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Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 1 Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Olá amigos, Bom dia! Boa tarde! E Boa noite! Nosso objetivo de hoje: Aula 1: Aula 01: Continuação: 2 Inquérito policial: grau de cognição, valor probatório, indiciamento e garantias do investigado. 2.2 Atribuições da polícia federal na persecução criminal: Lei nº 10.446/2002; 1 Direto processual penal. 1.1 Princípios gerais, conceito, finalidade, características. 1.2 Fontes. 1.3 Lei processual penal: fontes, eficácia, interpretação, analogia, imunidades. 1.4 Sistemas de processo penal. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 2 Inquérito Policial ...continuação Grau de cognição Entende-se por grau de cognição o nível de conhecimento que determinado instrumento proporciona. Ou seja, a profundidade que, no caso, o inquérito policial é capaz de gerar para fins de convicção do julgador para a admissão ou não admissão da ação penal, ou até mesmo para a decretação de medida cautelar submetida à cláusula de reserva jurisdicional. Nesse aspecto se percebe que o grau de cognição do inquérito policial é limitado, pois se restringe à criação da denominada justa causa, que implica num lastro probatório mínimo composto pelos indícios de autoria e a prova da existência do crime. Trata-se assim, não de um juízo de certeza, mas de um juízo de verossimilhança (investigação sumária). Nesse contexto aponta Aury Lopes Júnior: interessa-nos a investigação sumária, mais adequada aos fins da fase pré-processual e aos postulados do moderno processo penal. ... significa que a investigação preliminar está limitada à atividade mínima de comprovação e averiguação da materialidade e da autoria, necessária para justificar o exercício ou não exercício da ação penal, isto é, para decidir sobre o processo e o não-processo.1 Conforme grande parte da doutrina afirma, o inquérito policial tem conteúdo meramente informativo, pois apenas fornece elementos necessários para a caracterização da justa causa da eventual e futura ação penal. Nesse diapasão é a posição da 6ª turma do STJ: 1 Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, vol. I, p. 236/237. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 3 CONDENAÇÃO. PROVA. INQUÉRITO. O acórdão condenatório proferido pelo TJ lastreou-se apenas em provas colhidas no inquérito. Porém a função do inquérito, como se sabe, é de fornecer elementos tendentes à abertura da ação penal (vide Exposição de Motivos do CPP, arts. 12 e 155, desse mesmo código, este último na redação que lhe deu a Lei n. 11.690/2008), pois, conforme vetusta doutrina, a prova, para que tenha valor, deve ser feita perante o juiz competente, mediante as garantias de direito conferidas aos indiciados e de acordo com as prescrições estabelecidas em lei. Assim, o inquérito toma feitios de instrução provisória, cabendo à acusação fazer a prova no curso da instrução criminal ou formação da culpa, atenta ao contraditório: é trabalho da acusação transformar os elementos do inquérito em elementos de convicção do juiz. Dessarte, a condenação deve fundar-se, sobretudo, nos elementos de convicção da fase judicial, o que não ocorreu na hipótese. Precedentes citados: HC 112.577-MG, DJe 3/8/2009; HC 24.950-MG, DJe 4/8/2008, e HC 56.176-SP, DJ 18/12/2006. HC 148.140-RS, Rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 7/4/2011.2 Grifos acrescidos Desse modo, o inquérito policial tem valor probatório relativo, pois nessa fase, inquisitiva, os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, tampouco na presença do Juiz de Direito, o que por si só afasta a condicionante para se transformar um elemento de informação em prova. Nesse sentido é a lição de Afrânio Silva Jardim: A prova carreada para o inquérito não tem por finalidade o convencimento do juiz, mas apenas dar lastro probatório à eventual ação penal, tendo em vista que a simples instauração do processo, pelo “strepitus fori”, causa dano social irreparável ao réu. Por isso o inquérito policial é um procedimento administrativo-investigatório absolutamente sumário, voltado exclusivamente para a viabilização da ação penal, infelizmente, na prática, por motivos vários que aqui não cabe examinar, o inquérito foi transformado numa longa e morosa investigação, em que se procura apurar os mínimos detalhes da infração penal, colhendo-se provas sobre fatos já demonstrados e que 2 Informativo 468 do STJ. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 4 deveriam ser produzidas exclusivamente em juízo, evitando-se a lenta e monótona reprodução de atos.3 Valor Probatório A princípio deve-se reafirmar que, tecnicamente, só há prova quando houver contraditório e ampla defesa, esse é o pilar do garantismo penal conhecido como contraditório e defesa, idealizado por Luigi Ferrajoli. Como vimos, prevalece o entendimento de que no inquérito não é necessário assegurar contraditório e ampla defesa, pois o mesmo é um procedimento administrativo e não um processo, além de ter como característica a inquisitividade. Nesse contexto, o inquérito policial, se for valorado, o deve ser de maneira comedida, à luz da nova dicção do art. 155 do CPP, que acabou por viabilizar a excepcionalidade da utilização dos elementos colhidos na investigação como provas. Vejamos a redação do dispositivo com a redação dada pela lei nº 11.690/08: "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas". Sobre o dispositivo comentamos: “Assim, extrai-se que o Juiz deverá amparar-se em prova produzida em contraditório judicial, permitindo-se, no entanto, que essa prova seja complementada pelos elementos de informação produzidos no inquérito policial. Assim, a prova que embasará uma condenação não poderá ser exclusivamente aquela produzida no 3 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal; Estudos e Pareceres. 8' ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 45. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 5 inquérito. Ocorre que, em um interpretação literal do dispositivo, seria possível afirma que, excepcionalmente, o juiz poderá condenar com base em “prova”4 produzida exclusivamente no inquérito policial. Embora arriscada a conclusão, a mesma é possível no contexto das denominadas provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas na dicção do artigo supramencionado. Entende-se por prova irrepetível aquela que não pode ser novamente produzida em momento posterior, haja vista a probabilidade de perecimento, destruição ou desaparecimento. Ex.: Perícia no crime de lesões corporais. Prova cautelar, segundo Renato Brasileiro de Lima, é aquela em que há um risco de desaparecimento do objeto da prova em razão do decurso do tempo, em relação à qual o contraditório será diferido. Ex.: Interceptação telefônica. Já a prova antecipada é produzida judicialmente sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, mas antes da instrução criminal5. Ex.: Art. 225 do CPP.”6 Ainda tem relação com o ponto o tema: Vícios no Inquérito Policial. Indaga-se: “Os vícios no Inquérito Policial podem provocar a nulidade de um processo criminal?! Responde-se: NÃO! Não macula a ação penal. A Ação Penal é autônoma. Deve-se ter atenção, pois o termo nulidade é afeto ao processo, caracterizando-se, dentre outras discussões, como sanção processual aplicável ao ato processual que desrespeita a forma exigível. Como o 4 Chamada de prova inquisitorial segundo Denilson Feitoza, mas que ao nosso entender, seria melhor denominda de prova inquisitiva, diante da observação exposta por nós no início do presente trabalho inspirada nas características do processo penal elaboradas pelo professor Rogério Lauria Tucci em sua Teoria do Direito Processual Penal. 5 Fase do processo destinada ao convencimento do juiz a respeito do caso penal. 6 CRUZ, Pablo Farias Souza. Processo Penal Sistematizado. No prelo a 1ª edição. Rio de Janeiro: Grupo Gen: Forense, 2013, p. 264. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 6 inquérito é procedimento e não processo, não há que se falar em nulidades nesse contexto. Para o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça os vícios do Inquérito Policial não contaminam o processo, uma vez que o IP é dispensável. Entretanto, irregularidades podem ocorrer na fase investigatória e, diante de tal desrespeito, o caso concreto irá indicar sobre a possibilidade de sanar ou ignorar o vício apresentado durante e no contexto dessa fase. Quanto ao reflexo da irregularidade do inquérito na futura ação penal com ele instruída, deve-se atentar para os chamados elementos migratórios. Assim, se um vício vincular um elemento migratório e o juiz se valer dele para sentenciar, o processo, agora sim, será nulo. Pode-se entender por elementos migratórios, por exemplo: as provas irrepetíveis que são produzidas na fase do IP. Tal conclusão é decorrência da nova redação do art. 155 do CPP. Demonstrando a cautela que se deve ter ao tratar o presente tema, verifica-se decisão do STJ sobre a operação Satiagraha, vejamos: “DECISÃO Participação da Abin tornou ilegais investigações da Operação Satiagraha A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegais as investigações da Operação Satiagraha e anulou a ação penal em que o banqueiro Daniel Valente Dantas, do grupo Opportunity, havia sido condenado por corrupção ativa. Por três votos a dois, os ministros decidiram nesta terça-feira (7) que a operação da Polícia Federal foi ilegal em razão da participação de funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e que, por isso, as provas reunidas na investigação não podem ser usadas em processos judiciais. “Se a prova é natimorta, passemos desde logo o atestado de óbito, para que ela não seja usada contra nenhum cidadão”, disse o presidente da Quinta Turma, ministro Jorge Mussi, ao dar o voto que desempatou o Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 7 julgamento, dando vitória à tese sustentada pelo relator do caso, o desembargador convocado Adilson Vieira Macabu. Antes dele, a ministra Laurita Vaz, que havia pedido vista do processo na sessão de 5 de maio, votou contra a concessão do habeas corpus pedido pela defesa de Daniel Dantas e deixou a situação empatada em dois a dois. A defesa do banqueiro entrou com habeas corpus no STJ alegando que os agentes da Abin, contrariando a lei, participaram das investigações ao atuar em procedimentos de monitoramento telefônico, monitoramento telemático e ação controlada. Parecer do Ministério Público Federal opinou pela nulidade de toda a investigação. A Operação Satiagraha, desencadeada em 2004, tinha o objetivo de apurar casos de corrupção, desvio de verbas públicas e crimes financeiros, mas apenas dois processos foram concluídos na Justiça Federal: um condenou Daniel Dantas por corrupção ativa; o outro condenou o delegado condutor do inquérito, Protógenes Queiroz (hoje deputado federal), e um escrivão por fraude processual e quebra de sigilo profissional. Voto vencido A ministra Laurita Vaz votou contra o habeas corpus por entender que a condenação de Daniel Dantas na 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo (por ter, supostamente, oferecido suborno a um delegado federal) não se apoiou em provas cuja produção tivesse contado com a participação de agentes da Abin. “Eventuais irregularidades dessa ordem em procedimentos inquisitoriais outros não teriam o condão de contaminar a prova colhida para instrução da ação penal que apurou o crime de corrupção”, afirmou a ministra. “Mesmo que se admita que houve a participação de agentes da Abin nos referidos procedimentos investigatórios, tal participação não estaria bem delineada”, acrescentou Laurita Vaz. Assim, segundo ela, qualquer conclusão sobre nulidade das provas derivadas da investigação dependeria de uma análise detalhada sobre o envolvimento dos agentes – análise esta impossível de ser feita no julgamento de habeas corpus, que exige prova constituída previamente. “Em relação à apuração do crime de corrupção, o juiz federal processante foi categórico ao afirmar que não há nos autos da ação penal elementos de prova aptos a demonstrar a participação de agentes da Abin nas diligências consideradas na persecução penal em questão”, disse a ministra. Posição da maioria Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 8 Para o ministro Jorge Mussi, porém, o envolvimento da Abin ficou demonstrado em documento no qual a Polícia Federal determinou a apuração interna de irregularidades na operação. Segundo o documento lido pelo ministro, há vários elementos indicando a atuação de servidores da Abin, “sem autorização judicial e sem nenhuma formalidade”. Eles teriam acessado informações sigilosas, fotografado, filmado, gravado e analisado documentos reservados, além de ouvir interceptações telefônicas e produzir relatórios. Jorge Mussi citou a sentença do juiz da 7ª Vara Criminal Federal, que condenou o delegado e o escrivão, para dizer que o esquema de investigação informal montado na Satiagraha “representa um modelo de apuração próprio de polícia secreta, à margem das mais comezinhas regras do Estado Democrático de Direito”. Na opinião do presidente da Quinta Turma, toda a operação mostrou “uma volúpia desenfreada de se construir um arremedo de prova, que acaba por ferir de morte a Constituição”. Ele disse que “é preciso dar um basta nisso, antes que seja tarde”. “Se me perguntassem se a Abin poderia atuar em investigação, compartilhando informações, com autorização judicial para isso, eu diria que sim.Sem autorização judicial, também, desde que requisitada. O que não pode é fazer como foi feito, na clandestinidade”, afirmou o ministro. Ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal já consagrou a chamada Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, segundo a qual uma prova ilícita contamina de ilegalidade todas as outras decorrentes dela. O julgamento No voto que iniciou o julgamento, em 1º de março, o desembargador convocado Adilson Macabu foi favorável à concessão do habeas corpus. Ele considerou que a ação penal contra o dono do Opportunity deveria ser anulada, pois se baseou em provas obtidas com a participação ilegal de mais de 70 agentes da Abin, além de um ex-funcionário do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) contratado em regime particular. Segundo o relator, o inquérito da Operação Satiagraha contém vícios que “contaminam” todo o processo e caracterizam abuso de poder, contrariando os princípios da legalidade, imparcialidade e do devido processo legal. O ministro Napoleão Nunes Maia Filho deu seu voto antecipadamente na sessão de 1º de março, acompanhando o relator. A divergência foi aberta em 5 de maio, quando o ministro Gilson Dipp votou contra o pedido da defesa de Daniel Dantas. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 9 De acordo com o ministro, a competência da Abin – assessorar a Presidência da República em assuntos relacionados à segurança e a outros altos interesses da sociedade e do Estado – não exclui a possibilidade de sua participação em atividades compartilhadas com a polícia. Segundo Dipp, não haveria ilegalidade na cessão de recursos humanos e técnicos da Abin para atuação em conjunto com a Polícia Federal em investigação relacionada aos seus propósitos institucionais, desde que a coordenação ficasse a cargo da autoridade policial responsável pelo inquérito. A ilicitude da participação da Abin só se evidenciaria na falta dessa coordenação, mas, para avaliar isso, segundo o ministro, seria necessário um reexame profundo e detalhado de todos os fatos, o que não é possível em análise de habeas corpus. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.ar ea=398&tmp.texto=102135 Aparentemente abordando o conhecimento relacionado à referida decisão encontra-se questão da magistratura federal realizada pela Cespe em 2011, vejamos: “Prova: CESPE – 2011- TRF1 – JUIZ FEDERAL Em relação ao inquérito policial, assinale a opção correta com base no direito processual penal. a) Na atual sistemática processual penal, resta vedada instauração de inquérito policial em relação aos crimes de menor potencial ofensivo, em qualquer hipótese, em face do preceito legal expresso que determina a lavratura de termo circunstanciado, pelo qual não se admite submissão do autor do fato ao constrangimento do procedimento inquisitivo, como, por exemplo, à condução coercitiva e à identificação criminal. b) Os vícios ocorridos no curso do inquérito policial, em regra, não repercutem na futura ação penal, ensejando, apenas, a nulidade da peça informativa, salvo quando houver violações de garantias constitucionais e legais expressas e nos casos em que o órgão ministerial, na formação da opinio delicti, não consiga afastar os elementos informativos maculados para persecução Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 10 penal em juízo, ocorrendo, desse modo, a extensão da nulidade à eventual ação penal. c) Ordenado o arquivamento de inquérito policial instaurado antes da constituição definitiva do crédito tributário, de modo a atender a força impositiva de verbete sumular vinculante, resta vedado, em qualquer hipótese, o seu desarquivamento, mesmo sobrevindo constituição do crédito tributário, após o encerramento do procedimento administrativo/fiscal, porque o fundamento da decisão judicial é a atipicidade do fato, cuja eficácia preclusiva é de coisa julgada material. d) Considere a seguinte situação hipotética. O MP, ao oferecer denúncia, não se manifestou, de forma expressa, em relação a alguns fatos e a determinados agentes investigados, cujos elementos estão evidenciados no bojo do inquérito policial. Nessa situação hipotética, restam assentes doutrina e jurisprudência pátria acerca da ocorrência do pedido de arquivamento implícito ou arquivamento indireto, por parte do órgão de acusação, exigindo-se, contudo, para os devidos efeitos legais, decisão judicial expressa de arquivamento. e) O atual entendimento consolidado na jurisprudência dos tribunais superiores prevê a possibilidade de retratação do pedido de arquivamento de inquérito policial, independentemente do surgimento de provas novas, desde que não tenha ocorrido ainda o pronunciamento judicial, visto que prevalece o interesse público da persecução penal. “ O gabarito oficial da questão informou como correta a opção B, colocando em dúvida a afirmação doutrinária clássica de que não existem nulidades no Inquérito Policial (mormente pelo final da afirmação) e de que eventuais vícios no procedimento investigativo não teriam o condão de anular a ação penal. Assim, o que se viabiliza é o raciocínio a respeito da teoria dos frutos da árvore envenenda bem como de suas eventuais mitigações, principalmente as Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 11 decorrentes das teorias da fonte independente, da descoberta inevitável e da contaminação expurgada.”7 Indiciamento. O indiciamento é o ato pelo qual a autoridade policial reúne um conjunto de elementos de informação em relação à um ou mais suspeitos, de modo a demonstrar a plausibilidade da autoria apurada no procedimento investigativo. Trata-se, o indiciamento, de um ato do delegado de policia, e, em que pese desnecessário, tem aptidão para produzir constrangimento natural na vida do mesmo, haja vista a inclusão da informação de indiciado em sua folha de antecedentes. São ainda consequências práticas do indiciamento: 1) Dificuldade de trancamento do inquérito; 2) Viabilidade da impetração de HC (MS para alguns a depender da hipótese) em caso de indiciamento ilegal; 3) Determinação da tipificação aparente da conduta, o que refletirá na adequação do procedimento investigativo a ser seguido (TCO ou IP a depender da hipótese); 4) Viabilização dos eventuais pedidos de prisão preventiva, prisão temporária e demais medidas cautelares penais; e 5) Necessidade cientificação do indiciado a respeito dos direitos fundamentais que lhe assistem diante dessa configuração. 7 CRUZ, Pablo Farias Souza. Processo Penal Sistematizado. No prelo a 1ª edição. Rio de Janeiro: Grupo Gen: Forense, 2013, p. 253/257. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 12 Garantias do investigado. Inicialmente verificamos que o investigado pode requerer diligências à autoridade policial (art. 14). A Convenção Americana de Direitos Humanos enumera garantias relacionadas ao inquérito policial, vejamos: “item 8.2. *presunção de inocência; * direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensorde sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; * direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna. * direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.” Entre outros direitos decorrentes do que passaremos a expor, são garantias do investigado: “Direitos assegurados ao preso e regras sobre prisão XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (S.V.:11); Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 13 LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;”8 Uma outra garantia do investigado é não ser privado do direito de se comunicar com seu advogado. Trata-se da vedação da incomunicabilidade do indiciado. Incomunicabilidade Atualmente o indiciado tem direito a se comunicar com advogado (art. 7º, III, lei 8906/94). Com base no Art. 136, §3º, IV, CF entende-se que o art. 21 do CPP também não foi recepcionado pela CF, pois se no Estado de Defesa, que é um estado de exceção, é vedada a incomunicabilidade 8 Trecho do nosso Direito Constitucional Fundamental: CRUZ, Pablo Farias Souza. Direito Constitucional Fundamental. Juiz de Fora/MG: 1ª edição, 2013, p. 253. 2008 STF Analista judiciário Com relação aos direitos e garantias fundamentais, julgue os itens que se seguem. 63 O preso tem direito à identificação dos responsáveis pelo seu interrogatório policial. C Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 14 do preso, quiçá num Estado Democrático de Direito, que é um estado de normalidade institucional. Art. 21, CPP: “A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir”. “Parágrafo único: A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963)”. Art. 7º, III, lei 8906/94: “São direitos do advogado:” “III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”. Art. 136, §3º, IV, CF: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. “§3º - Na vigência do estado de defesa:” “IV - é vedada a incomunicabilidade do preso”. Art. 5º, inciso LXIII da CF- o preso será informado de seus Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 15 direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; 2.2 Atribuições da polícia federal na persecução criminal: Lei nº 10.446/2002; Segundo a Constituição Federal, é atribuição da Polícia Federal apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei. Dispõe o texto constitucional: Art. 144. ... § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 16 Visando especificar o estipulado pela CF/88 em seu art. 144, § 1º, inciso I, criou-se a lei 10.446/02. Vejamos a disposição legal, de maior interesse, realçando o que for de maior interesse, haja vista se tratar de lei de somente dois artigos, sendo que o segundo dispõe sobre sua vigência. Art. 1o Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: I – sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação. Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizadaou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça. Sobre o dispositivo citado, bem comenta Guilherme de Souza Nucci que: a atuação da Polícia Federal, autorizada pelo art. 144, §1º, I da CF/88, especificada pela lei em comento, não transfere da Justiça Estadual para a Federal, automaticamente, a competência para processar e julgar o crime, ainda que o inquérito tenha sido Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 17 formado pelo órgão policial federal.9 Detalhe importante é que, no que tange à motivação política prevista no inciso I, insta discernir a existência de motivação política da configuração do crime político. Nesse sentido se afirma que: praticar sequestro (ou cárcere privado) ou extorsão mediante sequestro somente com motivação política não é suficiente para transformar o crime em político. Exige-se, ainda, o objetivo político a ser atingido, bem como as lesão aos seguintes bens jurídicos: I – integridade territorial e a soberania nacional; II – o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III – a pessoa dos chefes dos poderes da União. ... exemplificando, se houver o sequestro, como motivação e objetivo políticos, do Chefe de algum dos Poderes da União, é delito político, a ser investigado pela Polícia Federal e julgado pela Justiça federal. Entretanto, a extorsão mediante sequestro de um empresário da iniciativa privada, ainda que motivado politicamente, para arrecadar fundos para atuação no exterior, é crime comum, de competência da Justiça Estadual.10 A exemplificação acima exposta visa elucidar o cuidado que o estudioso deve ter ao verificar a competência da justiça federal para julgar crimes políticos e a atribuição prevista em lei especial para a policial federal atuar na fase investigativa. Assim, vale expor as disposições normativas em quadro comparativo. Vejamos: 9 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, v. I. 6ª ed. 2012. São Paulo: RT, p. 72. 10 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, v. I. 6ª ed. 2012. São Paulo: RT, p. 73/74. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 18 Art. 109, IV, primeira parte, CF/88 Art. 1º, § 1º, inc. I da lei 10.446/02 Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: ... IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; Art. 1º Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, ..., proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: I – sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; Sobre a lei ora em comento, já indagou a Cespe em pergunta aberta aos aspirantes ao cargo de Agente da Polícia Federal: O Departamento de Polícia Civil do Estado de São Paulo vem investigando os crimes cometidos por três pessoas, maiores e capazes, que atuam no roubo de cargas transportadas em operações interestaduais nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. As empresas transportadoras afetadas pelas ações dos criminosos são totalmente privadas, ou seja, não possuem participação financeira de nenhum ente da Federação, não havendo, portanto, em decorrência desses delitos, prejuízo patrimonial direto à União. Em operação destinada a prender em flagrante os criminosos, apenas um deles foi preso. No momento da prisão, ele ofereceu, ao chefe da equipe policial, cem mil reais para que fosse informalmente libertado. A proposta não foi aceita, e a prisão do criminoso foi efetuada, de acordo com as formalidades legais. Com base na situação hipotética apresentada acima, redija um texto dissertativo que responda, necessariamente e de maneira fundamentada, aos seguintes questionamentos. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 19 1) Havendo necessidade de repressão uniforme dos crimes acima mencionados, poderá o Departamento de Polícia Federal investigar os delitos contra o patrimônio (roubos)? ...11 Orientação para resposta: No caso relatado, a princípio, não é cabível a atuação da Polícia Federal, pois em que pese a incidência do disposto na lei especial que regula as infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, é necessário, no caso em tela, que haja indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação. Como na situação os agentes agiram em número de três, não havia caracterizado o delito de quadrilha ou bando previsto no art. 288 do Código Penal, que demanda a participação de mais de três pessoas. Trata a questão de aplicação expressa do seguinte dispositivo, da lei supracitada: Art. 1º Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: ... IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação. Contudo, deve-se alertar que, em virtude da redação do § único do mencionado dispositivo, em caso de autorização ou determinação expressa do Ministro da Justiça se torna viável a atuação da Polícia Federal, desde que existentes a repercussão interestadual ou internacional do delito (o que resta caracterizado no presente caso) e a necessidade de repressão uniforme da infração penal (o que foi 11 http://www.cespe.unb.br/concursos/DPF_12_AGENTE/arquivos/DPF12_AG_001_01.pdf Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 20 registrado no questionamento 1). Vejamos a disposição que traz a faculdade apontada: Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça. Sintetizando, ainda que a infração penal não esteja prevista no rol dos incisos do art. 1º, se tornará viável a atuação da polícia federal, desde que presentes 3 requisitos: 1) Repercussão interestadual ou internacional do delito; 2) Necessidade de repressão uniforme dainfração penal; e 3) Autorização ou determinação do Ministro da Justiça. Direto processual penal. Estudados os tópicos referentes ao inquérito policial, passamos a tratar das disposições gerais previstas no edital. Inicialmente, devemos definir o que é Direito Processual Penal. O Direito Processual Penal é o “ramo do direito público12 que sistematiza e interpreta as normas processuais penais. O objeto de estudo do direito processual penal é, portanto, a norma processual penal que, por sua vez, traduz a efetivação do direito material respectivo, qual seja, o direito penal. Assim, verifica-se que o direito processual penal é instrumental, pois visa efetivar os comandos da norma penal, atingindo sua finalidade tanto quando condena o culpado, bem como quando absolve o inocente.”13 12 Embora se reconheça a crítica que se faz à dicotomia romana entre direito público e privado. 13 CRUZ, Pablo Farias Souza. Processo Penal Sistematizado. No prelo a 1ª edição. Rio de Janeiro: Grupo Gen: Forense, 2013, p. 21. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 21 Nesse contexto, de modo a solidificar o conceito acima exposto, preciso lhe explicar o que vem a ser a norma processual penal. Norma processual penal pode ser entendida como aquela que versa sobre a persecução penal14 em todas as suas fases: preliminar investigatória, processual de conhecimento, processual de execução e processual cautelar15. Deve-se entender como norma a conclusão jurídica que se extrai das fontes do direito, ou de pelo menos de parte delas16. Desse modo, tais normas podem ser extraídas das fontes mais diversificadas. No estudo do direito processual penal se pode elencar como fontes principais, além da doutrina e da jurisprudência, a Constituição Federal, o Código de Processo Penal, as leis processuais esparsas e os tratados internacionais em matéria criminal. Princípios gerais, conceito, finalidade, características. Disposições constitucionais aplicáveis ao direito processual penal. Antes de falarmos sobre os princípios, devemos atentar para o marco teórico atual da dogmática processual penal moderna, que já foi, inclusive, objeto de questão objetiva de concurso de Delegado de Polícia do Rio de Janeiro/RJ. Nesse ponto citamos trecho do nosso livro Processo Penal Sistematizado, in verbis: 14 A persecução penal pode ser definida como o conjunto de atos destinados à apuração do delito e à devida aplicação da lei penal. 15 Embora se reconheça que, tecnicamente, não existe processo penal cautelar autônomo, havendo somente uma ampliação no estudo das medidas cautelares penais esparsas (principalmente a partir de 2011). 16 Já que a doutrina e a jurisprudência, invariavelmente, apresentam de antemão a conclusão jurídica mencionada. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 22 “Posicionando o ramo do Direito que ora se passa a expor, deve-se alertar que o Código de Processo Penal é uma Lei Ordinária Federal e se situa abaixo da Constituição Federal e dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Iniciando o estudo de qualquer ramo do direito é sempre importante lembrar sua finalidade, assim, vale a pena sistematizar o seguinte: - Finalidade do Direito: Pacificar as relações e conflitos sociais. - Finalidade do Direito Penal17: Proteger os bens jurídicos mais relevantes. - Finalidade do Processo Penal: Aplicar o direito material diante do caso penal18. Reputamos que o Direito Penal, sob a ótica garantista, serve como limitador da intervenção estatal no direito de liberdade. Nesse contexto, concluímos que o Direito Processual Penal limita e legitima a intervenção penal, servindo, desse modo, como limite ao limite. Com os olhos postos na finalidade do processo penal, ainda se poderia perquirir: O que seria um Processo Penal Justo? Numa concepção moderna, embora não seja a única forma de se responder essa pergunta, processo penal justo seria aquele em 17 Interessante registrar o conceito de direito penal, tendo vista ser o direito processual penal o instrumento de aplicação do mesmo. Nesse aspecto, lapidar é a exposição do professor Arthur de Brito Gueiros Souza (inspirado nas lições de Pablos de Molina Garcia) a respeito da definição dinâmica e estática do direito penal: Dinâmica: Direito Penal é o mais intenso mecanismo de controle social formal, por intermédio do qual o Estado, mediante um determinado sistema normativo, castiga com sanções negativas de particular gravidade as condutas desviadas mais nocivas para convivência, objetivando, desse modo, a necessária disciplina social e a correta socialização dos membros do grupo. Estática: Considera-se Direito Penal como sendo o conjunto de normas jurídico públicas que definem certas condutas como delito e associam às mesmas penas e medidas de segurança, além de prever outras consequências jurídicas. (SOUZA, Arthur de Brito Gueiros, Curso de direito penal: parte geral / Arthur de Brito Gueiros Souza, Carlos Eduardo Adriano Japiassú. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 3-4) 18 Prefere-se aqui o termo “caso penal”, pois o conceito de lide no processo penal é problemático, haja vista existirem autores da lavra de Rogério Lauria Tucci que negam a existência de lide no processo penal, pelo menos se se considerar a expressão carnelutiniana que à define como conflito de interesse qualificado por um pretensão resistida. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 23 que se consegue conciliar o Princípio Instrumental Punitivo com o Princípio Instrumental Garantista. Entenda-se como Princípio Instrumental Punitivo o que reconhece o processo como único instrumento apto a viabilizar a aplicação da pena. É assim, o processo, um instrumento de punição, pois segundo a Constituição: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Nessa ótica o princípio instrumental punitivo poderia ser relacionado pelo que o professor Denilson Feitoza19 chama de Fins Mediatos da persecução criminal. São eles: a segurança pública e os bens jurídicos protegidos pela norma penal. Por outro lado, o Princípio Instrumental Garantista determina que o processo seja apto a viabilizar que punição se efetive de forma proporcional. Sendo assim, o processo é instrumento de garantia do indivíduo contra eventual arbitrariedade estatal. Na atualidade encontra-se um dilema para se conciliar os princípios acima elencados, pois naturalmente quanto mais se aproxima de um, mais se distancia do outro. Embora a doutrina pregue o garantismo como marco teórico de todo o estudo do direito processual penal, nem sempre nesse sentido anda o legislador, o que 19 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7ª ed., rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p. 56 e 57. Direito fundamental social Art. 6º da CF: São direitos sociais ... a segurança... Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservaçãoda ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio... Como a norma penal é tida como a mais violenta, entende-se que ela só deva proteger os bens jurídicos mais relevantes, logo se pode concluir que na esfera penal todos os bens jurídicos são, ou deveriam ser, bens jurídicos fundamentais. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 24 torna o papel do responsável pela aplicação do direito ainda mais delicado. Esse dilema muitas vezes mascara duas concepções filosóficas que podem ser visualizadas de forma sistemático-comparativa, vejamos: UTILITARISMO GARANTISMO Punitivismo-Pragmático Holístico-Garantista Qualquer ciência deve servir para atingir sua finalidade prática. Funcionalismo sistêmico – A ciência protegendo a ciência, o próprio sistema. Reconhecimento de que o Estado foi criado para servir o indivíduo e não o contrário. DIREITO PENAL DO INIMIGO (ex: lei do abate) Crítica: conceito de inimigo é extremamente aberto. Reconhecimento de que a CF é norma ápice do ordenamento. Os direitos fundamentais decorrem do atributo dignidade da pessoa humana. Nesse diapasão, alerta o professor Denilson Feitoza: “Uma interpretação constitucional-sistemática do ordenamento jurídico nos leva de um processo penal redutivo- punitivo para um processo penal holístico-garantista (de direitos fundamentais), no sentido de que a investigação criminal e o processo penal propriamente dito devem considerar a multifuncionalidade e a integralidade dos direitos fundamentais das pessoas que lhes são submetidas (suspeito, investigado, acusado, réu, testemunha, ofendido).”20”21 20 FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7ª ed., rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p. 52. 21 CRUZ, Pablo Farias Souza. Processo Penal Sistematizado. No prelo a 1ª edição. Rio de Janeiro: Grupo Gen: Forense, 2013, p. 23/25. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 25 Sobre o tema, eis a questão que aludimos anteriormente: “CEPERJ – 2009 – PC/RJ – Delegado de Polícia: Dois acórdãos paradigmáticos do STF afirmam o seguinte: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMA- DA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso, a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados – não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários, e subsequentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF, não pode ser lograda a esse preço. 6. Nas democracias, mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (STF, HC 85417, 02/09/08, Rel. para o acórdão Min. Eros Graus) A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade. A prisão cautelar, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. - A questão da Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 26 decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNI- ÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. - A prisão cautelar não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão cautelar - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvi- da no processo penal. A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE. - Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela- se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL. - A prerrogativa jurídicada liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. - Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade. No sistema jurídico brasileiro, não se admite, por evidente incompatibilidade com o texto da Constituição, presunção de culpa em sede processual penal. Inexiste, em consequência, no modelo que consagra o processo penal democrático, a possibilidade jurídico-constitucional de culpa por mera suspeita ou por simples presunção. - Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes consequências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 27 denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes. Precedentes. (STF, HC 93056, 16/12/2008, Ministro Celso de Mello) Da leitura dos arestos supra pode-se dizer que o Desenho Constitucional do Processo Penal brasileiro tem cariz: a) utilitarista b) garantista c) instrumentalista (instrumentalidade das formas) d) finalista e) positivista Gabarito: B” Nesse contexto, exporemos os princípios basilares do processo penal, sem prejuízo de tratarmos de outros durante o curso e de acordo com os tópicos do edital. Vejamos os iniciais: Princípio do Devido Processo Legal (art. 5º, LIV, CF). Galgando sua própria faceta americana, o devido processo legal passa a servir não só como limitador do poder do Estado, mas também a instrumentalizar a participação do cidadão no processo, através de um afluente necessário, qual seja, o princípio do contraditório real, que impõe, basicamente, duas regras: 1) o direito de ser ouvido; e 2) o direito de influenciar efetivamente o convencimento do órgão jurisdicional, ou: fair hearing22 na expressão americana. Em uma concepção humanitária, o due process of law evoluiu para ultrapassar os limites americanos e se consolidar em importantes diplomas jurídicos universais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que assegurou, em sua cláusula 8ª, o direito de todo indivíduo a um processo justo com tratamento igualitário. 22 Londoner v. Denver, 210 U.S. 373 (1908). Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 28 No Brasil, explicitamente, o princípio só foi tratado na Constituição de 1988 em sue artigo 5º, inciso LIV que dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Topograficamente a cláusula do devido processo legal se posiciona no “Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, o que o eleva ao status de garantia fundamental do cidadão, embora seja cediço que o princípio já tinha reconhecimento implícito nas constituições brasileiras anteriores, pois a partir do momento em que passaram a assegurar o contraditório, a ampla defesa e o direito à igualdade, acabavam por resguardar suas características. De tal princípio se costuma extrair dois significados (garantias): 1) o do art. 5º no inciso transcrito acima que remete ao conceito antes exposto de instrumentalidade punitiva do processo; e 2) o da Segurança Jurídica ("Fair Trial") = que traduz a necessidade de viabilizar o conhecimento prévio das regras do jogo. Quando alguém viola uma norma penal, nasce para o Estado o poder-dever de aplicar a pena cominada ao caso concreto. Mas o Estado não pode impor nem executar pena ou medida de segurança sem o devido processo legal. Nesse contexto deve-se inquirir a respeito da aplicação da lei processual no tempo e assim fazendo logo se afirmará que a mesma se dá de forma IMEDIATA (não retroagindo mesmo que beneficie o réu - diferentemente da lei penal). Normas que regulam recurso => Majoritariamente de natureza processual, tendo aplicação imediata, logo, a lei que regula o recurso é a que está em vigor na data da publicação da sentença. Destarte, atualmente se falam em dois devidos processos legais penais vigentes no Brasil: DEVIDO PROCESSO PENAL CLÁSSICO (CPP) e o DEVIDO PROCESSO PENAL CONSENSUAL (Lei 9099/95 – Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 29 Juizados Especiais). Há quem diga que o devido processo legal penal consensual é inconstitucional, mas não é esse o entendimento prevalente. O raciocínio que se tem confirmado é que, o que ocorreu foi a criação legal de um novo processo, com regras claras e específicas. Tal raciocínio foi comprovado pela jurisprudência, que entendeu como constitucional esse novo devido processo legal. Princípio da Igualdade ou da Paridade de Armas As partes que formam a relação triangular (a seguir esquematizada) podem usar todos os recursos disponíveis para assegurar a igualdade processual. Assim, o referido princípio exige que a distribuição dos instrumentos destinados à defesa dos interesses envolvidos seja feita de forma isonômica. Juiz Autor23 Réu Às partes deve ser assegurada a igualdade material, além da formal. O presente princípio, por exigir que os instrumentos de proteção dos interesses, no processo penal, sejam isonômicos, também pode ser denominado de princípio da isonomia processual. Deflui desse princípio a ideia do "Favor rei" = "In dubio pro reo" processual, conforme se verá adiante. A doutrina costuma relacionar o princípio da Igualdade com o do Contraditório e com o termo par conditio. 23 O autor pode ser o MP, nas ações penais públicas, ou o ofendido, nas ações penais privadas. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 30 Embora, tecnicamente, o princípio da igualdade não seja sinônimo de contraditório, a maioria dos autores afirma que os dois guardam íntima relação, sendo o último corolário do primeiro. Nesse contexto afirma Eugênio Pacelli de Oliveira, ao comentar o princípio do contraditório, que a doutrina moderna, sobretudo a partir do italiano Fazzalari, caminha a passos largos no sentido de uma nova formulação do instituto, para nele incluir, também, o princípio da “par conditio” ou da paridade de armas, na busca de uma efetiva igualdade processual.24 Permeiao estudo desse princípio o questionamento que indaga se a realização da sustentação oral do Ministério Público após a sustentação oral da defesa ofende, ou não, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Sobre a questão o STF decidia da seguinte forma: Em recurso exclusivo da acusação, o representante do Ministério Público, ainda que invoque a qualidade de “custos legis”, deve manifestar-se, na sessão de julgamento, antes da sustentação oral da defesa. Com base nesse entendimento, o Tribunal concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, impetrado em favor de acusado pela suposta prática de delito previsto no art. 10 da Lei 7.492/86. No caso, o juízo de 1º grau rejeitara a denúncia apresentada contra o paciente. Contra esta decisão, o Ministério Público interpusera recurso em sentido estrito que, provido pelo TRF da 3ª Região, dera ensejo à instauração da ação penal. Ocorre que, durante a sessão de julgamento do citado recurso, a defesa proferira sustentação oral antes do Procurador-Geral, sendo tal fato alegado em questão de ordem, rejeitada ao fundamento de que o parquet, em segunda instância, atua apenas como fiscal da lei — v. Informativo 449. HC 87926/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 20.2.2008. (HC-87926) 24 PACELLI DE OLIVEIRA, Eugênio. Curso de Processo Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009, pag. 38. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 31 Deferiu-se o writ para anular o julgamento do recurso em sentido estrito e determinar que outro se realize, observado o direito de a defesa do paciente, se pretender realizar sustentação oral, somente fazê-lo depois do representante do Ministério Público. Entendeu-se que, mesmo que invocada a qualidade de custos legis, o membro do Ministério Público deve manifestar-se, na sessão de julgamento, antes da sustentação oral da defesa, haja vista que as partes têm direito à observância do procedimento tipificado na lei, como concretização do princípio do devido processo legal, a cujo âmbito pertencem as garantias específicas do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV). Ressaltando a unidade e indivisibilidade do “parquet”, asseverou-se ser difícil cindir sua atuação na área recursal, no processo penal, de modo a comprometer o pleno exercício do contraditório. Aduziu-se, também, que o direito de a defesa falar por último é imperativo e decorre do próprio sistema, e que a inversão na ordem acarretaria prejuízo à plenitude de defesa. Ademais, afirmou-se não ser admissível interpretação literal do art. 610, parágrafo único, do CPP (“... o presidente concederá ... a palavra aos advogados ou às partes que a solicitarem e ao procurador-geral, quando o requerer ...”) e que o art. 143, § 2º, do Regimento Interno do TRF da 3ª Região, que dispõe que o parquet fará uso da palavra após o recorrente e o recorrido, merece releitura constitucional. Precedentes citados: RHC 85443/SP (DJU de 13.5.2005); RE 91661/MG (DJU de 14.12.79). HC 87926/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 20.2.2008. (HC-87926)25 Grifos acrescidos Em julgamento mais recente (2010), entretanto, o STF proferiu a seguinte decisão: INFORMATIVO Nº 577 TÍTULO - HC e Prisão Preventiva de Governador – 1 PROCESSO HC - 102732 O Tribunal, por maioria, denegou habeas corpus impetrado em favor do Governador do Distrito Federal contra ato do Superior Tribunal de Justiça - STJ que decretara a prisão preventiva do paciente, com base no disposto no art. 312 do CPP, haja vista que ele teria agido para alterar depoimento de testemunha, de modo a favorecê-lo em inquérito que apura a existência de 25 Informativo 495/STF Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 32 organização criminosa voltada ao desvio e à apropriação de verbas públicas do DF, comprometendo, dessa forma, as investigações. Preliminarmente, a Corte, também por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada pela defesa no sentido de que a sustentação oral fosse feita após a manifestação do Ministério Público. Alegava a defesa que, uma vez que a ação penal fora proposta pelo Procurador Geral da República, não haveria da parte do órgão de acusação a condição de fiscal da lei, e que, tratando o habeas corpus de um instrumento de liberdade, deveria haver inversão na ordem de manifestação. Aderiu-se ao posicionamento externado pela Vice-Procuradora Geral da República, que, ao invocar o princípio da unidade e indivisibilidade do Ministério Público, asseverou que, a prevalecer esse entendimento, por-se-ia fim à possibilidade de o “parquet”, em “habeas corpus”, falar por último. Além disso, considerou que, justamente em razão do impedimento do Procurador Geral da República, porque subscrevera a denúncia, ela estaria presente, frisando serem inconfundíveis as posições do autor e do órgão que funcionaria agora como “custos legis”. Também lembrou que o habeas corpus se apresentaria aqui com a conformação de um recurso e, portanto, seria necessário que o recorrido soubesse as razões que o recorrente iria deduzir da tribuna, não se tratando de uma questão de assegurar o exercício da ampla defesa, mas de permitir que a acusação e a defesa debatessem em igualdade de condições. No ponto, o Min. Cezar Peluso aduziu ser norma da casa que o Ministério Público fale por último em habeas corpus, não havendo nenhum motivo para que, nesse caso, que não seria singular, fosse adotada uma outra regra. Acrescentou que o habeas corpus, mais do que um recurso, seria uma ação, sendo preciso que aquele contra quem, de certo modo, a ação é proposta e deve responder aos fundamentos dessa ação soubesse o que o autor da ação teria a dizer. Vencidos, na questão de ordem, os Ministros Marco Aurélio, relator, e Dias Toffoli, que, atentando e viabilizando à exaustão o direito de defesa para as Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 33 peculiaridades do caso, entendiam aconselhável a inversão. HC 102732/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 4.3.2010. (HC-102732) Princípio do "Favor rei" (a favor do réu; art. 386, VI, CPP e art. 615, par. 1º, CPP). O princípio do favor rei aponta que diante da dúvida na interpretação da norma processual penal ou na interpretação de ato processual, deve-se optar pela conclusão que mais beneficie o réu. Reforça esse princípio a nova dicção do seguinte artigo do CPP, alterado pela Lei 11.690 de 2008: Art. 386, “caput”, CPP: “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:” “VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência”. Em mais de um momento, o CPP atual aplica esse princípio, vejamos: Art. 615, § 1º, CPP: “Art. 615. O tribunal decidirá por maioria de votos:” “§1º: Havendo empate de votos no julgamento de recursos, se o presidente do tribunal, câmara ou turma, não tiver tomado parte na votação, proferirá o voto de desempate; no caso contrário, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu”. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 DireitoProcessual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 34 Trata de uma defluência do princípio da presunção de inocência e de aplicação analógica do princípio penal do in dubio pro reo na esfera processual penal. Demonstrando o peso do presente princípio, o STJ, recentemente, decidiu aplicar, por analogia, o dispositivo acima citado também ao julgamento da Revisão Criminal, situação onde a dúvida militava a favor da decisão judicial em nome da segurança jurídica agora se mostra superada, pelo menos no âmbito do STJ: “REVISÃO CRIMINAL. EMPATE NA VOTAÇÃO. DECISÃO MAIS FAVORÁVEL. A Turma, prosseguindo o julgamento, concedeu a ordem para reformar o acórdão recorrido, a fim de afastar a condenação do paciente pelo crime de tentativa de homicídio, diante do empate verificado, na revisão criminal de sentença proferida pelo tribunal do júri. A respeito do tema, ponderou a Min. Relatora que, no entendimento do STF, a condenação penal definitiva imposta pelo Júri é passível de desconstituição mediante revisão criminal, não lhe sendo oponível a cláusula constitucional da soberania do veredicto do Conselho de Sentença. Consignou-se, ademais, que, à falta de norma expressa sobre o empate (em julgamento de revisão criminal), deve-se aplicar a regra do art. 615, § 1º, do CPP, reproduzida para o habeas corpus no parágrafo único do art. 664 do mesmo Codex. Assim, mesmo que se considere tratar-se de normas específicas, atinentes a recursos determinados, caberá o apelo à analogia, expressamente permitido pelo art. 3º do aludido código. In casu, o tribunal a quo decidiu, por maioria, pela improcedência da revisão criminal. Contudo, da leitura das notas taquigráficas acostadas aos autos, verificou-se que, quanto ao pedido de afastamento da condenação por tentativa de homicídio, houve empate na votação, uma vez que, dos seis Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 35 desembargadores presentes, três acolheram a súplica revisional, enquanto outros três a indeferiram. Dessarte, consoante o disposto no art. 615, § 1º, do CPP, consignou-se que o empate na votação importa reconhecimento de decisão favorável ao paciente. Precedentes citados do STF: HC 70.193-RS, DJ 6/11/2006; HC 59.863-SP, DJ 13/3/1982; HC 52.838-SP, DJ 26/9/1975, e HC 54.467-SP, DJ 18/3/1977. HC 137.504-BA, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/8/2012.”26 Princípio da Ampla Defesa (art. 5º, LV, CF): Tal princípio encontra sua sede no art. 5°, inciso LV da CF, que dispõe: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. A doutrina afirma que o princípio da ampla defesa seria a resultante da soma de duas defesas, quais sejam: a Auto Defesa e a Defesa Técnica. A Auto Defesa é aquela realizada pelo próprio imputado27, conforme se vê, por exemplo, no interrogatório onde o réu informa a sua versão a respeito do caso penal. A Defesa Técnica por sua vez é aquela realizada por pessoa que detenha capacidade postulatória. Exs: Advogado e Defensor Público. Dentre as espécies de defesa acima mencionados, a única defesa que se reputa DISPONÍVEL28 é a AUTO DEFESA, pois o réu 26 Informativo 503 do STJ. 27 A palavra imputação no processo penal é equivalente à acusação. 28 Embora se sáiba que como componente do princípio da ampla defesa, como direito funadamental que é, não seria técnico se falar em disponibilidade, já que a característica comum à todos os direitos fundamentais seria a inalienabilidade ou indisponibilidade. Assim, no caso se estaria falando de um não exercício temporário do que propriamente disponibilidade, embora se tenha mantido o termo pela sua freqüente utilização pela doutrina e pela jurisprudência. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 36 pode tanto confessar quanto permanecer em silêncio, não sendo obrigado a tomar parte ativa em nenhuma das fase da persecução criminal. Indaga-se: Existe revelia no Processo Penal? A resposta a essa questão com certeza será afirmativa, pois considerando a revelia é o acontecimento processual que implica na ausência do réu, essa poderá ocorrer. Entretanto deve-se ter cautela ao se falar dos efeitos que a mesma opera. Lembrando que a revelia, modo geral, produz dois efeitos, vejamo-los: Efeito Material: o juiz considerar os fatos alegados pelo autor como verdadeiros. No Processo Penal NÃO há produção desse efeito, haja vista a incidência do princípio da presunção de inocência e da vedação de se interpretar o silêncio do réu em seu prejuízo. Efeito Processual: O réu não será mais intimado dos demais atos processuais (o processo segue sem a presença do réu, mas sempre com o advogado). Desse modo, a revelia no processo penal, existe, mas somente produz o efeito processual. Direitos decorrentes da ampla defesa: → Direito de a defesa falar por ÚLTIMO. → Direito de não autoincriminar-se (“nemo tenetur se detegere” ou “nemo tenetur se ipsum accusare”). Direito ao silêncio decorre da ampla defesa. → Direito de não confessar; → Direito de audiência; → art. 577, CPP. Permite ao RÉU recorrer (reforço da auto defesa). Se juiz entender cabível irá intimar o advogado para apresentar razões. Aula 1 – Delegado da Polícia Federal – 2013 Direito Processual Penal – Teoria e Exercícios Comentados Pablo Farias Souza Cruz www.pontodosconcursos.com.br 37 Outro questionamento importante a respeito do tema é: Como se resolve o conflito entre a vontade decorrente da defesa técnica e vontade decorrente da auto defesa? Quanto ao tema, são duas as posições de destaque: 1ª) Por ser a defesa técnica a única indisponível, deve prevalecer a vontade do advogado (é a que prevalece). Súmula 705, STF29. 2ª) Quem sofre os eventuais prejuízos da condenação é o réu. Logo, a vontade dele deveria prevalecer (minoritário). Entretanto, é possível delinear um terceiro entendimento no seguinte sentido: Deve prevalecer a vontade que favorecer o recurso (Pró-recurso -> garante, de forma mais eficiente, a AMPLA DEFESA). Sustenta-se aqui, para a solução do conflito apresentado, uma vinculação objetiva, atinente ao objeto da discussão (o direito ao recurso30), e não em relação aos sujeitos envolvidos (subjetiva), advogado ou réu. Tal conclusão decorre de uma interpretação axiológica, onde se reputa o valor ampla defesa, no caso concreto, mais importante do que a presunção de adequabilidade e capacidade de escolha em vista da pessoa que a analisa. Sobre o princípio da ampla defesa, poderia se indagar se o mesmo, somado ao direito ao silencio, também protegido constitucionalmente, poderia viabilizar o direito à mentira. Na resolução da questão deve-se registrar, de início, o entendimento majoritário, que a responde de forma positiva. Destarte, prevalece a possibilidade, pois o direito ao silêncio, como direito fundamental que é, englobaria o direito de defesa do réu, que 29 Súmula 705, STF: “A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestadas sem assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação
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