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PATRIARCADO E CAPITALISMO: TECENDO VESTÍGIOS DE UMA HISTÓRIA DE OPRESSÃO ECONÔMICA E POLÍTICA CONTRA AS MULHERES

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PATRIARCADO E CAPITALISMO: TECENDO VESTÍGIOS DE UMA HISTÓRIA DE OPRESSÃO ECONÔMICA E POLÍTICA CONTRA AS MULHERES
MARIA CLARA ARRAES PEIXOTO ROCHA[1: Maria Clara Arraes Peixoto Rocha, estudante do 3° semestre de Direito da Universidade Regional do Cariri. E-mail: mariaclararochaa@outlook.com ]
ALANA MARIA SOARES[2: Alana Maria Soares, jornalista, bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará, em 2014. E-mail: msoares.pro@gmail.com ]
RESUMO
Publicado em 2015, o estudo “Mulheres, Empresas e o Direito 2016” realizado pelo Banco Mundial revelou que de 173 países, apenas 18 não apresentam legislações que prejudicam ou são danosas ao trabalho das mulheres. O significado do dado espanta: em pleno século XXI, quase 90% das economias analisadas ainda possuem leis discriminatórias às mulheres. Disso, percebe-se que as barreiras, até mesmo legais, na inserção no mercado de trabalho é apenas uma das dificuldades encontradas pelas mulheres. A partir da metodologia bibliográfica e exploratória, o intuito ao longo deste trabalho se põe no desejo de traçar alguns vestígios do danoso poder patriarcal – entendendo-o como um poder sistemático de domínio do masculino sobre o feminino inserido em todos os aspectos da vida em sociedade – deixados ao longo da história, principalmente na economia e política, e emergir exemplos de superação e conquista de direitos às mulheres.
PALAVRAS-CHAVES: Patriarcado, Mercado de trabalho, Política, Direito das mulheres.
ABSTRACT
	Published in 2015, the study “Women, Bussiness and the Law 2016” done by the Worldwide Bank revealed that among 173 countries, only 18 do not show legislation that are harmful or damaging to the work of women. The meaning of the data is shocking: by the XXI century, almost 90% of the analised economies still contain discriminatory law against women. Therefore, it’s noticiable that such obstacles, even legal ones, for the insertion in the work market is only one of the difficulties found by women. Based upon bibliographic and exploratory methodology, this work aims for tracking some traces of the damaging patriarchate power - understanding it as a sistematic power system of male domination over the female among all aspects in society living - left through history, mainly in economics and politics, and show some examples of superation and conquer of women’s rights.
KEYWORDS: Partriachate, Capitalism, Politics, Women’s rights.
INTRODUÇÃO
Ao tentar tecer os vestígios históricos da dominação do homem sobre a mulher, entendendo-a como danosa à vida, aos direitos humanos e à sociedade como um todo, para que, então, possamos verificar as conquistas feitas ao longo dos anos, faz-se necessário entender o papel que têm o patriarcado e o capitalismo nas engrenagens que movem a história da humanidade. 
Como destacam Narvaz e Koller (2006) o patriarcado não se resume no poder que detém a figura paterna, mas o poder que o masculino, enquanto categoria social detém sobre o feminino, sustentado pelo sistema que beneficia a figura do homem. 
O patriarcado é uma forma de organização social na qual as relações são regidas por dois princípios básicos: 1) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e, 2) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos. A supremacia masculina ditada pelos valores do patriarcado atribuiu um maior valor às atividades masculinas em detrimento das atividades femininas; legitimou o controle da sexualidade, dos corpos e da autonomia femininas; e, estabeleceu papéis sexuais e sociais nos quais o masculino tem vantagens e prerrogativas (MILLET, 1970; SCOTT, 1995 apud NARVAZ; KOLLER, 2006, p.50). 
Desde antes do primeiro homem cercar o primeiro pedaço de terra e bradar que aquele terreno lhe pertencia, o homem, como figura de poder dentro da família, o pai, demonstrava autoridade e domínio sobre todas as relações familiares. O poder patriarcal não surge com a propriedade privado e com capitalismo, mas deles se alimenta e se atualiza. Sistemático, o patriarcado está inserido em todas as instâncias da vida como a conhecemos: nas relações familiares, na cultura, na política, nos hábitos e tradições, nas religiões, nas ideologias e, consequentemente, nas legislações das nações e em suas instituições.
CAPITALISMO E MULHERES 
Não à toa, ainda neste século, persiste-se a constatação de dados que demonstram na prática as dificuldades impostas por esse poderoso sistema, que maltrata, submete, domina e mata as mulheres. O Banco Mundial apresentou em 2015 o relatório “Mulheres, Empresas e o Direito 2016”, onde revelou que dos 173 países analisados, apenas 18 não apresentam leis que prejudicam o trabalho das mulheres. Em porcentagem, esse dado representa quase 90% das economias. O estudo analisou as diferenças legais de gênero nos países estudados focando em sete áreas: o acesso às instituições de ensino, o uso da propriedade, a obtenção de emprego, os incentivos ao trabalho, a capacidade de gerar um histórico creditício, o acesso à Justiça e a proteção da mulher contra a violência.
Em janeiro do mesmo ano, 2015, um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que apenas 5% dos postos de chefia de empresas e de CEO do mundo são ocupados por mulheres. Dessa porcentagem, a maior parte vai para posições intermediárias de chefias. A pesquisa “Mulheres em Gestão e Negócios: ganhando impulso” foi realizada em 108 países e, apesar de ainda pouco, revela um crescimento ao longo de 20 anos. A conclusão do relatório descreve o progresso como “glacial” e considera necessário que ações sejam tomadas imediatamente, caso contrário, levaremos 100 ou 200 anos para que seja alcançada uma paridade em relação aos altos cargos. E ressalta, em tradução livre: “Uma consequência dessa inercia é que uma série de países incluíram em sua legislação a obrigatoriedade de cotas para mulheres nos conselhos das empresas, sendo a Noruega o primeiro país a fazer isso” (OIT, 2015, p.11).
Para Heleieth Saffioti, o capitalismo encontra no patriarcado um aliado e assim, a condição da mulher sofre, “O impacto da ação do centro hegemônico do capitalismo internacional, quer no sentido de confinar a mulher nos padrões domésticos de existência, quer dando-lhe consciência, através do feminismo, da necessidade de emancipar-se economicamente” (SAFFIOTI, 2013, p.42). Ao contrário do que muito se fala, a inserção da mulher no mercado de trabalho não vem como uma atitude libertária do sistema capitalista. Nesse sistema, a mulher sofre uma tripla desvantagem: a subvalorização de suas capacidades no meio social, na introdução periférica no sistema de produção e na total responsabilização dos cuidados domésticos e familiares. 
E ainda: 
As desvantagens de que gozavam os elementos do sexo feminino permitiam à sociedade capitalista em formação arrancar das mulheres o máximo de mais-valia absoluta, através, simultaneamente, da intensificação do trabalho, da extensão da jornada de trabalho e de salários mais baixos que os masculinos, uma vez que, para o processo de acumulação rápida do capital, era insuficiente a mais-valia relativa obtida através do emprego da tecnologia de então. A máquina já havia, sem dúvida, elevado a produtividade do trabalho humano; não, entretanto, a ponto de saciar a sede de enriquecimento da classe burguesa (SAFFIOTI, 2013, p.67). 
Aqui, percebem-se, outros fatores que irão compor fatores motivacionais de produção e reprodução de preconceitos, desigualdades sociais e discriminações de gênero: classe e etnia, que vão operar “como marcas sociais que permitem hierarquizar, segundo uma escala de valores, os membros de uma sociedade historicamente dada” (SAFFIOTI, 2013, p.60). Em 2015, o Mapa da Violência divulgou dados coletados ao longo de 2013 e destacou o Brasil como o quinto país no ranking mundial (entre 83 países) que mais mata suas mulheres, sendo a violência doméstica responsável por maior parte dos números. Apenas no ano de 2013, foram mortas 4.762 mulheres, que correspondema 2.451 municípios do país (44% do total de municípios brasileiros). Dessas, 2.875 foram de mulheres negras. O perfil das mulheres vítimas de homicídio são mulheres jovens e negras – em 2013, foram assassinadas 66,7% mais meninas e mulheres negras do que brancas.
No campo da educação, em 2014, a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) estimou que, pelo menos 65 milhões de meninas não tenham acesso à educação básica, o que representa 54% da população mundial fora da escola. Os dados são do 11° Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos e mostram que na África Subsaariana, meninas pobres tem maior probabilidade de nunca se matricular na educação primária, enquanto na Guiné e no Níger, mais de 70% de meninas pobres nunca sequer frequentaram a educação primária. Uma série de fatores são expostos pela UNESCO como possíveis causadores desses índices, mas o principal deles se mostra a desigualdade social e econômica. 
A REPRESSÃO FAMILIAR E SUA SIGNIFICAÇÃO POLÍTICA PARA AS MULHERES 
Desde análises estudadas das civilizações antigas até a atualidade percebe-se a presença de uma didática baseada na dicotomia entre os sexos. Essa postura foi por gerações associada a uma hierarquia perseverantemente opressora. “Toda cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe a existencialidade de padrões, regras e valores que institucionalizam modelos de conduta” (WOLKMER, 2010, p. 1).
Em algumas sociedades primitivas, as famílias eram o ponto central para a organização estrutural de um grupo e os estabelecimentos morais do mesmo. Segundo o professor e historiador Antonio Carlos Wolkmer em sua obra “Fundamentos de História do Direito” (2010, p.6), as tradições estabelecidas pelas comunidades gentílicas eram repassadas de forma oral, sendo assim, o direito, por exemplo, não tinha fonte legislativa. A autoridade para chefiar a tribo era concedida aos homens que habitualmente tinham uma idade mais avançada. De acordo com a crença de seu povo, constatou-se que o líder deveria admitir alguma relação mística religiosa.
Nas sociedades antigas, tantos as leis quanto os códigos foram expressões da vontade divina, revelada mediante a imposição de legislador-administradores, que dispunham de privilégios dinásticos e de uma legitimidade garantida pela casa sacerdotal. (WOLKMER, 2010, p.4).
Afirmava-se que as mulheres não possuíam força física e coragem suficiente para caçar ou participar de combates com outros povos, logo a função das mulheres nessas comunidades foi relacionada ao preparo de alimentos, cuidado com os filhos e serviços de limpeza e ordenação do espaço. Mesmo termo “família” de origem latina, famulus, é traduzido literalmente como “escravo doméstico” (NARVAZ; KOLLER, 2006). A doutora em história pela Universidade Estadual de Campinas, Flávia Biroli, em seu livro “Feminismo e Política” (2014, p.48) afirma que a divisão do trabalho é um dos fatores proeminentes para a formação de uma disposição desigual entre os gêneros, nessa perspectiva as mulheres foram se estabelecendo numa escala de inferioridade de importância. 
A necessária interface entre o caráter de intimidade e a singularidade dos laços familiares e seu caráter político e institucionalmente talhado faz da família um tema complexo. É difícil estabelecer uma exterioridade entre as relações familiares, sejam quais forem suas formas e as subjetividades que se desenvolvem relacionadas a elas, nutridas por elas. As formas assumidas pelo que definimos como família são diversas em tempos e contextos distintos, são afetadas por decisões políticas e normas institucionais e expressam relação de poder. (BIROLI, 2014, p.47) 
Mesmo com a evolução das sociedades no aspecto intelectual, as manifestações de dominação masculina se transfiguraram de modo ainda mais intenso (ENGELS, 1984, p. 109-110).Alguns historiadores relatam que as mulheres da cidade-estado de Esparta usufruíam de respeito na sociedade, contudo, os cargos de chefia só podiam ser exercidos por homens, cabendo às mulheres apenas uma simplória participação nas reuniões políticas sem que pudessem tomar decisões. 
Como uma sociedade militarizada, acreditava-se que as mulheres eram responsáveis pela preparação dos futuros guerreiros aptos a lutar desde a gestação. A aparência de que as mulheres espartanas obtinham de certa liberdade é um tanto quanto enganosa, já que nesse exemplo a objetificação do corpo feminino se destaque apenas pela justificativa de que estas podem ser mães e gerariam de preferência filhos homens para a fortificação do exército. (TÔRRES, 2011, p.51)
Na Grécia, a opressão vinculada às mulheres foi institucionalizada pelo Estado. Alguns estudiosos da época incitavam a idealização da mulher como inferior, o filósofo Aristóteles (1980ª, p.13) proferiu “A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades”. A estrutura social para as mulheres nessa época demonstrava-se discriminatória, elas não eram consideradas cidadãs, destarte, novamente sendo direcionadas ao âmbito domiciliar com seu desempenho correferido a atividades de cunho serviçal, para a procriação e prazer sexual de seus maridos. Sendo a Grécia uma das cidades-estados mais influentes da época, inspirou o desempenho jurídico, social e econômico de diversas civilizações posteriores, esse funcionamento sexista serve de modelo até a atualidade para fundamentação do machismo (ENGELS, 1984, p. 119-120).
A institucionalização do poder masculino correspondeu largamente à incorporação de grande parte da sua vida social aos códigos e ao controle jurídico e burocratizado do Estado, com a simultânea dos âmbitos nos quais o poder informal das mulheres teria sido historicamente exercido, o doméstico e o sagrado. (BIROLI, 2014, p. 52)
A pesquisadora Vera Lúcia Carapeto Raposo em “O Poder de Eva” (2004, p.116), explica sobre a produção e interpretação no campo jurídico como sendo algo totalmente masculino. Sendo assim, existe certo receio por parte do Estado para interferir no meio privado, principalmente quando se tratado assunto da violência física e psicológica sofrida pelas mulheres. 
O escritor Othon M. Garcia em seu livro “Comunicação em Prosa Moderna” (2003, p. 138) afirma: “Como se sabe, o século XX se tem caracterizado por acontecimentos que lhe vêm alterando radicalmente as estruturas políticas, econômicas, sociais e culturais herdadas do passado”. Justamente neste século que é publicado o livro “O Segundo Sexo” escrito pela filósofa integrante do movimento existencialista, Simone de Beauvoir, no qual ela esclarece sobre a tradição machista em seus vários moldes de atuação que é realidade até a atualidade.
O triunfo do patriarcado não foi nem um acaso nem o resultado de uma revolução violenta. Desde a origem da humanidade, o privilégio biológico permitiu aos homens afirmarem-se sozinhos como sujeitos soberanos. Eles nunca abdicaram o privilégio; alienaram parcialmente sua existência na Natureza e na Mulher, mas reconquistaram-na a seguir. Condenada a desempenhar o papel do Outro, a mulher estava também condenada a possuir apenas uma força precária: escrava ou ídolo, nunca é ela que escolhe seu destino. (BEAUVOIR, 1949, p. 97) 
De forma metódica Vera Raposo (2014, p. 111), afirma que os referidos empecilhos podem ser divididos em endógenos e exógenos. Os primeiros seriam a visão das próprias mulheres em si mesmas; e os segundos em relação à sociedade, e suas disposições organizacionais. Esses fatos justificam a existência dos obstáculos que dificultaram e por muito tempo impediram a participação política das mulheres nas mais diversas sociedades, atualmente essas circunstâncias são explicadas por múltiplos motivos e em alguns Estados a mulher tem uma liberdade ainda inexistente, como é o caso em algumas regiões do Oriente Médio.
Analisando no sentido endógeno percebe-se que a opressão das mulheres se inicia dentro do ambiente familiar, sendo uma construção que se interpreta num reflexo preconceituoso visto como “natural” pelas sociedades. A criação das meninas é voltadapara uma educação de que se deve servir ao homem e estar numa posição sempre inferior, contudo, afirma Beauvoir “Não é a natureza que define a mulher: esta é que se define retomando a natureza em sua afetividade” (BEAUVOIR, 1949, p. 30).
Nessa investigação das consequências da opressão por parte da família patriarcal, um fator em destaque se revela na visão ainda doméstica de que a mulher deve ser mãe. Se dedicar a esse objetivo é tido como uma obrigação, já que as mulheres são subjugadas no princípio biológico e de que precisam garantir a permanência da espécie. (BEAUVOIR, 1949, p. 32). 
A opressão sofrida dentro do âmbito privado reflete nas mais diversas áreas da economia de um Estado. O relatório "Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: Transformar as economias para realizar os direitos”, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que em todo o mundo, a remuneração salarial das mulheres é, em média, 24% inferiores aos dos homens. Uma das explicações se reflete justamente na condição de que as mulheres podem engravidar, sendo visto como um prejuízo para as empresas. 
Um argumento reiteradamente utilizado para atacar o aprisionamento das mulheres na esfera privada é o enfraquecimento do país. Um país prospera quando pode aproveitar os talentos de todos os seus cidadãos. Se metade deles está enclausurada na esfera privada, a sociedade e o Estado ficam depauperados. (RAPOSO, 2014, p. 116)
Na época colonial brasileira a opressão feminina ainda era muito acentuada, mas, foi nesse momento histórico em que algumas mulheres começaram a resistir. Não obstante, a história mostrou que essa não foi a exata realidade para todas as mulheres. Mulheres negras, por exemplo, enfrentaram inúmeras barreias a mais colocadas pela elite branca, e assim, sofriam duplo preconceito: tanto por ser mulher, como também por ser negra. A fundadora e coordenadora-executiva do Geledés— Instituto da Mulher Negra — (SP – São Paulo), Sueli Carneiro afirma em seu artigo “Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na américa latina a partir de uma perspectiva de gênero”: 
No Brasil e na América Latina, a violação colonial perpetrada pelos senhores brancos contra as mulheres negras e indígenas e a miscigenação daí resultante está na origem de todas as construções de nossa identidade nacional, estruturando o decantado mito da democracia racial latino-americana, que no Brasil chegou até as últimas consequências. (CARNEIRO, 2011, p.1)
Assim, percebe-se que o marco inicial na luta por igualdade de gênero pelas tímidas mulheres que buscavam mudanças na época colonial não apresentava preocupação com duas outras questões de extrema importância: as questões étnicas/raciais e as questões de classe. Como consequência, a ordem hierárquica de preconceito patriarcal se estabeleceu enraizada de maneira mais significativa para as mulheres negras, pobres, camponesas, refugiadas que não tinham a possibilidade de se unir as mulheres intelectuais da época.
Dessa maneira, o funcionamento familiar tem fortes influências para definir o que é o perfil feminino, suas funções e comportamento na sociedade. Sendo este um ordenamento machista, as mulheres se identificam aprisionadas a ideologias preconceituosas. 
Há uma série de desvantagens sociais associadas ao fato de as mulheres assumirem as responsabilidades na esfera familiar e doméstica, nos arranjos convencionais. A interrupção da carreira, a opção por empregos de menor carga horária, porém mal remunerados e a mobilidade social negativa associada às duas primeiras pode derivar da responsabilização das mulheres pelo cuidado com os filhos pequenos, mesmo em sociedades nas quais não há impedimentos formais para que desempenhem trabalho remunerado (RAPOSO, 2004, p. 58). 
A EVOLUÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA NA QUESTÃO DA DESIGUALDADE DE GÊNERO
As mulheres sempre tiveram grandes dificuldades para ingressar na política. Analisando o funcionamento da sociedade brasileira no século XIX e XX percebe-se como elas eram proibidas de exercer qualquer tipo de profissão que não se limitasse ao âmbito doméstico. 
Segundo o Núcleo Interdisciplinar sobre a Mulher e Gênero (NIEM) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi somente em 1899 que uma mulher, Myrthes de Campos, foi admitida no Tribunal de Justiça Brasileiro, na cidade do Rio de Janeiro. Ela foi bacharel em Direito pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, concluindo sua graduação em 1806, contudo, somente em 1898 que conseguiu efetivar-se de forma profissional. [1: 	]
No ano em que Myrthes de Campos foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça Brasileiro, a Comissão de Justiça, Legislação e Jurisprudência fez uma declaração a favor da advogada, divulgado na Revista da IOAB. A justificativa sustentada era a de que não havia nenhuma lei ao qual proibisse uma mulher de ocupar-se do cargo, evidencia-se: 
[...] nos termos do texto do art. 72, § 22 da Constituição o livre exercício de qualquer profissão deve ser entendido no sentido de não constituir nenhuma delas monopólio ou privilégio, e sim carreira livre, acessível a todos, e só dependente de condições necessárias ditadas no interesse da sociedade e por dignidade da própria profissão. (Revista IOAB, 6 jul. 1899).
Somente dez anos depois outra manifestação de cunho revolucionário foi registrada, quando a professora e militante Leolinda de Figueiredo Daltro, que viveu maior parte da sua vida na cidade do Rio de Janeiro e estudiosa, além de lutar pelos direitos das mulheres a intelectual tinha interesses na cultura indígena e lutou por preservar seus costumes e crenças, já que na época do século XX o objetivo era catequizá-los. 
No ano de 1910, Leolinda funda o Partido Republicano Feminino com um pedido eleitoral para ter o direito de votar, e a justificativa era a mesma usada pela advogada Myrthes de Campos, de que na Constituição vigente de 1891 não negava o fato de que as mulheres pudessem votar. Contudo, sua argumentação foi ridicularizada pelos políticos da época. Em 1917, junto de outras mulheres, Leolinda organizou uma passeata pelo direito ao voto para as mulheres. 
Em 1919, se destaca a paulista Berta Maria Júlia Lutz, formada em Ciências Naturais pela Universidade de Paris. Admitida no serviço público brasileiro por concurso público, começa a se destacar pelos interesses na luta por igualdade nos direitos das mulheres, nesta mesma época funda a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. Ela foi representar na assembleia-geral da Liga das Mulheres Eleitorais que aconteceu nos Estados Unidos, e foi escolhida como vice-presidente da Sociedade Pan-Americana. No seu regresso ao Brasil, com o objetivo de alcançar o sufrágio feminino, modifica a Liga e cria a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. 
Somente em 1932, dez anos depois da luta dessas mulheres é que foi prescrito o decreto-lei n°. 21.076, de 24 de fevereiro, pelo presidente Getúlio Vargas o direito de votar para as mulheres. Não obstante, esse aparato legal não foi suficiente para que houvesse uma mudança substancial na sociedade brasileira, haja vista que a população ainda se caracterizava com disposições sociais, políticas e econômicas machistas que estavam enraizados desde a era colonial no país de maneira muito forte.
O pesquisador em gênero Luis Felipe Miguel em “Feminismo e Política” (2014, p. 94) afirma: “Fica claro que a abolição das barreiras legais não representou o acesso a condições igualitárias de ingresso na arena política”. Esse pronunciamento se confirma já no ano seguinte, nas disputas eleitorais de 1933 para a Assembleia Constituinte, apenas uma mulher foi eleita, num total de 214 deputados. O mesmo autor ainda completa: “A conquista do direito do voto foi, por muitas décadas, o ponto focal dos movimentos de mulheres. Da metade do século XIX até as primeiras décadas do século XX, o sufragismo foi a face pública das reinvindicações feministas” (MIGUEL, 2014, p. 93). 
Diante do estudo histórico voltado para a realidade política brasileira, ficaevidente de que as mulheres tiveram obstáculos para poder desvincularem-se do preconceito ao qual lhes foi instalado por um sistema que ainda hoje se revela patriarcal. 
Não é fácil, porém, resolver numa plataforma política os dilemas que a teoria política feminista faz aflorar. A afirmação de que uma única matriz de desigualdades, seja ela gênero, classe, raça ou qualquer outra, está na raiz de todas as formas de dominação, faz silenciar as experiências de muitos grupos e representa uma simplificação que, hoje é dificilmente sustentável. O feminismo contribui para mostrar isso. Contribuiu para mostrar também que os diferentes padrões de dominação e de discriminação não estão apenas sobrepostos, mas se entrelaçam e produzem padrões novos, específicos. Tudo isso faz com que um projeto de mudança social que seja sensível à multiplicidade dessas vivências não tenha nada de óbvio. (MIGUEL, BIROLI, 2014, p. 151).
A violência de gênero, em suas diversas formas, e a violação de direitos humanos contra às mulheres e meninas praticada sob a cortina do patriarcado, da falsa tradição “das coisas como são”, deixaram as mulheres à sombra da história contada pelos homens, beneficiados por esse sistema que alimenta.
CONCLUSÃO
O poder patriarcal exercido, principalmente dentro das sociedades capitalistas continua se atualizando diante das correlações das forças de controle e dominação, perpassando a cultura, a política, as relações sociais, e sexuais, e as liberdades individuais sobre o corpo e sobre os desejos. No entanto, lenta e dolorosamente, o cenário sofre mudanças.
Se ao longo da história, os vestígios da opressão dicotômica homem e mulher são facilmente perceptíveis, também há se de enxergar as amarras que se rompem: O empoderamento das mulheres, a recuperação do seu psicológico tão maltratado pelos anos a fio de sociedade machista e patriarcal, a insubmissão às normas burocráticas e fundamentalistas, que querem controlar seu corpo, seu ventre, sua vida, a ascensão em níveis educacionais e em cargos de poder são conquistas arrancadas pelos movimentos organizados de mulheres. Em vista da concretização dos direitos humanos, da igualdade de gênero, da igualdade social e pelo fim da discriminação racial, será necessário, cada vez mais, tanto o homem quanto a mulher, superar as barreiras opressoras impostas pelo capitalismo patriarcal e fazer insurgir uma nova cultura.
REFERÊNCIAS
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