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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS COLEGIADO DE DIREITO SER MULHER: A (IN) EFICÁCIA DA IGUALDADE DE GÊNERO NA LEGISLAÇÃO LUSO-BRASILEIRA Iraniano Souza de Araujo1 Guilhardes de Jesus Júnior 2 RESUMO Sob o enfoque do Direito Comparado e dos estudos de gênero, é possível diagnosticar os fatores normativos e estruturais que viabilizam o empoderamento feminino, a fim de reconhecer a igualdade entre homens e mulheres como um direito fundamental inviolável. Contudo não deixando de pontuar suas diferenças, pois falar em reduzir desigualdades de gênero não significa negar a diversidade e a diferença ente homens e mulheres, mas reconhecer suas necessidades específicas e nem sempre iguais. Perpassando-se pelo crivo da evolução das Constituições luso-brasileira para identificar as normas que priorizam as relações de gênero, sobretudo as que apresentam o rol de direito das mulheres, estabelecendo os mecanismos de condução à igualdade. Ressaltam-se, também, as modalidades de violência doméstica no Brasil e em Portugal, perpetrada majoritariamente por homens, como instrumento de manutenção do status quo da dominação masculina. No cenário da desigualdade, embora já tenham alcançado merecidas conquistas, as mulheres, ainda, lutam para serem reconhecidas e amparadas, não apenas, como titular de direitos, mas por igualdade no exercício do Direito. É neste viés que surgem as necessidades de provocar o Estado para que garanta a eficácia na aplicabilidade das Leis, de modo que possa desconstruir o sistema de opressão historicamente legitimado para empoderar as mulheres, garantindo o Princípio da Isonomia, com o objetivo singular de fomentar o equilíbrio nas relações de gênero ao patentear a igualdade. PALAVRAS CHAVES: Constituição. Violência Doméstica. Equidade de Gênero. Direitos da Mulher. 1Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC. Diretor da União dos Estudantes da Bahia – UEB. Estagiário no TJBA (73) 8133-4849; iran.direito@hotmail.com. 2Orientador. Doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da UESC. ABSTRACT From the standpoint of comparative law and gender studies, it is possible to diagnose the normative and structural factors that enable women's empowerment in order to recognize equality between men and women as a fundamental right inviolable. Yet not failing to score their differences, because speaking in reducing gender inequalities is not to deny the diversity and being male and female difference, but recognize their specific needs and not always equal. Traversing up the scrutiny of the evolution of Luso-Brazilian Constitutions to identify the rules that prioritize gender relations, especially those with the list of women's rights, establishing driving mechanisms to equality. Highlight is also the modes of domestic violence in Brazil and Portugal, perpetrated mostly by men, such as maintenance of instrument status quo of male domination. In the scenario of inequality, although they have achieved well-deserved achievements, women still struggle to be recognized and supported, not only as the holder of rights, but equality in the exercise of law. It is this bias that needs arise to cause the state to ensure the effectiveness of the applicability of laws, so that it can deconstruct the system of oppression historically legitimized to empower women, ensuring the principle of equality, with the singular objective of promoting balance in gender relations to the patent equality. KEY WORD: Constitution. Domestic Violence. Gender Equity. Women's Rights. 1. Introdução A igualdade de tratamento de mulheres e homens é um direito humano fundamental inviolável. Os fundamentos desta afirmação podem ser extraídos, notadamente, no inciso I do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, outrossim, no artigo 13º, 1, da Constituição da República Portuguesa os quais estabelecem que homens e mulheres são iguais. Destarte, de acordo com Krieger (2010), o que se constituir em oposição a isto estará fundado em preceitos discriminatórios devendo ser combatido, anulado e desconstituído em razão da aplicação ampla do princípio da isonomia. Piovesan (2009) conceitua discriminação como toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. As desigualdades atuais entre homens e mulheres são resquícios de um patriarcado não mais existente ou em seus últimos estertores (SAFFIOTI, 2004). No entanto, ainda, são difundidas dissimuladamente em meio à sociedade reforçando a ideia da supremacia masculina em face da fragilidade feminina. Para tanto, utilizam-se dos arcaicos mecanismos de poder (até mesmo da violência), reproduzindo o sistema de exclusão reservado às mulheres, ao garantir a manutenção da inviolabilidade dos espaços, antes considerados, exclusivos dos homens. Seguindo este viés, Chiavassa (2004) afirma que a desigualdade de gênero nasceu das diferenças socialmente construídas entre homens e mulheres, baseadas originalmente em aspectos biológicos – por obvio, mulheres e homens têm corpos e sexualidades distintos – e, justificada, ainda na pré-história, pela divisão social do trabalho, a qual determinou os ambientes laborais do homem e da mulher, deixando para esta a exclusividade dos a fazeres domésticos e cuidados da família (marido e filhos). Antagonicamente o homem exercia o papel de provedor do lar ao desenvolver os trabalhos externos de forma remunerada. Assim, o trabalho doméstico virou emblema de tarefa feminina e passou a ser considerado uma atividade inferior e menos valorizado do que o trabalho masculino. Esta prática ideológica foi perpetuada ao longo do tempo pela família e pela escola, de modo que facilitou a brusca chegada e permanência do homem ao poder, além de lhes conceder mais recursos e mais influência que as mulheres (CHIAVASSA, 2004). Ressalta-se que, é no âmbito doméstico que se destacam as maiores taxas de violência contra a mulher, sendo hoje em dia incontestável que a violência doméstica é, entre outros, um problema de direito, cabe analisar as emergências no seu tratamento legal. Neste cenário, aduz Moncal (2012), se faz necessário, estimular o empoderamento para que homens e mulheres alcancem efetivamente a igualdade de gênero, de modo que elas assumam o controle de suas vidas, haja vista ainda nos dias de hoje, as mulheres lutam objetivando conquistar espaços dignos e mais equânimes na sociedade, sendo desafiadas diariamente a combater a inércia das Instituições que deveriam garantir a efetivação e aplicabilidade dos seus direitos já conquistados e positivados no ordenamento jurídico luso- brasileiro. Ademais, é indispensável à concretização da igualdade de direitos e de oportunidades entre ambos os sexos nos âmbitos: de trabalho; político; sociocultural; escolar; doméstico e familiar. Considerando as declarações acima expostas, tem-se por hipótese que a eficaz promoção da igualdade de gênero nos Estados-nação, Brasil e Portugal, ocorrerá à medida que os poderes públicos instituam com compromisso mecanismos que proporcionem ampla proteção às mulheres e dê aplicabilidade objetivando sanar suas lacunas/ineficácia, tendo por prioridade a execução de medidas que viabilizem a equidade.Sendo assim, perpassando pelo processo de desenvolvimento do ser mulher em uma sociedade alicerçada em preceitos machistas, compete ao presente trabalho analisar as relações de gênero, utilizando-se do direito comparado, tendo por parâmetro os principais textos (artigos), constitucionais e legislações infraconstitucionais brasileiros e portugueses que versam sobre a igualdade entre mulheres e homens, promovendo a proteção da mulher, a saber: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; Constituição da República Portuguesa de 1976; Lei Maria da Penha- Lei 11.340/2006; Lei de Violência doméstica portuguesa- Lei112/2009 e etc. Com fulcro nos elementos supracitados, tem-se por objetivos específicos: a) analisar o processo de evolução do direito à igualdade nas Constituições de Brasil e Portugal; b) verificar se o fato do Direito à igualdade de gênero estar positivado (escrito), na constituição e legislação infraconstitucional garante sua eficácia; c) evidenciar por meio da divulgação de dados extraídos a partir de análises bibliográficas, quais são os mecanismos utilizados por Brasil e Portugal no combate a violência doméstica, em suas diversas modalidades. O marco teórico deste trabalho foi constituído por meio de leituras de obras sobre o tema em análise. Em síntese as mais utilizadas foram: Canotilho (2009), apresentando seu pensamento em relação a Teoria da Constituição Dirigente ; Chiavassa (2004), falando sobre a origem da desigualdade de gênero; Kelsen (1979), apresenta em sua obra a Teoria Pura do Direito, a Constituição como norma fundante e soberana de um Estado. Piovesan (2009) trabalha a discriminação sob a lente da questão dos Direitos Humanos da Mulher; e o Mapa da violência 2015, este expõe dados referentes as taxa de homicídio de mulheres no Brasil durante o período de 1980 a 2013. De modo geral, este feito define-se com fulcro na afirmação de Simone de Beauvoir (1980, p.71), quando afirma que: “O homem é definido como ser humano e a mulher é definida como fêmea. Quando ela comporta-se como um ser humano ela é acusada de imitar o macho". Neste contexto, de nada vale a Constituição e todos os Tratados e Convenções de Direitos Humanos, se o Estado não tiver por prioridade a promoção da equidade de Gênero. Por tanto, é preciso desconstruir o sistema de opressão historicamente legitimado para empoderar as mulheres, com o objetivo singular de fomentar o equilíbrio nas relações de gênero, garantindo lhes a igualdade de fato e autonomia no exercício de suas vontades. 2. Constituição: Instrumento Instituidor de Direitos Todo Estado, mesmo os não democráticos, possui uma Constituição, que estabelece o seu modo de ser, de se organizar e funcionar. Também são denominadas por outros termos, como Carta Magna, Lei Maior e tantas outras definições. Em relação às definições que apresentam à Constituição, destacam-se as concepções: sociológica, política e jurídica da seguinte forma: a) Em sentido sociológico, Lassalle (2002), apresenta a Constituição como a Lei suprema de um país, pois é essencialmente a soma dos fatores reais de poder que o governam, a saber, o poder: político; religioso; econômico e o militar e, não o texto escrito da Constituição, pelo fato de estar escrito. b) Em sentido político, para Schmitt (2003), a Constituição é uma decisão política fundamental, uma decisão concreta de conjunto sobre o modo e a forma de existência da unidade política. c) Já em sentido jurídico, Kelsen (1979), advoga que a Constituição é a norma jurídica escrita suprema, o dever ser de um Estado, ao mesmo tempo fundamento lógico superior de toda a ordem jurídica, parâmetro de validade das demais leis e regedora da estrutura básica fundamental do Estado. Diante desse universo de significações, não nos compete definir qual a concepção correta, contudo consideramos importante expor o que pensamento de alguns doutrinadores sobre estas afirmações. José Afonso da Silva nos ensina que: "essas concepções pecam pela unilateralidade", e busca criar uma concepção estrutural da constituição considerando: "no seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em sua conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico. Trata-se de um complexo, não de partes que se adicionam ou se somam, mas de elementos membros e membros que se enlaçam num todo unitário" (Silva, 2005, p. 41). Já para o constitucionalista português, Gomes Canotilho, antes de se discutir o conceito de constituição, faz-se necessário discutir as teorias da constituição e as teorias da democracia. Com fulcro nestas teorias ele define a constituição a partir de um conceito cultural e afirma que ela deve: “(i) consagrar um sistema de garantia da liberdade (esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento dos direitos individuais e da participação do cidadão nos atos do poder legislativo através dos Parlamentos); (ii) a constituição contém o princípio da divisão de poderes, no sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais; (iii) a constituição deve ser escrita.” (CANOTILHO, 2009, p. 62- 63). Ressalta-se que o mestre Coimbrano, Canotilho (2009), em sua Teoria da Constituição Dirigente, apresenta a constituição seguindo o viés kelseniano, tomando mão do direito positivado, definido a Constituição como um instrumento de organização do poder político, concebida como um documento escrito e rígido, manifestando-se como uma norma suprema e fundamental, por ser hierarquicamente superior a todas as outras, das quais constitui o fundamento de validade que só pode ser alterado por procedimentos especiais e solenes previstos em seu próprio texto. È sabido que a Constituição Brasileira de 1988 teve por pedra angular a Constituição Portuguesa de 1976. Cabe ressaltar que, o texto normativo além de beber das fontes constitucionais portuguesas, também, utilizou da fonte doutrinária lusa na construção das bases teóricas da nossa Carta Magna. Neste contexto, dois doutrinadores portugueses destacaram-se, dentre os muitos que contribuíram com o papel norteador constituinte, quais sejam: Jorge Miranda e Gomes Canotilho. Este último adquiriu maior notoriedade, haja vista sua Teoria da Constituição Dirigente foi amplamente adotada na Carta de 1988, produzindo, assim, um ideal transformador na realidade brasileira, em razão da Carta escrita trazer em seu bojo um conjunto de direitos fundamentais e seu respectivo modo de garantia (MENDES, 2008). 3. Os Fundamentos da Igualdade e sua Evolução na Constituição Brasileira O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes dos direitos fundamentais, pois condensa conteúdos importantes, que em síntese podem ser expostos da seguinte forma: igualdade na aplicação do direito e igualdade quanto a criação do direito. Nesse sentido, a fórmula “todos os cidadãos são iguais perante a lei”, conforme aduzem as Constituições, Brasileira de 1988 (Art. 5º, I) e a Portuguesa de 1974 (Art. 13, 1), significa, essencialmente, a “exigência de igualdade na aplicação do direito” (CANOTILHO, 2009, p. 399). Sob a égide do princípio da igualdade consagraram-se duas expressões no direito: igualdade na lei e igualdade perante a lei. A igualdade perante a lei não está fundada apenas na aplicação da lei de forma isonômica, mas significa que a própria lei deve tratar igualmente todos os cidadãos. Desta forma, o princípio da igualdade “dirige-se ao legislador, vinculando-o à criação de um direito igual para todos os cidadãos” (CANOTILHO, 2009, 399). E de acordo com Marmelstein (2008), a igualdade na lei é dirigida ao legislador, que, “ao editarnormas abstratas, deve tratar todos com isonomia”. Por outro lado, a igualdade perante a lei incide no momento de concretização, “de modo que os operadores do direito, na aplicação da lei, não adotem comportamentos preconceituosos”. Sob o prisma deste mesmo entendimento, adverte-nos o Ministro Celso de Mello, em uma das decisões do STF, cristalizando o entendimento jurisprudencial brasileiro concernente ao princípio da isonomia: O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade puramente abstrata - constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade (MI 58, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 19/04/91). No Brasil, não há como se falar em Igualdade, sobretudo igualdade de gênero, sem que seja evocada a Constituição de 1988, pois diferentemente das Constituições que lhe antecederam, as quais silenciaram ou não mencionaram expressamente (com rara exceção), os “direitos entre os sexos”, o legislador Constituinte atendendo aos anseios da sociedade, alicerçado nas lutas travadas contra a discriminação, garantiu em seu artigo 5º, inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (Gunther e Gunther, 2010, p. 09). Depreende-se desse inciso que não só a igualdade formal foi garantida, mas também a igualdade de direitos e obrigações, de modo que nenhuma pessoa pode sofrer qualquer “cerceamento em suas prerrogativas e nos seus deveres, sob pena de infringir-se a manifestação constituinte originária” (BULOS, 2008 p. 123). Sendo assim, mulheres e homens, que encontrar-se em situação idêntica, não poderão, em nenhuma hipótese, “sofrer qualquer cerceamento em suas prerrogativas e nos seus deveres, sob pena de infringir-se a manifestação constituinte originária” (BULOS, 2008 p. 123). Historicamente as Constituições Brasileiras não deram evidencia ao tema. A Constituição Imperial de 1824, nada fala sobre a igualdade entre os sexos e o trabalho da mulher. De igual modo, a Constituição de 1891 não pronunciou expressamente a igualdade entre homens e mulheres. Por sua vez, a Constituição de 1934 registrou em seu texto o princípio da igualdade nas relações intersexuais, afirmando não haver privilégios, nem distinções, por motivo de sexo, garantindo a mulher o direito ao voto. No entanto, a Constituição de 1937, conquanto mantivesse o princípio da igualdade, não apresentou avanços, nem se manifestou em relação ao critério do sexo. Outrossim, a Constituição de 1946 manteve nos mesmo termos a redação do princípio da igualdade, mas inicia-se aqui a previsão legal de prisão civil por inadimplemento de verbas alimentares. (GOSDAL, 2008). Curiosamente, em 1967, a pesar de a Constituição ter sido editada em ambiente distinto dos demais, em pleno período ditatorial, foi abordada de forma expressa a questão do sexo, ao enunciar o princípio da isonomia, “afastando formalmente a possibilidade das pessoas serem discriminadas em virtude do sexo”. De igual modo, versou sobre o assunto a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 (GOSDAL, 2008, p. 146). Por fim, encontramos no caput do artigo 5º e inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a norma positivada de garantia ao princípio da isonomia, nos seguintes termos (BRASIL, 1988): “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” “I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição [...]”. Ressalta-se que, além da igualdade formal expressa no artigo 5º, a Constituição Cidadã/1988, trouxe em seu bojo outros dispositivos objetivando igualar homens e mulheres de forma expressa, garantindo-lhes, assim, direitos cíveis, políticos e “sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (art. 6º, CF/88) dentre outros, a saber: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; Art. 189 – Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei. Art. 201, V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 5º e no art. 202. Art. 226, § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Sobre estes direitos conquistados pelas mulheres com a sanção da Costituição de 1988, entendemos por meio de dados do Correio Brasiliense de 1988, apud Ettinger (2013, p. 51), que: O referencial histórico para a garantia desses direitos foi fruto de um movimento feminista paralelo à constituinte de 1988 conhecido como “lobby do batom”. Esse movimento tinha como pauta reivindicatória: a garantia de licença maternidade de 120 dias, a licença paternidade de 08 dias, a igualdade de salários entre homens e mulheres, creche nas empresas, educação gratuita em creche e pré-escola, para crianças de 0 a 06 anos, a expressão do princípio de igualdade de direitos e de deveres entre o homem e a mulher, a igualdade na sociedade conjugal, o direito das presidiárias de amamentar seus filhos, o reconhecimento da união estável como entidade familiar, o direito de posse da terra ao homem e à mulher, os direitos trabalhistas e previdenciários à empregada doméstica e a garantia de mecanismos que coibisse a violência doméstica. Das reivindicações solicitadas, cerca de 80% foram aprovadas, levando a novos arranjos nas relações de gênero no Brasil. Destarte, com a Constituição de 1988 o direito à igualdade se fortaleceu, em especial, a igualdade entre homens e mulheres. Ademais, a forma como o princípio da isonomia foi apresentado pela atual Constituinte, instituindo a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres pode ser considerada uma das maiores conquistas feminina dos últimos tempos, pois proporcionou que elas alcançassem a almejada autonomia para exercerem sua manifestação de vontade nas tomadas de decisões. 4. O Princípio da Igualdade na Legislação Portuguesa Em Portugal os primeiros anseios das mulheres pelo exercício de direitos estrearam em 1557 (através das mãos de homens), a partir de obras literárias como, por exemplo, a obra de Rui Gonçalves – PublicaçãoDos privilégios e prerrogativas que o gênero feminino tem por direito comum e ordenações do Reino mais do que o gênero masculino. Considerado o primeiro livro “feminista” português, no sentido de nele se assumir a defesa dos direitos das mulheres. Contudo, da mesma forma que o Brasil, o Estado Português silenciou-se ou não se manifestou expressamente através de suas Constituições sobre a igualdade entre os gêneros ou minimamente atribuir direito às mulheres, durante séculos de sua história. Conforme dados obtidos da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género – Presidência do Conselho de Ministros, não há declaração expressa de igualdade de direitos entre os sexos na Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822, primeira lei fundamental portuguesa. De igual modo, não há esse tipo de registro na Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa de 1826, nem tão pouco na Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1838 (CIG, 2013). Apenas em 1910 com a Proclamação da República que surge novas leis para reger o casamento e a filiação baseando o casamento na “igualdade”. Por meio desta lei: a mulher deixa (teoricamente), de dever obediência ao marido; o crime de adultério passa a ter o mesmo tratamento quando cometido por mulheres ou homens; e no mesmo período, o Decreto de 3 de novembro de 1910 estabelece a Lei do Divórcio. O divórcio é admitido pela primeira vez em Portugal e é dado ao marido e à mulher o mesmo tratamento, tanto em relação aos motivos de divórcio, como aos direitos sobre os filhos (CIG, 2013, p.29). Após esta aparente conquista, os direitos das mulheres foram aparecendo lentamente na legislação portuguesa. Em 1911 com a promulgação da Constituição Republicana as mulheres adquirem o direito de trabalhar na Função Pública. A partir daí surgem outras conquistas por meio das legislações infraconstitucionais, a saber: Em 1914 houve a Criação do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e em 1918, pelo Decreto n.º 4 676, de 17 de julho, foi autorizado o exercício da advocacia às mulheres; em 1926 com Instauração do Estado Novo (autoritário), as mulheres passam a poder lecionar em liceus masculinos. (CIG, 2013, p.30). Em 1931, Ocorre o expresso reconhecimento do direito de voto às mulheres diplomadas com cursos superiores ou secundários (Decreto com força de lei n.º 19 694, de 5 de maio de 1931) . Mas, aos homens continua a exigir-se apenas que saibam ler e escrever. O que deveria ser observado como uma grande vitória nos faz perceber nitidamente a instituição da desigualdade entre os sexos pelo Estado, devido às exacerbadas condições restritivas impostas às mulheres. Por seu turno, surge uma suposta igualdade formal entre os cidadãos, com a Nova Constituição Política do Estado Novo de 1933, deixando as mulheres exclusas deste processo, ao estabelecer a igualdade dos cidadãos perante a lei, “salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família” (CIG, 2013, p.31). Por mais uma vez a legislação portuguesa apresenta uma falsa igualdade entre os gêneros por meio da Lei n.º 2 137, de 26 de dezembro de 1968, que proclama a igualdade de direitos políticos do homem e da mulher, seja qual for o seu estado civil. Contudo, em relação às eleições locais, permanecem, as desigualdades, sendo apenas eleitores das Juntas de Freguesia os chefes de família. O princípio da igualdade só é apresentado plenamente como um Princípio Fundamental de Direito na Constituição da República Portuguesa de 1976. Com a entrada em vigor da nova Constituição fica expressamente estabelecida a igualdade entre homens e mulheres em todos os aspectos da vida social, conforme dispõe o artigo 13.º, 1, CRP, “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Ressalta-se que, neste aspecto, também, de forma semelhante ao Brasil, além da igualdade formal anunciada no artigo 13º, a Constituição de 1976, trouxe em seu bojo outros dispositivos objetivando igualar homens e mulheres. Em seu artigo 9.º, “h”, por exemplo, dispõe que é uma das tarefas do estado “promover a igualdade entre homens e mulheres” e em sua alinha “d”, além da promoção da igualdade o Estado se compromete com a efetivação dos direitos sociais, econômicos, dentre outros, informando ser tarefas fundamentais do Estado: [...], promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas econômicas e sociais” (CRP/1976, art. 9º, d,). A Constituição Portuguesa em vigência, também estabeleceu expressamente os direitos de igualdade entre os gêneros em relação à família, casamento e filiação, à capacidade civil e política (art.36), bem como ao direito ao trabalho. Expondo, assim, em seu bojo um real interesse em igualar homens e mulheres perante a lei, atribuindo a estes os mesmos direitos, revogando, consequentemente, as restrições impostas às portuguesas. 5. Mecanismos de Combate à Violência Doméstica Por todo o mundo a violência doméstica tem assumido proporções bastante elevadas e, embora seja uma prática milenar reiterada pelas mais diversas comunidades, só sobreveio sua denúncia a partir de 1970-1980 por meio dos movimentos feministas. Genericamente, considera-se violência doméstica qualquer ato, conduta ou omissão que sirva para infligir, reiteradamente ou não, sofrimentos físicos, sexuais, mentais ou econômicos/patrimoniais, de modo direto ou indireto a qualquer pessoa que habite no mesmo âmbito doméstico (crianças, jovens, mulheres, homens ou idosos) ou que, não habitando no mesmo conjunto doméstico privado que o agente da violência, seja cônjuge ou companheiro marital ou ex-cônjuge ou ex-companheiro (MACHADO E GONÇALVES, 2003). Infelizmente, a violência doméstica faz parte da experiência de muitos lares, furtando sua finalidade, pois a casa que deveria ser o espaço de refúgio para as famílias, torna- se um ambiente de extrema insegurança para as mulheres (ALVES, 2005). De acordo com dados do IBGE, 48% das mulheres agredidas declaram que a violência aconteceu em sua própria residência; no caso dos homens, apenas 14% foram agredidos no interior de suas casas, provando que as mulheres são as principais vítimas de violência doméstica (PNAD/IBGE, 2009). Segundo Cabral (2008), a Declaração da Eliminação da Violência contra a Mulher, de 1993, da Organização das Nações Unidas (ONU) entendeu que a violência contra a mulher é: qualquer ato de violência de gênero que resulte, ou tenha probabilidade de resultar, em prejuízo físico, sexual ou psicológico, ou ainda sofrimento para as mulheres, incluindo também a ameaça de praticar tais atos, a coerção e a privação da liberdade, ocorrendo tanto em público como na vida privada. Neste diapasão é pertinente diferenciar violência de gênero e violência doméstica, porque apesar de serem termos relacionados à violência contra a mulher, elas se inserem em âmbitos diferentes nas relações sociais. Enquanto a violência doméstica é empregada em face de indivíduos que compartilham o mesmo domicílio (na legislação portuguesa) e tem por espaço privilegiado o âmbito familiar ou em qualquer relação íntima de afeto, independente de coabitação (legislação brasileira), a violência de gênero tem caráter mais genérico, referindo-se a qualquer ato que agrida a mulher ou lhe provoque algum sofrimento de qualquer ordem, e pode se configurar em qualquer ambiente, conforme aduz Almeida (2012). Objetivando combater a violência contra a mulher, dentre outros países, Brasil e Portugal constituíram legislações específicasque criminalizam a violência doméstica e demonstra suas características, as formas de manifestações e os meios de enfrentamento (prevenção e punição), tendo por diretrizes alguns diplomas do Direito Internacional, incorporando, assim, muitos Direitos Humanos da Mulher em seus ordenamentos jurídicos, tais como: Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948; Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada (1957); Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (1967); Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994) etc. (BERNARDI, 2014). Segundo Flavia Piovesan (2009), essa é uma das maiores conquistas do movimento de mulheres no campo dos Direitos Humanos nos últimos anos, tendo em vista que criam os principais mecanismos para coibir e prevenir a violência contra a mulher, além de regular a discrepância que há entre homens e mulheres e, simultaneamente, efetivar o princípio da igualdade. 5.1 Brasileiras e a Lei Maria da Penha No Brasil, o principal mecanismo de proteção à mulher se deu com a promulgação da Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, a qual ingressou tardiamente no ordenamento jurídico pátrio e, somente após o Estado brasileiro sofrer pressão internacional, promovida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ser condenado por sua Corte, em virtude dos esforços de Maria da Penha (brasileira, vítima de dupla tentativa de homicídio perpetrada por seu marido). Nesse cenário, a Lei Maria da Penha surgiu com a finalidade de “nivelar a relação entre ambos os sexos, atribuindo certas prerrogativas as mulheres a fim de equacionar desigualdades existentes tanto no lar como no seio social” (CALASANS JÚNIOR, 2009). O artigo 5º d a Lei Maria da Penha, define a violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, ocorridas no âmbito da unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto, independente de orientação sexual e de coabitação. Este tipo de violência manifesta-se através de abusos materiais (físicos, sexuais ou patrimoniais) ou imateriais (psicológicos ou morais) praticados pelos homens como forma de tentar exercer ou reaver o poder perdido sobre a mulher. Neste sentido, a lei 11.340/2006, em seu art. 7º, disserta a respeito dessas manifestações da violência doméstica e familiar contra a mulher, conceituando e dividindo-as em cinco formas, a saber: física; psicológica; sexual; patrimonial e moral. A violência física é conceituada normativamente como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher, tendo como correlatos fatos como a lesão corporal, as vias de fato, os maus tratos/negligências e o homicídio tentado. Observa-se com frequência que a violência física, por sua peculiaridade, acaba sendo mais das vezes a modalidade que mais é percebida como violência. Já a violência psicológica é observada quando há conduta que tenha como consequência dano emocional, diminuição da autoestima, prejuízo à saúde psicológica e a autodeterminação, ou que vise controlar as ações da ofendida, ou que ainda prejudique ou perturbe o pleno desenvolvimento desta. Quanto à violência sexual, a lei referente à violência domestica e familiar contra a mulher conceitua-a como “qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada”, ou mesmo que a leve a comercializar sua sexualidade ou a utilizá-la de qualquer outro modo, ou ainda que a proíba de utilizar-se de métodos contraceptivos, ou mesmo que a force a contrair matrimônio, a engravidar, a abortar ou prostituir-se, mediante a coação, a chantagem, o suborno ou manipulação, sendo consideradas também como violência sexual as atitudes que limitem ou anulem o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da ofendida. No que concerne a violência patrimonial é definida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades da mulher. A violência moral é conceituada na referida Lei como “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”. Entende-se que esse tipo de violência se qualifica quando há envolvimento de agressão verbal, como xingamentos, podendo ser caracterizado pela calúnia, quando há falsa imputação da prática de ato definido como crime; ou ainda a difamação, quando há propagação de ofensa à reputação; ou mesmo a injúria, quando ofender a dignidade da pessoa. Nota-se, assim, que são diversas as formas de violência doméstica contra as brasileiras, cada qual com suas peculiaridades e, efetivamente, não há uma percepção geral do que seja atos de violência doméstica contra a mulher, o que dificulta a efetividade do combate a todas suas formas. Haja vista, algumas mulheres quando vitimadas poderão enfrentá-la como uma verdadeira violência, enquanto outras a enxergará como um fenômeno normal e, não como a ruptura de integridades: física; psíquica; sexual; moral. Fator que ainda precisa ser trabalhado, para que todas sejam capazes de identificar os atos de violência que estão sendo ou podem ser aplicados contra elas, além de se conscientizarem dos métodos adequados a combatê-los, bem como, quais são os direitos que lhes assistem diante do infortúnio. Neste contexto, a professora Saffioti (2004, p. 125), nos ensina que quando a modalidade de violência mantém limites tênues com a chamada normalidade, é preferível usar o conceito de direitos humanos, por que: [...] Ainda que seja recente sua defesa, mormente para mulheres, já se consolidou um pequeno corpo de direitos universais, ou seja, internacionalmente aceitos, em nome dos quais as mulheres podem ser defendidas das agressões machistas. Evidentemente este corpo de Direitos Humanos é ainda insatisfatório, desejando-se seu crescimento [...] Partindo desse pressuposto compreendemos que mesmo existindo um regramento jurídico vigente que verse sobre a questão em análise, será insuficiente se todas as mulheres, indistintamente, não obter conhecimento da existência e funcionalidade desta lei (o que pode se efetivar por meio de campanhas que lhe dê visibilidade). Outrossim, torna-se incontestavelmente inútil se o poder público (executivo e judiciário), não garantir sua efetividade. Nos termos do artigo 3º, § 1o , da Lei 11.340/2006, cabe ao poder público “desenvolver políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Além disso, algumas brasileiras apanham, são estupradas e, não raramente, mortas, por causa do medo de denunciar seus agressores. Muitas das vitimas convive por muito tempo com as agressões e mesmo assim não tem coragem de denunciá-los, conforme afirma pesquisa do DataSenado (2009): O principal obstáculo na luta contra a violência doméstica é o “medo do agressor”, na percepção de 78% das entrevistadas em pergunta de múltipla escolha. O dado é revelador porque o medo se sobressai expressivamente em relação às demais razões. As outras opções – “vergonha”, “não garantir o próprio sustento” e “punição branda” – atingiram percentuais abaixo de 10%. Outros motivos foram citados por 16% das mulheres. A análise desses dados demonstra que na luta contra a violência doméstica e familiar épreciso, além da conscientização, ultrapassar a fronteira do medo, para que seja abolida a impunidade, embora sejam inúmeros os motivos que levam a vitima a se manter calada, bem como, muitos outros que impedem a efetividade da punição. Denota-se que os agressores mantem-se impunes por muitos anos devido a essa dificuldade de acesso aos casos fazendo com que o numero de vitimas de assassinatos cresça todo ano, conforme verifica-se no próximo tópico (PACHECO, 2015). Inegavelmente há outros fatores preponderantes que cooperam com a ineficácia da Lei 11.340/2006. Estes se manifestam na forma como ela é aplicada, bem como na ausência de Instituições Públicas competentes compromissadas com a promoção da igualdade por meio de soluções dos conflitos familiares-intergêneros. Essa afirmação encontra guarida nas declarações de Maria Berenice Dias (2010) quando expõe, por exemplo, a insuficiência do número de Delegacias Especializadas para dirimir esse tipo de conflito. Ela denuncia a falta de profissionais capacitados no atendimento às vítimas, destacando por fim, a necessidade de atores judiciais, policiais, sociais e políticos engajados no combate à violência doméstica, de modo que apliquem a lei em toda sua plenitude, tratando a violência doméstica como um crime grave e potencialmente letal. 5.2 Estatísticas da Violência Contra a Mulher no Brasil No Brasil, após quase dez anos desde que a Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006 foi sancionada, visando incrementar e destacar o rigor das punições para o crime de violência doméstica e familiar contra a mulher, não é perceptível grandes avanços em relação a sua aplicabilidade. A partir do Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil, tendo por fonte básica o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) da Secretaria e Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, observa-se que o Brasil ocupa uma posição desprivilegiada no ranking internacional em relação ao índice de homicídios de mulheres, mostrando-se um dos piores ambientes do mundo para a mulher. Esse Mapa demonstra que o Brasil, num grupo de 83 países, com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, ocupa a 5ª posição no ranking mundial, apresentando taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, 8 vezes mais homicídios feminino do que em Portugal (taxa de 0,6) ocupando a 50º posição e, 48 vezes mais que o Reino Unido, na 75ª posição com uma taxa de 0,1. Evidencia-se que os índices locais excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo, efetivamente, só El Salvador, Colômbia, Guatemala e a Federação Russa confirmam taxas superiores às suas (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015, p. 27). Contudo, causa-nos espanto ao verificar que na pesquisa anterior apresentada pelo Mapa da Violência de 2012, o Brasil ocupava a 7º posição no ranking mundial e em apenas 3 anos caiu vergonhosamente para a 5ª colocação, revelando-se um dos países que mais perpetra crime em face de suas mulheres. Ressalta-se que a última investigação, coincidentemente, ocorreu no mesmo ano em que estava sendo promulgada a Lei 13.104/2015 de março de 2015, Lei do feminicídio no país, com o objetivo de revigorar o sistema de proteção às mulheres, qualificando o homicídio que ocorre quando uma mulher vem a ser vítima simplesmente por razões de sua condição de sexo feminino, como crime hediondo (MELLO, 2015). A análise gráfica dos homicídios femininos foi realizada tendo por baliza os anos 1980 a 2013. Destarte, de acordo com os registros do SIM, entre 1980 e 2013, num ritmo crescente ao longo do tempo, tanto em número quanto em taxas, morreu um total de 106.093 mulheres, vítimas de homicídio. Efetivamente, o número de vítimas passou de 1.353 mulheres em 1980, para 4.762 em 2013, um aumento de 252%. A taxa, que em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, passa para 4,8 em 2013, um aumento de 111,1%. (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015, p. 11). Ainda, conforme o Mapa da Violência 2015, no período anterior à Lei Maria da Penha o crescimento do número de homicídios de mulheres foi de 7,6% ao ano; quando ponderado segundo a população feminina, o crescimento das taxas no mesmo período foi de 2,5% ao ano. Já no período 2006/2013, com a vigência da Lei, o crescimento do número desses homicídios cai para 2,6% ao ano e o crescimento das taxas cai para 1,7% ao ano. Nesse mesmo sentido, a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada objetivando avaliar a efetividade da Lei Maria da Penha, apontou que a Lei nº 11.340/2006, contribuiu para a diminuição em cerca de 10% da taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas, o que “implica dizer que a Lei Maria da Penha foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país”. (Ipea, março/2015). A contrario sensu, através do gráfico registrado pelo Mapa da Violência 2015, aferi-se que somente em 2007, ano subsequente à promulgação da Lei Maria da Penha, houve uma considerável queda no índice de homicídio de mulheres no Brasil, retomando seu crescimento desenfreado a partir de 2008, atingindo em 2013 o maior índice de sua história. Segundo o DataSenado (2009), as brasileiras continuam sendo mortas diariamente, porque o poder público não põe em prática todos os mecanismos de proteção e punição previstos na Lei Maria da Penha, haja vista, a pura e simples existência da Lei é incapaz de obstar o emprego da violência contra a mulher. Assim, faz-se necessária a atuação efetiva do conjunto de Instituições que compõem o Estado, a fim de garantir a aplicabilidade dos dispositivos legais, sanando a insegurança que cerca a mulher, por conseguinte o descrédito dos Órgãos aplicadores do direito. 5.3. “A cor da Violência” Neste contexto, faz-se necessário, apresentar um recorte das taxas de homicídio em decorrência da cor da vítima, pois a vitimização da população negra se repete, também aqui, no caso dos homicídios de mulheres. Dados do Mapa da Violência 2015, comprovam que o número de homicídios de mulheres brancas cai de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013. Representando, assim, queda de 9,8% no total de homicídios do período. Diferentemente, o homicídios de mulheres negras aumentam 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas. Este processo observa-se de forma idêntica a partir da vigência da Lei Maria da Penha: o número de vítimas cai 2,1% entre as mulheres brancas e aumenta 35,0% entre as negras. De igual modo caíram as taxas de homicídio de mulheres brancas 11,9%: de 3,6 por 100 mil brancas, em 2003, para 3,2 em 2013. Em contrapartida, as taxas das mulheres negras cresceram 19,5%, passando, nesse mesmo período, de 4,5 para 5,4 por 100 mil. Historicamente no Brasil as mulheres negras (e pardas), são mais vulneráveis a violência do que as demais. Diversos estudos têm vindo a demonstrar que as mulheres negras sofrem violência por parte dos seus companheiros por serem mulheres e por parte do sistema por serem negras (ALLARD, p. 1991). Em Portugal este cenário de discriminação não é diferente. Apesar de alguns avanços, muitas mulheres são marcadas por uma significativa discriminação, com base no gênero, mas também na origem e na etnia, inclusive pelo sistema de justiça e dentre estas se destacam as negras e as brasileiras. Em relação às mulheres negras, segundo Sokoloff e Dupont, apud Duarte (2012), a disseminação de estereótipos racistas contribui para uma ideia de que a mulher negra é agressiva e violenta, não vai ao encontro da concepção da mulher vítima de violência: passiva, fraca, submissa, emotiva, gentil, atemorizada, branca e de classe média, tem impedido estas mulheres de receberum tratamento igualitário e atencioso por parte do sistema judicial, em particular magistrados (as), agentes policiais e funcionários (as) dos tribunais. De igual modo, as mulheres brasileiras, quando se encontram em situação de violência sofrem em solo lusitano situações de dupla vitimização: por parte do agressor e por parte das instituições. No entanto, por motivos diferentes, por estarem veiculadas a uma das nacionalidades predominantes no “mercado do sexo”, passando por um processo de exclusão. Daqui resultam dois riscos. Desde logo, o facto de a prostituição das mulheres brasileiras ser, esmagadoramente, percebida como uma opção “laboral migratória” pode levar a que passem despercebida situações de exploração. (Santos et al., 2010). Entendemos assim, que as desigualdades de gênero em diferentes campos e em várias escalas permanecem imperando nas mais diversas sociedades, não obstante mudanças políticas e legislativas que almejam a igualdade (Silva, 2008). 5.4. Portugal e a Criminalização da Violência Doméstica Em Portugal a violência familiar é criminalizada desde 1982, com a introdução do crime de “maus tratos” no Código Penal, promovendo uma grande conquista para as mulheres, haja vista durante milênios esse tipo de violência era tolerado em virtude de estar ausente da tutela do Direito e do Estado. “O Direito só reconhecia legitimidade ao Estado para intervir na vida familiar quando estavam em causa os direitos patrimoniais inerentes às relações familiares” (DUARTE, 2011, p.02) Contudo, somente em 2007 foi incorporado nesta norma a designação penal de “violência doméstica”, por meio da Lei nº 59/2007, (art. 152º CP). Em revisão ao que já dispunha o Código de 1982, este dispositivo eliminou a necessidade de reiteração do ato criminoso no tipo penal, alargou as possibilidades de aplicação de penas acessórias no caso de crime de violência doméstica. Ademais, além da possibilidade de aplicação da pena acessória de proibição de contato com a vítima, incluindo a de afastamento da residência desta, o legislador prevê o afastamento do local de trabalho da vítima, a possibilidade de tal pena acessória ser controlada com recurso a meios técnicos de controle à distância, a possibilidade de aplicação de pena acessória de proibição de uso e porte de armas e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, aumenta a moldura penal da pena acessória, que passa a ser de 6 meses a 5 anos, e prevê a possibilidade de aplicação de uma nova pena acessória: a inibição do exercício do poder paternal por um período de um a dez anos. (GOMES, 2004). Nota-se que após a promulgação da Lei nº 59/2007, o número de queixas na polícia aumentou significativamente, em razão do tipo penal ter assumido natureza pública no ano 200, consequentemente alargou o número de condenados por violência doméstica, partindo de 71 condenações em 2000 para 718 em 2009. Isso devido ao processo de conscientização das vítimas e dos indivíduos/órgãos que tem o poder dever de dar aplicabilidade a Lei: agentes da polícia, membros do Ministério Público e Magistrados. (DUARTE, 2011). Por fim, sobreveio em 2009 uma lei específica, apartada do Código Penal Português, (três anos após o Brasil), para estabelecer o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas. A Lei 112/2009, de 16 de setembro, que ampliou as possibilidades de aplicação das medidas de coação, nomeadamente recorrendo a meios técnicos de controle à distância e introduzindo o caráter de urgência na aplicação das medidas. Observa-se que, a Lei 112/2009, apresenta um rol de principio jurídicos objetivando proteger as vítimas, dentre eles traz em seu artigo 5º o princípio da igualdade, estabelecendo que: Toda a vítima, independentemente da ascendência, nacionalidade, condição social, sexo, etnia, língua, idade, religião, deficiência, convicções políticas ou ideológicas, orientação sexual, cultura e nível educacional goza dos direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana, sendo-lhe assegurada a igualdade de oportunidades para viver sem violência e preservar a sua saúde física e mental. Destarte, é perceptível que o legislador português ao elaborar a Lei de enfrentamento a violência doméstica teve o cuidado de estabelecer expressamente a igualdade entre os gêneros no âmbito familiar. Garantindo, assim, maior proteção à mulher, tendo em vista que muitas agressões cometidas no âmbito doméstico são decorrentes da imposição do poder masculino. (ROCHA, 2009). Mesmo com a legislação em vigência, é alarmante o número de homicídios de mulheres decorrentes de crimes de violência doméstica em Portugal. De acordo com dados do observatório da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), expostos pela então secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Teresa Morais, ocorrem em média 2,4 assassinatos de mulheres por mês. Registra-se o número 32 casos em 2015 e 43 caos em 20014. (UMAR, 2016). Feministas como Naranch apud Duarte (2011), advogam que os direitos de cidadania das mulheres não estão assegurados enquanto na esfera privada estas continuarem a ser objeto de violência. Seguindo este viés, ainda que as mulheres conquistem a igualdade legal, a representação política e os meios econômicos para exercer os seus direitos enquanto cidadãs, a integração das mulheres na sociedade será sempre menos completa do que a dos homens, enquanto continuarem a ser alvo de violência doméstica. 6. Considerações Finais Ao analisar as Constituições de Brasil e Portugal, nota-se que ambos estiveram por muito tempo na inércia legislativa no tocante à instituição de normas constitucionais que estabelecessem expressamente a igualdade entre homens e mulheres, indistintamente, sem nenhum tipo de restrições às mulheres ao exercício do Direito. No caso das Constituições Brasileiras, por exemplo, em 1934 a Constituinte trouxe em seu texto o registro do princípio da igualdade entre os sexos, apresentando alguns direitos às mulheres, sendo ratificado em 1937 e posteriormente em 1946 pelas constituições subsequentes, mas foi em 1967 que foi trada a questão dos sexos ao enunciar esse princípio, ficando mantida em 1969. Contudo, segundo Gosdal (2008), ainda não era possível notar a efetividade dos dispositivos que versavam sobre a igualdade de gênero. Somente em 1988, a Norma Superior outorgou às mulheres igualdade em direitos e obrigações em relação aos homens. Positivando, ainda, um rol de direitos direcionados pelo princípio da isonomia, garantindo-lhes igualdade de oportunidades e direitos aos recursos humanos e financeiros, acesso ao trabalho, saúde, lazer e educação, bem como direitos políticos e sociais, indiscriminadamente. Por sua vez, Portugal além de silenciar sobre o direito à igualdade entre homens e mulheres, em quase todas suas Constituições, apresentou reiteradamente a discriminação em face da mulher, ao prever em seus textos normas excludentes às portuguesas. Como, por exemplo, verifica-se na Lei Fundante de 1933 que ao estabelecer a igualdade formal entre os cidadãos, deixa as mulheres exclusas deste processo. Somente em 1976, com a promulgação da atual Constituição portuguesa que o princípio da igualdade foi exposto como um princípio fundamental, ao ser estabelecida expressamente em seu bojo a igualdade entre homens e mulheres em todos os aspectos da vida social, conforme dispõe o artigo 13.º, 1, CRP, “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”. Apresentando, também, um rol de direitos direcionados pelo princípio da isonomia, comprometendo-sea promover a efetivação dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Embora, às legislações luso-braileira, na atualidade, disponham positivamente, em seus respectivos ordenamentos jurídico, de normas que visam à promoção da igualdade intergêneros, não podemos aferi-las em sua plenitude. Isso ocorre porque tanto em Brasil quanto em Portugal subsiste uma estrutura fundada em preceitos machistas, resquícios de um patriarcado não mais existente ou em seus últimos estertores, conforme aduz Saffioti (2004), o qual utiliza de mecanismos de poder para subjulgar às mulheres, como se pode notar nos casos de violência doméstica. A violência doméstica e familiar nos países supracitados é uma das maiores causas de instabilidade nas relações de gênero, tendo por principal vítima a mulher e geralmente o seu parceiro figura como agressor. Para inibir e punir a violência doméstica, tanto o Brasil quanto Portugal criou mecanismos para combatê-la, legislações específicas, a saber: Lei nº 11.340/2006 (BR) e Lei 112/2009 (PT), criminalizando-a e estabelecendo formas de prevenção e proteção à mulher. Contudo, dados do Mapa da Violência no Brasil 2015, sobre homicídios de mulheres, demonstram que o Brasil é o 5º país que mais comete homicídios em face de suas mulheres, apresentando taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, 8 vezes mais homicídios feminino que Portugal, com taxa de 0,6, ocupando a 50º posição num grupo de 83 países, com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde. Para o Brasil, esta situação é extremamente preocupante, tendo em vista que a pesquisa foi realizada após quase dez anos de vigência da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Nota-se a partir do Mapa da Violência 2015, que ocorrera uma considerável queda no índice de homicídio feminino apenas em 2007, após a lei ser sancionada, retomando seu crescimento nos anos subsequentes, alcançando em 2013 a maior taxa de homicídios de mulheres do país. Ademais, o fato do direito estar posto no ordenamento jurídico vigente, indiscutivelmente, não é suficiente para obstar os indivíduos à praticar atos criminosos, pois se o fosse, não teriam tantas mulheres sendo agredidas e mortas diariamente dentro de seus próprios lares. A contrario sensu,se a legislação cumprisse per si sua finalidade, as mulheres estariam gozando plenamente da igualdade de oportunidades e de direitos em todos os setores da sociedade, conforme dispõe a lei. Soma-se a ineficácia da legislação luso-brasileira, a ineficiência de sua aplicabilidade. Manifesta na ausência de atuação efetiva do conjunto de Instituições que compõem o Estado, no uso dos instrumentos político-legal, pois, até então, não garantem substancialmente a igualdade de gênero entre homens e mulheres. 7. Referência ALVES, Cláudia. Violência doméstica, Coimbra, 2005. Disponível em: http://www4.fe.uc.pt/fontes/trabalhos/2004010.pdf. acessado em 26 de janeiro de 2016. ALMEIDA, J.G. (2012). 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