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1 2 Introdução histórica sobre cenografia os primeiros rascunhos Fausto Viana (org.) & Campello Neto 3 Viana, Fausto e CAMPELLO NETO, Antonio Heráclito C. Introdução histórica sobre cenografia- os primeiros rascunhos- São Paulo: Fausto Viana, 2010. 194 páginas ISBN: 978-85-910734-1-2 1.Cenografia 2.Teatro -Brasil 3. Teatro brasileiro 4.Campello Neto, Antonio Heráclito C., 1924-1989 4 Introdução histórica sobre cenografia Os primeiros rascunhos Por: ANTONIO HERÁCLITO CARNEIRO CAMPELLO NETO Revisão Crítica e Organização: FAUSTO ROBERTO POÇO VIANA São Paulo 2010 5 6 APRESENTAÇÃO Este trabalho foi escrito durante a década de 80. Seu autor era então Professor de Cenografia e Indumentária do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (CAC ECA USP): Antônio Heráclito Carneiro Campello Neto. Desde 1990 venho mantendo contato com este volume, que era chamado de A Cenografia - Introdução Histórica e Considerações. De suas folhas rasgadas, amassadas, montei duas “apostilas”, que fui lendo, relendo e digerindo durante todos esses anos. Chegou, porém, o momento que tanto esperei – tornar público este trabalho. O trabalho não foi nada fácil. Em primeiro lugar, houve uma grande dificuldade em encontrar as referências usadas pelo Professor Campello Neto. Havia algumas “pistas” ao longo do texto – como, por exemplo, anotações do tipo: “Colocar foto do AMICO”. Nenhuma delas estava em conformidade com a ABNT. Foi, sem dúvida, uma grande oportunidade de exercitar meus conhecimentos de cenografia. AMICO é naturalmente Sílvio D‟amico, que escreveu Storia Del Teatro. O livro, em quatro volumes, foi muito usado até a década de 80. Hoje, já está um pouco desatualizado, até mesmo na parte mais antiga - a Grécia, por exemplo - em função das novas descobertas da década de 90. Recorrendo ao processo USP do Professor, em que constam todos os seus relatórios anuais de atividades, fui lentamente conseguindo identificar a bibliografia indicada por ele para uso em sala de aula. A partir deste material, dos temas e da minha própria memória, consegui identificar a maior parte das referências utilizadas - apenas algumas ficaram sem identificação segura. Todos estes livros estão orgulhosamente listados na bibliografia. Esta vai de DUBECH e seu Historie Générale Illustrée du Théâtre, publicação dos anos 30, até catálogos dos anos 80, de exposições no Metropolitan Museum de Nova York. As fotos utilizadas não foram encontradas da maneira que eu esperava – nos slides que foram guardados do trabalho do Professor. Assim, quando não foi possível encontrar a mesma foto em outro volume, substituímos por material semelhante – um exemplo disso é a foto da bailarina Isadora Duncan, na parte que trata de Edward 7 Gordon Craig. Procurei muito pela foto que o Professor havia sugerido e não encontrei. Assim, ela foi substituída pela que vem no presente volume. Todas as mudanças fotográficas estão apontadas nas notas de rodapé, inclusive as que foram incluídas - caso da Estela de Metternich, em teatro egípcio. No que se refere ao texto em geral, minha vontade era fazer o mínimo de alterações possíveis, conservando a obra de maneira integral. Optei, portanto, por mexer primeiramente apenas nas partes que continham erros gramaticais, ortográficos e de pontuação. Na seqüência, trabalhei com as frases e parágrafos que geravam entendimento dúbio ou não muito claro. Minha opção foi alterar qualquer sentença que pudesse induzir o leitor a erro ou má interpretação. Outra etapa foi a de identificar as partes em que eu discordava sobre determinados pareceres dados pelo Professor Campello – afirmações que seriam facilmente retiradas talvez pelo próprio em uma revisão mais meticulosa do trabalho. Que ele não fez por ter falecido. Um exemplo disso é a afirmação de que Craig era discípulo de Appia. Contemporâneos, sim. Renovadores da cena do século XX. Um apreciava o trabalho do outro. Mas discípulos não. Outra fase foi a de inserir informações que julguei vitais mesmo no contexto panorâmico do trabalho. É o caso de Stanislavski, que inicialmente recebeu do Professor apenas uma página, um breve comentário. Se ele foi uma dos maiores renovadores da interpretação da cena no século XX, sua abordagem da cenografia não poderia passar de forma tão superficial. Também neste caso, assumi a autoria do texto nas notas de rodapé. A última fase foi a de “briga”, mesmo. Entre os dois professores - Fausto Viana (eu) e Campello Neto. Não deixa de ser divertido, no entanto, acompanhar ao longo das notas em vermelho a minha discordância evidente quanto a algumas anotações do Professor. Um exemplo: a veneração dele por Santa Rosa e especialmente Flávio Império. Não que ambos não sejam dignos de respeito e nota, mas não é por isso que vamos dizer que não houve cenografia no Brasil antes deles. E a cenografia de Anchieta? O Teatro de Revista? No meu entender, mesmo uma abordagem panorâmica não deve ser preconceituosa: há o Teatro Brasileiro de Comédia, mas Victor Garcia também estava atuante. Tudo isso para que este material pudesse finalmente vir à luz e cumprir o objetivo a que estava determinado: 8 traçar uma visão panorâmica da cenografia mundial e brasileira até a década de 1980. Agradecimentos especiais, da minha parte, são endereçados a José Eduardo Vendramini, pelo grande apoio e estímulo na hora certa; ao Prof. Clóvis Garcia, pelo apoio e livros da maravilhosa biblioteca; a Maria Cecília Loschiavo dos Santos, pelo incentivo e confiança; à Biblioteca da ECA e todos os seus atendentes e bibliotecários, generosos e dispostos, sempre; a Helena Prates, pela revisão; e ao Prof. Campello Neto, que não sei como e nem por quê, mas me elegeu e encarregou de um trabalho que sei que era muito significativo para ele. Caro Professor, espero ter correspondido às suas expectativas. 9 10 ÍNDICE Introdução - Teatro Egípcio........................................................................... 07 Teatro Grego.................................................................................................... 19 Teatro Romano................................................................................................ 34 Idade Média, as Festas Medievais................................................................ 48 Renascimento.................................................................................................. 65 Commedia Dell‟arte....................................................................................... 73 Cena Elisabetana........................................................................................... 84 Balé Cômico da Rainha................................................................................. 95 Época pré-clássica: a fundação da Comédie Française......................... 103 Nascimento da ópera.................................................................................... 112 Cenografia do século XVIII............................................................................. 117 O Século XIX.....................................................................................................127 A iluminação elétrica...................................................................................... 130 A Ópera de Paris............................................................................................ 135 O Teatro de Bayreuth .................................................................................... 136 Adolphe Appia................................................................................................ 137 Edward Gordon Craig.................................................................................... 146 Stanislavski ....................................................................................................... 157 Balés russos....................................................................................................... 165 Classificação da Cenografia......................................................................... 178 O cinema.......................................................................................................... 182 Quarenta anos de 1935-1975......................................................................... 191 Considerações econômicas.......................................................................... 197 Josef Svoboda................................................................................................. 200 A cenografia no Brasil..................................................................................... 204 O TBC - Teatro Brasileiro de Comédia........................................................... 217 Teatro de Arena............................................................................................... 231 Flávio Império................................................................................................... 232 Bibliografia........................................................................................................ 245 11 CENOGRAFIA Todas as épocas e civilizações encontraram-se diante deste problema: o espaço - como vivê-lo, estruturá-lo ou representá-lo. 1 1 É evidente, diante deste breve parágrafo, que o Prof. Campello Neto desejava elaborar uma introdução ao seu trabalho, onde versaria sobre a cenografa e sua relação com o espaço sagrado e o profano. Dentro do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo nos últimos anos, eu e o Prof. Marcelo Dênny da equipe de Cenografia, nos auto-entitulamos, por brincadeira, a “ala jovem da pesquisa teórico-prática da cenografia”. Para nós, a cenografia é muito anterior ao espaço grego e até mesmo ao egípcio, adotado pelo Prof. Campello Neto, talvez pelo entusiasmo com a publicação de Emanuel O. Araujo do Papiro Dramático do Ramesseum. Acreditamos que o espaço ritual - que viria a ser o cênico - nasce no momento em que o elemento humano terrestre (o pajé, o xamã, o sacerdote) intermedia a relação do homem com o divino. Essa relação poderia ser a cura de uma doença através da magia ou aplicação/manipulação de elementos da natureza, ou ainda a marcação de um rito de passagem, tão comum a todas as sociedades. Todos elementos comuns ao que hoje denominamos espetáculo estão ali: a iluminação (as velas dentro de uma cabana ou a presença da luz do sol), os trajes (paramentos especiais para cada rito), a música (cantada ou tocada, dependendo de cada cultura) e, finalmente, o espaço cênico, que disputaria com os outros elementos a posição de quem nasceu primeiro: se o espaço, que já estava lá ou se os outros elementos do ritual que pediam determinado espaço. O que importa para nós é o resultado final: a integração de todos os elementos presentes, como teorizaria E.G.Craig no início do século XX. Na eventual revisão do trabalho do Prof. Campello para uma publicação, este tema seria um dos primeiros a ser abordado, já que o ritual permeou, de uma forma ou de outra, o trabalho de todos os grandes encenadores do século XX. Artaud (que visita os índios Tarahumara do México e anota seus rituais) e seu Teatro da Crueldade utilizam os elementos mais facilmente perceptíveis do ritual. Já Stanislavski transforma sua arte em ritual de tal requinte que envolve, entre outras etapas, ficar absolutamente nu em seu camarim, no intervalo do espetáculo, para assim se despir de sua personagem e só “reincorporá-la” na volta à cena. Através do relacionamento consigo próprio, o homem viria a usá-lo, criando-o para a transmissão dos seus símbolos, mitos e de suas crenças e ideologias, que se tornavam visíveis na sua estruturação e representação. A posição de um espaço criado seguirá sempre o rumo dos acontecimentos político-sociais2, recebendo a contribuição ideológica ou sociológica para suas transformações ou soluções. Tudo isso seguindo um ritmo mais lento ou mais rápido, sempre sob a influência desses eventos. Definimos a cenografia como forma de usar e interpretar visualmente o espaço cênico, através de várias técnicas e diversos materiais, de acordo com a linha de transmissão da mensagem do texto, sob a linha de direção do espetáculo3. Ela estará também sujeita às transformações sócio-políticas, que serão interpretadas O Prof. Campello, no entanto, não vai além nesta investigação e acaba por não concluir a sua introdução, transformando-a já em texto sobre o Teatro Egípcio. 2 O século XX é uma riquíssima fonte de estudo para evidenciar as relações sócio-políticas com a cenografia teatral. Um bom exemplo disso são as enormes máquinas cenográficas propostas por Meyerhold para seus espetáculos ao ar livre para a classe operária na recém convertida Rússia em União Soviética. Ou ainda a “limpeza” cenográfica proposta por Bertolt Brecht. 3 Esta relação “textocentrista”, voltada única e exclusivamente ao texto e aos desejos de um diretor esteve muito em voga nos anos em que o Porf. Campello atuou como cenógrafo. O teatro moderno trouxe algumas inovações neste sentido, tendo o cenógrafo e todos os envolvidos na encenação mais liberdade de expressão artística em relação ao espetáculo. 12 pelo cenógrafo sempre sob a solicitação do diretor, vindo a significar, visivelmente, o ponto de partida do trabalho de uma montagem que se iniciou teoricamente com o texto. É a partir da estrutura, que seguirá o conceito do espetáculo, que o diretor poderá iniciar a construção do seu trabalho e os atores se situarão fisicamente no espetáculo. A colocação destes no espetáculo é, pois, da máxima importância e deverá sempre partir do conceitual como fonte principal da sua criatividade, para depois vir sua técnica de construção ou representação. Várias teorias apresentam seu nascimento, ora na pré- história, ora no Antigo Egito, pois através do ritual religioso - contendo elementos como a palavra e a ação capazes de emocionar e interessar - nasceu o espetáculo. A invocação religiosa, o ato propiciatório, o ato de júbilo, as celebrações de tristeza, funerais ou sortilégio, desenrolavam-se em determinado lugar, de uma determinada maneira, repetindo-se do mesmo modo, procurando uma constante repetição e, assim, tornando-se rito. Vários escritores encontraram, em cada um desses rituais, fatores de menor ou maior constância no teatro. Estes elementos apresentavam características teatrais. Dessa forma, o local das celebrações, o espaço no qual se desenrolavam os rituais, seria a cena. Outra teoria apresenta através do Papiro Dramático de Ramesseum - documento encontrado em 1896,no templo funerário de Ramsés II - a existência de um teatro no Antigo Egito, conseqüentemente uma possibilidade da cenografia ser anterior ao período considerado como o do seu nascimento: o da Grécia arcaica. Em outros documentos, como a Estela de Metternich (ver figura 1 no final do capítulo4), contendo descrição de culto com um processo característico, encontrou-se motivo para considerá-los portadores da prova de uma dinâmica teatral. A pergunta sobre a possibilidade do conteúdo desses documentos ser classificado como teatro foi apresentada, concretamente, em 1900 por Georges Bénèdite, Conservador Adjunto das Antiguidades Egípcias do Museu do Louvre. Ele descobriu a relação de determinadas ritos funerários (como as do culto de Osíris representando cerimônias místicas5) com as representações mímicas das festas de Dionísio, que foram a origem do teatro grego. 4 A foto da estela não estava prevista pelo Prof. Campello e foi adicionada por mim. 5 O Prof. Campello utilizava, no lugar das palavras cerimônias místicas, a palavra mistérios, que foi alterada por direcionar ao uso cristão/católico do termo e aos mistérios medievais. 13 Como existia na Grécia um vínculo entre teatro e religião, esse fato foi considerado um indício de um possível teatro egípcio. A formulação dessa hipótese, embora sem muita precisão, foi o inicio do desenvolvimento de pesquisas sérias sobre o assunto, sob a direção dos mais importantes especialistas em egiptologia. Algum tempo depois, Alfred Wiedemann, uma autoridade em estudos egípcios, apresentava uma conclusão oposta, afirmando não considerar nenhum motivo que provasse a existência de um teatro egípcio. Ele só via a existência de cultos que se apresentavam sob dimensão inteiramente litúrgica, sem conteúdo dramático, cuja forma “teatral” objetiva só iria se apresentar, muito posteriormente, entre os gregos. Esboçaram-se traços de pantomima e surgiu, no desenrolar do ritual daqueles cultos, o embrião do coro dramático, representaram-se cerimônias místicas6, mas o culto egípcio careceu do sopro que teria feito nascer obras de arte7. 6 Novamente substituição da palavra mistérios, pelos mesmos motivos anteriores. 7 Suponho, evidentemente, que o Prof. Campello se refira a obras de arte teatrais. Este tema é discutido na página 04 do texto que introduz o Papiro Dramático do Ramesseum. Ambos, Bénèdite e Wiedemann, não dispunham de documentação concreta, ficando suas teorias no campo das conclusões através de suas conjecturas. Era, de qualquer modo, um repto8 lançado aos egiptólogos. Entretanto, em 1928, o grande pesquisador alemão Kurt Iethe apresentou provas concretas da existência de teatro entre os egípcios através da tradução de dois textos encontrados em estelas. Um deles, de data antiqüíssima, apresentava uma estrutura dramática, ao relatar um drama mitológico sobre a criação do mundo pelo Deus Ptah de Mênfis, o mito de Osíris e a luta de Hórus para suceder seu pai no trono do Egito. O outro, desconhecido até aquele momento, foi intitulado por Iethe Papiro Dramático do Ramesseum, o drama de coroação mais completo que se conhece do Antigo Egito. Nesse documento encontramos uma série de indicações que apresentam uma cenificação do mito ligado ao ciclo osiriano. O ritual litúrgico no Antigo Egito compunha-se de partes delimitadas, cujo conjunto formava uma grande ação dramática, desenrolando-se em partes dialogadas e em partes cantadas. Um coreuta (ou todo o coro) recitava a explicação das 8 Desafio, provocação. 14 cenas interferindo ocasionalmente na ação. As partes cantadas eram acompanhadas de música para instrumentos de percussão (crótalos9, tambores), sopro, flautas, cornetas e corda (harpas, violas). Não existiam diálogos, que eram substituídos por danças, ora vivazes, ora fúnebres, conforme a situação. Nas pinturas dos túmulos encontravam-se cenas de danças onde se vêem jovens de seios nus, cabelos longos e estreitas tangas em várias posições de grande beleza. Esse ritual10 era desenvolvido pelos sacerdotes que assumiam o papel dos deuses implicados no mito, e por 9 Segundo o Dicionário Houaiss, instrumento de percussão da antiguidade egípcia e greco-romana, de formas variadas, feito geralmente de marfim ou madeira, usado no culto de Cibele. 10 O texto original do Prof. Campello trazia a seguinte anotação: “assinalado conforme material - procurar o nº 1-4-cena I, pág. 26 do Papiro de Ramesseum, a partir dali até pág. 69 - anexo, contendo número de cenas e linhas para uma compreensão maior da descrição, material do papiro citado.” Julguei oportuno remover este trecho para não interromper o desenvolvimento do texto. Acredito que o leitor mais interessado poderá se remeter diretamente ao texto do Papiro. Como curiosidade, incluo algumas anotações que fazem referência à interpretação e aos cenários e figurinos: Interpretação: Linha 05- Tot traz o cadáver de Osíris sobre as costas de Set, a fim de ser levado ao céu. Linha 18- Aconteceu que o sacerdote leitor ofereceu ao rei dois bolos-shat. Linha 44- Verte-se água sobre a cabra e o ganso. Linha 56- Aconteceu que foi estabelecida uma luta de socos. um elevado número de figurantes menores, denominados servidores de tal ou qual deus. Além desses "figurantes”, também já se encontra a presença do que poderia ser considerado o ator profano que vendia seu trabalho ao templo, ou a dignitários locais interessados em realizar dramatizações. Em 1922, foi descoberto em Edju uma estela dedicada a Hórus por um certo Embelo, que descreve toda uma ação dramática. Encontram-se já as máscaras, que mais tarde surgirão11 no teatro grego, como a de um ibis, associada ao deus Tet, a de um falcão para Hórus, de um abutre para a deusa Nekhbet. O exemplo mais notável dessas máscaras é a do Chacal de Anúbis12. Trata-se de uma peça em terracota pintada, que cobria a cabeça do sacerdote responsável pelo papel de Anúbis e ostenta os olhos pintados, as Como se vê, parecem resumos de ações físicas propostas por Stanislavski. Cenários e figurinos: Linha 02- O barco do rei é lançado para inaugurar o rio. Linha 48- Aconteceu que o Pilar-Djed foi erguido pelos descendentes do Rei, assistidos pelo Grão Sacerdote de Heliópolis. Linha 107- Aconteceu que foram trazidos tecidos de quatro e seis fios, bem como vestes de púrpura e muitos tecidos- sesef. Linha 117- Construção da escada simbólica pra ascensão do rei aos céus. 11 Acredito que o Prof. Campello quisesse dizer “reaparecerão”. 12 Está no Museu de Hildesheim. 15 orelhas erguidas e faixas coloridas indicando os pêlos no pescoço do animal. Os trajes, conforme os desenhos que se encontram nos sepulcros correspondiam às figuras dos diversos deuses. Em uma estela da 12ª dinastia, encontra-se a descrição feita por um alto dignitário de nome Ikhernefert, apresentando todos os detalhes do ritual ao qual fora escolhido para a execução. "Fiz para ele, Osíris, um santuário portátil... de ouro, prata, lápis lázuli, madeira carob e madeira-meru. Os deuses que o acompanhavam foram vestidos e refeitos seus santuários. Dirigiu os trabalhos dabarca Neshmet e arrumei a cabina. Adornei o peito do Senhor de Abidos-Osíris com lápis lázuli e turquesa ouro puro e todas as pedras preciosas que são os ornamentos do corpo de um deus. Além disso, tudo indica que Ikhernefert acumulava as funções do que denominamos diretor do espetáculo, visto que lhe cabia orientar os sacerdotes - atores em seus respectivos papéis e indicar o local para a representação das diferentes cenas. Toda a população podia assistir ao espetáculo que, por isso, organizava-se em forma de procissão cujo percurso obedeceria ao fixado em uma das versões do mito de Osíris; em cada cidade encenava-se o episódio que, no mito, ali se passara o assassínio do deus, o combate entre os servidores de Hórus e os partidários de Iet, a aflição de Ísis, tudo era cenificado no lugar adequado, abrangendo todo o Egito. Caracterizava-se, assim, um exemplo típico da representação de mistérios, tal como veremos mais de dois milênios depois, na Idade Média ocidental. As representações egípcias, denominadas „grande saída do deus‟, eram franqueadas a qualquer um, pelo menos uma vez por ano o deus local seria transferido de seu templo aos lugares sagrados e mediações, atraindo até habitantes de distritos vizinhos. As saídas de deuses como Min, Osíris, Amon, revestiam - se de caráter nacional e contavam com considerável número de figurantes, conforme indica a Estela de Ikhernefert e o testemunho de Heródoto. Descrevendo a comemoração de uma velha história em que Hórus entra na casa de sua mãe a fim de com ela ter relações sexuais, narra Heródoto: Quando o sol se põe, enquanto alguns sacerdotes ocupam-se da imagem, um grande número deles força a entrada do Templo, com bastões de madeira nas mãos; outros homens, que cumprem votos, em número superior a mil, também armados de bastões, agrupam-se do lado oposto. A imagem, num pequeno nicho de madeira dourada, na véspera é transportada do Templo para outro recinto sagrado. Os poucos sacerdotes que a acompanham, puxam uma carreta de quatro rodas na qual se encontra o nicho, os outros sacerdotes colocam- 16 se no vestíbulo do Templo, impedindo sua entrada, os que prestam votos, arrebatando o deus, golpeiam os sacerdotes que resistem. Trava-se aí uma violenta batalha com bastões, quebrando-se cabeças e, ao que suponho, alguns morrem em conseqüência dos seus ferimentos, embora os egípcios me afirmassem que não morreu ninguém". (ARAÚJO,1974:15-16) “Outros tipos de espetáculo, de caráter mais acentuadamente popular, seriam menos faustosos, com elenco mais reduzido. Ao invés de abranger todo o mito, ou suas partes essenciais, focalizava apenas episódios particularmente emocionantes. O texto, embora impregnado de fórmulas e rituais por todos conhecidos, era simples e cativava o espectador pela vivacidade natural e palpitante dos diálogos. Em um deles, continuado na estela de Metternich e que constitui fragmentos de um drama antigo, vemos Isis fugindo do assassino do seu marido, a fim de salvar o filho póstumo, Hórus que deveria ser o vingador do pai”. (ARAÚJO, 1974:16-17) Há uma estreita relação entre cenografia e texto. A cenografia servirá como o ponto básico para o desenvolvimento da ação. O texto será sempre sua motivação, devendo ser estudado e analisado nos seus mínimos detalhes de descrição da ação e do diálogo para que assim se possa reconstituir como se deu a integração dos dois elementos, favorecendo sua funcionalidade. A relação entre o que descreve o Papiro de Ramesseum, com os mistérios13 e as moralidades14 da Idade Média é muito estreita e nos apresenta a cenografia colocada de forma semelhante à sua posição nos rituais egípcios, que tomavam forma de verdadeiros espetáculos, com seus elementos de interesse e emoção. São usadas partes dos templos e também ruas e partes de cidades, encontrando-se uma diferença na posição dos mistérios. Na Idade Média, começa-se a construir planos com tablados e arcos com o intuito de tornar a rua (ou a praça) mais adequada ao desenvolvimento do mistério ou da moralidade, sendo esta verdadeiramente uma elaboração cenográfica, diferente do que acontecia, quanto a local, nos rituais egípcios. O Papiro Dramático transforma-se em documento que registra um acontecimento que se passa em determinado espaço. O texto foi encontrado em 1896 13 Drama medieval religioso (do século XIV ao século XVI) que põe em cena episódios da Bíblia ou da vida dos santos, representado quando das festas religiosas pelos atores amadores (mímicos e menestréis principalmente),sob a direção de um condutor e em cenários simultâneos,as mansões.(PAVIS,1999: 246). 14 Gênero teatral medieval (do século XI ao século XIV) que conta uma vida de santo, sob forma narrativa e dramática. (PAVIS, 1999:245) 17 por J. E. Quibess, no templo funerário de Ramsés II (O Ramesseum, em Tebas), restaurado por Hugo Ibscher, no Museu de Berlim e publicado como "papiro dramático" por Kurt Sethe. Pertence atualmente ao Museu Britânico e mede 2,15m por 0,25m, podendo pela largura ser considerado "papiro de luxo". Apesar de ter sido adaptado para a cerimônia da coroação do faraó Senusert (ou Sesóstris) I, da 12ª dinastia, seu conteúdo remonta ao Antigo Reino. Segundo a opinião de Kurt Sethe, data da lª dinastia, em razão de estarem mencionados sacerdotes chamados "sehenu-ah", "os que procuram o espírito", titulo que não aparece em nenhuma outra época. Assim, para ele, é perfeitamente seguro que tanto o texto como o cerimonial registrados no papiro provém daquela época. "Apesar do título dado por Kurt Sethe, levantaram-se dúvidas quanto à natureza teatral desse papiro. Pelo fato de haver sido destinado à entronização de um rei, argüiu-se que seu caráter a um só tempo dramático, mágico e ritual, estaria demasiadamente vinculado à preocupação utilitária de confirmação mágica de uma soberania para se constituir em peça teatral. Afirmou-se que não passaria de „uma transposição material e litúrgica de um simbolismo mitológico‟, admitindo-se „no máximo, que esta narrativa mitológica poderia se transformar em objeto de um drama no sentido moderno da palavra, mas nesse texto perdemos de vista o próprio mito, tanto que sua adaptação simbólica e litúrgica passa a primeiro plano‟, não obstante o egípcio, naturalmente instruído na liturgia e na mitologia da sua religião, pudesse realizar de forma simultânea os dois aspectos do drama. A cerimônia, de fato, é bastante complexa e a simultaneidade entre o teatral e o litúrgico, desconcerta à primeira vista. Concorda-se, como ponto pacífico, em que se torna virtualmente impossível destacar, em muitos pontos, o dramático do ritual; em sentido geral, porém, está ele dentro dos limites acima fixados, tratando-se na verdade da reconstrução plástica de uma experiência religiosa, caracterizada e realizada mediante a provável ação dramática contida no texto”. (ARAÚJO, 1974:19) Todas essas provas através da leitura de hieróglifos nos apresentam não um texto que se constituísse propriamente em um drama, mas uma espécie de “guia do diretor" do espetáculo que deveria orientar os sacerdotes - atores em seus respectivos papéis, baseado no argumento que lhe fornecia o próprio mito. Daí aparecerem, na mesma cena, tanto as indicações da ação ritual, ou “marcações cênicas”, como as respectivas passagens mitológicas. 18 A obra não apresentará uma “articulação global quecontenha uma unidade tempo ou lugar, ao contrário, o drama encenado em etapas sucessivas, seguindo as cidades do curso do Nilo, prestava-se, por tal motivo, a repetições em benefícios de uma nova platéia”. (ARAÚJO, 1974:20) A estrutura do drama poderá ser recomposta segundo o encadeamento da ação: “A - O rei morto é enterrado, após sua mumificação, ressurgindo na pessoa do novo soberano; simboliza-se tal ressurreição pela descida e soerguimento dos pilares cerimoniais. Os pilares cerimoniais seriam colunas levantadas e colocadas eretas sob um ritual: a ereção do pilar djed, ainda ligado a Set e não a Osíris, o que evidencia uma data de concepção remota. B - Combate ritual entre Hórus e Set pelo poder. C - O novo rei é aclamado e investido da soberania. D - Celebra-se uma festa comunitária, para a qual são convidados os governadores de vários distritos do Egito. E - O soberano percorre seus domínios na barca real, equipada especialmente para tal finalidade. F - Realizam-se certos ritos que expressam epifanias de Osíris, identificados ao faraó morto. G - Apresentam-se oferendas e concluem-se sacrifícios”. (ARAÚJO, 1974:20) Ainda outra seqüência foi “sugerida levando-se em conta o desenvolvimento ritual tanto da ação inerente ao texto, como das indicações "cenográficas" que se encontram na parte inferior do papiro, acompanhando o desenvolvimento das cenas”. (ARAÚJO, 1974:21) Apesar dessas controvérsias teóricas, numa posição apenas complementar, encontramos nesses rituais o uso do espaço e dos figurinos. Esses ritos eram realizados em locais determinados e se utilizavam de roupas e adereços – como máscaras, jóias, trajes dos deuses ou dos reis - para desenvolverem uma ação, para contarem uma história – embora sem palavras – mas através do canto, da música e dança. Assim, a cenografia, como parte integrante do espetáculo, nasce no século VI, no período arcaico grego. 19 Figura 1- A estela de Metternich. “Entalhada em grauvaca, a estela de Metternich é a mais sofisticada e um dos mais elaborados exemplos de um gênero de estelas mágicas que se originou no Novo Reinado tardio. O elemento dominante nestes documentos - que foram inscritos com textos mágicos recitados para curar doenças e como proteção contra mordidas de animais - é a criança Hórus, em pé sobre dois crocodilos. As pequenas vinhetas nesta estela retratam um número de deuses anulando as influências de cobras, crocodilos e escorpiões. Acima, o Deus Sol é adorado por quatro babuínos e por Nectanebo II (360-342A.C) ajoelhado, ao reinado do qual remonta o monumento.(...) A estela foi encontrada em Alexandria e presenteada em 1828 ao Príncipe Metternich, por cujo nome é conhecida hoje”. (MONTEBELLO, 1994:51) 20 O TEATRO GREGO A documentação do Papiro do Ramesseumn e as indicações da Estela de Metternich apresentam a utilização do espaço direcionado e servindo de apoio ao ritual. O espaço, até então, não era interpretado através de um projeto dirigido para torná-lo completamente integrado à encenação. O Theaomai, ou Theatron15 – “lugar de onde se vê” - será o primeiro vestígio de um espaço criado especialmente para a realização de um espetáculo. Muito grande e em formato trapezoidal acolhia, sobre degraus dispostos nos seus lados, uma multidão que se quedava a assistir espetáculos variando entre ritos religiosos, danças ou paradas civis. O Theatron encontra- se em ruínas relativamente conservadas ao lado do palácio real de Cnossos em Creta. O local das evoluções, no rés do chão, seria a orquestra, espaço criado posteriormente no anfiteatro de Tespis, onde se movimentava o coro do teatro grego. No século VI a.C. vamos encontrar a figura de Tespis como o precursor, como o criador do teatro e do seu 15 Palavra grega que designa o lugar de onde se vê o espetáculo, o espaço dos espectadores. Só muito mais tarde o teatro será concebido como o edifício inteiro, e depois a arte dramática ou a obra de arte dramática. (PAVIS, 1999:409) espaço. Tespis organizava coros cíclicos que entoavam cânticos a Dionísio, o deus da fecundidade, da alegria e do verão. Simples coros cujos componentes davam-se as mãos numa dança enquanto entoavam cânticos, homenageando o deus. As evoluções desse coro davam-se em locais públicos, praças sobre o chão simples, sem nenhum apoio. Tespis percebe a dificuldade que os que paravam atrás de outras pessoas tinham em contemplar o coro na praça. Não era possível enxergar. Ele cria, assim, tablados baixos e degraus de madeira que dispõe em torno do espaço central, em alturas diferentes, descortinando os movimentos do coro. Como todo o material era armado na praça, a apresentação acabava tornando-se uma perturbação ao movimento da cidade, já que a praça do mercado ficava repleta de pessoas atraídas para ver o espetáculo. As autoridades aconselhavam “circulai, circulai”. Desejando encontrar um local adequado, Tespis leva seu coro para o adro dos templos, mas ainda não era a melhor solução. 21 Encontra então nos arredores da cidade uma colina de suaves encostas, que se apresentava em semicírculo com um espaço livre aos pés, onde encosta os degraus de madeira. Observa que seria melhor cavar os degraus na encosta da colina, pedindo depois ao público que trouxesse almofadas. A parte central deste primitivo anfiteatro, destinada ao coro, passa a ser chamada de orquestra. Tespis isola então um dos membros do coro para que ele possa ser interpelado por eles. Este deveria permanecer estático para receber a réplica dos demais. Era o surgimento do protagonista. Nasce assim o teatro. Tespis, filho de Temone de Icária, uma região da Ática, teria, segundo a tradição, estruturado um primeiro diálogo em 534 a.C. para as Grandes Dionisíacas, planejadas em Aturas por Psístrato. Conta-se que Sólon (639-559 a.C.), legislador e poeta, assistindo ao espetáculo perguntou ao autor-ator como podia fazer aquilo. Não se envergonhava de dizer, de fingir uma coisa que não estava sentindo, enfim, de mentir daquela maneira? Registra-se a primeira reação que se conhece contra o ator envolvido por uma suspeita moral que o acompanhará em muitos países, em muitas civilizações. Desenvolve-se a representação de maneira diferente, de um lado os atores representando diversos personagens e do outro, o coro, em diálogo com esses personagens. A representação transcorria no espaço inicial da orquestra com seu chão de terra batida, em torno da tímele, espécie de altar sobre o qual estava a pedra de Ara. Sobre a pedra eram colocados, outrora, os sacrifícios ofertados aos deuses. Nesse caso ela permanecia no centro, despojada, sem nada em cima. No fundo o tablado inicialmente com pequena altura, onde se colocou a skénê, tenda tosca destinada a guardar os pequenos detalhes de caracterização dos atores que de lá saiam para seu encontro com o coro. O ator passa a ser designado "hypocrite", ou melhor: hipócrita, movimentando-se no espaço aberto pelos coreutas que se colocavam um pouco de lado, deixando um terço da orquestra livre para essa figura que, terminando sua atuação, voltava para a skénê. De acordo com vários autores, a cenografia – desde os tempos primitivos até o classicismo – busca empregar poucos elementos em sua composição. Esta 22 simplicidade visa o conceito da temática espiritual da história a ser contada. A palavra deveria ser valorizada em detrimento do visualpara que este não distraísse o espectador. A partir da tenda, da skénê, começa-se a criar uma primitiva cenografia empregando-se telões pintados em pano ou feitos com couro de animais, que eram substituídos de acordo com a história a ser contada. Téspis, a quem se atribui diversas peças, passa a atuar em outras cidades além de Atenas. Seu material cênico é levado numa carroça de rodas de madeira e distribuído dentro de um edifício construído inicialmente com madeira. A cenografia era colocada no tablado do fundo, que ainda permanecia baixo. A distribuição do espaço processa-se da seguinte maneira: I - O Kòilon, ou cávea, feito de degraus em semicírculo concêntricos divididos em setores, para o público. II - Orquestra, com a Tímele no centro (com a pedra de Ara) - local do coro. III - Pàradoi, que se encontravam nas extremidades do tablado, por onde entrava o coro, espécie de bastidores. IV - Proskènion, palco propriamente dito de onde os atores se comunicavam com o coro. V - A skénê, que ficaria colocada atrás da fachada. Posteriormente, quando a cenografia torna-se mais elaborada, representa na tragédia a frente de um palácio real e na comédia a moradia de pessoas comuns. “A fachada do palácio apresentava inicialmente três portas. Na sua evolução, passa por cinco portas, vindo a se encontrar em Jecmisso uma fachada com sete portas - a do centro mais alta e as demais em alturas diferentes”(AMICO, 1974:?). Essa fachada, posteriormente construída em tijolos e pedra, será em certas ocasiões escondida por telões pintados. Em muitas ocasiões eram concebidas cenografias constando de um telão pintado, montado em um carrinho com rodas que era colocado na frente da fachada; ou também de telões, pendurados no alto da fachada qual uma grande tapeçaria. Os telões apresentavam uma paisagem marinha ou campestre. Esses recursos (aos quais se juntarão posteriormente as máquinas) são empregados para a apresentação dos 23 três gêneros16, assim distribuídos em cenografias diferentes: 1- Para a tragédia uma fachada. 2- Na comédia antiga, vários locais: cidades, campos, céu e inferno. Na comédia nova, uma rua, uma praça com as casas dos personagens. 3- No drama satírico, uma paisagem, geralmente apresentando um bosque. À cena constituída como descrevemos, juntar-se-iam posteriormente as periactes, bastidores construídos em forma de prismas giratórios, com cada uma das faces pintadas de maneira a complementar os telões de fundo. Os atores entravam, além de pela porta do fundo, ao centro, por entradas laterais. Nenhum traço forte, nenhuma ruína de "Teatro", apresenta possibilidade de comprovação de que os gregos usassem o velário, o pano de boca, a cortina para esconder a cena. 16 O Prof. Campello exclui o MIMO. Segundo D‟AMICO, “Le forme tipiche del dramma greco son quattro: tragedia, dramma satiresco, commedia, mimo”. (AMICO,1974:26). O mimo era um tipo de farsa popularesca, provavelmente improvisada e muito apoiada na expressão corporal. Quanto à maquinaria surgida e usada no teatro grego para complementar a cenografia, não temos documentação que nos apresente datas precisas da sua criação, ou de quando foi essa ou aquela máquina introduzida. Conhece-se apenas o nome, a função e a maneira de funcionar. Presume-se que, inicialmente muito rudimentares, as máquinas fossem se aperfeiçoando até atingirem sua perfeição maior no período helenístico. Os principais dispositivos mecânicos usados, incorporados à cenografia, estão descritos a seguir: O Ekkyklema era uma plataforma móvel montada sobre rodas que se projetava do interior por uma porta da fachada para mostrar o que estava acontecendo dentro do palácio, ou da casa. De forma imprevista era apresentado o assassínio, ou a briga burguesa. A Mechanè fazia voar nos céus os deuses e certos heróis. Constava de guindastes disfarçados e de cabos, ou seja, de cordas muito grossas pintadas na cor do cenário (nas cores dominantes usadas nos telões pendurados ou nas periactes laterais). 24 Em outros casos o ator que interpretava um deus ou herói, vinha do céu num balcão, uma varanda aérea envolta em nuvens feitas de tecido pintado. O Theologhèion surge como uma plataforma alta, com estrutura de madeira, também com rodas que servia para apresentar de um lugar muito alto o deus intervindo no desfecho da ação. Era usado ainda como efeito para apresentar o deus em diferentes locais da cena. Para que outras personagens aparecessem em planos muito altos, mas fixos, era usada a Disteghia, um praticável colocado num ponto da cena. Os Anapièsmata foram usados para evocar deuses e heróis vindos das regiões subterrâneas e o Scale Caronee para descer sob a terra. Colocado o dispositivo numa parte da cena, à medida que aumentava a altura do palco com a passagem do tempo, maior se tornava o efeito da descida do personagem que desaparecia pela abertura onde estava instalado o dispositivo cênico. Nos tempos primitivos, por exemplo, em Os Persas de Ésquilo, quando o fantasma do rei Dario saia de sua tumba, o ator escondia-se dentro do túmulo, que deveria ter pouco mais do que a altura de um homem, até o momento em que a ação exigisse sua presença. Para isso era necessário apenas uma escada e uma tampa móvel. O Brotèion simulava trovões e os Keraunoscopèion, uma espécie de lanterna mágica para as lâmpadas que mostrava aos espectadores o outro lado da cidade, nadadores no meio das ondas, ou ainda apoteoses de heróis acompanhados por fogos de artifícios. O recurso do fogo de artifício seria empregado apenas no período helenístico. A Eccyclène, que girava e apresentava um interior de casa, seria já o palco giratório realizado em forma rudimentar - não descrita minuciosamente pelos autores que se dedicaram ao teatro grego. Outros meios para executar efeitos de subir ou descer eram obtidos com 25 escadas de mão, pequenas escadarias móveis ou tablados. Desde o primitivismo grego, o figurino surge como parte integrante da cenografia. Os trajes já possuem uma relação de forma e cor que aumentará com o passar do tempo, bem como a sua significação psicológica. Inicialmente os figurinos não seguiam uma linha histórica, mas convencional. A indumentária usada na vida contemporânea transformava-se através de estilização. O ator usava como roupa básica o chiton, espécie de túnica longa que chegava até aos pés, mas com um detalhe diferente das usadas pelos cidadãos comuns: possuía mangas compridas. Não era branca, mas em cores variadas e apertada por um cinto, não na cintura, mas sob o peito em vista das proporções exageradas que atingia a figura usando coturnos e máscaras17. 17 Dadas as dimensões do teatro grego, que poderiam receber até quatorze mil espectadores em um único espetáculo, a figura dos atores teve que ser necessariamente expandida. O que o Prof. Campello explica nesta passagem é como esta figura foi criada. O coturno adicionava ao ator cerca de vinte ou vinte e cinco centímetros. O onkos, espécie de diadema, mais outros vinte centímetros. Chegava-se assim a cinqüenta centímetros. Naturalmente a figura ficava distorcida. Como atingir o equilíbrio, ainda mais com o uso de uma máscara de grandes dimensões que Outras roupas eram a clámide, capacurta jogada e presa ao ombro esquerdo, e o himàtion, manto longo que envolvia a figura, colocado no ombro direito. Essas roupas eram em cores que simbolizavam seus personagens, como por exemplo: para os reis eram em púrpura, para os personagens que estavam de luto, em cores escuras. Os grandes heróis usavam uma coroa, os personagens exóticos, um traço característico dos costumes dos seus países, como um turbante se o personagem fosse persa. Para os deuses, os signos dos seus poderes como: um cajado, e um pequeno manto de couro de leão. A figura atingiu uma altura máxima, a partir da máscara coroada pelo onkos. Este era uma massa de cabelos elevada a determinada altura, sobre a fronte da máscara, num penteado ondulado, em linha vertical emoldurando o rosto. tinha uma espécie de amplificador vocal? Como o anfiteatro era inclinado, foi uma simples questão de perspectiva colocar o cinto um pouco abaixo do peito do ator e não na cintura. As mangas compridas e largas, inexistentes nos trajes cotidianos, deram o equilíbrio horizontal à figura. Devemos lembrar que a função primordial do coro era a dança e a sua movimentação deveria ficar impregnada na mente do espectador. Dentro do meu conhecimento, só Edward Gordon Craig, no início do século XX, virá retomar esta questão da dinâmica do figurino e sua movimentação como parte da integração e da unidade do espetáculo. A máscara usada será discutida pelo Prof. Campello na seqüência. 26 Os coturnos eram sapatos com solas imensamente grossas, ou melhor, plataformas que, juntamente com as roupas estilizadas e as máscaras com os onkos, aumentavam a altura, tornando as figuras quase gigantescas. Ao mesmo tempo, todo este aparato fazia desaparecer a personalidade do ator, transformando-o na estilizada fisionomia do personagem. A máscara, tanto na tragédia como na comédia, desempenhava juntamente com o figurino teatral a importante função de operar como identificador da personagem para o público. O conjunto deveria transmitir as características principais da personagem. Ainda que na tragédia a máscara apresentasse uma expressão de dor (chorando em trejeito triste) e na comédia risse sempre numa careta alegre, vamos encontrá-las subdivididas em muitos tipos. Alguns exemplos de máscaras para a tragédia podem ser assim distribuídos, na catalogação de Polluce: Velhos: -O muito decrépito, com algumas madeixas brancas. -O menos velho com barba branca, o de cabelos grisalhos e pele morena escura, como se estivesse no início da velhice. -O tirano de meia idade com barba escura. Oito tipos de jovens. Três tipos de servos. Onze de mulheres de várias idades, ou tipos de cegos desesperados, etc... Para a comédia: Nove tipos de velhos começando com os de tolos, simplórios ou idiotas. As máscaras de pais. As de rufiões. Onze de jovens. Sete de servos. Dezessete de mulheres18. 18 É realmente uma pena que o Prof. Campello não tenha colocado aqui todos os tipos com ilustrações. A reflexão é importantíssima, pois parte do princípio, com o qual concordo, de que figurino é tudo aquilo que interfere ou está apoiado no corpo do ator. As máscaras são, portanto, parte integrante do traje e conseqüentemente do cenário e do espetáculo. 27 Figura 2- Espaço onde se apresentavam jogos, danças e acrobacias. O THÉATRON (em grego: theàomai). 1700AC. Palácio Real de Cnossos, Creta. 28 Figura 3- Primitiva cenografia grega. 29 Figura 4- Anfiteatro grego - espaço primitivamente criado por Tespis. Figura 5- Reconstituição de uma representação do Agamenon de Ésquilo, no período clássico, século V a.C. 30 Figura 6- Ator do teatro grego, usando máscaras e coturno. Figura 7- Máscara trágica do Teatro Grego. 31 Figura 8- Sófocles Figura 9- Ésquilo Figura 10- Máscaras do teatro grego. 32 A CENOGRAFIA SOB OS ROMANOS A evolução do teatro latino se processa lentamente, sofrendo desde o início a influência do teatro grego do período alexandrino. Inicialmente eles apóiam os degraus de madeira na encosta de uma colina. O processo se inicia como outrora entre os gregos: os espectadores mantêm-se em pé, para tempos depois também sentarem-se em degraus de madeira, desmontáveis, colocados em semicírculos19. 19 É muito difícil discordar da afirmação do Prof. Campello, mas fatos concretos me levam ao questionamento da colocação dos degraus de madeira nas encostas da colina tal e qual entre os gregos, o que originaria determinado espaço teatral. O tablado que originou a cena romana era uma estrutura de madeira de cerca de um metro de altura, ao redor da qual se ajuntavam as pessoas. Estes palcos eram montados em regiões de alta competitividade pelo público. Estavam lá circos, feiras, mercados, dançarinas... Não havia esta disposição de se lutar pelas colinas. Outra razão leva a questionar na primitiva cena romana a montagem de platéia em semicírculos: era proibido sentar nestas apresentações do teatro romano antigo, o que permanece até pelo menos 150 a.C.. O Senado Romano também não permitia a construção definitiva de um edifício teatral. “O primeiro edifício teatral de pedra foi construído por Pompeu em 55 a.C.”(BERTHOLD, 2000:151). Em última análise, se verificarmos as maquetes de reconstrução da Roma Antiga, como a proposta por Silvio D‟Amico no volume I da Storia del Teatro, figura 102, veremos que a topografia do terreno onde estão construídos os principais teatros: Riconoscibili,Sinistra, o Circo Flamínio, o Teatro de Balbo e o Teatro de Marcello, é fundamentalmente diferente dos terrenos gregos. Os teatros gregos são construídos nas encostas. Os romanos crescem verticalmente em vários andares, dispensando o “apoio” das colinas (ainda que Roma tenha sete!). A estrutura dos dois tipos de teatro é muito diferente, o que impossibilita a ligação feita pelo No teatro romano, o coro passa a evoluir no proskenion, deixando livre a orquestra, a cávea, que irá ser ocupada por um público composto de personalidades importantes. O processo da cenografia dos espetáculos é a montagem das cenas das peças apresentadas e sua desmontagem depois de cada representação20. A cenografia começa de forma muito rudimentar, mas a partir do Iº século a.C. ela começa a se desenvolver e ultrapassa os modelos gregos pela riqueza e complicação. Ela parte de uma cena que apresentava um completo despojamento, usando apenas um tabique como fundo e divisão - sem o conhecimento dos telões pintados - para a utilização de revestimentos de mármore, de vidro e de metais preciosos. A primeira cenografia com telões pintados é realizada em 99 a.C. por ordem de um vereador, Claudius Pulcher. Em 58 a.C., outro magistrado, o vereador Seaurus manda Professor. De qualquer maneira, o teatro romano é baseado no grego. 20“O teatro romano cresceu sobre o tablado de madeira dos atores ambulantes da farsa popular. Durante mais de dois séculos, o palco não foi nada mais do que umaestrutura temporária, erguida por pouco tempo para uma ocasião e desmontada de novo” (BERTHOLD,2000:148) 33 construir um teatro com três andares que contava com trezentas colunas e três mil estátuas. Inicialmente feitos em madeira, os teatros depois passaram a ser construídos em pedra e em terreno plano. Começam a existir também os teatros fechados, ou seja, cobertos com um toldo que se desdobrava, ou se fechava, colocado em cima da circunferência aberta. Os romanos vieram a conhecer completamente o teatro grego na época da sua perfeição alexandrina, já no período helenístico. As periactes, os palcos giratórios, as aparições divinas através do emprego da mechanè, os trovões e as evocações dos mortos já estão presentes no teatro romano. Para o acompanhamento sonoro das peças, Claudius Pulcher cria um aparelho, que incluía ruídos, que passa a se chamar claudiana tronitua. Muitas máquinas nomeadas por Pollux fazem-nos ver que a cenografia sob os romanos passa a fazer do espetáculo uma exibição por vezes feérica21. Encontramos nessa época inicial, a invenção do pegma, uma máquina para efeitos cenográficos bastante difícil de se compreender, que era empregada 21 É bastante freqüente a descrição do teatro em Roma como um show contemporâneo: muito visual, muito barulho - mas pouco conteúdo. para mudanças de cena diante dos espectadores. Seria uma espécie de estrado-andaime apresentando a forma e as proporções de uma casa com vários andares suscetíveis a transformações. Começava seu funcionamento apresentando um movimento de andares que cresciam verticalmente e depois se recolhiam desaparecendo, entrando uns nos outros, numa descida. Em outros momentos desabavam subitamente, através de um movimento de contrapeso. Os romanos possuíam dois panos de boca: o grande, auleum e o pequeno, o siparium22. Usavam o grande para vedar em parte a boca de cena e apresentar diante dele os intermédios, ou seja, pequenas histórias, esquetes ou divertissements finais. Conhece-se mal a maquinaria e funcionamento dessas cortinas. Enquanto estas cortinas eram destinadas à cena, o velum era o toldo que cobria todo o teatro, tornando-o fechado para defender o público das intempéries, sendo geralmente muito luxuoso. Sob a regência do Imperador Nero era azul celeste, apresentando a efígie bordada do imperador guiando seu carro, num campo com parte em púrpura, semeada de estrelas douradas. 22 O siparium era uma cortina de fundo. 34 Os odeons eram teatros cobertos (com teto) que serviam para audições musicais. Quando construídos em dimensões muito reduzidas, serviam como auditoria para assuntos de justiça ou para leituras públicas realizadas sempre com grande satisfação por Sêneca ou Plínio, o jovem. Os romanos, como os gregos, davam sempre um caráter religioso23 às representações dramáticas. Elas eram realizadas para honrarem Bacchus24. As apresentações cênicas eram anuais ou extraordinárias, para festejar algum acontecimento especial. Eram sete as festas anuais: Ludi Romani, chamadas também magni ou maximi, em setembro apresentavam pantomimas etruscas e peças gregas, durante quatro dias; Ludi Plebeii, em novembro; Ludi Palatini, em janeiro; Ludi Cereales; Ludi Megalenses (em homenagem à Mãe dos deuses); Ludi Florales, em abril; e Ludi Apollinares, em 23 Novo impasse com o Prof. Campello. Se de um lado o teatro romano tem mesmo este caráter mais religioso, veremos que seu desenvolvimento é completamente brutal, pagão, cruel e desprovido de cunho espiritual que possibilite a comparação com o período áureo do teatro grego, voltado ao aspecto formal, espiritual e religioso do ser humano em essência, O próprio despojamento cênico, a busca pela limpeza cênica é um exemplo da busca do teatro grego.Em oposição está o teatro romano, que ornamenta seus edifícios da forma mais ostentativa possível. 24 As deusas padroeiras do teatro, em Roma, eram Tália, a musa da comédia e Eutérpia, a musa da flauta e do coro trágico. (BERTHOLD, 2000:139). Baco era o correspondente romano de Dioniso. julho. As festas extraordinárias eram representações oferecidas aos deuses em uma circunstância importante. Outras festas incluíam: as Dedicatórias, no momento em que erigia um monumento; Triunfais depois de uma vitória; Seculares, tornadas célebres pelos versos fúnebres de Horácio. Os espetáculos dramáticos faziam parte dessas festas ou das seculares fúnebres. As festas extraordinárias eram organizadas sob a direção dos cônsules e os magistrados presidiam as festas anuais. Os doadores - civis - presidiam os espetáculos privados. A presidência desses acontecimentos era geralmente muito dispendiosa para quem o dirigia. Essa autoridade, ou esse civil, equivaleria ao produtor dos nossos dias. Ele compraria a peça, pagaria aos atores, forneceria a cenografia e os figurinos, e no período inicial, quando os edifícios eram construídos em madeira, providenciaria a construção de um teatro. Esse “produtor” deveria dirigir-se a um chefe de troupe (como o fora Tespis no teatro grego) que se chamava dominus gregis. Este seria ao mesmo tempo o diretor e ator principal da peça. O teatro romano mantinha uma dependência das referências gregas em relação aos edifícios, figurinos e à cenografia. Embora tenha introduzido algumas 35 modificações quanto aos edifícios, como a transformação da orquestra em platéia e a criação do velum. A classificação da cenografia romana será a mesma da grega feita por Vitrúvio. A tragédia terá uma cenografia representando um palácio real em vários plano. A comédia terá uma rua, uma praça, com duas casas de frente; e para a satírica, telões apresentando um campo e uma parte de campo com árvores. Em mosaicos e pinturas de Herculano e Pompéia, encontramos figuras familiares da comédia greco- romana, bem como descrições em manuscritos de Terêncio. No gênero trágico, encontra-se a apresentação dos atores usando costumes - trajes gregos de teatro - com o acréscimo de um gênero de Toga, a praetesctata nacional (romana). Nas tragédias, os atores usam sapatos com plataformas semelhantes aos coturnos. Na palliate, o traje era semelhante ao da comédia nova, com suas cores simbólicas. Os velhos e velhotes usavam branco, os jovens roupas multicoloridas, os escravos roupas curtas como a clámide. Os personagens felizes usavam o branco, os infelizes andrajos, mulambos sombrios. Os ricos a púrpura e os pobres o vermelho comum. Os soldados uma clámide de púrpura e as prostitutas usavam o amarelo, sinal de sua cupidez. Usava-se também para certos personagens uma toga branca com largo debrum vermelho. A máscara foi usada em período tardio. As peças de Plauto e de Terêncio eram apresentadas com o rosto limpo, pois os romanos consideravam que o uso da pintura ou da máscara suprimiria a parte mais delicada da arte do ator. O público, no entanto, preferia o uso das máscaras pela fácil identificação dos caracteres da personagem. Os comediantes pintavam os rostos e usavam perucas ruivas, negras ou brancas. As máscaras trágicas exageravam os sentimentos dolorosos, semelhantes as do período de decadência grego. As cômicas representavam tipos determinados, e as da pantomima apresentavam uma expressão de serenidade. Em Roma, os atores eram recrutados entre escravos e considerados infames.Na Grécia, os papéis femininos eram interpretados por homens, mas em Roma, as figuras femininas já eram representadas por mulheres. Posteriormente, homens livres foram incluídos nas representações, mas manteve-se o hábito dos castigos corporais diante de qualquer erro ou engano do ator. Encontra-se em Plauto, no prólogo da Cisteharia, um 36 aviso: "Quem trabalhar como se deve, terá direito a uma bebida, mas quem errar será espancado". O ator que fosse vaiado pela interpretação considerada ruim, deveria retirar a máscara para receber a demonstração de desagrado, como uma humilhação. Um ator poderia interpretar mais de um papel, na mesma comédia, mas distinguiam-se os que recebiam os papéis mais importantes e eram considerados actor primarum partium. Com o decorrer do tempo, as construções tomam proporções maiores, e surgem teatros construídos com grandes dimensões para um público cada vez maior. O aparato cênico fica repleto dos efeitos das máquinas. Surge até mesmo o uso de fazer cair sobre os espectadores uma fina chuva de água perfumada (inspirados por hábitos orientais de espalhar flores), ou o de queimar ervas odoríficas na sala. Fazem também cair pequenos presentes, oferecidos pelos organizadores do espetáculo, pelos cônsules e depois pelo próprio imperador. Estes espaços tornavam-se inadequados para a apresentação das obras dramáticas que exigiam um espaço capaz de criar mais intimidade com o público. Em 55 a.C. Pompeu construiu em Roma um teatro magnificente. Poderia conter mais de vinte mil espectadores, era revestido com mármores poli cromados e refrigerado com água corrente. Nesses edifícios empregou-se uma cenografia imponente de acordo com suas proporções. A pintura foi empregada em imensos telões, incluindo os laterais montados em bases com rodas de madeira. Estes formavam um conjunto com a pintura do centro, como outrora na cena grega para a sátira, mas com proporções completamente diferentes, quase gigantescas. Os argumentos dos textos também eram diferentes. Chamava-se esse estilo de cenografia scaena versílis. Todas as máquinas já conhecidas, oriundas do teatro grego, tinham sido aperfeiçoadas. O pano de boca tornou-se um verdadeiro efeito ornamental da cena, colocado num mecanismo que o fazia surgir de baixo para cima, apresentando pinturas extremamente ricas e belas. Quando o Teatro de Pompeu foi inaugurado, Cicerone descreveu a representação de Clutémestra de Accio, apresentando o produto do saque que Agamenon transportava de Tróia. Pelo que se descreve em seguida pode-se imaginar as proporções dessa cena, desse palco. Na apresentação de Clutémestra 37 desfilaram trezentas mulas carregadas com parte do saque e na apresentação de Equos Troianus d'Andronica, ainda segundo descrição de Cicerone, figuravam três mil vasos preciosos pintados no palácio real de Príamo. O luxo dos costumes cênicos, dos figurinos, aumenta cada vez mais. Numa descrição de Horácio, na primeira carta do Livro II, ele conta um estrepitoso aplauso dirigido a um ator que apenas surgira em cena. P: Ele teria dito alguma coisa? R: Ainda não. P: E por que o aplaudem? R: Aplaudimos seu traje, de maravilhosa lã violeta! É ainda Horacio que conta, na mesma carta, que às vezes a cena permanecia alerta durante quatro horas, ou pouco mais, enquanto desfilavam grupos de cavalheiros e bandos de soldados. Depois com as mãos amarradas atrás das costas, surgiam em cena os reis vencidos, as bigas, os carros e os objetos de marfim. Outro documento traz narrada uma doação de Luculho. Procurado por um organizador de espetáculos que lhe solicitava cem trajes para um coro, ordenou que fosse fornecida a quantidade suficiente para organizar um guarda-roupa teatral capaz de atender completamente as necessidades daqueles tempos: cinco mil peças. Na transformação do coro, além da mudança na sua área de atuação, vamos encontrar modificações tendentes ao fausto e ao realismo, que deveriam ser as características principais da cenografia daquele período. Plínio descreve uma cena pintada apresentando casas com telhas tão bem executadas, que uns corvos esvoaçando pelo teatro, então aberto, procuraram pousar sobre os telhados. Em uma comédia de Afrânio, apresentada durante o reinado de Nero, chamada Incendium foram incendiadas as casas que estavam construídas na cenografia. Quanto à maquinaria, ela chega ao virtuosismo nessa época. Numa representação de um Orpheus, usando maquinas disfarçadas, surgiam feras e pássaros, árvores e rochas que seguiam os passos do protagonista. Com esse desenvolvimento técnico, os escritores começam a não mais trabalhar em obras sérias, em tragédias, porque não as queriam sob mise-en-scène espetacular que lhes obscurecessem o valor espiritual. Na lenta decadência do Império Romano, o teatro caminha sempre entre o luxo, a lascívia, e a corrupção 38 dos costumes. Vem para o teatro, importado do circo, o gosto do sangue e da tortura. Muitas são as narrativas de espetáculos que chegam a um realismo que provoca o derramamento de sangue, ou algo como um condenado a morte que substituiu um ator e teve sua mão queimada diante do público. A cenografia, no melhor sentido da palavra, cede lentamente seu lugar aos efeitos obtidos através das máquinas. O teatro perde seu lugar em benefício do circo, das lutas de gladiadores, das corridas de bigas e até das batalhas navais, as naumachiai25. A união do teatro grego com o teatro latino, sonhada pelos poetas e escritores, desaba. A cenografia, com sua pintura e seus recursos de maquinaria, passa a servir à preparação das orgias que se desenrolam em Roma, e depois em Bizâncio, no ocidente e no oriente. O verdadeiro espetáculo teatral vai gradativamente desaparecendo e é substituído pelos jogos circenses. Em Constantinopla, Teodora, filha de um tratador de cavalos do hipódromo, mulher de extraordinária beleza e habilidade, torna-se imperatriz, casando-se com Justiniano. Ela concretiza seu interesse pelo circo em 25 Batalhas organizadas em teatros preparados para receberem água numa platéia fechada, onde iriam flutuar, depois, os barcos que seriam usados no jogo. detrimento do teatro em decadência. Assim, a cenografia nascida no arcaísmo e desenvolvida no brilho do século V - no classicismo - conhece seu eclipse justamente no esplendor máximo do Império Bizantino. A tragédia desaparece para dar lugar à dança e à pantomima. Neste quadro, a Igreja (que mais tarde, na Idade Média, será a motivação do ressurgimento do teatro) contribui com o eclipse do teatro por razões óbvias26. A Igreja combate sistematicamente a dança e a pantomima, que tinham seus argumentos principais voltados para a mitologia e os deuses pagãos. Era um momento de grande devassidão também entre os atores, passando o teatro a servir de fonte à violência e à orgia. Mesmo depois do Édito de Constantinopla, o paganismo custava a desaparecer. No teatro continuava-se a cultuar a vida do mito, o culto pagão. O poder temporal da Igreja desponta justamente neste período, combatendo fortemente esta forma de expressão artística. Nada poderia ser modificado enquanto durasse a luta entre Juno e Cristo. Os deuses pagãos, para os fiéis 26 O Prof. Campello não esclarece os motivos, mas dentre eles certamente estão o poderio econômico e a captação denovos fiéis. 39 cristãos, não eram figuras retóricas e, sim, demônios, espíritos infernais! Nenhuma trégua era possível. Os templos teatrais foram demolidos, as suas estátuas (na visão da Igreja), que antes de serem obras-de-arte eram ídolos, foram destruídas. As fábulas que pretendiam não serem fábulas e, sim, expressões da realidade foram proscritas, banidas. Era no teatro de variedades, o qual tanto se desenvolvia naquela fase, que aconteciam as obscenidades das representações, as quais os cristãos consideravam forma de lascívia, incesto e crime. As manifestações teatrais eram consideradas ímpias e imorais. As vozes, que se elevam contra a degeneração nas representações, tornam-se cada vez mais altas, contando com nomes como Cipriano, Ambrosio, Tertuliano e Lattanzio. Tudo isso não significa que o povo, ainda semi-cristão, aceitasse facilmente as determinações da Igreja e até a ameaça de excomunhão para os que não se afastassem dos espetáculos. Salviano denuncia a predileção do povo pelo teatro quando afirma que nos dias festivos as igrejas ficavam vazias e os teatros, repletos. São Leão Magno pergunta irado à multidão: “Que resultado espiritual pretendem obter se, na oração, desdenham a atuação dos sacerdotes, trocando tudo pelos espetáculos?” Para uma série de personalidades desse mundo de então, como Rabano Mauro27, pronunciar a palavra teatro era fazer uma referência ao lupanar28. "Os espetáculos não são entretenimento para os cristãos" declara Regino, escritor abade do mosteiro de Prüm29. Anteriormente, Tertuliano30 no seu tratado inteiramente dedicado ao teatro, De spectaculis, fundamenta sua tese no fato de que o teatro originara- se de culto idólatra, e que seus temas principais seriam a paixão e o crime e, assim, não seria possível se assistir a um espetáculo teatral sem participar espiritualmente do acontecimento imoral, e por conseguinte, sem pecar. Ele considera o teatro o sacrário de Vênus, a arte de todas as obscenidades. Descreve nessa obra que uma 27 Monge beneditino nascido em Winkel, Mageincia em 776, o representante mais importante da literatura enciclopedista dos primeiros séculos da Idade Média, com vasta obra destacando-se: O Universo e O Cálculo. Tornou-se arcebispo de Moguncia, em 847. 28 Prostíbulo. 29 Nascido em 915, sua obra mais importante é uma crônica que focaliza a história a partir do nascimento de Cristo até 906. 30 Escritor eclesiástico, nascido em Cartago no ano de 160, formado em jurisprudência, exerceu a advocacia em Roma, convertendo-se à fé cristã, impressionado com os mártires cristãos em 190. 40 vez ao exorcizar uma mulher endemoniada, que desmaiara ao assistir a um espetáculo, o mau espírito declarou pela sua boca: Esta mulher é minha porque a encontrei envolvida com o teatro e o teatro é a minha casa. Esse é o julgamento que se começa a fazer do teatro - antes do ano 200 - e que se desenvolve na consciência cristã e envolve, naturalmente, a profissão do ator, proibida aos cristãos e principalmente aos eclesiásticos. O teatro é colocado como imoral na sua própria natureza e o ator empresta sua personalidade aos demônios. O julgamento cristão torna o ator uma figura contestada, representante do teatro através da sua entrega total ao personagem. É a renuncia de si próprio, sua exposição pública, prostituindo seu corpo batizado, cedendo sua alma, redimida pelo sangue de Cristo, aos malvados heróis do drama, às torpezas de Apolo e Vênus, ou a libertinagem de mulheres e homens. Tudo isso fará com que o pensamento cristão considere o ator como um possesso, um vendedor da sua alma. Na verdade, o que se refutava era o gênero de teatro que então estava em voga. As personalidades influentes passam a discutir não a necessidade do desaparecimento do teatro, mas a de sua reformulação. O homem-ator poderia não se colocar na posição de oferecer o seu trabalho de representação de espíritos de uma arte criminosa e luxuriosa, ode representa homens e heróis corruptos. Ele poderia passar a representar anjos, santos, apóstolos, as piedosas mulheres que se encontravam no Santo Sepulcro... A própria Virgem Maria! O próprio Nosso Senhor Jesus Cristo! Assim, não estaria exposto ao demônio, mas santificaria-se através dessa nova interpretação. A nova função do teatro seria apostólica, arauto de uma nova era, passando da idolatria para a mística da verdadeira religião; do ritual diabólico para o ritual do Deus verdadeiro. É através desse conceito31 que o teatro em decadência iria renascer. De suas ruínas, o teatro seria, na Idade Média, colocado como o novo teatro: o grande teatro cristão32. 31 Bastante perigoso, por sinal. 32 Que Deus e os deuses tenham piedade de tudo o que foi feito em Seus Nomes pelos sacerdotes. 41 Figura 11- Máscara trágica do Teatro Romano. Figura 12- Cenografia no Teatro Romano. Figura 13- Máscara de jovem – Teatro Romano. 42 A IDADE MÉDIA, AS FESTAS MEDIEVAIS. A era Medieval foi colocada até recentemente como um longo estágio tenebroso, pleno de ferocidade e barbarismo. Não haveria o menor traço de atividade teatral nas épocas mais remotas da duração do seu ciclo. As descobertas modernas mostraram o equívoco dessas afirmações. Não foram construídos teatros em pedra ou tijolo na Era Medieval porque o desenvolvimento do teatro não requeria uma instalação com as características de outrora. Mesmo sem um edifício específico para a cena, o teatro medieval existiu como continuação do teatro clássico, salvando este último do desaparecimento. Novas características originais permitirão que do teatro antigo nasça o teatro moderno. Muitos elementos importantes compõem a história da Idade Média. Poderíamos apontar, como um dos mais importantes, a presença dos bárbaros. Inimigos de Roma, que por muito tempo impossibilitaram e detiveram o desenvolvimento romano, conquistam a Europa do centro e do sul. A Igreja absorve os elementos da cultura bárbara e promove sua “regeneração” pelo Evangelho. Restará, no entanto, sempre a presença da Roma eterna e seu passado glorioso. A língua romana foi adotada pela Igreja, e a literatura clássica preservada pelos monges e religiosos. O teatro medieval irá refletir essas influências. O teatro não volta de imediato a ter uma cenografia concebida em função da praticidade de determinada cena. No início deste período, a arte teatral se manterá no plano literário, para mais tarde, como veremos, estruturar a construção de uma nova cena. Ocupando um lugar de destaque nesses séculos estão as correntes eruditas profanas. São homens e estudiosos que tentam perpetuar o culto da antiga literatura, com trabalhos sobre os clássicos gregos e latinos. Em segundo plano, porém não menos importante, encontra-se uma corrente mais rica e importante de escritores religiosos que tentam a conciliação do novo espírito religioso com os antigos cultos pagãos, escrevendo dramas sacros em estilo levemente clássico. Eram, porém, motivações literárias para filósofos, não chegando de fato à representação. 43 O mundo antigo terminará por não legar nenhuma forma dramática viva ao mundo medieval. A cenografia já vinha perdendo lugar desde Roma, quando o teatro desaparecia aos poucos e cedia lugar aos jogos grandiosos e bárbaros do
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