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1 DIREITO CIVIL I – PARTE GERAL PROF. DANIEL PAIVA UNIDADE I – INTRODUÇÃO AO DIREITO CIVIL 1. DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO: A distinção entre direito público e direito privado, na vida prática, não tem a importância que alguns juristas pretendem dar. O Direito deve ser entendido como um todo. É feita, porém, a distinção entre direito privado e direito público, mais por motivos didáticos e por amor à tradição. Essa dicotomia (direito público e direito privado) teve sua origem no direito romano, onde o Direito Público (ius publicum) correspondia às relações políticas e aos fins do Estado a serem atingidos, enquanto o Direito Privado (ius privatum) correspondia às relações entre os cidadãos e os limites do indivíduo em seu próprio interesse. Em que pesem às dificuldades em dividir os dois grandes compartimentos, é preciso optar por um critério. Melhor será considerar como Direito Público o direito que tem por finalidade regular as relações do Estado, dos Estados entre si, do Estado com seus cidadãos, quando procede com seu poder de soberania, isto é, poder de império. Direito Privado é o que regula as relações entre particulares naquilo que é de seu peculiar interesse (interesse de ordem particular). Integram, hoje, o Direito Privado: o direito civil, o direito empresarial, o direito agrário, o direito marítimo, bem como o direito do trabalho, o direito do consumidor e o direito aeronáutico. Por outro lado, pertencem ao Direito Público: o direito constitucional, o direito administrativo, o direito tributário, o direito penal, o direito processual (civil, trabalhista e penal), o direito internacional e o direito ambiental. 2. DIREITO CIVIL COMO UM RAMO DO DIREITO PRIVADO: O Direito Civil trata do conjunto de normas reguladoras das relações jurídicas entre particulares. O interesse de suas regras é eminentemente individual. É o direito comum, que disciplina a vida das pessoas desde a concepção até a morte. Na clássica definição de Clóvis Beviláqua: “Direito Civil é o complexo de normas jurídicas relativas às pessoas na sua constituição geral e comum (direitos da personalidade), nas suas relações recíprocas de família (direito de família) e em face dos bens considerados em seu valor de uso (direito das coisas e das obrigações).” No vasto campo do direito privado destaca-se o direito civil como direito comum a todos os homens, no sentido de disciplinar o modo de ser e de agir das pessoas. Costuma-se dizer que o Código Civil é a “Constituição do homem comum”, por reger as relações mais simples da vida cotidiana, os direitos e deveres das pessoas, na sua qualidade de esposa ou marido, pai ou filho, credor ou devedor, alienante ou adquirente, proprietário ou possuidor, condômino ou vizinho, testador ou herdeiro, etc. Toda a vida em sociedade, como se nota, está impregnada do direito civil. No direito civil predominam as normas de ordem privada, que vigoram enquanto a vontade dos interessados não convencionar de forma diversa, tendo, pois, caráter supletivo. 2 3. OBJETO DO DIREITO CIVIL: O Direito Civil tem como conteúdo a regulamentação dos direitos e obrigações de ordem privada, concernentes “às pessoas, aos bens e às suas relações”. Pode-se assim dizer que o objeto do direito civil é a tutela da personalidade humana, disciplinando a personalidade jurídica, a família, o patrimônio e sua transmissão. 4. CODIFICAÇÃO DO DIREITO CIVIL: Codificar é, essencialmente, a “coordenação de regras que revelam uma mesma natureza, uma idêntica unidade, num campo do direito, de modo a conseguir-se uma sistematização no regramento dos assuntos”. Numa linguagem menos técnica, a codificação do direito consiste na tendência a englobar, em lei, toda a matéria pertinente a uma parte substanciosa do direito, de modo a dar, a tal parte, unidade de tratamento jurídico às relações jurídicas que dela brotam. Reduzindo a legislação dispersa, a codificação unifica o direito, consubstanciando, numa só lei, parte considerável do direito. Como exemplo, nós temos o Código Civil, que consiste numa lei como qualquer outra, embora de maior importância porque é mais abrangente. Cumpre salientar que a moderna tendência do direito civil é abandonar o sonho da codificação, embora autores como Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ainda defendam-lhe a utilidade. De fato, devido à complexidade e ao enorme desenvolvimento das relações da vida civil que o legislador é chamado a disciplinar, não é possível enfeixar o direito civil em um único dispositivo legal (um Código). Muitos direitos e obrigações concernentes às pessoas, aos bens e suas relações encontram-se regulados em leis extravagantes (como por exemplo, a lei do Inquilinato – Lei nº 8.245/91), que não deixam de pertencer ao direito civil. Todavia, os Códigos ainda são importantes instrumentos de unificação do direito, consolidando por esse meio a unidade política da nação. A codificação tem o grande mérito de organizar e sistematizar cientificamente o direito, possibilitando maior estabilidade nas relações jurídicas. 5. CÓDIGO CIVIL DE 2002: Oriundo do projeto de lei 634/75, o Novo Código Civil (Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002), entrou em vigor 11 de janeiro de 2003, introduzindo várias inovações no cotidiano do homem comum. O novo Código Civil de 2002 manteve a estrutura do Código Civil de 1916, colocando as matérias em ordem metódica, divididas em uma Parte Geral e uma Parte Especial, num total de 2.046 artigos. 3 A Parte Geral cuida das seguintes matérias: I. Das Pessoas; II. Dos Bens; III. Dos Fatos Jurídicos. Com a unificação do direito das obrigações e a inclusão do Direito de Empresa, a Parte Especial ficou dividida em: I. Do Direito das Obrigações; II. Do Direito de Empresa; III. Do Direito das Coisas; IV. Do Direito de Família; V. Do Direito das Sucessões. As disposições finais e transitórias estão previstas no Livro Complementar. 6. CARACTERÍSTICAS PECULIARES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002: O Código Civil de 2002 apresenta, em linhas gerais, as seguintes características: • Preservou, no possível, a estrutura do Código Civil de 1916, atualizando-o com novos institutos e redistribuindo a matéria de acordo com a moderna sistemática civil; • Manteve o Código Civil como lei básica, embora não global, das relações privadas, promovendo a unificação sistemática do direito privado (civil e empresarial); • Excluiu matéria de ordem processual, a não ser quando profundamente ligada à de natureza material; • Implementou o sistema de cláusulas gerais1, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz (Poder Judiciário), que desfruta, assim, de certa margem de interpretação nos casos concretos; • Houve uma releitura dos institutos básicos do Direito Civil, notadamente relacionados à família, à propriedade e às obrigações/contratos, os quais deverão observar os princípios fundamentais resguardados na Constituição. Com efeito, a fonte primária do Direito Civil passou a ser a Constituição Federal de 1988. 7. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL: A expressão “Direito Civil Constitucional” realça o fenômeno jurídico da releitura do Código Civil e demais leis especiais à luz da Constituição Federal, redefinindo os institutos básicos do direito privado a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, calcados na dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, da CF/88), na solidariedade social (Art. 3º, III, da CF/88) e na igualdade substancial (Arts. 3º e 5º da CF/88). A Constitucionalização do Direito Civil deve ser entendida como inserção dos fundamentos constitucionaisnas relações civis. Isto é, os dispositivos constitucionais deixam de ser meras orientações para implementarem-se na prática da vida civil. Seguindo tendência da doutrina moderna, a Constituição passa então a servir de tábua dos valores sociais mais relevantes, que devem orientar o Direito Civil. 1 Cláusulas Gerais são dispositivos legais inseridos pelo legislador, para que a doutrina e a jurisprudência definam o seu alcance, permitindo uma interpretação mais adequada à realidade por parte do julgador. 4 O conteúdo conceitual, a natureza e as finalidades dos institutos básicos do Direito Civil, notadamente a família, a propriedade e o contrato, não são mais os mesmos que vieram do individualismo jurídico. Sai de cena o indivíduo proprietário para revelar, em todas suas vicissitudes, a pessoa humana (o homem como membro de uma sociedade democrática). Com efeito, no Direito de família desponta a “igualdade”, como valor essencial da família. O princípio da igualdade, formal e material, relaciona-se à paridade de direitos entre os cônjuges ou companheiros e entre os filhos. Ver: Art. 226, §5º e 7º, e art. 227, §6º CF; Arts. 1.511 e 1.596 CC/2002 No Direito das coisas, a “função social da propriedade” ganha força e relativiza o uso da propriedade particular. O exercício do direito individual da propriedade deve ser feito no sentido da utilidade, não somente para si, mas para todos. Ver: Art. 182, §2º, CF/88; Art. 1.228, §1º CC/2002 Já na tutela constitucional dos contratos, os princípios da equivalência material e da proteção ao contratante mais fraco, despontam na relação contratual. Ver: Art. 170, incs. V e VII, CF/88; Arts. 421 e 423 CC/2002 8. PRINCÍPIOS QUE ORIENTARAM A ELABORAÇÃO DO NOVO CÓDIGO: Princípio da Socialidade - Este princípio reflete a prevalência dos valores coletivos (sociais) sobre os individuais, sem perda, porém do valor fundamental da pessoa humana. Isso quer dizer que aquele que detém um direito não pode comportar-se como bem entenda. É necessário perceber que a existência de qualquer direito subjetivo prende-se a um fim maior. Ver: art. 421 CC/2002 Princípio da Eticidade - Este princípio traduz a idéia de que as normas de comportamento organizam as condutas sociais, de modo a garantir um determinado valor ético. Prioriza, assim, a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Para tanto, a legislação e o novo Código Civil passam a conceber as chamadas cláusulas gerais, verdadeiras janelas pelas quais o ordenamento recepciona os valores morais e princípios constitucionais na busca da solução mais justa para cada caso. Ver: art. 422 CC/2002 Princípio da Operabilidade – É priorizado este princípio no sentido de estabelecer soluções normativas às questões do cotidiano, de modo a facilitar a interpretação e a aplicação do direito pelo operador (seja o juiz, o promotor ou o advogado). As soluções devem ocorrer de forma rápida, observando a particularidade de cada caso, e os juízes passam a resolver os conflitos diante das hipóteses concretas e de seus contornos. A regra normativa tem que ser aplicada de modo simples. Ver: art. 413 CC/2002
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