Prévia do material em texto
AO JUÍZO DA ... VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE PORTO SEGURO, ESTADO DA BAHIA BRUTUS, brasileiro, solteiro, profissão ..., número do CPF: ..., número do RG: ..., residente e domiciliado na Rua ..., número ..., Bairro ..., Porto Seguro/BA, por meio de seu advogado que esta subscreve, conforme procuração anexa a este instrumento, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, requerer o RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE com fundamento no inciso LXV do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, combinado com o artigo 310, inciso I, do Código de Processo Penal, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos: 1. DOS FATOS O acusado, Brutus, foi capturado em flagrante na cidade de Porto Seguro/BA, sendo acusado de homicídio doloso consumado contra Cleópatra e Afrodite, porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (fuzil e pistola 9mm), e tráfico de drogas. Em sua residência, foram encontrados os corpos das vítimas, armas de fogo e substâncias entorpecentes embaladas em papelotes, prontas para venda ilegal. Conforme relato, Brutus, notório traficante na região, encontrou-se com as vítimas em um baile funk e as convidou para sua residência, onde mantinha drogas, armas e valores, características de sua atividade criminosa. Inicialmente, as vítimas aceitaram o convite, mas Cleópatra recusou a proposta de relação sexual, solicitando sua retirada, o que despertou a ira do acusado. Em um ato impulsivo, ele pegou o fuzil e disparou contra Cleópatra, atingindo-a mortalmente e, por erro na execução, também Afrodite. É importante salientar que as vítimas residiam em uma comunidade rival, onde outro traficante, inimigo de Brutus, ao saber do ocorrido, informou anonimamente à Polícia Militar o endereço do acusado para sua prisão e verificação dos fatos. Os policiais realizaram diligências no local, arrombaram a porta e encontraram Brutus dormindo, bem como os corpos no chão, projéteis alojados na parede, drogas e armas de fogo. Para obter a confissão e mais informações, o acusado foi submetido à asfixia com saco plástico e agressões, conforme laudo de exame de corpo de delito. Durante a audiência de custódia, Brutus relatou os maus-tratos sofridos e as ilegalidades na abordagem policial. No entanto, o Ministério Público requereu a prisão preventiva, destacando os graves crimes cometidos e a extensa ficha criminal do acusado, além de desconsiderar suas alegações e defender a dispensabilidade de consentimento para ingresso domiciliar em flagrante. O pedido de conversão da prisão em flagrante em preventiva não deve prosperar, conforme a argumentação jurídica exposta a seguir. 2. DO DIREITO 2.1. Da Inconstitucionalidade da Prisão em Flagrante No que diz respeito à liberdade, um direito inalienável e essencial do indivíduo, seu cerceamento deve seguir estritamente um conjunto de normas pré-estabelecidas. Ou seja, é necessário observar o que está disposto tanto na Constituição Federal vigente quanto na nossa legislação processual penal. É essencial esclarecer que o instrumento jurídico adequado para tratar de situações de ilegalidade na prisão é o pedido de relaxamento da prisão ilegal, conforme previsto na Constituição Federal, que diz: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXV- a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; Além disso, a legislação infraconstitucional também prevê a possibilidade de relaxamento da prisão ilegal, conforme o artigo 310, caput, inciso I, do Código de Processo Penal, nos seguintes termos: Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. § 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação. § 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. § 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão. § 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva. A audiência de custódia tem como objetivo garantir ao preso todos os seus direitos constitucionais, especialmente o de ser ouvido pelo Poder Judiciário após ter sua liberdade cerceada, conforme destacado no livro OAB Esquematizado: Tal novidade legal é fundamental para que não se alastrem de forma indeterminada as prisões cautelares, devendo o Magistrado decidir se o acusado permanecerá preso ou será solto, bem como aferindo se durante a realização da prisão houve algum tipo de abuso de autoridade, o que justificaria por si só o relaxamento da prisão considerada ilegal. (Gonzaga, 2022, p. 672) De acordo com a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, a audiência de custódia visa assegurar a integridade física e psicológica do indivíduo detido, prevenindo e combatendo a prática de tortura no momento da prisão. Esse documento sublinha a importância de apresentar imediatamente a pessoa detida à autoridade judicial, como meio eficaz de garantir seus direitos: A condução imediata da pessoa presa à autoridade judicial é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal, previsto no art. 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 2.1 da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. (CNJ, 2015, online). Assim, há uma flagrante ilegalidade. Além disso, a ilegalidade da prisão é evidente quando se verifica que a Polícia Militar cometeu um crime previsto na Lei nº 9.455/97, que define o crime de tortura: Art. 1º Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena – reclusão, de dois a oito anos. Portanto, a prática de crime torna a prisão ilegal, e toda prova obtida de forma ilícita deve ser desentranhada do processo, conforme o artigo 157 do Código de Processo Penal, que estabelece: Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo,as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. O artigo 302 do Código de Processo Penal descreve as situações que configuram flagrante delito: Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que o façam presumir ser ele autor da infração. Com base em uma denúncia anônima, os policiais adentraram o domicílio do acusado sem qualquer investigação prévia ou autorização para tal. Esse ato viola o disposto no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, que estabelece: Art. 5º, XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Mesmo em casos de flagrante delito, é necessário observar o entendimento jurisprudencial sobre o ingresso em domicílio alheio, sob pena de todas as operações policiais serem realizadas sem autorização judicial e de forma arbitrária. Esse entendimento foi reafirmado pelo Superior Tribunal de Justiça em decisão que destaca a necessidade de mandado judicial e investigações prévias, conforme segue: PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 2ª Vice Presidência Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) N. 0503524-37.2018.8.05.0022, de Órgão Julgador: 2ª Vice Presidência RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA Advogado(s): RECORRIDO: (...) Advogado(s): D E C I S Ã O Cuidam os autos de Recurso Especial interposto pelo Ministério Público, com fulcro no art. 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal, em face do Acórdão proferido pela Segunda Turma da Segunda Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça, ID. 21535107 e 21535108, que negou provimento (...) mesmo sentido, salvo o depoimento dos policiais que realizaram o flagrante, tendo tal autorização sido negada em juízo pelo réu. 4. "Segundo a nova orientação jurisprudencial, o ônus de comprovar a higidez dessa autorização, com prova da voluntariedade do consentimento, recai sobre o estado acusador" (HC n. 685.593/SP, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 14/10/2021, DJe 19/10/2021). 5. Habeas corpus concedido para anular as provas decorrentes do ingresso forçado no domicílio, com a consequente absolvição do paciente. (HC n. 685.681/SP, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 18/3/2022.) Ante o exposto, inadmito o Recurso Especial. Publique-se. Intimem-se. Desembargadora Marcia Borges Faria 2ª Vice-Presidente (TJ-BA, Classe: Recurso em Sentido Estrito, Número do Processo: 0503524-37.2018.8.05.0022, Órgão julgador: SEGUNDA CAMARA CRIMINAL - SEGUNDA TURMA, Relator(a): MARCIA BORGES FARIA, Publicado em: 14/06/2022) (grifo nosso) Diante das ilegalidades presentes na prisão do investigado, requer-se o relaxamento da prisão ilegal, pois essa é a medida mais apropriada para garantir os direitos do acusado. 2.2 Falta de Fundamentos para Prisão Preventiva No que tange aos fundamentos da prisão preventiva, o representante do Ministério Público baseou seu pedido na gravidade dos crimes, argumentando que a liberdade provisória com fiança não é aplicável. No entanto, essa justificativa isolada não é suficiente para sustentar a aplicação do art. 312 do CPP, sob o pretexto de garantir a ordem pública. A mera referência à gravidade dos crimes não justifica automaticamente a necessidade de segregação cautelar, pois a gravidade abstrata do delito não implica necessariamente em um risco concreto à ordem pública. É necessário apresentar evidências concretas de que o réu, se liberado, possa reincidir no crime, fugir ou ameaçar testemunhas e vítimas. As alegações do Promotor de Justiça, por si só, não são suficientes para fundamentar um decreto de prisão. O artigo 312 do Código de Processo Penal estabelece: Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. Quanto aos requisitos para a prisão preventiva, é crucial que sua decretação seja baseada em elementos concretos e objetivos, não sendo suficiente a mera gravidade abstrata do crime, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, da natureza abstrata do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (artigos. 312 e 315 do CPP). 2. Deve, ainda, ficar concretamente evidenciado, na forma do art. 282, § 6º do CPP, que, presentes os motivos que autorizam a segregação provisória, não é suficiente e adequada a sua substituição por outra(s) medida(s) cautelar (ES) menos invasivas à liberdade. 3. O Juiz singular apenas apontou de modo genérico a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, sem indicar, contudo, motivação suficiente para justificar a necessidade de colocar os recorrentes cautelarmente privados de sua liberdade. Referências "ao fato de os flagranteados já terem sido condenados anteriormente" - sem indicar pelo quê - e alusão à "vedação à liberdade provisória prevista no artigo 44 da Lei de Tóxicos e a necessidade de assegurar a ordem pública" não bastam para manter a prisão do paciente. 4. O argumento trazido no julgamento do habeas corpus original pelo Tribunal a quo, com o propósito de justificar a prisão provisória (a existência de registro criminal), não se presta a suprir a deficiente fundamentação adotada em primeiro grau, sob pena de, em ação concebida para a tutela da liberdade humana, legitimar-se o vício do ato constritivo ao direito de locomoção do paciente. 5. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-RHC 163.445; Proc. 2022/0105617-0; MG; Sexta Turma; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; DJE 31/08/2022) (grifo nosso) Além disso, a proibição de fiança na liberdade provisória prevista pela Lei nº 8.072/90, art. 2º, II, não impede a concessão de liberdade provisória sem fiança, uma vez que essa modalidade não é vedada no referido diploma legal, mas é permitida no art. 310, III, do CPP. Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Diante disso, o art. 312 do CPP não se aplica ao caso, tornando a prisão preventiva indevida. Requer-se, portanto, que seja concedida a liberdade provisória ao acusado, com ou sem fiança, conforme previsto na legislação pertinente. 3. DOS PEDIDOS Considerando todo o exposto, requer-se o seguinte, pelos seguintes motivos: Requer-se a constatação de que ocorreu um crime de tortura para obter a confissão sobre os fatos investigados, sem prévia investigação quanto à violação de domicílio e sem qualquer registro de consentimento do réu para a entrada dos policiais. Requer-se a análise de que a situação fática não se enquadra em nenhuma das circunstâncias que autorizam a prisão preventiva, conforme previsto no art. 312 do CPP. Requer-se, pelos motivos fundamentados, o relaxamento da prisão em flagrante ilegal, com a expedição imediata de alvaráde soltura em favor do indiciado, para que possa exercer seu direito de defesa em liberdade durante o curso da ação penal, comprometendo-se a comparecer a todos os atos processuais. E, por último, requer-se a manifestação do eminente representante do Ministério Público. Nestes termos, pede deferimento. Porto Seguro/BA (Nome, assinatura, advogado e OAB)