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O Conceito Geográfico de Paisagem e as Representações sobre a Ilha de Santa Catarina

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111 
 
Revista Discente Expressões Geográficas, nº 06, ano VI, p. 111 – 131. Florianópolis, junho de 
2010. 
www.geograficas.cfh.ufsc.br 
 
 
O CONCEITO GEOGRÁFICO DE PAISAGEM 
E AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A ILHA DE SANTA CATARINA FEITAS 
POR VIAJANTES DOS SÉCULOS XVIII E XIX 
 
Renata Rogowski Pozzo 
Mestranda em Desenvolvimento Regional e Urbano 
Programa de Pós-Graduação em Geografia 
Universidade Federal de Santa Catarina 
topofilica@yahoo.com.br 
 
Leandro Moraes Vidal 
Mestrando em Desenvolvimento Regional e Urbano 
Programa de Pós-Graduação em Geografia 
Universidade Federal de Santa Catarina. 
leh2@gmx.com 
 
 
RESUMO 
 
Este artigo discute o conceito geográfico de paisagem, relacionando sua origem com a gênese da 
Geografia moderna, no mesmo período das grandes expedições científicas realizadas na América 
Latina, inclusive a viagem de Alexander von Humboldt realizada entre 1799 e 1804. Partindo desta 
reflexão, procura-se apresentar algumas das representações da paisagem da Ilha de Santa 
Catarina descritas nos relatos de viajantes que por ela passaram nos séculos XVIII e XIX, 
discutindo as ressignificações do conceito de paisagem (do artístico ao científico) verificadas na 
evolução histórica destes relatos. 
 
 
Palavras-Chave: Paisagem; Florianópolis; Expedições científicas na América Latina. 
 
ABSTRACT 
 
This paper discuss the geographical concept of landscape, relating his origin with the beginning of 
the modern Geography, at the same time of the great scientific expeditions in Latin America, 
including the voyage of Alexander von Humboldt, between 1799 and 1804. Furthermore, it also 
aims to present some of the views about the landscape of the Santa Catarina island, as described 
on the accounts from voyagers who have been there on the eighteenth and nineteenth centuries, 
discussing the different meanings attributed to the concept of landscape in those accounts, from a 
artistic to a scientific point of view, during their historical evolution. 
 
 
Key-Words: Landscape; Florianópolis; Scientific Expeditions in Latin America. 
 
INTRODUÇÃO 
 
A origem do conceito científico de paisagem está relacionada com as expedições 
européias realizadas na América e em outros continentes nos séculos XVIII e XIX. Pode-
se atribuir o primeiro uso geográfico deste conceito ao cientista e viajante Alexander von 
Humboldt, cuja viagem à América Latina, realizada entre 1799 e 1804 constitui, ela 
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mesma, uma espécie de ato fundador da Geografia moderna. O interessante aqui é notar 
que o conceito de paisagem acompanha a Geografia desde o princípio, constituindo-se 
numa preocupação básica dos primeiros tempos desta ciência. Os viajantes, ao avistarem 
e adentrarem terras estranhas, se deparavam com a questão fundamental para todo 
aquele que deixa sua terra e se lança ao mundo, e que reside no fundo de toda 
investigação geográfica: por que este espaço que avisto é diferente de outro, de onde eu 
venho? 
 
Não lhe parece um país encantado? Meu Deus, que parte maravilhosa é esta 
parte do mundo para qual me mudei? Por que a natureza aqui aspira sempre às 
anomalias? Por que ela cria formas e feições tão diversas, novas e insólitas? Por 
que ela é aqui tão extravagante na configuração e na formação das flores e 
folhas? (Mata Atlântica, 1817. Carta de Langsdorff a um Amigo Alemão. In: 
COSTA, 1995, p; 23). 
 
Este trabalho não pretende realizar uma análise profunda da visão dos viajantes 
sobre a Ilha de Santa Catarina, mas apenas apresentar algumas das representações da 
paisagem de sua paisagem ao longo dos séculos e discutir a utilização dos relatos de 
viajantes como fonte para a pesquisa histórico-geográfica, partindo de algumas 
considerações históricas e epistemológicas sobre o significado do conceito de paisagem. 
 
 
CONCEITO DE PAISAGEM 
 
Flüsse, Bäume, Blumen und Tiere hatten menschlichen Sinn... 
Rios, árvores, flores e animais tinham consciência humana... 
 Novalis 
 
Nas artes visuais, percebe-se o início da valorização da paisagem no final do 
século XVIII. Exemplo importante desta tendência são as pinturas de Caspar David 
Friedrich, pioneiro na representação pictórica dos ideais estéticos do Romantismo, 
segundo os quais a arte deveria aproximar o ser humano da natureza pura, primordial, de 
que havia se separado de forma trágica (SIEWERDT, 2007). Consagrando a tendência, 
que vinha desde o Renascimento, de abandono do protagonismo absoluto da 
representação do corpo humano na arte, típica da pintura religiosa tradicional, Friedrich 
dá um destaque especial para paisagens majestosas; comumente aparecem em seus 
quadros pessoas de costas que as observam com devoção. 
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Deve-se observar a coincidência de que grande parte das obras de Friedrich é 
realizada exatamente na época em que Humboldt se encontra na América, ou no período 
imediatamente posterior, em que este sintetiza suas volumosas “anotações de campo”, 
publicando-as (na França, primeiramente) como Viagem às Regiões Equinociais do Novo 
Continente. Isto serve para ilustrar o fato de que, se bem a preocupação com o tema da 
paisagem tenha surgido antes nas artes, já por este período (inicio do século XIX), a 
investigação do tema já se realizava por diferentes campos do conhecimento e mesmo da 
técnica (como testemunha o extraordinário desenvolvimento da arte da jardinagem na 
Europa burguesa do séc. XIX), num jogo de influências mútuas. 
 
 
 Figura 01. Caspar David Friedrich. Frau vor untergehender sonne, 1818. 
Fonte: Siewerdt, 2007. 
 
 Segundo Salgueiro (2001), a paisagem surge na pintura como resultado da ruptura 
com a visão teológica medieval, e ocupa lugar proeminente na Geografia por herança da 
estética naturalista e do romantismo, e por representar os aspectos visíveis do espaço 
geográfico. A partir deste rompimento com a representação ocidental cristã do mundo do 
medievo, surge um novo posicionamento do homem perante o ambiente. 
 
Efectivamente, o aparecimento da paisagem foi acompanhado de uma revolução 
científica e técnica que libertou a natureza do concurso divino tornando-a objecto 
de conhecimento e abrindo caminho à sua manipulação e transformação com 
diversos fins (SALGUEIRO, 2001, p. 39). 
 
 Ora, o berço e a época em que se acalenta a idéia de paisagem não deixam muitas 
dúvidas quanto à classe de homens a quem se pode atribuir a paternidade: os 
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pensadores e artistas da burguesia revolucionária européia, em plena consolidação 
política e econômica, artífices de uma visão de mundo individualista (a paisagem como 
expressão de diferentes estados de alma...), idealista em sua relação com a natureza, e 
em que o espírito científico, embora já bastante desenvolvido, deixava ainda espaço, e na 
verdade não competia realmente, com o sentimento estético – e novamente em Humboldt 
vamos encontrar o melhor exemplo da síntese entre o rigor científico e a sensibilidade 
artística. Não será surpreendente, tampouco, encontrar nas andanças de Rousseau pelos 
Alpes Suiços, descritas nos Devaneios de um Caminhante Solitário, o precedente literário 
deste movimento de “descoberta da paisagem”. 
 O conceito de paisagem, em seu sentido pictórico, antecede e acompanha o 
surgimento e a vida da ciência geográfica, e em um sentido mais amplo, ele se liga à 
própria cultura burguesa em formação. Por outrolado, ele não só é fruto de uma nova 
concepção filosófica do mundo ou de uma nova concepção de arte (o romantismo), mas 
deita raízes no próprio desenvolvimento de ciências cujos avanços proporcionaram novas 
possibilidades à imaginação, mudando também o olhar do homem sobre o seu mundo. A 
história do planeta vai se deixando revelar com o surgimento das ciências naturais, como 
a Geologia, e a Terra deixa de ter os 4000 anos pretendidos pela Igreja, através de 
cálculos feitos a partir da expectativa de vida dos patriarcas bíblicos. Sua paisagem passa 
a ter uma história, que se estende ao passado e ao futuro. 
 Ao lado do desenvolvimento experimentado no campo das ciências e das artes, o 
período de que se trata marca também a gênese do capitalismo europeu, em que as 
expedições para o Novo Mundo cumprem o papel de, por um lado, responder à ânsia de 
ampliação do âmbito de conhecimento científico, mas principalmente, de tornarem mais 
conhecidos os recursos destes territórios do ponto de vista do interesse econômico das 
potências européias, em um momento em que estas procuram ampliar seus espaços de 
atuação para além das fronteiras nacionais. De qualquer modo, com os viajantes o 
conceito de paisagem ganha tons mais científicos, passando paulatinamente a se traduzir 
na expressão visível da ordem natural do mundo (Kosmos), que ao manifestar-se em 
diferentes formas para diferentes regiões, dá ensejo à formulação de estudos 
comparativos que são a base da Geografia moderna, como demonstra o trabalho pioneiro 
de Humboldt sobre a “Geografia das plantas”, baseado em observações efetuadas em 
distintas latitudes e altitudes. Apesar do rigor científico, ainda é notável entre estes 
viajantes a influência do romantismo, equivale dizer, de uma paisagem exterior em íntima 
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relação com a vida interior do indivíduo, causadora de determinadas emoções. A estética 
(do grego stesis: sensação, sentimento) da paisagem é tão importante quanto a descrição 
de suas formas, refletindo a busca de uma união entre ciência e arte, esferas que o 
mundo moderno, entretanto, colocava em crescente oposição, especialmente à medida 
em que os intelectuais burgueses abandonavam algumas posições mais radicais, 
reconciliando-se com a aristocracia e a Igreja diante da organização da classe 
trabalhadora. Justamente, tal separação entre ciência, arte e vida era objeto de crítica do 
movimento romântico e também do classicismo, que exaltava a Antigüidade enquanto 
mundo “não-moderno, um tempo em que ainda não havia fratura entre o sujeito e o 
mundo” (STIRNIMANN, 1994). 
 Humboldt tratava a paisagem como a configuração da superfície do globo em uma 
região determinada, cujos caracteres individuais causam nas pessoas sensações e 
sentimentos (SANTOS, 2006). Segundo La Blache citado por Santos (2006), foi 
Humboldt quem ofereceu a visão de conjunto da paisagem. Quanto à origem do termo na 
literatura geográfica propriamente dita, este mesmo autor observa que: 
 
Como bem colocou Tricart, a palavra “paisagem” apareceu na Europa com várias 
traduções, como Landschaft em alemão, landscape em inglês, Paysage em 
francês. Todas tinham em comum o fato de não possuírem nenhuma utilização 
científica em particular, até o aparecimento da Geografia Alemã, em que o termo 
se tornou erudito (SANTOS, 2006, p. 101-102). 
 
 Para melhor elucidar este ponto, torna-se interessante aqui discutir brevemente a 
etimologia da palavra nas duas principais formas em que esta aparece na literatura 
geográfica, seja nas línguas latinas (paysage, paisaje, paisagem...), ou germânicas 
(Landschaft, landscape...). No primeiro caso observa-se a presença do radical latino pag, 
com sentido próximo a “fixar”, do qual deriva pagus, significando um limite fixado na terra, 
ou um distrito rural (HOUAISS, 2001). Desta origem derivou o vocábulo francês pays com 
o sentido de “região” e, com advento do Renascimento cunhou-se termo paysage no 
âmbito das artes, que foi mais tarde difundido para as outras línguas latinas, designando a 
extensão de território que o olhar alcança (e que portanto o artista pode representar). 
Landschaft, por sua vez, deriva da raíz germânica land-, registrada em diversas línguas 
desta origem com o sentido de espaço livre, aberto, mas logo evoluíndo para o sentido de 
unidade administrativa (território), ou de “campo” em oposição à “cidade”, ou ainda de 
“terra”, em oposição à “agua”. (KLUGE, 2002). Como se vê, o sentido original pouco difere 
em ambos os casos, ainda mais quando se tem em conta que, também a partir do 
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Renascimento, o termo Landschaft passará a ser amplamente utilizado no universo da 
arte, como espaço compreendido pela visão. 
 Observa-se assim que os termos paysage e Landschaft são, em príncipio, 
perfeitamente intercambiáveis, a julgar por sua coincidência de significado e por sua 
origem etimológica. Ocorre que o desenvolvimento da Geografia no início do século XX, 
marcado por diferenças entre as escolas alemã e francesa, irá propiciar uma significativa 
diferença no uso dos termos. Assim, na literatura francesa a “paysage” não ganhará ares 
científicos, sendo o conceito mesmo criticado por geógrafos da estatura de André Cholley 
– que nele viam a manifestação de uma Geografia meramente descritiva, pouco dinâmica 
– e preterido em detrimento de outros termos como “região”, e principalmente “meio” 
(milieu). Por outro lado, a Geografia alemã, principalmente a partir do trabalho de C. Troll, 
insistirá no uso do termo Landschaft, delimitando-o conceitualmente até chegar na idéia 
de “entidade visual e espacial total do espaço vivido pelo homem” (TROLL, 1971, apud 
VEADO, 2006), ou seja, um complexo natural totalmente relacionado à ação humana 
(paisagem cultural). Esta idéia se aproxima do uso da noção de paisagem feito mais tarde 
pela escola de geossistemas, que nela enxerga o resultado da organização espacial dos 
geossistemas, ou nas palavras de Bertrand (1968, apud Veado, 2006): “[a paisagem é] 
numa determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto 
instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos (...) reagindo dialeticamente uns 
sobre os outros”. 
O conceito de paisagem estabelecido pela escola alemã de Geografia é em certa 
medida contemporâneo ao utilizado pelos geógrafos norte-americanos quando Carl 
Sauer1 (Escola de Berkeley) fundou a Geografia cultural, que embutia a este conceito a 
idéia da relação entre as formas físicas e culturais. De acordo com Santos (2006, p. 104) 
“Para Sauer a paisagem pertence ao campo da Geografia porque ela é capaz de 
demonstrar a síntese de fenômenos inter-relacionados em área”. 
Na Geografia de Sauer, a paisagem que interessa é aquela que diz respeito aos 
interesses humanos de habitar, se apropriar e transformar a natureza, chegando a 
considerar “uma abstração sem sentido” aquela Geografia dita física que excluía 
metodologicamente o homem. Para Sauer, “a paisagem cultural é a paisagem que nasce 
da expressão cultural humana de agir sobre a área” (SANTOS, 2006, p.107). 
 
1
 Sobre isso, ver: Sauer, Carl. A morfologia da Paisagem. In: Corrêa e Rosendahl (orgs.). Paisagem tempo e cultura. 
Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1998, p. 17-74. 
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Algumas das críticas a esta visão partiram de Paul Claval, segundo quem ela 
serviria para explicar as civilizações tradicionais mas não as modernas, pois levava emconta os elementos em si e não as representações feitas destes elementos; apenas as 
técnicas materiais e não as imateriais. Nesta linha, um dos primeiros geógrafos a 
introduzir a questão das representações e simbologias na Geografia cultural foi Pierre 
Deffontaines. Alguns geógrafos, a começar por Olivier Dollfus2, passam então a 
considerar a paisagem como uma representação do espaço, e não um objeto em si. 
Dollfus classificou a paisagem em: paisagens naturais (natureza virgem), paisagens 
modificadas (paisagem natural com pouca ação humana, como uma transição para a 
paisagem organizada) e paisagens organizadas (paisagem com interferência constante 
do homem sobre o meio). 
Nesta concepção, a paisagem pode ser entendida como uma forma de 
representação simbólica do espaço, assim como os mapas são representações 
cartográficas: 
Por não possuir uma existência em si, mas sim ser a essência em si do espaço 
que representa, podemos representa-la de várias formas. Essa representação 
evoluiu na história da civilização desde as pinturas rupestres, passando pelas 
aquarelas, gravuras, fotografias, etc (SANTOS, 2006, p. 140). 
 
Ou, segundo a definição clássica de Milton Santos (1988, p. 61): 
 
[...] tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta 
pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista alcança. Não é 
apenas formada de volumes, mas também de cores, movimentos, atores, sons, 
etc. 
 
 A paisagem aqui é novamente confirmada como um dado humano, algo que parte 
do olhar humano. Entretanto, observa-se nesta passagem uma certa limitação no uso do 
termo, que perde qualquer referência dinâmica ou genética para se configurar como a 
manifestação instântanea de um dado momento da realidade geográfica, pouco mais que 
uma fotografia. Não se deve estranhar, portanto, a pouca importância dada por Milton 
Santos ao conceito em obras teóricas fundamentais como Por uma Geografia Nova. Ali, a 
exemplo de seus mestres franceses, o ilustre geógrafo baiano parece até querer incluir a 
“paisagem” em sua crítica à Geografia tradicional que “se preocupou muito mais com a 
forma das coisas do que com sua formação” (Santos, 1977). 
 
2
 Sobre isso, ver: Dollfus, Olivier. O Espaço Geográfico. São Paulo: DIFEL, 1972. 
 
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Em estudos posteriores, Milton Santos, citado por Santos (2006), avança para uma 
definição mais dialética de paisagem, concebida como um conjunto de formas 
heterogêneas e de idades diferentes, onde as formas modernas convivem com as 
rugosidades, que nascem das condições econômicas, técnicas, políticas e culturais, 
claramente falando de paisagens urbanas: 
 
Em verdade, a paisagem é uma realidade provisória, que está sempre por se 
formar; é um quadro de devir, nunca está pronta e muda a cada momento: em 
suma é uma realidade efêmera (SANTOS, 2006, p, 123). 
 
 Por fim, quando Milton Santos trata, na Natureza do Espaço (1996), da 
inseparabilidade das categorias de tempo e espaço, a qual implica na necessidade de 
uma periodização baseada na implantação de formas técnicas sobre a paisagem, essa 
periodização é na verdade análoga àquela própria das geociências, que lidando numa 
escala de tempo consideravelmente maior, também datam o espaço em camadas de 
eras, definidas por padrões ambientais que atuaram de forma diferenciada na formação 
da paisagem. Assim, em escalas temporais distintas, o estudioso enxerga na paisagem 
aparentemente estática o dinamismo, seja das forças naturais que atuaram no modelado 
do relevo, hidrografia etc; seja das forças humanas manifestas em distintos modos de 
produção e formações sociais que evoluem ao longo das gerações. 
 De um modo geral, contudo, o que se percebe é uma forte tendência de abandono 
do conceito de paisagem pela Geografia, especialmente a partir da chamada “Geografia 
crítica” e se é verdade que este vem sendo retomado pela Geografia cultural, por outro 
lado esta o faz apenas prestando atenção aos seus aspectos estéticos, ou seja, 
perceptíveis pelos sentidos. Ora, por fundamentais que sejam os dados dos sentidos para 
a apreensão do mundo, e por importantes que sejam os dados culturais na apropriação 
da realidade, não se pode esquecer que, por um lado, a paisagem é feita também de 
inúmeros fatores invisíveis e na verdade inapreensíveis, que são as multiplas relações 
entre seus elementos; e que os próprios valores culturais são fruto de relações materiais 
concretas. 
Por outro lado, se a realidade que se vê e sente é o ponto de partida para a 
pesquisa geográfica, então é inevitável concluir que a observação da paisagem 
acompanha todo e qualquer trabalho geográfico, independente dos métodos e dos demais 
conceitos utilizados. 
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OS VIAJANTES E A PAISAGEM DA ILHA DE SANTA CATARINA 
 
No Brasil, assim como em toda América, expedições artístico-científicas são 
realizadas desde a época da conquista no século XVI até o século XIX, com destaque 
para a produção deste último século. Essas expedições, sejam elas consideradas 
artísticas ou científicas, contribuíram muito para o conhecimento geográfico das regiões 
percorridas3. 
Um dos primeiros viajantes que se tem registro de ter passado por território 
brasileiro foi o alemão Hans Staden, em 1550. Pouco depois, em 1578, tem-se o relato 
História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil, do pastor calvinista Jean de Léry, que, 
como o anterior, é acompanhado de várias ilustrações da paisagem brasileira. Outros 
importantes relatos sobre terras brasileiras durante o período colonial são os de Albert 
Eckhout e Frans Post, que passaram por Pernambuco entre 1612 e 1680 (Artistas 
Viajantes, 2007). 
Muitos viajantes passaram pela Ilha de Santa Catarina no século XVIII, mas poucos 
deixaram registros em forma de desenhos de paisagem, aparecendo mais representações 
em forma de mapas em seus relatos. 
O Francês Amédée François Frézier aportou em Santa Catarina no ano de 1712. 
Produziu alguns mapas e perfis (Figura 02) da Ilha, e fez um relato interessante sobre a 
paisagem e o cotidiano da cidade na época: 
 
É uma floresta contínua de árvores verdes o ano inteiro, não se encontrando 
nela outros sítios praticáveis a não ser os desbravados em torno das 
habitações, isto é 12 ou 15 sítios dispersos aqui e acolá à beira mar nas 
pequenas enseadas fronteiras à terra firme; os moradores que as ocupam são 
portugueses, uma parte europeus fugitivos e alguns negros; vê-se também 
índios, alguns servindo voluntariamente aos portugueses, outros que são 
aprisionados em guerra ( FRÉZIER apud BERGUER, 1984, p. 23). 
 
 
3
 Lahuerta (2006), chama a atenção que nesta época, “[...] a própria distinção entre arte e ciência não fazia tanto 
sentido, e era comum um botânico ou zoólogo, por exemplo, realizar belos exemplos de pintura, considerados como 
arte”. 
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 Figura 02. Fonte: Berguer, 1984, p. 21. 
 
Refletindo sobre as precárias condições de vida dos habitantes da ilha, Frézier 
relata: 
 
Esta gente, a primeira vista, parece miserável, mas eles são efetivamente mais 
felizes que os europeus, ignorando as curiosidades e as comodidades supérfluas 
que na Europa se adquire com tanto trabalho; passam eles sem pensar nelas [...] 
(FRÉZIER apud BERGUER, 1984, p. 24). 
 
Frézier expressa ainda a felicidadepor ter finalmente conhecido o “arbusto que dá 
o algodão”, de que desenhou um ramo para, segundo ele, lhe servir de lembrança. De 
qualquer forma, o desenho demonstra uma preocupação cientifica ao descrever as partes 
da planta com minúcia, fato especial em relação aos primeiros relatos realizados no 
século XVIII (Figuras 03 e 04). 
 
 
 Figuras 03 e 04. Fonte: Berguer, 1984, p. 25 e 26. 
 
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Poucos anos mais tarde, em 1719, a Ilha é visitada pela expedição inglesa de 
Shervocke e Betagh, que descrevem mais incidentes da viagem do que paisagens 
catarinenses, além de fazerem algumas retificações às descrições de Frézier, que teriam 
lido antes de viajar, o que lhes criou muita expectativa. Chamam atenção também para a 
abundância de animais, inclusive onças que causavam grandes transtornos aos 
moradores, e para a exuberância da mata atlântica: 
 
A ilha é toda coberta de matas incansáveis, de forma que, com exceção das 
plantações, não existe uma só clareira nela toda. A menor das ilhotas ao seu 
redor igualmente abunda em uma grande variedade de árvores e arbustos cheios 
de espinhos, o que lhes veda totalmente o acesso” (SHERVOCKE apud 
BERGUER, 1984, p. 46). 
 
George Anson comandou a esquadra inglesa que aportou em Santa Catarina no 
ano de 1740. Produziu uma bela descrição, em que já é possível notar algumas 
diferenças na paisagem em relação às descrições anteriores, e alguns perfis. Nesta 
época, estavam em construção os primeiros fortes da Ilha, conforme o relato: 
 
O Brigadeiro Dom José da Silva Paes, Governador desta Colônia, tem a 
reputação de ser um hábil engenheiro; e não se pode negar que ele entende de 
seu assunto, pelo menos em parte, estando certo das vantagens que a 
construção de algumas novas obras acarretam, porque, além da contenda de que 
já falei, existem ainda três outros fortes para defender a entrada do porto, nos 
quais ainda trabalham, não estando nenhum deles prontos (ANSON apud 
BERGUER, 1984, p. 64). 
 
Percebe-se aqui também o grande interesse militar e geopolítico que possuia este 
tipo de informação, obtida muitas vezes em primeira mão por viajantes a serviço das 
coroas européias. O viajante destaca o lugar privilegiado que consiste a baía abrigada de 
Santa Catarina para descanso dos navios antes de seguirem para os mares do sul. Conta 
que a Ilha, num passado recente, era uma terra sem lei habitada por bandidos vindos de 
Portugal e de várias partes do Brasil. Porém que recentemente fora submetida ao controle 
da Coroa Portuguesa, que enviara José da Silva Paes para “impor governo”. Somente em 
1740 a Corte Portuguesa estabeleceu governo regular nesta Ilha. Parte das novas leis 
regulamentava o comércio dos habitantes com os viajantes que ali aportavam. Se antes 
este comércio consistia basicamente em troca de alimentos por qualquer produto vindo da 
Europa, já que o dinheiro não valia muito num lugar praticamente desabitado, agora o 
governo impunha preços exorbitantes aos produtos vendidos na Ilha, causando má 
impressão entre os visitantes. 
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Em 1763 a expedição francesa de Dom Pernetty faz importantes ilustrações dos 
fortes já estruturados e algumas descrições de espanto quanto às moradias, às 
vestimentas dos habitantes e aos pratos que lhes foram servidos no almoço e no jantar, 
dos quais, segundo eles, só gostaram do vinho, que era do Porto: 
 
As casas [cerca de 150] de que falo, são as construções ao rés-do-chão, como as 
casas dos nosso paisanos franceses. São ordinariamente cobertas de canas e 
folhas de bananeiras ou de uma outra espécie de cana ou junco. Normalmente 
não se vêem chaminés. Os negros escravos aprontam suas comidas sobre um 
fogo aceso ao meio do quarto e ali vivem sem se incomodarem, no meio da 
fumaça (PERNETTY apud BERGUER, 1984, p. 80). 
 
Em um capítulo do relato intitulado “História Natural da Ilha de Santa Catarina e da 
Costa do Brasil”, aparece uma descrição geral do ambiente local. Os animais, 
principalmente onças, macacos, serpentes e insetos, aparecem com freqüência 
relacionados com os inconvenientes que causam à população – além dos peixes e dos 
pássaros, que assombraram os estrangeiros por sua beleza. Alguns animais são 
desenhados e descritos nos relatos (Figuras 05, 06 e 07). 
 
Figuras 05, 06 e 07. Fonte: Berguer, 1984, p. 91. 
 
Data de 1785 uma das primeiras ilustrações propriamente ditas da paisagem da 
Ilha de Santa Catarina. De autoria de Duché de Farney, a estampa ilustra o Atlas du 
Voyage de La Pérouse, que acompanha a edição Voyage de La Pérouse autour du 
monde, publicada em Paris em 1797 (Figura 08). Nesta gravura, apesar de pessoas 
estarem em primeiro plano, a paisagem tem destaque óbvio, e, à esquerda, uma pessoa 
aparece de costas observando-a. Esta ilustração ficou tão conhecida que foi reproduzida 
por vários pintores e desenhistas para ilustrar seus relatos e estudos sobre a Ilha. 
 
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Figura 08. Fonte: Reis, 2001. 
 
 
La Perouse, quando visitou a Ilha de Desterro, já indica a existência de cerca de 
400 casas e 3.000 habitantes. Como nos relatos anteriores, percebe-se a referência às 
descrições de outros viajantes. Segundo Costa (1995, p. 24), como expressa a vontade 
descrita por Spix e Martius, “todo viajante gosta de identificar as suas sensações com as 
de seus predecessores”, mas também de percorrer caminhos ainda não descritos. 
Já em finais do século XVIII, em 1797, Semple Lisle atraca na Ilha de Santa 
Catarina, vindo antes de Laguna, fazendo alguns poucos relatos sobre o cotidiano da Ilha. 
Segundo suas observações: 
 
A ilha de Santa Catarina é notavelmente fértil e poderia, com pouco esforço, 
tornar-se um local muito produtivo; mas tão grande é a preguiça dos seus 
habitantes, que muito pouco ou nada é feito por eles, sendo que o próprio gado 
para consumo deve ser trazido de Rio Grande (LISLE apud BERGUER, 1984, p. 
126). 
 
A primeira expedição a passar por Santa Catarina no século XIX de que se tem 
registro data de 1803 e foi organizada pelo Czar Alexander da Rússia, sendo formada por 
Krusenstern, Lisiansky e Langsdorff. Krusenstern ilustra a “Veduta Della Citta di Nuestra 
Senhora del Desterro Nell’Isola di S. Caterina”, segundo edição italiana (Figura 09). 
 
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Figura 09. Fonte: Berguer, 1984, p. 135. 
 
Segundo suas percepções, a paisagem ainda não havia se alterado muito em 
relação ao último relato sobre o local, o de La Pérouse: 
 
A cidade, que está situada em local muito agradável, consiste de cerca de 100 
casas mal construídas, e é habitada por 2.000 ou 3.000 pobres e escravos 
negros. A casa do Governador e o quartel são as únicas construções que se 
distinguem, por sua aparência, das outras. Eles estavam, nessa época, 
construindo uma igreja, que em muitos países católicos é considerada muito mais 
importante que hospitais ou outras edificações úteis (LA PEROUSE apud 
BERGUER, 1984, p. 139). 
 
Fazia parte desta expedição também um astrônomo, Dr. Horn, que realizou 
observações diárias com um telescópio e localizou com precisão a localização da Ilha nas 
coordenadas geográficas de latitude e longitude. 
Na tentativa de dar uma idéia do lugar para os leitores europeus, os viajantes 
descrevem desta forma a paisagem que avistame vivenciam: 
 
O verde luxuriante e a rica fertilidade desta ilha favorecida formam um singular 
contraste com o elemento cincunvizado. Observam-se por toda a costa laranjeiras 
e limoeiros, montanhas de árvores frutíferas, vales, planícies e campos 
espargidos de plantas aromáticas e de belíssimas flores, que parecem brotar 
espontaneamente; nossas vistas tornam-se encantadas com a paisagem (LA 
PEROUSE apud BERGUER, 1984, p. 152). 
 
Registram já habitarem a Ilha cerca de 10.142 almas em 400 ou 500 casas, e a 
população total da província seria de 25 a 30 mil pessoas. 
Langsdorff organizou cerca de 20 anos mais tarde uma das mais importantes 
expedições científicas a passarem pelo Brasil, da qual se falará mais tarde. No seu relato 
deste ano de 1803, assim aparece descrita sua primeira impressão sobre a paisagem 
avistada: 
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O panorama da paisagem a nossa frente, coberta por roupagem de um verde 
vivo, semeada de flores multicolores, prometia-nos a todo instante o maior prazer 
durante a nossa estada naquele lugar e o mais confortável bem-estar 
(LANGSDORFF apud BERGUER, 1984, p. 161). 
 
Na descrição da vegetação feita por Langsdorff, muitos espécimes já aparecem 
com seu nome científico identificado. 
Em 1807, o viajante inglês John Mawe chega a Ilha de Santa Catarina. Impressiona 
a diferença da paisagem urbana descrita por Mawe em relação à recente expedição de 
Langsdorff: 
As casas são bem construídas, com dois ou três andares, assoalhadas de 
madeira, jardins tratados, apresentando excelente vegetação e flores. A cidade 
possui várias ruas e conta de cinco a seis mil habitantes (MAWE apud 
BERGUER, 1984, p. 190). 
 
Os relatos já apresentam preocupações claramente científicas, como a descrição 
dos tipos de rocha que afloram na ilha e seus graus de decomposição, os tipos de solos 
etc. 
A partir da abertura dos portos, em 1808, as expedições pelo Brasil se intensificam, 
fazendo com que Sergio Buarque de Holanda nomeasse este momento de um “novo 
descobrimento do Brasil”. 
 
A contar de 1808 ficam enfim suspensas as barreiras que, ainda pouco antes, 
motivaram o célebre episódio daquela ordem régia mandando atalhar a entrada 
em terras da Coroa de Portugal de ‘certo Barão de Humboldt, natural de Berlim’, 
por parecer suspeita a sua expedição e sumamente prejudicial aos interesses 
políticos do Reino (LAHUERTA, 2006). 
 
Data deste ano a expedição de Golovnin, que passou por Desterro, lugar que lhe 
chamou atenção especial pelo seu aspecto desabitado e desértico: 
 
Por curiosidade andei pelas principais ruas da cidade. Basta meia hora para ver 
toda a cidade: ao todo tem umas 400 ou 500 casas. Todas elas são construídas 
de tijolos, pintadas de branco e têm um ou dois andares com grandes janelas e 
sem vidros. Não há nada de notável na cidade que merecesse atenção dos 
viajantes (GOLOVNIN apud BERGUER, 1984, p. 201). 
 
Poucos anos depois, em 1812, é o oficial norte-americano David Porter quem 
aporta em terras catarinenses. Os atributos naturais da paisagem, a paisagem das praias 
que acabam em morros, foram os aspectos que mais chamaram a atenção do 
comandante. 
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Entre 1815 e 1818, na expedição Rurick, o naturalista Loius Choris realiza mais 
registros de paisagem da Ilha de Santa Catarina. As pranchas encontram-se 
detalhadamente explicadas no relato. Observa-se que a ilustração não representa uma 
paisagem observada de um ponto, mas o agrupamento de elementos de destaque na 
natureza da ilha que Choris escolheu para mostrar aos leitores, estes sim colocados em 
uma paisagem (Figuras 10, 11, 12 e 13). 
 
 
 
Figuras 10 e 11.Fonte: Berguer, 1984, p. 237 e 238. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figuras 12 e 13. Fonte: Berguer, 1984, p. 239 e 240. 
 
Esta expedição foi comandada por Otto Von Kotzebue e contou também com a 
participação do botânico Adalbert Von Chamisso. As descrições da paisagem feitas por 
Chamisso são impressionantes. O seguinte trecho demonstra suas qualidades de 
observador: 
 
Quase todas as formas arquitetônicas da botânica estão comprimidas na floresta 
em rica variação. Cito as acácias com folhas multipenadas, troncos altos e ramos 
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espairecidos em forma de leque. Abaixo destas, e da altura de uma pessoa; ainda 
de permeio, palmeiras anãs e troncos samambaiais. Cipós emaranhados erguem-
se do chão ao cimo das árvores, de lá pendendo para baixo; nos ramos mais 
altos situam-se alegres jardins de orquídeas e bromeliáceas (CHAMISSO apud 
BERGUER, 1984, p. 233). 
 
Como nas descrições anteriores, a paisagem natural chama atenção pela sua 
exuberância, mas a paisagem urbana é apenas descrita por sua precariedade. 
A expedição do navegador francês Duperrey passa por Santa Catarina em 1822, 
acompanhada pelo naturalista Lesson. Estes fazem um extenso relato sobre a paisagem 
da Ilha, porém não deixando ilustrações. No relato constam inclusive informações sobre 
os recentes fatos que resultaram na Independência do Brasil, e as circunstâncias políticas 
atuais do país. São descritas também as outras freguesias que compõe a Ilha e percebe-
se uma evolução da urbanização da Vila de Nossa Senhora do Desterro, que, segundo 
seu relato, já apresentava cerca de 600 casas e uma população de 6.000 almas. A 
população da ilha seria de 10.000 pessoas. Indica também a existência de alguns prédios 
administrativos ao redor da praça central, 4 igrejas nos arredores desta região, e um 
hospital, o Hospital de Caridade. Consta no relato de Lesson uma interessante percepção 
sobre o olhar estrangeiro em relação a natureza brasileira: 
 
Sem querer tornar mais belos os quadros imponentes que diversos viajantes têm 
feito do Brasil, o naturalista que visita este litoral com os olhos exclusivamente 
habituados à criação das zonas temperadas da Europa, não se pode furtar, à 
vista da produção brasileira, de uma emoção tanto mais forte, que ela sobrepuja 
ainda à que sua imaginação lhe prometia, após as relações de viagem que ele 
tivesse lido. Nos primeiros dias ele pode apenas se familiarizar com esta pompa e 
esta grandeza que por toda parte se mostra ao olhar. Somente algum tempo 
depois é que ele se habitua a este luxo de vegetação e ao brilhante adorno dos 
pássaros ou dos répteis que pululam sobre este solo fecundo (LESSON apud 
BERGUER, 1984, p. 271). 
 
Poucos anos depois, em 1825, Carl Friedrich Gustav Seidler aporta em Santa 
Catarina, cheio de expectativas sobre o lugar, a partir da leitura de outros relatos de 
viajantes onde ela aparecia descrita como o “Jardim do Brasil”. Grande parte de seu relato 
descreve o cotidiano dos pescadores da Ilha, dos escravos e a tradicional descrição da 
precariedade urbana da vila. 
O relato da expedição do suíço Trachsler, que visitou a ilha em 1828, da mesma 
forma trata mais dos incidentes do cotidiano em relação a sua estadia na ilha, não 
fazendo grande esforço de descrição da paisagem. 
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Com a chegada do daguerreótipo no Brasil em 1839, a fotografia passa também a 
ser usada como forma de registro da paisagem, entre estas estão as famosas fotografias 
de Victor Frond4 e Marc Ferrez5. A primeira técnica fotográfica que se tem registro foi 
chamada de Heliografia, desenvolvidana França em 1826 por Joseph Niepce. Este 
trocava correspondências com Louis Daguirre, o inventor do daguerreótipo, participando 
da concepção desta técnica de produzir imagens pelo processo positivo, vindo porém a 
falecer antes do projeto ser concluído, em 1837. Com o desenvolvimento da fotografia, 
contudo, e a própria consolidação do espírito científico mais “especializado” e acadêmico, 
na segunda metade do século XIX, entramos em uma etapa histórica em que os relatos 
genéricos de viajantes aos poucos foram perdendo sua influência, em detrimento das 
expedições com objetivos mais definidos realizadas pelas nascentes sociedades 
geográficas, sobretudo do mundo anglo-saxão. A Geografia aos poucos perdia, então, 
parte de seu romantismo e encanto aventureiro, ganhando em troca o status de uma 
disciplina universitária, ou se se quer, de uma ciência. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
[A paisagem é] Herança dos processos fisiográficos e 
biológicos, patrimônio coletivo dos povos que 
historicamente a herdaram como território de ação de suas 
comunidades. 
Aziz Ab`Saber6 
 
Lendo os relatos de viajantes que passaram pela Ilha de Santa Catarina, percebe-
se como a imagem (visão imagética) e os escritos (visão literária) se complementam. 
Também, a diferença da preocupação (e da precisão) científica, tanto nas pinturas como 
nos textos, é marcante entre o século XVIII e XIX, atestando que se vivia em uma época 
de transição, de grandes transformações. A partir do século XIX, praticamente todas as 
expedições contavam com a participação de um ou mais naturalistas, fato que raramente 
acontecia no século XVIII. Assim, tais relatos, produzidos em diferentes momentos ao 
longo de praticamente dois séculos, testemunham o grande avanço experimentado pelas 
ciências naturais no período, o que se verifica por uma apreciação cada vez mais objetiva 
 
4
 Sobre o trabalho de Vitor Frond, um artigo intitulado “Prescriptive observation and illustration of Brazil: Victor Frond's 
hotographic project” apresenta muitas informações: 
http://findarticles.com/p/articles/mi_6748/is_1_23/ai_n28437190/pg_1?tag=artBody;col1. 
Suas fotografias também são facilmente encontradas na internet. 
5
 Sobre Marc Ferrez, a publicação mais completa e sistemática é o livro “O Brasil de Marc Ferrez”, publicado em 2005. 
6AB’SABER, Aziz Nacib. Os Domínios da Natureza do Brasil. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. 
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e científica das paisagens vistas, diferença importante que deve ser levada em conta 
também por aqueles que desejem utilizar tais relatos como ponto de partida para estudos 
histórico-geográficos sobre a Ilha de Santa Catarina. 
Não por acaso, mas como partes coerentes de um mesmo fenômeno histórico, o 
período em que os relatos se tornam mais ricos culmina com o da própria gênese da 
Geografia moderna, constituindo-se a obra de Humboldt sobre a América Latina como, 
simultâneamente o último e o mais completo dos relatos de viajantes feito sobre os 
domínios coloniais, já que pouco depois eclodiriam os movimentos de emancipação 
política da maior parte das nações latino-americanas; e o primeiro tratado de uma nova 
ciência, a Geografia. 
Outra observação necessária é a de que, nos relatos, é notável o desprezo dos 
viajantes em geral pela paisagem urbana e o cotidiano dos moradores da vila do Desterro, 
ocorrendo uma super-valorização da paisagem natural. 
Sobre as transformações do conceito de paisagem, nota-se que após a tendência 
ao abando deste conceito após a chamada Geografia Crítica, outras tendências desta 
ciência, e mesmo alguns autores da própria corrente crítica contribuíram, posteriormente, 
para que a leitura da paisagem avance do conceito estático “do que a vista alcança” e 
adquira caráter mais relacional7. Conclui-se que o conceito de paisagem, se liberado de 
uma possível idéia de imobilidade ou de uma função meramente descritiva a ele muitas 
vezes associada, continua a possuir uma grande importância para a Geografia, sendo 
mesmo um dos poucos conceitos capazes hoje de serem igualmente manejados pelas 
geografias ditas “humana” e “física”, contribuindo desta forma para uma prática geográfica 
mais integral, voltada à compreensão do complexo sociedade-natureza e de suas 
múltiplas determinações. 
E nem poderia ser diferente, já que, como vimos, a observação da paisagem é fruto 
de uma mudança de sensibilidade trazida pela época moderna que se encontra na própria 
raiz do pensamento geográfico, através da figura paradigmática de Alexander von 
Humboldt, geógrafo de alma artística. Além disso, é justamente a observação “daquilo 
que a vista alcança”, e as sensações daí advindas, que fazem despertar no estudioso da 
Geografia, ainda por natureza um viajante, a curiosidade de estudar o mundo em que 
vive, induzindo-o, somente então, a ir além da mera realidade aparente. 
 
7
 Para Bertrand, por exemplo, a paisagem é, numa determinada porção do Espaço, o resultado da combinação 
dinâmica, portanto, instável, de elementos físicos, biológicos e morfológicos. Portanto, a relação, e não a simples soma 
dos elementos. 
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