismo, pois Courbet era simpatizante das posições anarquistas de Proudhon e teve participação decisiva na Comuna de Paris. Em um artigo de 1857, Le Réalisme, o jornalista francês Jules François Félix Husson Champfleury transferiu os conceitos da pintura de Courbet para a literatura e, no mesmo ano, publicou-se o romance Madame Bovary, de Flaubert, que retrata a burguesia a partir das emoções de uma mulher infeliz da classe média, Ema Bovary. Ela sonha com uma vida diferente e excitante, mas decepciona-se com o marido e com a busca por um mundo de beleza, colhido nos textos românticos. Veja a definição que o escritor Eça de Queirós dá de Realismo: Que é pois o Realismo? É uma base filosófica para todas as concepções do espírito - uma lei, uma carta, uma guia, um roteiro do pensamento humano na eterna religião do belo, bom e do justo [...]; é a negação da arte pela arte, é a proscrição do enfático e do piegas. É a abolição da retórica considerada como arte de promover a comoção [...]; é a análise com fito na verdade absoluta. Por outro lado, o Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem [...] para condenar o que houver de mau na sociedade (Queirós apud MOISÉS, 2006, p. 231). 2 Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Gustave_Courbet_018.jpg>. Acesso em 30/01/2012. 107 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia 6.2 Autores: Antero de Quental, Cesário Verde, Guerra Junqueiro Os grandes poetas do Realismo português são Antero de Quental, Cesário Verde e Guerra Junqueiro. Antero Tarquínio de Quental nasceu na ilha Ponta Delgada, Açores, em 1842. Cursou Direito na Universidade de Coimbra. Viajou por Paris, Estados Unidos e Canadá e fixou-se em Lisboa. Participou ativamente da Questão Coimbrã e das Conferências do Cassino Lisbonense, nas quais fez vários amigos, como Eça de Queirós. Deprimido, suicidou-se em sua terra natal em 1891. Obras: Raios de extinta luz, Odes modernas, Primaveras românticas, sonetos, prosas e cartas. A produção poética de Antero de Quental reflete suas angústias existenciais e seus conflitos (que o levam ao suicídio), além de mostrar temática revolucionária. Foi um grande sonetista, apresentando momentos iluminados, otimistas e outros de extremo pessimismo, tomando como inspiração o filósofo Schopenhauer. Leia o soneto a seguir (Quental apud MOISÉS, 2006, p. 346): Tese e antítese Não sei o que vale a nova ideia, Quando a vejo nas ruas desgrenhada, Torva no aspecto, à luz da barricada, Como bacante após lúbrica ceia! Sanguinolento o olhar se lhe incendeia... Aspira fumo e fogo embriagada... A deusa de alma vasta e sossegada Ei-la presa das fúrias de Medeia! Um século irritado e truculento Chama à epilepsia pensamento, Verbo ao estampido de pelouro e obus... Mas a idéia é num mundo inalterável, Num cristalino céu, que vive estável... Tu, pensamento, não és fogo, és luz! Vocabulário: desgrenhada:descabelada barricada: barreira feita para se proteger em uma batalha bacante: discípula de Baco, deus do vinho e dos prazeres carnais lúbrica: sensual, cheia de luxúria Medeia (mitologia grega): mata os próprios filhos para atingir seu ex-marido, Jasão pelouro: arma obus: arma, peça de artilharia 108 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Neste soneto bastante filosófico, podemos observar o lado luminoso e otimista de Antero de Quental. O eu lírico defende o uso do pensamento lógico, que é luz, sabedoria. Por outro lado, condena as ideias insanas, cheias de fúria, inclusive comparando-as a Medeia, que louca matou seus filhos, ou mesmo a uma mulher embriagada. Veja como o poema trata do cotidiano, referindo-se a “um século irritado e truculento”, que angustiava seus intelectuais (Quental apud Moisés, 2006, p. 353). O convertido Entre os filhos dum século maldito Tomei também lugar na ímpia mesa, Onde, sob o folgar, geme a tristeza Duma ânsia impotente de infinito. Como os outros, cuspi no altar avito Um rir feito de fel e de impureza… Mas um dia abalou-se-me a firmeza, Deu-me um rebate o coração contrito! Erma, cheia de tédio e de quebranto, Rompendo os diques ao represo pranto, Virou-se para Deus minha alma triste! Amortalhei na Fé o pensamento, E achei a paz na inércia e esquecimento… Só me falta saber se Deus existe! Vocabulário: ímpia: impura avito: que vem dos antepassados contrito: em contrição, arrependido erma: longínqua amortalhar: colocar uma mortalha, uma roupa de morte, enterrar Nesse outro soneto, temos um exemplo do lado mais pessimista e melancólico do poeta. O eu lírico, após ter renegado a religião, parece que quer se converter, pois não confia mais na razão: “Amortalhei na Fé o pensamento”, mas também tem dúvidas sobre a existência de Deus. José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa em 1855. Chegou a matricular-se no curso de Letras da Universidade de Lisboa, mas desistiu para trabalhar com seu pai em uma loja de ferragens. Publicou algumas poesias no Diário de notícias, no Diário da tarde, no Ocidente, entre outros. Morreu 109 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia de tuberculose com apenas 31 anos em 1886. Sua obra foi publicada postumamente em 1887, sendo composta por um único livro: O livro de Cesário Verde. Além de Camões, é considerado como uma forte influência na obra de Fernando Pessoa. Cesário Verde é conhecido por sua poesia do cotidiano, na qual situações comuns e banais são poetizadas. Além disso, seu realismo é expressionista, cheio de emoção. Veja um trecho do belo poema Sentimento de um ocidental, no qual o poeta faz um retrato lírico e realista da cidade de Lisboa. Andando pelas ruas desde o anoitecer até a madrugada, o eu lírico descreve a realidade de uma cidade já marcada pela modernidade (Verde apud MOISÉS, 2006, p. 301). Ao gás E saio. A noite pesa, esmaga. Nos Passeios de lajedo arrastam-se as impuras. Ó moles hospitais! Sai das embocaduras Um sopro que arrepia os ombros quase nus. Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso Ver círios laterais, ver filas de capelas, Com santos e fiéis, andores, ramos, velas, Em uma catedral de um comprimento imenso. As burguesinhas do Catolicismo Resvalam pelo chão minado pelos canos; E lembram-me, ao chorar doente dos pianos, As freiras que os jejuns matavam de histerismo. Num cutileiro, de avental, ao torno, Um forjador maneja um malho, rubramente; E de uma padaria exala-se, inda quente, Um cheiro salutar e honesto a pão no forno. E eu que medito um livro que exacerbe, Quisera que o real e a análise mo dessem; Casas de confecções e modas resplandecem; Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe. Vocabulário: impuras: pode-se inferir que são prostitutas tépidas: quentes resvalar: se arrastar, sujar-se cutileiro: loja de ferramentas 110 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 forjador: espécie de ferreiro malho: martelo, instrumento do ferreiro exacerbar: ultrapassar limites ratoneiro: imberbe: ladrão jovem, menino Veja como o poeta descreve as ruas de forma grotesca, mas real, em um ambiente urbano e moderno. Ele critica a burguesia e o clero, envolvendo as “burguesinhas” e as freiras em um ambiente degradante e doentio. Observe como as imagens, sons e cheiros se misturam, despertando vários sentidos. Abílio Manuel de Guerra Junqueiro nasceu em 1850 em Freixo da Espada, em Trás-os-Montes. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, trabalhando posteriormente como funcionário público e deputado. Aderiu aos ideais republicanos em 1891, após o fatídico Ultimatum inglês, no qual a Inglaterra exigia a posse de diversas colônias portuguesas. O espiritualismo e o idealismo tornaram- se marcas de seu estilo. Obras: A Morte de D. João (1874), A musa em férias (1879), A velhice do padre eterno (1885), Finis Patriae (1890), Os simples (1892), Pátria (1896), Oração ao pão (1903), Oração à luz (1904), Poesias dispersas (1920). A seguir, um fragmento de Os simples (JUNQUEIRA, 2005, p. 12): Regresso ao lar Ai, há quantos anos que eu parti chorando deste meu saudoso, carinhoso lar!... Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!... Minha velha ama, que me estás fitando, canta-me cantigas para me eu lembrar!... Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida... Só achei enganos, decepções, pesar... Oh, a ingênua alma tão desiludida!... Minha velha ama, com a voz dorida. canta-me cantigas de me adormentar!... Trago de amargura o coração desfeito... Vê que fundas mágoas no embaciado olhar! Nunca eu saíra do meu ninho estreito!... Minha velha ama, que me deste o peito, canta-me cantigas para me embalar!... Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho pedrarias de astros, gemas de luar... Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!... Minha velha ama, sou um pobrezinho... Canta-me cantigas de fazer chorar!... 111 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia Como antigamente, no regaço amado (Venho morto, morto!...), deixa-me deitar! Ai o teu menino como está mudado! Minha velha ama, como está mudado! Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!... Apesar de realista, nesse poema, Guerra Junqueiro apresenta aspectos de espiritualidade, lembrando o Romantismo e prenunciando características do Simbolismo. Há certo saudosismo da infância e de tempos vindouros. Exemplo de aplicação Cada um dos poemas (QUENTAL, 2002, p. 164) representa um núcleo temático da obra de Antero de Quental: pessimismo, reflexão existencial, crença num mundo melhor movido pelo amor e pela justiça social, metafísica, visão heroica e transformadora da realidade. I. Associe a um ou ao outro as temáticas elencadas: I Razão, irmã do Amor e da Justiça, Mais uma vez escuta a minha prece. É a voz dum coração que te apetece, Duma alma livre, só a ti submissa. Por ti é que a poeira movediça De astros e sóis e mundos permanece; E é por ti que a virtude prevalece, E a flor do heroísmo medra e viça. Por ti, na arena trágica, as nações Buscam a liberdade, entre os clarões; E os que olham o futuro e cismam, mudos, Por ti, podem sofrer e não se abatem, Mãe de filhos robustos, que combatem Tendo o teu nome escrito em seus [escudos! II Sonho que sou um cavaleiro andante. Por desertos, por sóis, por noite escura, Paladino do amor, busco anelante O palácio encantado da Ventura! Mas já desmaio, exausto e vacilante, Quebrada a espada já, rota a armadura... E eis que súbito o avisto,fulgurante Na sua pompa e aérea formusura! Com grandes golpes bato à porta e brado: Eu sou o Vagabundo, o Deserdado... Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais! Abrem-se as portas d’ouro, com fragor... Mas dentro encontro só, cheio de dor, Silêncio e escuridão - e nada mais! Poema I: ___________________________________________________________ Poema II: __________________________________________________________ 112 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Comentários: Os poemas de Quental fazem parte de uma fase poética do autor voltada para o lado mais social. Os sonetos são hinos, que, segundo a definição de Houaiss (2009), seriam o canto ou poema lírico que é expressão de alegria, de entusiasmo, ao celebrar alguém ou algo, ou ainda poema ou cântico composto para glorificar deuses ou heróis. Por isso, encontramos nos poemas as temáticas reflexão existencial e crença na justiça social. II. Leia os fragmentos a seguir: Texto A (Quental apud MOISÉS, 2006, p. 182): A poesia moderna é a voz da Revolução. Que importa que a palavra não pareça poética às vestais literárias do culto da Arte pela Arte? No ruído espantoso do desabar do Império e da Religião, há ainda uma harmonia grave e profunda, para quem a escutar com a alma penetrada do terror santo deste mistério que é o destino das Sociedades. Texto B (QUENTAL, 2002, p. 180): Entre os filhos dum século maldito Tomei também lugar na ímpia mesa, Onde, sob o folgar, geme a tristeza Duma ânsia impotente de infinito. Como os outros, cuspi no altar avito Um rir feito de fel e de impureza… Mas um dia abalou-se-me a firmeza, Deu-me um rebate o coração contrito! Erma, cheia de tédio e de quebranto, Rompendo os diques ao represo pranto, Virou-se para Deus minha alma triste! Amortalhei na Fé o pensamento, E achei a paz na inércia e esquecimento… Só me falta saber se Deus existe Relacione os textos A e B, ambos de Antero de Quental, e, a partir do poema, extraia as características apontadas pelo próprio autor para a poesia realista. __________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 113 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia 6.3 Simbolismo: produção e características Após as significativas mudanças acontecidas na segunda metade do século XIX, ocorre um fim de século menos impetuoso e revolucionário. O cientificismo e a busca da razão e da representação da realidade desgastam-se, trazendo consigo indefinições e inquietações quanto ao novo século que chegaria. Devido ao progresso, ao acirramento do capitalismo e dos problemas sociais, surgem inicialmente posturas de revolta, como os crescentes movimentos operários. É a grande desilusão ante o fracasso da transformação da sociedade burguesa industrial. Há, em toda a Europa, uma competição econômica e militar entre as grandes potências, que culminou nas grandes guerras do século XX. A arte e a literatura procuraram expressar os sentimentos desse homem da virada de século, um ser atormentado por tensões diversas, cheio de contradições, que rejeita os preceitos da objetividade realista e busca a transcendência por meio da arte e dos sentidos. Essa nova manifestação artística recebe o nome de decadentismo. Como exemplo, em 1874, acontece na França a primeira exposição impressionista, cujas preocupações eram mais individuais e menos sociais. Surgem os grandes mestres do impressionismo, como Claude Monet, Auguste Renoir, Paul Cezáne, entre outros. Em 1874, pintores cansados de serem rejeitados pelo salão oficial de artes da França resolveram fazer sua própria exposição. Algumas de suas pinturas foram ridicularizadas por um crítico, que usou o termo impressionista com uma conotação negativa, como se dissesse “eles nem sabem pintar, só têm impressões”. Surge então o impressionismo, movimento que influenciou toda a arte moderna. Podemos pensar que as origens mais remotas do Simbolismo encontram-se no Romantismo, contudo suas características são bem distintas. A publicação de As flores do mal, de Charles Baudelaire, em 1857, na França, foi um dos eventos que mais contribuiu para o processo de modernização da poesia. Novos poetas, seguindo os passos de Baudelaire, denominavam-se decadentes e retratavam em seus poemas a anarquia, o satanismo e o pessimismo. Contudo, somente com o poema Arte poética, de Verlaine, em 1884, é que se estabelece o espírito simbolista, com um refinamento estético, unindo a poesia à música. Para os simbolistas, a poesia deveria apenas sugerir os estados da alma por meio de símbolos, tudo muito vago e impreciso. Inicialmente chamado de decadentismo, devido a sua visão pessimista diante da sociedade e do ser humano, passa a ser chamado de Simbolismo após a publicação do Manifesto Simbolista, por Jean Moréas, em 1886. Tanto os românticos como os simbolistas voltavam-se para a subjetividade, para o culto do “eu”. Entretanto, os românticos tratavam da dor de uma forma arrebatada e adolescente, concentrando-se em questões sentimentais e emocionais. Já os simbolistas focavam-se na dor existencial, em questões mais profundas do subconsciente, buscando uma síntese entre a percepção dos sentidos e a reflexão 114 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 intelectual, por meio de uma linguagem indireta e figurada. Em Portugal, há um período de grande insatisfação, principalmente após o Ultimatum inglês, em 1890, quando a Inglaterra impôs que Portugal abandonasse algumas de suas colônias na África e as deixasse sob o domínio inglês. A Inglaterra nessa época era um grande império, rico, cheio de colônias e dominava Portugal economicamente. A nobreza encontrava-se enfraquecida, sem poder político ou financeiro. Após diversas revoltas, a República foi instaurada em 4 de outubro de 1910, mas de maneira frágil e conturbada. Didaticamente, consideramos que o Simbolismo se inicia em Portugal com a publicação do poema Oaristos, de Eugênio de Castro, em 1890. Em uma carta a Pinheiro Chagas, Eugênio de Castro descreve o livro Oaristos: “Livro de revolta, feito com alma ardente e mocidade viva, pendão vermelho de combate contra a sensaboria, contra a chateza da poesia de meu tempo. [...] Livro novo, diferente de todos os livros, abrindo um caminho, achando uma solução, dizendo coisas novas por processos novos” (Castro apud MOISÉS, 2008, p. 212). Estas são as principais características da estética simbolista: • Linguagem vaga, fluida, que prefere sugerir a nomear. • Utilização de substantivos abstratos, efêmeros, vagos e imprecisos. • Musicalidade: uso de aliterações, assonâncias e ritmos marcantes. • Subjetivismo e teorias que se voltam ao mundo interior. • Presença abundante de metáforas, comparações, personificações, sinestesias. • Antimaterialismo e antirracionalismo em oposição ao positivismo. • Misticismo, religiosidade, valorização do espiritual para se chegar à paz interior, desejo de transcendência, de integração cósmica, deixando a matéria e libertando o espírito. • Pessimismo, dor de existir. • Interesse pelo noturno, pelo mistério e pela morte, assim como momentos de transição como o amanhecer e o crepúsculo. • Interesse pela exploração das zonas desconhecidas da mente humana (o inconsciente e o subconsciente) e pela loucura. 6.4 Autores: Eugênio de Castro e Almeida, Florbela Espanca, Camilo Pessanha A poesia simbolista em Portugal reflete a violenta crise econômica decorrente do ultimatoinglês de 1890. O clima de incerteza, frustração e pessimismo é determinante para o surgimento de um novo momento na literatura portuguesa. 115 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia Considera-se que a obra de Eugênio de Castro e Almeida (1869-1944) seja dividida em duas fases: uma neoclássica, com temas da antiguidade clássica, de tom saudosista, e outra simbolista. Obras: Canções de abril (1884), Horas tristes (1888), Oaristos (1890). Veja a seguir um fragmento do poema Um sonho (CASTRO, 1890, p. 37), característico da fase simbolista do autor. Na messe, que enlouquece, estremece a quermesse... O sol, o celestial girassol, esmorece... E as cantilenas de serenos sons amenos Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos... As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros... Cornamusas e crotalos, Cítolas, cítaras, sistros, Soam suaves, sonolentos, Sonolentos e suaves, Em suaves, Suaves, lentos lamentos De acentos Graves, Suaves... Flor! Enquanto na messe estremece a quermesse E o sol, o celestial girassol esmorece, Deixemos estes sons tão serenos e amenos, Fujamos, Flor! À flor destes floridos fenos... Soam vesperais as Vésperas... Uns com brilhos de alabastros, Outros louros como nêsperas, No céu pardo ardem os astros... Como aqui se está bem! Além freme a quermesse - Não sentes em gemer dolente que esmorece? São amantes delirantes que em amenos Beijos se beijam, Flor! À flor dos frescos fenos... Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse O rumor amolece, esmaiece, esmorece... Dá-me que eu beije os teus morenos e amenos Peitos! Rolemos, Flor! à dos flóreos fenos... Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse E a flor que sonho? e o sonho? Ah! Tudo isso esmorece! No meu quarto uma luz luz com lumes amenos, Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos... 116 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Percebe-se o uso abusivo de aliterações e assonâncias, que dão musicalidade ao poema, e também a utilização de imagens que remetem à cor amarelo/dourado, criando um cenário de beleza delicada e diáfana, justificando o título do poema. Florbela Espanca (1895-1930) não está diretamente associada a nenhum movimento literário, mas, por produzir uma poesia de caráter confessional e sentimental, aproxima-se de Antônio Nobre, como a própria poetisa reconheceu em vida. Obras: Livro de mágoas (1919), Livro de Sóror Saudade (1923) e Charneca em flor (1931). Veja a seguir um poema da autora que reflete seu pessimismo, ainda que dentro de uma tópica do carpe diem (ESPANCA, 2008, p. 11): Ambiciosa Para aqueles fantasmas que passaram, Vagabundos a quem jurei amar, Nunca os meus braços lânguidos traçaram O vôo dum gesto para os alcançar... Se as minhas mãos em garra se cravaram Sobre um amor em sangue a palpitar... - Quantas panteras bárbaras mataram Só pelo raro gosto de matar! Minha alma é como a pedra funerária Erguida na montanha solitária Interrogando a vibração dos céus! O amor dum homem? - Terra tão pisada, Gota de chuva ao vento baloiçada... Um homem? - Quando eu sonho o amor de um Deus!... Há poema de Florbela Espanca que foge dos argumentos melancólicos da maioria das suas poesias, embora também se perceba componentes de dor e sofrimento (ESPANCA, 2008, p. 18): Fanatismo Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida Meus olhos andam cegos de te ver ! Não és sequer a razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida ! Não vejo nada assim enlouquecida ... Passo no mundo, meu Amor, a ler 117 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida! “Tudo no mundo é frágil, tudo passa ...” Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de rastros : “Ah ! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: Princípio e Fim! ...” Dessa vez, a poetisa optou por escancarar todo o seu amor e lirismo. A paixão, nesta poesia, é levada ao extremo (“Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: princípio e fim”), justificando plenamente o título. O amor de Florbela, em Fanatismo, é arrebatador. É tratado de forma hiperbólica, possessiva e, ao mesmo tempo, submissa, resultado talvez da eterna procura de um amado (“a mesma história tantas vezes lida”). Camilo Pessanha (1867-1926) nasceu em Coimbra, onde se formou em Direito. Partiu para Macau, na China, e lá exerceu funções jurídicas. É considerado o maior simbolista português. O contato com a cultura chinesa levou-o a escrever vários estudos e a fazer traduções de vários poetas chineses. Foram, todavia, os seus poemas simbolistas que largamente influenciaram a geração de Orpheu, desde Mário de Sá-Carneiro até Fernando Pessoa. Seus poemas foram reunidos na coletânea Clepsidra, publicada em 1922, tendo sido Fernando Pessoa o principal mentor da edição. Camilo Pessanha morreu em Macau, vítima do ópio. Clepsidra é um relógio de água. Nesse livro de Camilo Pessanha predomina o estranhamento entre o “eu” e seu corpo, entre o “eu” e sua existência e o mundo que o cerca. No entanto, não há situações concretas pessoais, só abstração. Clepsidra tanto pode ser uma alusão a um verso do poeta francês Charles Beaudelaire, como também uma alusão ao sentimento melancólico de que a vida escoa no tempo. Qualquer significado está aliado à ideia da pequenez humana e da transitoriedade da vida. Veja a seguir alguns poemas de Camilo Pessanha (apud MOISÉS, 2006, p. 372): Violoncelo Chorai arcadas Do violoncelo! Convulsionadas, Pontes aladas De pesadelo... De que esvoaçam, Brancos, os arcos... 118 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Por baixo passam, Se despedaçam, No rio, os barcos. Fundas, soluçam Caudais de choro... Que ruínas (ouçam)! Se se debruçam, Que sorvedouro!... Trêmulos astros... Soidões lacustres... – Lemos e mastros... E os alabastros Dos balaústres! Urnas quebradas! Blocos de gelo... – Chorai arcadas, Despedaçadas, Do violoncelo. Vocabulário: caudal: que jorra em abundância sorvedouro: redemoinho de água, turbilhão soidões: solidão lacustre: referente ao rio alabastro: pedra branca, parecida com mármore balaústre: pequena coluna de sustentação Nesse poema tipicamente simbolista, podemos observar: a) a musicalidade pelo uso de assonâncias e aliterações, com a repetição dos sons /s/, /n/ e /o/: Chorai arcadas /Do violoncelo! Convulsionadas, /Pontes aladas b) palavras que denotam mistério, efemeridade, um clima vago e pessimista: chorai, pontes aladas, pesadelo ruínas, esvoaçar, despedaçadas c) linguagem vaga, termos arcaicos: soidões, lacustres, alabastros, balaústres 119 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia d) sinestesia (mistura de sons e imagens): ouçam (o choro), (vejam) os astros trêmulos na água Caminho Tenho sonhos cruéis; n’alma doente Sinto um vago receio prematuro. Vou a medo na aresta do futuro, Embebido em saudades do presente... Saudades desta dor que em vão procuro Do peito afugentar bem rudemente, Devendo, ao desmaiar sobre o poente, Cobrir-me o coração dum véu escuro!... Porque a dor, esta falta d’ harmonia, Toda a luz desgrenhada que alumia As almas doidamente, o céu d’agora, Sem ela o coração é quase nada: Um sol onde expirasse a madrugada, Porque é só madrugada quando chora. Nesse poema, podemosobservar claramente o pessimismo e a dor existencial, expressos pelo eu lírico. Há um clima nebuloso e vago. Além disso, o poeta já utiliza recursos que antecipam a modernidade, como a quebra da estrutura sintática: “Vou a medo na aresta do futuro”. Resumo A Unidade III se concentra totalmente no século XIX. Estudamos o Romantismo e as afetações da subjetividade sobre a produção poética e, em seguida, entramos em um período racionalista, o Realismo, verificando as implicações dessa mudança no homem e em sua cultura e como esse período se alimenta das descobertas científicas e da ideia de progresso. Por fim, estudamos o decadentismo, isto é, o Simbolismo e a decadência do fim do século. Exercícios Questão 1. “Cesário Verde foi uma ponte entre o Realismo do século XIX e a moderna literatura portuguesa [...], foi o primeiro autor a dar atenção ao cotidiano, aos fatos diários da vida humana. Rompeu com a noção de que a poesia deveria tratar de assuntos sublimes, porque esses eram belos”. 120 Unidade II Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Assinale o conjunto de versos que comprovam a afirmação acima: A) Sonho que sou um cavaleiro andante, Por desertos, por sóis, por noite escura. Paladino do amor, busco anelante O palácio encantado da Ventura. B) Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. muda-se o ser, muda-se a confiança! Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. C) Tarde de outono. O sol morreu ao longe Com a pompa gloriosa, Numa explosão de luz. E a noite cai na terra silenciosa, Como na face lívida de um monge A sombra de um capuz. D) O sol na marcha luminosa voa Lançando à terra majestoso olhar; Passa cantando quem o ar povoa, E a praia abraça venturoso o mar. E) Homens de carga! Assim a bestas vão curvadas! Que vida tão custosa! Que diabo! E os cavadores pousam as enxadas, E cospem nas mãos gretadas, Para que não lhes escorregue o cabo. Resposta correta: alternativa E. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: os versos presentes na alternativa A mostram uma visão idealizada da realidade: “Sonho que sou um cavaleiro andante”. B) Alternativa incorreta. Justificativa: os versos presentes na alternativa B mostram o questionamento do ser frente às mudanças externas e à sua própria mudança: “muda-se o ser”. 121 Re vi sã o: M ic he l - D ia gr am aç ão : F ab io - 0 6/ 02 /1 2 Literatura Portuguesa: Poesia C) Alternativa incorreta. Justificativa: os versos presentes na alternativa C mostram uma visão romantizada da realidade. O eu lírico recorre a elementos da natureza. D) Alternativa incorreta. Justificativa: os versos presentes na alternativa D, conforme já explicitado na justificativa anterior, mostram uma visão romantizada da realidade. O eu lírico contempla os elementos sol, terra, ar e água. E) Alternativa correta. Justificativa: nos versos presentes na alternativa E, o eu lírico dá atenção ao cotidiano, às coisas simples do dia a dia: “E os cavadores pousam as enxadas, E cospem nas mãos gretadas, Para que não lhes escorregue o cabo”. Questão 2. O Realismo literário inaugurou uma tendência artística que surge no século XIX em reação ao Romantismo e se desenvolveu baseada na observação da realidade e na ciência. Como movimento artístico, surgiu na França e sua influência se estendeu a numerosos países. Essa corrente aparece no momento em que ocorrem as primeiras lutas sociais contra o socialismo mais dominador, ao mesmo tempo em que há um crescente respeito pelo fato empiricamente averiguado, pelas ciências experimentais e exatas. Das influências intelectuais que mais ajudaram no sucesso do Realismo, podemos destacar a reação contra as excentricidades românticas e contra as suas idealizações da paixão amorosa. Com base no exposto, assinale somente a alternativa em que todas as características sejam tipicamente realistas: A) ênfase na fantasia, predomínio da emoção, objetivismo e escapismo. B) ênfase na realidade, predomínio da razão, subjetivismo e idealização das personagens. C) predomínio da razão, escapismo, engajamento (a literatura como forma de transformar a realidade) e nacionalismo. D) objetivismo, retrato fiel das personagens, predomínio da razão e universalismo. E) ênfase na realidade, nacionalismo, idealização das personagens e engajamento (a literatura como forma de transformar a realidade). Resolução desta questão na plataforma.
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