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A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula/Rosana Mireille Barbosa da Silva INTERFACE 109 AA PROBLEMÁTICA DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES AUTORAS Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte Rosana Mirreille Barbosa da Silva Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte INTERFACE INTERFACE - Natal/RN - v.2 - n.1 - jan/jun 2005 110 A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula/Rosana Mireille Barbosa da Silva INTERFACE 111 RESUMO O fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes materializa-se através de várias formas, ou seja, violência física, psicológica, negligência e principalmente o abuso e a exploração sexual. Estes últimos caracterizam o foco deste trabalho. Pretendemos mostrar a questão da violência sexual como um problema social agravante e de trágicas conseqüências para os vitimizados. Apontaremos os vários tipos de abuso sexual como também a problemática da exploração sexual que diferentemente do abuso está centrada no lucro comercial obtido através da venda do corpo da criança e do adolescente. Pretendemos informar sobre a rede que envolve a exploração sexual, destacando os aliciadores e aliados e a cadeia de instituições governamentais e não-governamentais de combate à violência sexual, como também o perfil do agressor, a faixa etária predominante dos vitimizados, as seqüelas físicas e psíquicas e a importância da família, do Estado e da sociedade no enfrentamento desta questão. PALAVRAS CHAVE Violência Sexual. Crianças e Adolescentes. Políticas Sociais. INTERFACE INTERFACE - Natal/RN - v.2 - n.1 - jan/jun 2005 112 A questão da violência contra crianças e adolescentes vem, ao longo dos anos, se constituindo como alvo não só de pesqui- sadores como também de órgãos e entidades envolvidas com a gestão e efetivação do sistema de garantia dos direitos, particu- larmente da criança e do adolescente, previstos na Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA). Na busca de compreensão dessa problemática constata-se que as dimensões da violência remetem ao quadro das graves conse- qüências sociais demarcadas pela pobreza e desigualdades, pe- los expressivos indicadores de desemprego estrutural e pela pre- cariedade das condições de trabalho presentes na atualidade bra- sileira, que imprimem decisivamente condições de degradação das formas de reprodução social. Além dos fatores sócio-econô- micos, percebe-se a importância da dimensão cultural, de forma que as crianças e adolescentes não têm sido considerados como sujeitos de direitos, sobretudo os provenientes das classes su- balternas, e a impunidade dos agressores torna-se uma forma, mesmo que inconsciente, de reafirmar a violência. As diversas formas de violência manifestam-se, também, através das desigualdades sociais, na negação dos direitos for- mais que estabelecem a vida, a convivência familiar e comuni- tária, a saúde, a educação, a cultura; na repressão e restrição da liberdade, etc. Isto posto, pode-se considerar que todo ato de violência tem uma base comum, ou seja, caracteriza-se por violações que em seu conjunto apresentam determinações que se articulam ao con- texto complexo das relações sociais, econômicas, institucionais e familiares. Desta forma, as particularidades das diversas formas de vio- lência remetem do interior dos processos sociais, materializan- do-se em ações e /ou omissões capazes de prejudicar crianças e adolescentes, que segundo o ECA, artigo 6º são “pessoas em de- senvolvimento”. Portanto, o abuso e exploração sexual constitu- em formas de negação dos seus direitos, acarretando para os mes- mos, conseqüências negativas para o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes. Existem vários tipos de violência, como a física, psicológica, sexual, dentre outras. Porém, será exposto a problemática da vi- olência sexual, expressa na forma de abuso e exploração comer- cial, que contrariam o direito à dignidade e inviolabilidade do corpo e da possibilidade de ter uma sexualidade saudável. Este tema tem se configurado como um contínuo desafio aos profissionais e pesquisadores na área da infância e da juventude na construção de medidas possíveis, mesmo que de curto prazo, na luta pelo combate e prevenção a este tipo de violência. A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula/Rosana Mireille Barbosa da Silva INTERFACE 113 CONCEITUANDO O ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLES- CENTES E SUAS CONSEQÜÊNCIAS. Para entender a questão do abuso sexual é necessário mencionar alguns conceitos que contribuíram para os nossos estudos e também discutir as formas de abuso, que concebemos como grande instru- mento para compreender melhor esta problemática. De acordo com Abreu et al: Abuso sexual é uma situação em que uma criança ou adoles- cente é usado para gratificação sexual do adulto ou mesmo de um adolescente mais velho, baseado em uma relação de poder que pode incluir carícias, manipulação da genitália, mama ou anûs, e até o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem violência. (2002,p.8). O abuso sexual compreende uma série de situações que podem ser classificados de duas formas: a) Abuso sexual sem contato físico, que se expressa através de conversas, telefonemas obscenos, exibicionismo, voyeurismo (principalmente pela Internet), fotos e vídeos pornográficos que despertem interesse sexual ou envolvam crianças e adolescentes; b) Com contato físico que inclui relações se- xuais com penetração vaginal, sexo oral ou anal, tentativa de relações sexuais, carícias nos órgãos genitais e masturbação. Esta forma de violência sexual contra crianças e adolescente tem diversas implicações, pois envolve questões culturais, de relacionamen- to, de poder, e a relação de dependência financeira e/ou familiar difi- culta o processo de denúncia e fortalece o silêncio dos vitimizados. Isto ocorre, principalmente, pelo fato de que o abuso sexual acon- tece predominantemente na esfera intrafamiliar e a maioria dos agressores são os pais, padrastos, irmãos ou outro parente qualquer. Mas pode ocorrer também com pessoas que são “amigas” da família, vizinhos, professores ou pessoas desconhecidas. Apesar dos dados registrados em pesquisas sobre o índice de abuso sexual, que será abordado, verifica-se que este número é bem maior. A maioria dos casos não é registrado, tendo em vista também que as cri- anças têm medo de dizer a alguém o que aconteceu ou está acontecen- do, e ao longo de seu desenvolvimento o dano emocional e psicológico é significativo. Em virtude desta relação de poder, a criança vitimizada passa a ser punida, pois sofre com a situação e quando se dispõe a relatar o que aconteceu com a mesma, na maioria das vezes, a família (principal- mente a mãe) não acredita e o vitimizado encontra-se numa situação de total abandono, e até chega a conformar-se com a violência sofrida. Ocorre, nestes casos, uma descaracterização do crime, a família hesi- ta em acreditar no vitimizado e este acaba passando por outras situa- ções de violência até que venha a ser denunciado. INTERFACE INTERFACE - Natal/RN - v.2 - n.1 - jan/jun 2005 114 Crianças e adolescentes violentados acabam desenvolvendo pro- blemas emocionais, pois ocorre uma ruptura no processo de desen- volvimento, uma vez que não estão psicologicamente preparados para o estímulo sexual, e por não terem desenvolvido a capacidade emoci- onal ou cognitiva para consentir ou julgar o que está acontecendo. Quando os abusos sexuais acontecem dentro do seio familiar, a criança passaa ter muito medo do agressor em virtude das ameaças sofridas. Os vitimizados desenvolvem, usualmente, uma perda da auto- estima; têm a sensação de que não valem nada e adquirem uma repre- sentação anormal da sexualidade. Podem, ainda, tornar-se muito re- traídos, perdendo a confiança em todos os adultos e podem até che- gar a considerar a possibilidade do suicídio, principalmente quando ocorrem ameaças por parte do abusador, caso a criança ou o adoles- cente não se submeta aos seus desejos. Essas relações acabam gerando conflitos dentro da própria casa, e muitas vezes os vitimizados terminam abandonando seus próprios lares e vão morar nas ruas, se tornando alvos de outras violências, como por exemplo, a exploração sexual. As conseqüências deste tipo de violência são diversas: os vitimizados podem ter dificuldades para estabelecer relações com outras pessoas; podem se transformar em adultos que também abu- sam de outras crianças; podem se inclinar para a prostituição ou podem ter outros problemas sérios quando adultos. Este tipo de violência gera em muitas crianças uma grande confusão, um ver- dadeiro pavor de falarem sobre o assunto, tornando-se traumatizadas pelo medo, sofrendo de depressão, fobias e dificul- dades nos estudos. Além disso, é constatado que ocorrem mudanças no comporta- mento, apetite ou no sono, e a criança e/ou adolescente assume uma postura de defesa se isolando e demonstrando uma perturbação quan- do é deixada sozinha ou com a presença do abusador. Neste sentido, entende-se que este tipo de violência tende a ser reproduzida se não houver um tratamento adequado tanto com o abusador quanto com o vitimizado, com a colaboração de profissio- nais da área social, psicológica e da saúde. A recuperação emocional dependerá também do apoio da famí- lia. As reações das crianças e adolescentes diferem com a idade e com a personalidade de cada uma, bem como com o nível da agressão so- frida. O período de readaptação após a violência é algo muito difícil para os vitimizados e para as suas famílias. Por isso, a necessidade de políticas públicas que atendam a esta demanda, dando suporte às fa- mílias e suas crianças e adolescentes. Como já foi mencionado, as principais seqüelas do abuso sexual são de ordem psíquica, sendo um relevante fator na história da vida emocional de homens e mulheres com problemas conjugais, psicossociais e até transtornos psiquiátricos. A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula/Rosana Mireille Barbosa da Silva INTERFACE 115 Este fato marca a história destas pessoas para o resto de suas vidas e uma das formas de perceber antecedentes de abuso sexual é obser- vando o comportamento sexual inapropriado para a idade e nível de desenvolvimento, quando comparado com a média das crianças e ado- lescentes da mesma faixa etária e do mesmo meio sócio-cultural sem ocorrência de abuso. Com o propósito de diagnosticar a problemática do abuso sexual de crianças e adolescentes no município de Natal a Casa Renascer atra- vés do NEP (Núcleo de Estudos e Pesquisas) desenvolveu uma pesqui- sa de campo: Diagnóstico do Abuso Sexual contra Crianças e Adoles- centes na cidade do Natal, no programa SOS Criança em Natal-RN, durante o mês de março a novembro de 2001. O universo considerado para a pesquisa, abrangeu os dados desde 1992 a 2000, através de um formulário com 32 questões, sendo pre- enchido conforme a planilha de atendimento do SOS Criança. Os resultados da pesquisa de campo apontam que foram notifica- dos 239 casos de abuso sexual no Estado entre 1992 a 2000. Segundo os profissionais da Casa Renascer responsáveis pela pesquisa foi ob- servado, “a relativa manutenção das denuncias registradas nos anos de 1992(10) e 1993(9)... foram registrados em 1994(16) e em 1995(24) casos, elevando-se consideravelmente o número de denuncias em 1997 para, 52 mais do que o dobro em 1995”.(2003,p.101). Conforme po- demos observar no gráfico 1. Gráfico1 Denúncias de Abuso Sexual entre 1992-2004 na Cidade do Natal. De acordo com os pesquisadores, esse aumento significativo de denúncias se deu em virtude das campanhas de sensibilização divulgadas através dos meios de comunicação no Rio Grande do Nor- te. Entre estas campanhas de sensibilização, destaca-se a realizada pela Fonte: Pesquisa “Diagnóstico do Abuso Sexual contra Crianças e Adolescentes na cidade do Natal” (Realizado pela Casa Renascer) e S. O. S. Criança. INTERFACE INTERFACE - Natal/RN - v.2 - n.1 - jan/jun 2005 116 UNICEF, titulada “Bater em crianças é covardia”, contando com a par- ceria da FUNDAC. A mesma fazia referência à violência sexual contra as crianças. Além desta campanha, a pesquisa da Casa Renascer destaca “a im- portância das campanhas de sensibilização local e nacional com o objetivo de estimular a denúncia, realizadas pelas organizações go- vernamentais e não governamentais e organismos multilate- rais”.(2003, p.102). Percebe-se no Gráfico 1, que ocorreu uma considerável redução de denúncias em 1998(21). Conforme a pesquisa este fato pode estar associado a mudança de endereço da sede do S.O.S. Criança. O percentual de denúncias no ano de 2002, não estava disponível, pois não foi realizado o levantamento dos casos. Nota-se o aumento considerável do percentual de denúncias no ano de 2003, no qual foi registrado (83), já em 2004 houve uma redução não muito significati- va. Comparando-se o número de denúncias com o ano de 2003, este elevado percentual pode ser justificado em virtude das campanhas da Operação Verão realizadas no município durante a alta estação pela Prefeitura da Cidade do Natal. Com relação às pessoas que efetuaram as denúncias, a família corresponde ao principal denunciante, com (28,44%), sendo 18,83% deste percentual, mães dos vitimizados, revelando, assim, o rompi- mento gradativo de aspectos culturais, em que o pai era não só o pro- vedor, mas o responsável pela família. Aos poucos esse modelo de fa- mília vai se transformando. O segundo expressivo percentual refere- se às denúncias anônimas (24,27%). Os vitimizados conforme os resultados da pesquisa são na mai- oria do sexo feminino (84,52%), apenas 14,64% são do sexo mascu- lino, os que não informaram o gênero do vitimizados correspondem a 0,84%. Com relação à idade dessas crianças e ado- lescentes violentados, o maior percentual refere-se aos da faixa etária de 11 a 16 anos (44,77%), seguido das de 6 a 10 anos (30,54%) e as que estão entre 0 a 6 anos (17%). Os autores do abuso são em grande parte do sexo masculino com (84,00%), mas há também registros de mulheres que são abusadoras, ressalta-se que apesar do baixo percentual (9,82%), não podemos desconsiderar este as- pecto. Nestes casos, entende-se que essas mulheres, autoras de abu- so sexual, podem ter sofrido alguma violência durante a infância e juventude e não tiveram o acompanhamento necessário, perpetu- ando a violência sofrida com seus filhos, irmãos, sobrinhos, e ou- tros. O outro percentual (6,18%) refere-se às denúncias que não foram informadas o gênero do agressor. De acordo com os resultados da pesquisa, os tipos de abuso se- xual mais cometidos no Rio Grande do Norte enquadram-se nas duas formas, com contato físico e sem contato, apontados nos gráficos abaixo. A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula/Rosana Mireille Barbosa da Silva INTERFACE 117 Gráfico 2 Tipos de Abuso Sexual com Contato Físico De acordo com os resultados, entreos casos de abuso sexual com contato físico apontados no Gráfico 2, percebe-se o elevado percentual de ocorrência de atos libidinosos (34,73%), seguido por estupro com (22,59%) e tentativa de estupro (12,55%). Os resultados também de- monstraram outros tipos de abuso com contato físico como demons- tra o Gráfico 2.Gráfico 3 Tipos de Abuso Sexual sem Contato Físico Fonte: Casa Renascer Fonte: Casa Renascer INTERFACE INTERFACE - Natal/RN - v.2 - n.1 - jan/jun 2005 118 Com relação à ocorrência de abuso sexual sem contato físico apre- sentado no Gráfico 3, a maioria dos casos não foi informado o tipo (65,27%). Acredita-se que a falta de conhecimento sobre a existência das várias formas de abuso sexual sem necessariamente ocorrer con- tato físico é a resposta para esse elevado índice. Desta forma, percebe-se, mais uma vez, que a informação é muito importante. Não basta apenas combater, é preciso prevenir, alertar as famílias, a sociedade e o Estado, que são os responsáveis pela garantia dos direitos da criança e do adolescente. O Estado é o responsável pela criação de políticas sociais que garantam a proteção à infância e adolescência, como também a efetivação da doutrina de proteção in- tegral estabelecida no ECA. É necessário efetivar uma articulação entre o Estado, a socie- dade e a família, para enfrentar e prevenir esta expressiva manifesta- ção da questão social, já que nota-se a ocorrência de um ciclo de vio- lência, que na maioria das vezes, tem a sua origem no núcleo familiar. Isto nos faz reafirmar a necessidade de combater, inclusive a violência doméstica, pois em muitos casos a agressão começa com um simples tapa e a família acaba “dando margem” para os abusos se- xuais que, em muitos casos, evoluem com o tempo para a situação de exploração sexual de suas próprias crianças, em grande parte por indução dos pais. A complexidade destes temas remete tanto às questões da vida pública das crianças e adolescentes quanto aos fatores ligados à vida privada ou familiar. Este é outro aspecto que nos faz entender que a exploração sexual geralmente está articulada ao abuso sexual. Exploração sexual Comercial de Crianças e Adolescentes. Analisando a problemática da violência sexual focalizada nas inú- meras formas de exploração sexual percebe-se a grande articulação entre o abuso sexual e a exploração comercial de crianças e adoles- centes. A violência sexual ocorre, principalmente, porque não há um acompanhamento psicológico e social necessário aos vitimizados e estes tendem a ser inseridos na rede de exploração, seja voluntaria- mente ou induzidos, através de vários fatores que serão discutidos no transcorrer deste trabalho. Para abordar a problemática da exploração sexual infanto-juvenil é importante analisar o cenário atual de um país em desenvolvimen- to, com um abrangente litoral e conseqüentemente um crescente e desenfreado turismo, que traz diversos benefícios econômicos, soci- ais e políticos, mas traz também, um crescente índice de exploração sexual, aumentando desta forma, a luta pela garantia dos direitos das crianças e adolescentes através do combate e da prevenção. Este tema tem sido alvo de diversos fóruns, seminários, cursos en- tre outros. Em todo o Brasil e de uma forma especial aqui no Rio Gran- A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula/Rosana Mireille Barbosa da Silva INTERFACE 119 de do Norte, um dos Estados inseridos na rota do turismo internacio- nal, tem crescido bastante nesta discussão e tem sido, inclusive, pionei- ro em alguns aspectos, como por exemplo, a criação do Código de Con- duta do Turismo contra Exploração Sexual Infanto-Juvenil. Depois de muitos avanços no que se refere à noção de direitos da infância e adolescência, muitas crianças e adolescentes que se encon- tram nesta situação de exploração são caracterizados erroneamente por um termo pejorativo de prostitutas. Porém, com o avanço dos estudos e discussões sobre o assunto, conclui-se que, crianças e ado- lescentes mesmo que envolvidos há muito tempo e passem a “lucrar” com a própria exploração, são na verdade, “empurrados” para essa situ- ação seja por fatores econômicos, seja por fatores de identidade com um grupo de amigos, seja por necessidades, desejos de consumo, in- centivo familiar ou de terceiros e, por isso, são considerados vitimizados, pois como “pessoas em desenvolvimento” (ECA, art.6º) não são capa- zes de se responsabilizar por todos os danos não só físicos como tam- bém psicológicos e emocionais advindos desta forma de violência. Por este motivo, toda criança e adolescente em situação de vulnerabilidade à exploração sexual precisa do apoio e orientação de pessoas responsáveis, familiares, profissionais que atuam nesta temática e do Estado para a sensibilização, com o propósito de com- bater e prevenir todos esses casos. A exploração sexual tem como propósito a obtenção do lucro atra- vés da comercialização do corpo de crianças e adolescentes ou da veiculação de materiais como fotos, vídeos, filmes pornográficos, por meios convencionais ou pela Internet. Este processo de estímulo pre- coce à sexualidade envolve a comercialização e vulnerabilização do seu corpo e da sua imagem. Segundo o Código Penal Brasileiro, art. 218, a exploração sexual constitui em atos libidinosos, que são relativos ao prazer sexual, mas se torna violência quando forçados e praticados contra crianças e adolescentes. Os atos libidinosos, conforme o Código Penal Brasilei- ro, são caracterizados pela conjunção carnal ou não e os autores deste tipo de violência podem ser homens ou mulheres. A exploração sexual pode ser definida como o uso de crianças e adolescentes no mercado do sexo através da participação destas em atos sexuais com adultos ou jovens, onde não necessariamente está presente a utilização da força física. Entretanto, pode estar inserido outro tipo de coação. Constata-se atualmente o envolvimento de crianças de até três anos de idade explorados sexualmente. Normalmente, nestes casos, os pais vivem em situação miserável e, por isso, “vendem” os seus próprios filhos. Milhares de crianças e adolescentes são vítimas de uma situação econômica extremamente injusta e desigual, e encontram ou são for- çados a encontrar neste meio, uma forma de sobrevivência. INTERFACE INTERFACE - Natal/RN - v.2 - n.1 - jan/jun 2005 120 Porém, vale ressaltar que em muitos casos de exploração são consta- tados que essas crianças e/ou adolescentes já foram abusados antes por seus próprios pais, padrasto, parente ou algum vizinho. De uma forma geral, a exploração sexual possui uma relação comer- cial que normalmente envolve três personagens: a criança vitimizada, o abusador e um intermediário (o aliciador). Segundo Faleiros (1997, p.7): A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes não se configura, em geral, como uma relação individual de um agressor ou explorador. Ela se constitui em rede, na busca de clientes para um mercado do corpo, sem a opção de quem é usado, na busca do lucro, com a sedução do prazer. Mesmo que não exista a presença de um intermediário, o uso do corpo com a finalidade de obter dinheiro torna-o mercadoria. As cri- anças e adolescentes explorados perdem a autonomia sobre seu cor- po, sobre a aprendizagem de sua sexualidade, tornam-se de fato escra- vos da exploração. Quando estão envolvidos com o aliciador, essa escravidão é ainda maior, pois os exploradores envolvem as crianças e adolescentes no mercado do “luxo”, através da obtenção de roupas, acessórios e ou- tros produtos que os vitimizados jamais poderiam usufruir, em virtu- de das precárias condições financeiras da família. O explorador utili- za as dívidas dos vitimizados como um mecanismo para lucrar atra- vés da venda do corpo da criança ou do adolescente. Neste sentido, o lucro é uma ilusão, pois as crianças e adolescentes destituídos da li- berdade de seu corpo geram enriquecimento para outras pessoas. Considera-se, aqui, uma referência também aos casos de tráfico sexu- al de crianças e adolescentes que, na maioria das vezes, são enganados com promessas de emprego, de condições melhoresde vida e até de casamentos, mas na realidade a única intenção destas pessoas, tanto os que comercializam quanto os que as “recebem”, é apenas a explora- ção. Um fator que envolve a trama da violência sexual refere-se à tradi- ção cultural de aceitação do sexo entre adultos e crianças, como ocor- re, principalmente, em países asiáticos, nos quais a miséria, a desi- gualdade social e econômica, a mundialização do consumismo, a banalização do sexo e a erotização precoce de crianças são fatores sig- nificativos nos casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Crianças e adolescentes são vistos como objetos sexuais e o uso comercial de seu corpo envolve um mercado que movimenta bilhões de dólares por ano, tornando-se cada vez mais, uma mercadoria de grande valor. Faleiros assinala que esse mercado não funciona de for- ma isolada e sim comandado por uma rede que envolve desde o alici- ador até empresas criadas para este fim, ou seja: A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula/Rosana Mireille Barbosa da Silva INTERFACE 121 Aí se formam redes, organizações, agentes de exploração do corpo para se obter lucro ou dinheiro sob diferentes formas: compra e venda de crianças, leilões de virgindade, pornoturismo, bordéis, tráfico, pornografia. Usam-se hotéis, motéis, agências de turismo, rede de tráfico, internet, “agen- tes da noite”, centros de diversão, comércio de saunas e mas- sagens, pontos de bares e restaurantes, funcionários de em- presas, policiais. As redes envolvem grupos de aficionados ou viciados, de pedófilos, não raro de altas camadas sociais.(1997,p.7) Com o intuito de reprimir os aliciadores, proteger crianças e ado- lescentes e banir essa rede de exploração sexual, no dia 23 de junho de 2000, foram acrescentados ao ECA o artigo 244-A e seus parágra- fos, que prevêm uma pena de reclusão de 4 a 10 anos e multa para todos os que submetem qualquer criança e/ou adolescente à explora- ção sexual, abrangendo esta pena inclusive para os proprietários, ge- rentes ou responsáveis por locais que se constate uma conivência com este tipo de exploração. A exploração sexual configura-se de acordo com a economia pre- dominante de cada região. Podemos afirmar que, aqui no Brasil, a ex- ploração sexual possui várias formas: nas cidades litorâneas, onde o turismo é uma das principais atividades, presenciamos o turismo se- xual; nas cidades onde a atividade econômica é predominantemente mineral, destacam-se os bordéis; e no centro político do país, ou seja, em Brasília/DF, a exploração caracteriza-se pela oferta de “acompa- nhantes” para empresários e políticos. Por isso, se torna tão difícil diagnosticar os casos de exploração e combatê-los de forma eficaz. Pois, neste caso, envolve pessoas de boas condições financeiras, acima de qualquer suspeita que, pelo alto po- der aquisitivo, conseguem se envolver de forma discreta na rede de exploração, e são eles mesmos que “alimentam” financeiramente este tipo de violência. No Rio Grande do Norte, o turismo sexual se destaca entre ou- tros tipos de exploração sexual de crianças e adolescentes, desde a ascensão do turismo no Estado, principalmente no município de Natal, que desencadeia a vinda de turistas ávidos por diversão atra- vés do sexo com crianças e adolescentes. Alguns já compram paco- tes nas agências de turismo ou pela Internet, os quais já vem incluso acompanhantes, que na maioria são adolescentes. É rotineira a pre- sença de jovens nos pontos de desembarque do aeroporto Augusto Severo em Natal/RN esperando por turistas estrangeiros. O desenho abaixo fornece um quadro de caracterização das modalidades de exploração sexual nas várias regiões do País e o perfil do Nordeste aponta elementos para refletir as expressões do fenômeno no Rio Grande do Norte. INTERFACE INTERFACE - Natal/RN - v.2 - n.1 - jan/jun 2005 122 Como podemos perceber, é evidente a situação de exploração sexual vivenciado no nosso Estado, particularmente na capital. Recentemente, participamos de uma operação que é realizada du- rante a alta estação, na Cidade do Natal, uma das frentes desta ope- ração materializou-se no combate à exploração sexual infanto-ju- venil. Esta operação contou com a participação de várias institui- ções que já possuem essa demanda, como por exemplo: a Casa Nova Infância, o Programa Sentinela, a Delegacia da Criança e do Adolescente, dentre outras, com a parceria do Governo Estadual e Municipal. Nesta operação, tivemos a oportunidade de vivenciar a situação que ocorre principalmente nas praias, nos pontos turísticos, nos ho- téis e pousadas na Cidade do Natal e no aeroporto, este localizado no município de Parnamirim. Constata-se, que na Capital, Natal, o turismo sexual ocorre tanto de maneira formal, através da venda de pacotes aos turistas, nos quais estão inclusos “mulheres acompanhantes”, como de maneira infor- Norte - Exploração sexual (ga- rimpos, prostíbulos, portuária, cárcere pri- vado - fazendas e garim- pos); - Prostituição em estra- das e nas ruas, leilões de virgens; - Exploração nas redes de narcotráfico (Rondônia/acre/Ama- zonas/Pará); - Aliciamento de meni- nas nas áreas rurais. Centro Oeste - Exploração sexual comercial em prostíbulos; - Exploraão sexual comercial nas fronteiras/redes de narcotráfico (Paraguai/Bolívia/Brasília,/Cuiabá/ municípios de Mato Grosso - Prostituição de meninas e meni- nos de rua; - Rede de exploração sexual (hotéis, agências de viagem, taxistas etc); Prostituição através de anúncios de jornais, falsas agências de modelos; - Tráfico de meninas para explora- ção sexual na Espanha (Goiânia). Sul - Exploração sexual de meninas e meni- nos de rua/redes de narcotráfico; - Denúncia de tráfigo de crianças; - Prostituição nas estradas; - Aliciamneto de meninas nas áreas rurais. Sudeste - Pornoturismo - Exploração sexual co- mercial em prostíbulos/ cárcere privado; - Exploração sexual de meninas e meninos de rua; - Prostituição nas estra- das; Pornografia infanto-ju- venil através de falsas agências de modelo. Nordeste - Turismo sexual; - Exploração sexual comercial em prostíbulos; - Prostituição de meninas e meninos de rua; - Prostituição nas estradas; - Aliciamneto de meninas nas áreas rurais. Fonte: www.cecria.org.br. Acesso em: 30 de Julho de 2004. A problemática da violência sexual contra crianças e adolescentes Rhadamila Valeska Pereira da Silva de Paula/Rosana Mireille Barbosa da Silva INTERFACE 123 mal através de redes, onde estão presentes vários personagens: donos de bares, funcionários de hotéis, taxistas e demais pessoas envolvidas no mercado da exploração comercial de crianças e adolescentes. Percebe-se a ocorrência de alguns fatores que influenciam as cri- anças e adolescentes para o mercado da exploração, como por exem- plo: condições sócio-econômicas da família, desemprego estrutural, políticas sociais focalistas e clientelistas e outros. Todos estes elemen- tos põem as famílias e particularmente as crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social. Portanto, para enfrentar a problemática da violência sexual con- tra crianças e adolescentes é necessária a construção de ações inte- gradas entre a família, o Estado e a sociedade, funcionando como um tripé de proteção, cada um desempenhando determinada função: a família orientando e acompanhando o desenvolvimento dos seus membros; o Estado criando ações que protejam de forma integral o desenvolvimento das crianças, adolescentes e suas famílias e, por fim, cabe à sociedade preocupar-se com a organização e acompanhamen- to das ações, denunciando o não cumprimento dos direitos legitima- dos no ECA, inclusive o direito à inviolabilidade da integridade física, moral e psíquica da criança e do adolescente, protegendo-osde toda forma de violência, principalmente o abuso e a exploração sexual. REFERÊNCIAS ABREU, M. et al. Abuso Sexual, Mitos e Realidade. Disponível em: <http:// www.abrapia.org.br>. Acesso em: 30 de Jul. 2004. BRASIL. Ministério da Justiça. Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº8069. Brasília, 1990. BRASIL. Ministério da Justiça. Código Penal Brasileiro, Lei nº2.848. Brasília, 1940. BRASIL. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto- Juvenil, Brasília, 2000. FALEIROS, V. P. (Coord.). Fundamentos e Políticas contra a Explora- ção e Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes. Brasília: DF, CECRIA/ MJ, 1997. CAMPOS, H. et al. Pesquisa de Campo: diagnóstico do abuso sexual con- tra crianças e adolescentes na Cidade do Natal/RN. In: FELIZARDO, D; ; MELO, K.; ZÜRCHER, E. De Medo e Sombra: Abuso Sexual Contra Crianças e Adolescentes. Natal: RN, A. S. Editores, 2003. NATAL. Código de Conduta do Turismo Contra Exploração Sexual Infanto-Juvenil. NATAL. 2001. INTERFACE INTERFACE - Natal/RN - v.2 - n.1 - jan/jun 2005 124 NATAL. Plano Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto- Juvenil. Natal, 2001. NATAL. Programa S. O. S. Criança. Natal, 2004. RECRIA. Cecria. Disponível em: <http://www.Cecria.org.br>. Acesso em: 30 de Jul. 2004. TRAMITAÇÃO Recebido em: 25/08/04 Aceito em: 15/12/04
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