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Guarapuava Dilma Rousseff Presidenta da República Elenora Menicucci Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres da Presidência da República Cesar Silvestri Filho Prefeito de Guarapuava Eva Schran Vice-prefeita e Secretária da Mulher Produção: Laboratório de História Ambiental e Estudos de Gênero – LHAG UNICENTRO-PR. Organização: Rosemeri Moreira Colaboração: Vanessa Aparecida Deon Projeto Gráfico e Diagramação: Caroline Oliveira - Jornalista DRT-PR 8186 Tiragem: 200 exemplares - 2014. 80 p. 2014 APRESENTAÇÃO Comprei um sapato lindo número trinta e nove sendo que calço numero quarenta e dois. Andei muito a pé. Adoentei-me. Pra acalmar os pés e não repetir o ato insano fiz uma salmoura de água quente e ensinei crianças e adolescentes que não se vende o próprio sonho. Maria Tereza, Negrices em flor – Para Maria Carolina de Jesus Com imenso prazer entregamos a vocês o caderno do curso de formação: ENFRENTANDO A DESIGUALDADE DE GÊNERO E PROMOVEN- DO O EMPODERAMENTO E AUTONOMIA DAS MULHERES Este curso de extensão é uma realização do Laboratório de História Ambiental e Estudos de Gênero (LHAG) da UNICENTRO-PR em parceria com a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (SM- PPM). Escrito em linguagem didática, mas sem deixar de conter as discus- sões acadêmicas contemporâneas sobre a temática proposta, o caderno contém artigos elaborados por pesquisadoras das áreas de História, Socio- logia, Educação, Serviço Social e Psicologia. Em primeiro lugar, focamos a discussão nos aspectos conceituais que a temática requer, tais como: mulheres, sistema patriarcal, sexismo, gênero, Movimento Feminista e empoderamento. A partir disso, as pesqui- sadoras apresentam diversos debates enfocando a História do Movimento feminista; as estatísticas sobre a desigualdade de gênero; as questões étni- co-raciais que perpassam a temática; as mulheres, a Educação e a Ciência; etc. Como diz o poema acima, em homenagem à Carolina Maria de Je- sus, nós estamos juntas nesta tarefa de “alargar os sapatos apertados” e construirmos uma sociedade igualitária para nossas meninas e meninos. Rosemeri Moreira Organizadora • 03 I Mulheres, Relações de Gênero e Empoderamento: Debate histórico-conceitual Rosemeri Moreira1 “Não se nasce...” A citação, sempre tão referida, de Simone de Beauvoir está completando 65 anos. Infelizmente, na sociedade contemporânea, inúmeras pessoas ainda não tomaram conhecimento dos debates diversos que desnaturalizaram o mundo social. Desnaturalização que se refere às classes sociais, as questões étnico-raciais e, para o que nos interessa neste texto, em relação à situação de desigualdade das mulheres no mundo. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, é a frase de abertura da obra da filósofa francesa, escrita em 1949. Como educadores e profissionais de diversas áreas, seguimos o pensamento científico. Este nos diz, desde o século XIX, pelo menos, que nós seres humanos somos uma construção social e cultural. Somos produto da sociedade que vivemos. A nossa maneira de pensar e de agir tem uma relação direta com o tipo de sociedade que nascemos e vivemos. Essa é a premissa principal que precisamos ter clareza para podermos começar a discussão sobre o mundo social, em específico sobre a situação das mulheres no mundo e as noções conceituais presentes nesse debate. Primeiro de tudo, nas sociedades humanas o corpo individual é o eixo da nossa relação com mundo. A corporeidade é a maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o corpo como esse instrumento relacional com o mundo (ver: Le Breton, 2007). Nascemos, crescemos e vivemos em sociedades que já possuem códigos e sistemas simbólicos relativos aos nossos corpos. O ato de comer, o vestir, o trabalho, o lazer, as práticas sexuais, ou seja, os usos físicos do corpo dependem de um conjunto de sistemas simbólicos, os quais já estão incrustados nas sociedades. A partir desses sistemas, que além de simbólicos são econômicos e sociais, somos postos e também nos sentimos: incluídos/excluídos; classificados ou desclassificados; belos/feios; confortáveis/desconfortáveis. Tudo isso a partir de hierarquias 1Doutora em História Cultural, professora da Unicentro-PR. Estudiosa das Relações Sociais de Gênero, com foco na História das Polícias, Militarismo, Crítica Feminista e Criminalidade. rosemeri_moreira@yahoo.com.br • 04 que foram criadas historicamente e que incidem sobre nossos corpos. As classificações: homem/mulher, branco/negro, europeu/índio, magro/gordo, feio/bonito, hetero/homo, jovem/idoso, etc., ainda são base de discriminação e desigualdade social e/ou econômica. Os olhares sociais que hierarquizam as pessoas, a partir do corpo que elas carregam são chamados de eixos tangíveis das diferenças, e servem como uma espécie de muleta social para os defensores das desigualdades. Nessa perspectiva, as diferenças e desigualdades entre as pessoas estão inscritas em uma natureza, não sendo, portanto, situações passíveis de transformações. Dessa forma, as desigualdades sociais entre homens e mulheres (também entre brancos e negros) são explicadas e legitimadas. Ou seja, são conformadas. De qualquer forma, é necessário compreender que os significados atrelados aos termos citados acima, de forma dicotômica, são produzidos historicamente e de forma diferencial e hierárquica. São oposições binárias, em que existe um termo dominante e um termo subordinado. A oposição sexual – homens/mulheres - é uma maneira de estabelecer significado sobre o mundo social e sobre o corpo das pessoas com genitálias masculina ou feminina. Junto ao chamado sistema binário “homem/mulher” se entrelaçam muitos outros. Os diversos binarismos são fundantes do chamado pensamento moderno: racionalidade/sensibilidade; Ciência /religião; público/ privado; Estado/família; guerra/paz; objetividade/ subjetividade; sujeito/ objeto, etc. Tenho certeza que vocês leitoras/es sabem relacionar a essas dicotomias as ideias de homem e de mulher, de masculino e feminino, que foram construídas no mundo ocidental. Essas dicotomias são construções do pensamento liberal, levadas a cabo em meio às chamadas Revoluções Democráticas Burguesas (séc. XVIII) e seguem como fundadoras do Estado Nacional Moderno. As premissas políticas do liberalismo tem por base a ideia de Igualdade Universal, e defendem que todas as pessoas são (ou deveriam ser) iguais perante as leis. Essas revoluções, que instituíram os estados democráticos de direito, inauguraram a concepção de cidadania, democracia, e estabeleceram Estados pautados por Constituições. No entanto, não podemos deixar de apontar que ao mesmo tempo em que levaram adiante o abandono da desigualdade de • 05 Em todos os itens é homem primeiro e mulher depois, e suas representações status pelo nascimento (nobreza x burguesia), nesses estados democráticos pioneiros (França, EUA e Inglaterra) foram mantidas as desigualdades de sexo/gênero, classe social e etnia/raça (Scott, 2005). No caso dos EUA, por exemplo, após a Guerra da Independência (1775–1783), foi mantida a escravidão negra e vetado o voto às mulheres. Ou seja, a partir da experiência concreta dessas revoluções, foi construído em Estado, que em nome do “todos”, base do direito liberal, excluiu as mulheres, os negros e os pobres em geral, do debate político e de espaços de poder (Scott, 2002). Teoricamente para justificar a exclusão das mulheres em geral, e das pessoas negras, diversos pensadores revolucionários desse período, se utilizaram da ideia de natureza feminina e inferioridade racial. Devido ao seu corpo, especificamente a sua genitália e a capacidade de reproduzir a vida humana, as mulheres estavam destinadas pela natureza aos cuidados domésticos, com a família, aos filhos, aos idosos, etc. Ou seja, o mundo público, a racionalidade, a política, o Estado, a ciência, a guerra,a rua, eram atribuições e lugares simbólicos naturalmente masculinos. Para as mulheres caberiam: a família, a religião; a família, a sensibilidade, a paz, a casa, a fé. Essa ideologia, chamada de Sexismo, vigora em muitas sociedades até os dias atuais. O Sexismo tem por base a ideia de que nossas genitálias – nosso sexo - definem quem nós somos, nossos anseios, sonhos, desejos, gostos, qualidades, atribuições e capacidades. A crença sexista atribui aos homens e mulheres lugares, maneiras de se portar e espaços de atuação e discrimina todas as pessoas que não se encaixam nos estereótipos. Não necessariamente, o Sexismo postula que as mulheres são inferiores aos homens, mas ele é limitador e opressivo no sentido em que compreende o corpo, o sexo, como um lugar definidor natural das pessoas, ignorando as construções dos significados sociais sobre as genitálias e relegando as mulheres as tarefas e atividades ditas domésticas e de cuidado com o outro: os filhos, o marido, os pais, os idosos, os doentes, etc.. Na Europa do século XVIII e XIX, a ideologia sexista esteve presente no processo de construção das profissões ditas “femininas”, tais como a área da saúde e da educação. Não é por acaso que as primeiras profissões permitidas às mulheres da classe média, eram as de professoras infanto- • 06 juvenis e enfermeiras (Perrot, 2005). Essas profissões eram pensadas como uma extensão das atividades das mulheres na esfera privada: elas somente repetiriam, por amor, devoção e pela sua natureza ligada à sensibilidade, as funções que cumpriam em família. Mesmo assim, os cargos de maior notoriedade nessas áreas, tais como professor nas universidades e o exercício da medicina, eram tidos como masculinos, uma vez que eram vistos como possuindo uma maior racionalidade, capacidade intelectual e liderança. Ou seja, nessa ideologia (maneira de ver o mundo), algumas pessoas seriam destinadas naturalmente a cuidar dos filhos e tudo o que se relacione as tarefas de manutenção privada da vida em família, enquanto outras estariam biologicamente destinadas a serem lideranças políticas, por exemplo, bem como qualquer atividade que denote, racionalidade, força e poder sobre os demais. Não é por acaso, que uma das primeiras reivindicações e conquistas dos movimentos operários europeus do século XIX, subsequente ao século das Revoluções Democráticas, foi à expansão do direito ao voto aos homens pobres (1840, no caso francês). No entanto, diferente desse grupo, as mulheres e negros, estariam incapacitados, devido aos seus corpos (respectivamente sexo e cor da pele), a participarem ativamente da chamada esfera pública. Dentro da perspectiva liberal do período, os homens brancos e pobres, poderiam mudar sua condição de classe, no entanto, as mulheres e os negros jamais poderiam fugir de seus corpos, fugir de sua natureza. Para ilustrar esse debate segue abaixo trecho da famosa carta de Abigail Adams, endereçada a seu marido, um dos lideres revolucionários John Adams, durante o processo da Guerra da Independência dos EUA, em 1977 (apud: Pinto, 2003): Espero que no novo código de Leis vocês se lembrem das senhoras e sejam mais generosos e favoráveis para elas que seus antepassados. Não coloque um poder tão ilimitado nas mãos dos maridos. Lembrem-se que todos os homens serão tiranos se puderem. Se não for dada especial atenção e cuidado particulares às senhoras, estamos resolvidas a fomentar uma rebelião e não nos sentiremos obrigadas a cumprir leis, diante das quais não temos nem voz, nem representação (Abigail Adams) • 07 Ao qual ele respondeu: Quanto ao seu extraordinário código e leis eu só posso rir. Nossa luta, na verdade, afrouxou os laços de autoridade em todo o país. Crianças e aprendizes desobedecem, escolas e universidades se rebelam, índios afrontam seus guardiões e negros se tornem insolentes com seus senhores. Mas a sua carta é a primeira intimação de uma tribo, mais numerosa e poderosa que todos estes descontentes [...] Esteja certa, nós somos suficientemente lúcidos para não abrir mão do nosso sistema masculino (John Q. Adams). O pensamento político liberal, pautado pela igualdade e pelo direito de representação, é a base principal da argumentação de Abigail, ao mesmo tempo em que a resposta de John Adams expõe, já no período revolucionário, os limites da carta de Thomas Jeferson: “[...] todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu criador certos direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade” (Declaração de Independência dos Estados Unidos da América -1776), ou ainda os limites do artigo 1º da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, de 1789 - “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”. Como vocês podem observar ambas as cartas revolucionárias e democráticas advogam o direito universal. No entanto, como foi percebido pelos diversos movimentos de mulheres e movimentos feministas, ao longo do séc. XIX e XX, o termo “homem” tomado como sujeito universal, na prática jurídica e constitucional, referia-se somente aos homens de carne e osso. Exemplo disso é a situação política das mulheres brasileiras na primeira Constituição Republicana (1891) em relação ao direito de votar e ser votada. Em seu artigo 70 apregoava: “São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei.” Excluídos os analfabetos, mendigos, militares e os religiosos, não havia nada que vetasse o voto às mulheres. Com base na ideia do uso neutro do gênero masculino das palavras, diversas mulheres se inscreveram para votar, o que gerou espanto generalizado entre juristas e intelectuais em geral. As instancias jurídicas foram obrigadas a refletir sobre o voto das mulheres, o qual não fora sequer cogitado entre os constituintes, uma vez que ele não era explicitamente negado na forma da lei. Todos os pedidos feitos foram negados juridicamente, com base no uso nada neutro do gênero masculino. Os juristas promulgaram que “o cidadão”, “o eleitor”, era por lei uma referência aos homens (ver: Soihet, 2006). • 08 Essa situação histórica é somente um exemplo de uma lição prática, aprendida pelos movimentos de mulheres e feministas, de que a linguagem não é politicamente neutra. Mesmo que ainda seja apregoado que o termo “o homem” possui um uso neutro e universal, englobando as mulheres, em termos jurídicos isso não acontece. Não por acaso, desde a constituição brasileira de 1989, as mulheres estão legalmente inscritas como cidadãs brasileiras, plenas de direitos e deveres. Atualmente, a flexão de gênero é obrigatória em todos os documentos oficiais. Importante lembrar que a linguagem que usamos cotidianamente, é um mediador simbólico entre o sujeito (sua subjetividade) e o mundo social. Como defendem diversos autores, os seres humanos constroem significados do mundo social através da nomeação das coisas, dos objetos, das pessoas, das atitudes, das instituições. Não existe realidade social fora – externa - ou anterior à linguagem. Ela não só possibilita a prática política social. Ela é uma prática política em si. Por isso, como profissionais da educação, da saúde e do serviço social, é preciso refletir sobre o uso que fazemos das palavras, uma vez que nunca são politicamente neutras. A linguagem usada sempre denota opressão de classe, de gênero, étnico racial, geracional. etc.. Avançando na discussão proposta, no século XIX, século pós- revolucionário, alguns/as intelectuais teceram importantes reflexões sobre as desigualdades sociais entre homens e mulheres. Dentre eles destaco a discussão proposta por F. Engels, na obra Origens da Família, da propriedade e do Estado. Passados 40 anos da morte de Flora Tristan, em linhas gerais, Engels aponta que as desigualdades entre homens e mulheres não são produtos de uma natureza masculina ou feminina. Utilizando-se dos termos Alienação e Ideologia, Engelstraz para a realidade social, a qual denomina de Sistema Patriarcal, a base da relação de desigualdade entre homens e mulheres na Europa do século XIX. Segundo essa perspectiva, o surgimento da propriedade privada foi o que ensejou a necessidade dos homens controlarem a sexualidade das mulheres, devido às questões de hereditariedade. Engels desnaturaliza a ideia de “essência” feminina (e masculina) e identifica uma relação de dominação/ opressão dos homens sobre as mulheres. Diferente das interpretações, religiosas ou biologicistas (sexistas) do período, para ele existem elementos materiais que conduziram a essa opressão, calcados principalmente na ideia de que o poder, a propriedade, • 09 a superioridade, pertence aos homens, ao Pater. Palavra de onde deriva o termo sistema Patriarcal. Com base no pressuposto principal do chamado Materialismo Histórico, a materialidade das condições de existência é que determinam o sujeito enquanto ser. No sistema patriarcal, calcado em um sistema de propriedade, cabe aos homens (pais, maridos, filhos) o protagonismo fundamental na organização social, exercendo autoridade e poder sobre todas as mulheres e crianças, e demais homens carentes de propriedade. Importante lembrar que Engels interpreta o lugar do trabalho doméstico num contexto mais amplo em que produção e reprodução da vida são partes de um único processo. Mesmo que focando uma classe operária universal, o materialismo histórico, do qual Engels é um dos construtores, concebe a sociedade como sendo edificada pelos seres humanos, no conflito entre as classes sociais. Uma vez que construída socialmente, a sociedade também poderia ser reconstruída a partir de outras premissas não opressoras. Pensar a sociedade como mutável implica retirar as mulheres de uma condição natural e imutável de desigualdade. Mesmo com inúmeras criticas em períodos posteriores, esta perspectiva influenciou diversas pensadoras e movimentos sociais das mulheres. Mesmo que a esfera privada, relacionada desde o século XVIII como sendo por definição o espaço feminino onde acontece a produção e reprodução da vida humana, não tenha ensejado preocupações sistematizadas de análise para os historiadores marxistas ortodoxos, preocupados com o que se considera população economicamente produtiva. No contexto intelectual do século XIX e parte do XX, não era analisada a situação global das mulheres no sistema capitalista e das suas diferentes classes, etnia, geração e orientação sexual. A ênfase era para as instituições (família no caso de Engels) através das quais se reproduz a sociedade burguesa e nas quais as mulheres estavam implicadas. Uma abordagem dessa obra, repetida por muitos marxistas desde então, é a consideração de que na História a força de trabalho masculina jogou o papel principal, e as mulheres, confinadas à dedicação e cuidados dos filhos e às tarefas domésticas, não participavam da produção. Somente a grande indústria – e unicamente à mulher proletária – lhe voltou a abrir as portas da produção social. Para Vinteuil “ao enviar, tendencialmente, cada vez mais mulheres para a esfera da produção social, ao proletarizar um • 10 número de trabalhadores cada vez maior, retirando da família o seu papel de transmissão de propriedade, o capitalismo minava (parcialmente) as bases da dominação masculina” (1989, p. 7). A discussão de temas relacionados às mulheres encontrou resistência em diversos grupos marxistas, uma vez que eram tidos como secundários em relação à luta de classes, e pela crença de que a extinção das classes sociais acabaria também com a desigualdade entre os homens e mulheres. De qualquer forma é sempre bom lembrar que o marxismo tem todo o mérito em denunciar, no século XIX, a subordinação das mulheres e a naturalização de processos construídos socialmente, e seguiu sendo, ao longo do séc. XX, um espaço possível de discussão dessas temáticas, com graus diferentes de inserção das mulheres, conforme os grupos e as nacionalidades. É importante ainda lembrar que mesmo as/os intelectuais do materialismo histórico seguiram se utilizando da concepção do sujeito universal: o homem universal e a mulher universal. Termos que genericamente agregam como sendo iguais todas as mulheres do mundo, com base ainda na genitália. Usado no singular, o termo “a mulher” reduz todas as mulheres do mundo, e de todas as épocas, a genitália que possuem. O uso do termo reflete a concepção de que existe uma essência pautada pelo sexo e que une, de forma explicativa, todas as mulheres do mundo. O (s) movimento(s) sufragista(s) em defesa do voto universal (debatido no capítulo II) - também esteve amplamente embebido da concepção do “a mulher”. A ideia de uma “mulher” abstrata, universal e essencialista (o sexo era a essência de aproximação) foi amplamente criticada nos meios intelectuais e nos movimentos sociais, a partir da segunda metade do séc. XX. Como vocês já puderam observar as teorias e noções conceituais, que tratamos aqui de discutir, não foram criação de um mundo acadêmico afastado de um mundo dito material. Em primeiro lugar o desenvolvimento do conhecimento científico, seja na área das ciências naturais ou das ciências humanas, jamais está afastado das disputas políticas e sociais. Mesmo o método científico carrega em si as estruturas de pensamento da sociedade e do período em que é elaborado. Isso não significa, entretanto, invalidar ou diminuir as premissas • 11 do conhecimento científico. Contemporaneamente os estudos científicos não excluem a subjetividade (diferente de parcialidade) como fator a ser considerado na elaboração das pesquisas e elaboração das teorias. Em segundo lugar, as teorias acadêmicas, que refletem sobre as temáticas aqui levantadas, foram construídas através da fusão entre o mundo acadêmico e os movimentos sociais. Foram as demandas provenientes dos movimentos sociais que forçaram a academia a rever os próprios pressupostos do conhecimento científico (Schiebinger, 2001). Avançando no debate sobre as noções conceituais, o termo “a mulher” caiu em desuso, principalmente a partir dos anos 1960, sendo substituído por “mulheres” e/ou pela categoria de análise “gênero”. Debate do pós-guerra, o processo de naturalização do feminino/ masculino, o qual Pierre Bourdieu denomina de “eternização do arbitrário” (2002), desde Simone de Beauvoir, deixou de encontrar respaldo nos estudos da Sociologia, da Antropologia, da Filosofia e da História, ou mesmo na discussão contemporânea da Psicologia e da Biologia. O entendimento do corpo social biologizado e transformado em detentor de atribuições, qualificações, delimitações espaciais e hexis (postura) corporal específica é um dos grandes avanços teóricos que denunciam a existência e a hierarquização das estruturas de poder sexuadas entre as pessoas. Como já discutido, a ideia do tornar-se mulher nega a existência natural de uma essência condizente ao sexo biológico. Mesmo não usando explicitamente o termo “gênero”, Beauvoir retira a condição de ser “feminino” ou “masculino” do sexo biológico. Passo importante para as elaborações subsequentes da categoria “Gênero”, a qual será discutida adiante. O momento histórico do pós Segunda Guerra Mundial é particularmente propício para a construção, tanto do debate em torno do termo “mulheres” quanto do termo “Gênero”. As lutas pela descolonização na África e no Sudoeste Asiático, Revolução Cubana, e as guerrilhas na América do Sul, são marcos políticos importantes que caminham lado a lado com as reflexões políticas do período. Essas reflexões passam a enfatizar, menos os sistemas estruturais de opressão e mais a capacidade de ação e a resistência dos sujeitos (ver: Thompson, 1981). A luta armada, a filosofia existencialista, a concepção da violência como emancipadora do sujeito, fundamentam, sobre diversas perspectivas, • 12 o pensamentodas chamadas New Left (Nova Esquerda), que se contrapõem as concepções deterministas de estrutura e conclamam a chamada história “vista de baixo” e a ação política dos sujeitos, até então excluídos: as mulheres, os negros, os prisioneiros, os pobres, etc. As esquerdas chamadas dissidentes, em relação às concepções deterministas de estrutura, e as esquerdas chamadas alternativas, tais como o Movimento Feminista, o Movimento Negro e o Movimento Gay (Araújo, 2000) forem importantes espaços de abertura política às mulheres, e onde se processou, principalmente, a desconstrução do sujeito universal, uma vez que se tornara necessário explicitar as diferenças do interior da “diferença”. As questões étnico-raciais e da sexualidade foram imbricadas ao debate sobre as desigualdades sociais entre homens e mulheres. Nos EUA, na década de 1960, as mulheres negras do movimento feminista passaram a denunciar a inviabilidade política do uso do termo “a mulher” como sujeito universal. Para as mulheres negras, as mulheres da classe trabalhadora e também para as mulheres lésbicas, as teorias pautadas no “a mulher” ainda existentes em alguns grupos feministas, escamoteava a desigualdade existente entre as condições de trabalho, educação, saúde e moradia entre as mulheres brancas e negras, por exemplo. As reivindicações das mulheres negras iam muito além da luta pelos direito civis ou mesmo dos direitos reprodutivos. Tornara-se necessário, além do uso do “Mulheres” sempre no plural, a explicitação sobre quais mulheres o movimento feminista e os estudos acadêmicos estavam falando: mulheres negras, índias, jovens, idosas, ricas, pobres, urbanas, rurais, etc.. A quebra na concepção de um sujeito do Feminismo unificado correspondia à necessidade histórica de se considerar as diferentes formas de opressão que podiam/podem incidir conjuntamente sobre as pessoas e os grupos. As Novas Esquerdas e a chamada História Vista de Baixo se configuraram como espaços receptivos aos os estudos relativos à construção da visibilidade de um sujeito feminino, principalmente a tradição thompsoniana, na medida em que se pode encontrar nela uma visão do sujeito fundado sobre a relação entre a “experiência da opressão e as possibilidades de ação de camadas, grupos, culturas e sexos, empobrecidos, marginalizados e excluídos do direito” (NEGRO & SILVA, 2001, p. 72). O que nos anos 1960 era pensado como diferença entre homens • 13 e mulheres passou a ser problematizado como diferença de intersecções múltiplas, com eixos de subordinação – raça, etnia, classe social, religião, idade, orientação sexual, nacionalidade etc., denominados de eixos de diferença “mutuamente imbricados, onde cada categoria produz efeitos articulatórios sobre as outras em contextos históricos e geográficos específicos” (Machado, 1997). A afirmação da categoria “mulheres” passou a ser utilizada nesse contexto para subverter a relação de dominação: representação imposta, aceita, mas que concretamente reivindica direitos contra a ordem que a produziu. A incorporação da linguagem da dominação foi reempregada pra marcar uma resistência (Ver: Chartier, 1995). De forma não excludente ao uso do termo Mulheres, a categoria Gênero foi também incorporada nesse debate. Termo usado desde a década de 1950 na Antropologia, a fim de separar a ideia de sexo, visto como um dado biológico, o gênero – masculino ou feminino – passou a ser discutido como um aprendizado social, objeto da sociologia, da antropologia, da psicologia e da história. Na década 1980, em meio aos Movimentos Feministas estadunidenses, se expandem as discussões que utilizam o termo “Gênero” como uma categoria análise. Na área da História, a historiadora norte-americana Joan Scott define Gênero como a “organização social da relação entre os sexos”, ou seja, pode ser entendido como as relações de poder entre os sexos. Como categoria, o Gênero é uma maneira de dar sentido ao mundo através da diferença sexual, em que as concepções sobre masculino e feminino são, ao mesmo tempo, excludentes e relacionais. Diferente, por exemplo, da gramática que postula a existência dos gêneros das palavras, nas Ciências Humanas, as discussões sobre Gênero abarcam ao mesmo tempo as construções simbólicas e relações hierárquicas (econômicas e sociais) sobre a ideia de homem/mulher e masculino e feminino. A construção social sobre a ideia do que é uma mulher, é simultânea a ideia do que é um homem. Por isso, relacional. Em termos de pesquisa acadêmica Gênero é usado sempre no singular, pois aponta a discussão sobre o binarismo homem/ mulher. O termo Gênero, por si só, não pressupõe ou descreve nada além da consideração de que a percepção sobre as diferenças sexuais são capazes de nortear relações sociais. Para aprofundar a questão da diferença, diversos • 14 estudos das Ciências Humanas enfocam as relações sociais de gênero, a fim de problematizar como os significados construídos sobre ser um homem ou ser uma mulher - masculinidade e feminilidade - são utilizados como base de hierarquização. De qualquer forma, o sexo biológico não define de antemão condições de Identidade de gênero das pessoas, muito menos a orientação sexual. O questionamento do binarismo de todo o pensamento ocidental, tem colocado as bipolaridades em juízo. Até a ideia de sexo (biológico) tendo sido constantemente problematizada. Esses estudos, para além do sistema sexo- gênero, negam que as diferenças anatômicas marquem de forma inflexível o comportamento das pessoas. Feminino e masculino, na concepção de Judith Butler, por exemplo, são performances que nós elaboramos e reelaboramos em nosso cotidiano (ver: Butler, 1998). Nessa concepção não existem somente dois sexos e dois gêneros, desejados e idealizados. Por exemplo, um homem/masculino pode significar tanto um corpo masculino quando feminino. Como puderam observar, existem contemporaneamente diversas teorias que perpassam a discussões sobre a (s) situação (ões) das mulheres no mundo e a intenção deste artigo era delinear uma leitura inicial sobre esse debate. Outra noção conceitual de suma importância é referente ao termo Empoderamento. Essa palavra vem sendo utilizada principalmente nas pesquisas sobre desenvolvimento humano, também desde os anos 1960, e não existe um consenso sobre o seu significado. Nos anos 1970, o movimento chamado Women In Development (WID) – Mulheres no Desenvolvimento –, utilizava a noção de empoderamento como um “poder sobre”, sobre si, sobre os outros, e sobre os recursos (materiais e ambientais). Esse grupo defendia a necessidade de inversão da situação de poder entre os homens e as mulheres. Principalmente em relação às mulheres das classes populares, destituídas de poder, sobre isso, e sobre os recursos materiais. Nessa concepção, já bastante superada, alguns teriam que perder poder para outras pessoas adquirirem. A concepção foucaultiana de poder influenciou outras tentativas de coneitualização. Para Foucault o poder é uma relação. O poder nao se ganha ou perde, uma vez que nao é um substantivo. O poder é um exercício, uma relação de força. Nessa perspectiva, o foco deve ser a compreensão das • 15 relações de poder, e não a promulgação da existencia de um poder em si (Foucault, 2005). Em termos de ação política governamental, no caso brasileiro, a concepção de Empoderamento se relaciona principalmente ao empreendimento das políticas públicas. Empoderar, nesse sentido é criar condições as mulheres das classes populares para o enfrentamento da vida cotidiana. Importante lembrar que não se considera que o Estado ou outras instâncias tais como as ONGS, são capazes, em si, de empoderar as pessoas. O Estado é considerado um fomentador do empoderamento, criando condições para que as mulheres se tornem protagonista de suas histórias, ampliando as possibilidades de suas existências. Para terminar este texto,obviamente sem ter encerrado a discussão, me reporto novamente a Simone de Beauvoir: “É terrível frustração não poder inscrever os movimentos de seu coração na face da terra” (1980, p. 69). Com essa citação, convido as/os educadoras/ES a inscreverem os movimentos de seus corações no mundo. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A Utopia Fragmentada: As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: FGV, 2000. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: a experiência vivida. v. 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. BUTLER, Judith. Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do pós-modernismo. Cadernos Pagu, n. 11, p. 11-42, 1998. COSTA, Cláudia de Lima. 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Entendemos em relação ao termo “onda”, momentos em que os ideais e as discussões daquele movimento foram mais divulgados, entretanto, enfatizamos que o termo não significa homogeneidade e nem que esteve forte e bem difundido em todo o contexto. O Feminismo de primeira onda, representado no Brasil por Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura, destacou-se ainda no fim do século XIX, cujas principais discussões ficaram em torno da questão sufragista, do direto ao trabalho e aos direitos trabalhistas, de acesso ao ensino, entre outros. Já o feminismo de “segunda onda” surgiu com o fim da Segunda Guerra Mundial, representado especialmente por Simone de Beauvior e Betty Friedman, as quais enfatizaram questões relativas ao corpo, ao prazer, ao divórcio, aos métodos contraceptivos e contra o patriarcado e a violência contra as mulheres. Foi também nesta última onda em que as feministas passaram a utilizar o termo “mulher” para firmar uma identidade para o grupo, a fim de ganhar mais notoriedade e força nos meios sociais, culturais e políticos. Sobretudo, ressaltamos que ainda no século XIX, especialmente nas décadas de 1860 e 1870, já havia diversas publicações de jornais e revistas com reivindicações e discussões acerca das mulheres e de seus manifestos. O Feminismo, por sua vez, incentivou e proporcionou às mulheres, oportunidades para reivindicarem seus direitos sufragistas e trabalhistas, entre outros. Esse movimento cresceu paulatinamente a partir de fins do século XVIII na França e nos Estados Unidos, chegando ao Brasil a partir de meados do século XIX. Na França, um dos marcos foi a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de Olympe de Gouges, em 1791; uma reação à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual não incluía as mulheres. Para Gouges, as mulheres tinham o direito de votar e serem 2 Professora na Universidade Estadual do Centro-Oeste e doutoranda em História, pela Universidade Federal de Santa Catarina. lorenaazomer@hotmail.com • 18 votadas, representando desse modo uma chance para conquistarem seus ideais. Ainda, de acordo com Joan Scott, a própria exclusão das mulheres na declaração de 1789 estimulou a luta por direitos iguais. Após isso, com o crescimento da burguesia e das atividades industriais que exigiam o trabalho feminino, algumas mulheres encontraram brechas para, aos poucos, deixarem de ser apenas responsáveis pela casa e pelas filhas/os, além daquelas que há muito tempo já eram empregadas domésticas, agricultoras, vendedoras de rua, ou mesmo escravas. Não muito longe de Gouges, na Inglaterra, em 1792, Mary Wollstonecraft publicou Vindications of the Rights of Women, uma obra que reivindicava às mulheres a mesma educação dirigida aos homens, ou seja, outra feminista que via que a igualdade pretendida pelas mulheres era prejudicada por meio da forma como a educação era transmitida. A historiadora Constância Duarte levantou uma questão que tem acompanhado as abordagens do feminismo na história, a de que Nísia Floresta ao fazer a tradução da obra, com adaptações às características brasileiras, teria se contradito quando afirmou que se alegrava em saber que seu sexo não era tão desprezível, diante das novas conquistas. Para a historiadora, as afirmações de Nísia Floresta não representavam um retrocesso, mas sim uma clara consciência da autora, em relação ao Brasil ortodoxo em que ela estava apregoando suas palavras. Portanto, o crescente Feminismo chegou ao Brasil em meados do século XIX, por meio de traduções de textos como os de Mary Wollstonecraft, feitos por Nísia Floresta em sua estada na Europa no início do século XIX. Além disso, são inúmeros os jornais e periódicos produzidos nos quintais das casas burguesas dos grandes centros, como O Jornal das Senhoras, O Sexo Feminino e o XV de Novembro do Sexo Feminino. No início do século XX, Bertha Maria Lutz e Maria Lacerda de Moura colaboraram também com manifestos sobre o sufrágio universal e os direitos trabalhistas, enfim, notícias que proliferaram por todo o país e chegaram aos periódicos de várias cidades. Nas primeiras décadas de século XX, as manifestações feministas publicadas em jornais exigiam o sufrágio e desejavam um aumento no número de profissões destinadas às mulheres, como também reivindicavam trabalhos no comércio e nas repartições. Apesar de ser notório desse tempo um Feminismo libertário que buscava os direitos trabalhistas, representado • 19 por Maria Lacerda de Moura, os objetivos de um Feminismo sufragista, como os de Bertha Lutz foram os mais divulgados até meados do século XX. Maria Lacerda de Moura e Bertha Lutz, no início, reivindicavam juntas, alguns direitos para as mulheres, mas no decorrer da amizade, Maria Lacerda Moura preocupou-se mais com a falta de direitos trabalhistas para as mulheres, enfim, aquelas que sentiam em seus salários, no abuso do patrão e na falta de creches para seus filhos a falta de igualdade. Em contraposição, Lutz, de classe abastada, exigia o sufrágio e este não seria a solução para os problemas apontados por Moura. Importante considerar que ambas tinham uma trajetória bastante diferente, ou seja, Lutz foi educada no Brasil, mas concluiu seus estudos emLicenciatura em Ciências na Sorbonne, França, e, ainda, formou-se mais tarde na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Publicou diversos trabalhos e sua carreira política e feminista nunca estiveram separadas da sua profissional. Ainda no ano de 1918 passou a redigir semanalmente uma revista, em que convocava as mulheres brasileiras a compor uma “Liga de Mulheres Brasileiras”. Já a vida da educadora Maria Lacerda de Moura foi marcada pela defesa dos direitos relativos ao corpo, ao prazer e contra a moral burguesa. O que há de comum entre essas duas mulheres é que representaram muitas de suas gerações – e das futuras também – era o desejo por um mundo mais igualitário, um mundo em que mulheres e homens pudessem ter a mesma liberdade, as mesmas oportunidades e respeito de todos e todas, independente de sua “natureza biológica”. Em relação ao acesso ao Ensino Superior, no Brasil já havia mulheres em várias profissões no início do século XX, entretanto ainda era grande o preconceito. O próprio Magistério era um curso procurado justamente por ser um que os homens deixaram de lado quando as primeiras mulheres tornaram- se professoras e também por ser caracterizado como mais “feminino”, no qual as mulheres estendiam os cuidados destinados às/aos filhas/os as/aos suas/seus alunas/os. Não obstante, na Medicina e no Direito era comum as mulheres serem taxadas de masculinizadas e fracassadas no que se refere ao casamento, pois o sucesso profissional só poderia ocorrer se ocupassem o lugar dos homens e consequentemente falhassem nos lares. Essa ideia também pode ser compreendida quando verificamos nas discussões de higienistas • 20 do Rio de Janeiro, apontamentos determinando a maternidade como algo que tornava as mulheres mais pacientes e altruístas, o que caracterizaria mulheres inteligentes e emancipadas como “perigosas” para com a moral vigente, isto é, para com a felicidade da família. Portanto, empregos que exigiam menos estudos, como os de datilógrafas e de telefonistas, eram os mais aceitos, pois, para os homens aqueles empregos não incomodavam os lugares ocupados por eles. Sobre este aspecto, June Hahner afirma que as mulheres que ousaram adentrar a Medicina, o Direito e a Engenharia, nesse contexto, foram as que futuramente representaram o movimento sufragista, justamente pelo seu maior acesso político e financeiro. Nesse caso podemos compreender o porquê da relação entre o feminismo burguês/sufragista às mulheres intelectualizadas e abastadas. Essas mulheres faziam parte de camadas da sociedade onde não havia problemas relativos à saúde e higiene precárias, à fome, não dependiam de empregos em grandes indústrias onde seriam exploradas por patrões e até mesmo colegas, embora em casa pudessem ser subjugadas pelos pais, maridos e filhos. Deste modo, o feminismo sufragista está relacionando ao contexto, no qual a educação e emancipação cívica eram as reivindicações com as quais se preocupavam. Em relação ao contexto do feminismo de primeira onda, ainda no período de Getúlio Vargas, as relações de gênero vigentes foram utilizadas para manter um governo autoritário e conservador. A preocupação com o crescimento populacional e a indústria fez com que o governo de Vargas se concentrasse na família. Nesse sentido, o ideal burguês era de que a mãe continuasse a educar seus filhos, mas o próprio sistema capitalista instigava as mulheres (até mesmo de classes abastadas) a irem às ruas trabalhar. Dessa forma, para não perder o controle, muitos empregos e limites foram criados. Um deles seria a puericultura, um modo de cuidar da higiene e saúde de pessoas menos favorecidas, no qual as mulheres poderiam estar no mundo público, entretanto desempenhando um “papel naturalmente feminino”. Importante considerar que cada Feminismo ou reivindicação das mulheres está relacionado ao seu contexto, isto é, em uma mesma sociedade existem muitas mulheres, no termo plural e não no singular, com alguns objetivos em comum e que variam de acordo com os interesses. • 21 Baseados em ideias de Joan Scott a partir da década de 1970, muitas feministas – acadêmicas ou não - passaram a utilizar o termo “mulheres”, sem diminuí-lo a uma representação totalitária de todas as mulheres, isto é, sabemos que as mulheres ou mesmo suas contemporâneas em geral, não eram idênticas no que se refere aos sentimentos e às personalidades, entretanto, pensando que a expressão mulheres abarca a pluralidade, optaram por essa bandeira. Nesse leque, o paradoxo feminista não está no fato de uma mulher ou outra defender opiniões diferentes, mas, desde que algumas mulheres começaram a questionar as diferenças sexuais como causadoras de exclusões culturais e políticas, outra ideia teria se tornado um divisor de águas entre as feministas até hoje: a da diferença e da igualdade. Do mesmo modo, em qualquer uma das definições a diferença sexual tem uma definição oficial e análoga quanto à identidade de ambos. Sendo assim, para alcançar mais representatividade, as mulheres passaram a se manifestar em grupo, um ato que com passar do tempo caracterizou-se em uma importante identidade feminista. No contexto de meados do século XX, A História das Mulheres, decorrente de uma luta feminista nas universidades, obteve seu espaço acadêmico a partir de fins de 1970 e o seu questionamento central, naquela época, era de que mulheres não deveriam ser vistas apenas como vítimas, nem como secundárias na História, ou seja, eram necessários estudos mais complexos no que se refere à participação das mulheres no fazer histórico, alegando ser preciso uma ruptura epistemológica. Esse período também foi marcado pela produção da feminista Simone de Beauvior, cuja literatura debatia não somente os valores burgueses, mas também o padrão de comportamento exigido das mulheres em face aos homens. Desde meados da década de 1970 no Brasil, historiadoras e historiadores têm buscado compreender, cada uma/um dentro de seus campos de estudo, diferentes participações das mulheres no mundo público, relacionando-as à História das Mulheres e aos estudos de Gênero. A categoria analítica do “gênero” é tributária, sobretudo das lutas feministas existentes desde o fim do século XIX, perpassando o século XX, nas quais as mulheres reivindicaram direitos políticos e sociais. Referimo-nos ao conceito de gênero (lembrando que não são todos os pesquisadores das áreas que acataram) pensando nas considerações da • 22 historiadora Joan Scott, cujo artigo Gênero: uma categoria útil de análise histórica, publicado no Brasil em 1990, define o termo como uma composição de significados culturais estruturados a partir das diferenças percebidas entre os sexos. Essas são esquematizadas a partir das relações sociais e de poder. Neste sentido, algumas feministas e historiadoras da História das Mulheres utilizaram o método para então compreender diferenças, visto que a categoria “mulheres” não poderia ser analisada se não fosse vista em relação aos demais que formam as sociedades. A historiadora Sueli Gomes em relação ao livro lançado em 2006 O feminismo tático de Bertha Lutz, de Rachel Soihet, ressalta que os Feminismos são plurais, cada um ao seu modo, nas suas limitações, e que a disputa com outros lados (às vezes mais fortes) faz com que conquistas vão paulatinamente se instalando e tornando-se práticas cotidianas. Consideramos que as “ondas” em que se ergueram ideais feministas ao longo dos últimos cem anos, foram os primeiros ideais que nas décadas seguintes tornaram-se cada vez mais comuns. Todas as mulheres que lutaram e obtiveram conquistas nos últimos séculos não deixaram de reproduzir os mesmos ideais que as suas sociedades determinavam, assim como, o modo como construíram os papeis dos homens/mulheres, mesmo com alguns limites diferenciados, continuaram a manter a hierarquia entre os sexos. No entanto, a cada limite ultrapassado, mesmo que aduras repressões, permitiram que nossa e outras gerações pudessem escolher nossas profissões, a maternidade ou mesmo um casamento. Ao mesmo tempo, o contexto de conquistas hoje não nos afasta da moral vigente ou dos problemas ocasionados por séculos de subjugação, isto é, continuamos a lutar contra a violência doméstica, contra o machismo permanente e muito forte em nossa sociedade, ao passo que o Ensino Superior com diversos cursos já se tornou comum às mulheres, assim como várias carreiras, até mesmo políticas, além de vários direitos políticos e civis. REFERÊNCIAS ALVES, Branca Moreira. Ideologia e feminismo. A luta da mulher pelo voto no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 1980. BESSE, Susan K. Modernizando a desigualdade: Reestruturação da ideologia • 23 de gênero no Brasil, 1914-1940. São Paulo: EDUSP, 1999. BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 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Marechal Cândido Rondon: Edunioeste, 2009, ano1, n.1, pp.137-139. • 24 III Mulheres fazendo Ciência Luciana Rosar Fornazari Klanovicz3 Kariane Camargo Svarcz4 Existem espaços de trabalho e de produção científica, destinados especificamente, para homens e outros para mulheres? A história, essa nossa velha conhecida, repleta de interpretações sobre o passado, tem nos mostrado que em diferentes épocas esse foi um tema bastante debatido. Já em outros momentos foi negligenciado, sobreposto por outras questões, como por exemplo, a sobrevivência em tempos de guerra ou de catástrofes. Este texto tem como principal motivação colocar em pauta e desnaturalizar a questão de que não há espaço em que as mulheres não possam estar. Objetiva-se questionar tal assertiva, colocá-la em suspensão, mudando sua perspectiva e sua abordagem na ampliação dos espaços de atuação feminina, seja ela qual for, na produção de ciência, nos canteiros de obras, liderando e projetando empreendimentos. Lembremos, nesse sentido, que essa pretensa divisão de profissões e de produção de ciência foi um processo de investimentos discursivos para o afastamento das mulheres das áreas em que a razão (Iluminista) pudesse ser desenvolvida. Vale lembrar que o acesso das mulheres aos bancos escolares é um processo extremamente recente, tendo em vista a história da humanidade há mais de cinco mil anos; antes circunscrita a uma minoria da nobreza, a partir do final do século de XIX -- e de uma forma mais institucionalizada -- as mulheres puderam estudar nos níveis elementares e secundários de ensino e prosseguir, agora na virada para o século XX, seus estudos em cursos universitários (ver: Klanovicz, 2012). A Ciência e a Tecnologia possuem, em suas histórias propagadas, 3 Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), campus Guarapuava, Paraná. Docente do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em História e Regiões, e do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) Interdisciplinar em Desenvolvimento Comunitário na mesma instituição. Tutora do PET-HISTÓRIA e Coordenadora do Laboratório de História Ambiental e Gênero (LHAG – http://sites.unicentro.br/wp/lhag). Site: http:// unicentro.academia.edu/LucianaKlanovicz | e-mail: lucianarfk@gmail.com. 4 Acadêmica do 4º ano do curso de Licenciatura em História da UNICENTRO. Pesquisadora na área de Gênero e Ciência no LHAG. E-mail: ksvartz@gmail.com. • 25 apenas personagens masculinas. Essas duas áreas foram construídas em bases exclusivamente masculinas, estando as mulheres fora desses espaços, que, pela tradição, foram tornando-se restritos aos homens (especialmente nas áreas de Ciências Exatas, Informática e Engenharias). Nas famosas biografias científicas, nas diversas histórias sobre as ciências e a tecnologia, notamos uma presença masculina exclusiva. Onde estão as mulheres nessas histórias? Será que as mulheres não participaram de forma alguma das pesquisas e descobertas científicas e tecnológicas, em época alguma? Essas histórias ocultam muitas facetas das situações vividas no passado, e algumas delas são as presenças femininas em descobertas e invenções do passado, o que fornece, de um lado, uma visão parcial (e incompleta) do mundo, um conhecimento esfacelado da História da Ciência e da Tecnologia, e de outro, contribui para manter a dominação masculina sobre a mulher e sua exclusão dos espaços científicos e tecnológicos no presente. Diversas pesquisadoras debruçaram-se na busca por personagens femininas na ciência, para não só negar esse pensamento naturalizado de que ciência não é para mulheres, como também para, com biografias de mulheres cientistas com grandes feitos no passado, motivar meninas e mulheres da atualidade na aprendizagem da ciência e da tecnologia, fazendo-as buscarem áreas que não as tradicionalmente femininas, como saúde, secretariado e educação, mas outras como Engenharia, Física, Ciências da Computação ou Aeronáutica. Em tempos recentes, pesquisas têm mostrado uma participação crescente de mulheres nos espaços científicos em áreas que foram tradicionalmente consideradas masculinas, nas Engenharias, especialmente Engenharia Mecânica, Elétrica, Naval ou Aeronáutica, tanto no exterior como no Brasil, embora a presença das mulheres nessas áreas ainda seja mínima. Ao observarmos o mundo à nossa volta, percebemos uma série de transformações no que tange aos papeis sociais de homens e mulheres. Embora isso não ocorra de forma homogênea em todas as regiões, vemos mulheres atuando em cenários públicos, tendo profissões de prestígio, ganhando seu próprio sustento, e tendo uma boa visibilidade na sociedade. Tudo isso ocorreu graças aos diversos movimentos sociais e políticos e a lutas Feministas. Contudo, se olharmos com atenção para algumas profissões atuais, a presença feminina é mais marcante em algumas áreas e • 26 não em outras. E embora venham a ocupar certos espaços que não são os legítimos de sua atuação, mulheres não são bem vistas ou bem recebidas em algumas áreas das Engenharia, resistentes à presença feminina devido à sua formação histórica. As mulheres sofrem para entrarem nessas áreas, mas sofrem mais para nelas permanecerem, conseguirem estruturar uma carreira real e terem sucesso. Nas Engenharias e outras áreas da Tecnologia percebemos essa situação. Nesses campos, a presença femininamesmo na atualidade é permeada de entraves, e as mulheres precisam ser resistentes e corajosas para neles permanecerem. Para entender essas questões é necessário pensar a historicidade da ciência e da tecnologia. A formação da Ciência Moderna, a partir do séc. XVII, abarcou um alto grau de formalização, por meio da construção e reformas de instituições científicas com estabelecimento de normas que afastaram as mulheres. Na origem das produções e pesquisas científicas na Europa, muitas mulheres envolveram-se em atividades científicas, tanto na observação de astros com uso de telescópios em observatórios familiares, como na análise de plantas, insetos e outros animais com microscópios, junto a seus maridos, irmãos ou pais. Também tinham um grande conhecimento sobre plantas e ervas medi- cinais, tratamento de doentes, além de serem responsáveis pelo acompanha- mento de partos e nascimentos. Mas, a separação entre privado e público na Era Moderna exprimiu-se também na organização do trabalho científico e tecnológico, e com isso, as mulheres foram barradas em escolas e universidades, sendo educadas somente para assumir o cuidado da casa e dos filhos, enquanto que os meninos eram educados para as áreas científicas e demais profissões da vida pública, somente a eles sendo permitido o acesso a colégios e universidades. De acordo com Philippe Ariès, os colégios da Idade Moderna eram ambientes destinados aos meninos, marcados pelas punições e castigos corporais. A educação do séc. XVII era monopólio masculino. Meninas ricas, e apenas essas, iam para conventos, onde o ensino não era rígido como o dos meninos. Nos conventos elas recebiam uma educação voltada para questões religiosas, que eram, como se pensava, da sua conta e obrigação como mulheres, devotas a Deus e suas servas. Após a Revolução Francesa, no séc. XVIII, os homens passaram a considerar que, para fins políticos e morais, era útil manter as mulheres • 27 na ignorância, nos ambientes privados e na mais absurda mediocridade. Conventos que serviam como uma mera educação para mulheres foram fechados com a laicização do Estado. Dessa forma, a Revolução Francesa marcou a separação de esferas de atuação para homens e mulheres. Os rapazes seriam destinados à vida pública, ao exército, ao Direito e à Ciência, enquanto que as moças seriam educadas para o lar e para o casamento, sendo a sua única preocupação serem boas mães e boas esposas, cuidadoras do lar (Ver: ARIÈS, 1981). Dessa forma, os trabalhos científicos foram formalizados como profissões e encargos masculinos, e a Ciência foi sendo estruturada em bases exclusivamente masculinas, com um enorme desperdício de potencial humano. No Brasil, no presente recente, poderia-se dizer que aquele passado nebuloso onde mulheres eram alijadas da vida pública e do fazer ciência, já não existe, graças aos Movimentos Feministas, que desde o séc. XIX– por meio de discussões e reivindicações – vem conquistando um espaço para as mulheres atuarem na sociedade em todos os âmbitos. Atualmente, a universidade é um espaço comum para mulheres, e a docência no ensino superior tem razoável presença feminina. Mas na primeira metade do séc. XX, segundo Susan Besse, as desigualdades de gênero no Brasil ganharam novas cores e sentidos. As mulheres não eram educadas para sua emancipação intelectual, econômica e social. As escolas mantinham as mulheres fora de conhecimentos e atividades considerados “inadequados” para elas, que continuavam com a missão de educar e cuidar dos outros, de salvar o mundo, mas não transformá-lo (Besse, 1999). É a partir dos anos 1970, mais precisamente dos anos 1980 e 1990, que as mulheres começam a marcar presença notável e cada vez mais crescente nos bancos escolares e nas universidades, com as reformas no ensino, com a democratização da educação, com os trabalhos das feministas e com o reforço das demandas sociais e científicas, como industrialização, modernização do país e globalização. O desenvolvimento de novas carreiras no mercado de trabalho, o surgimento de novas áreas na Ciência, na Engenharia e na Tecnologia, como, por exemplo, a criação de cursos de Engenharia de Alimentos ou Engenharia Ambiental, possibilitou a entrada de mulheres em novas áreas do ensino • 28 superior, além das tradicionais, como Pedagogia, Letras, Nutrição, Farmácia, Enfermagem, Medicina, Direito, entre outras. Para frisar, a divisão da Engenharia em mais especialidades na década de 1990 e 2000, como: Alimentos, Civil, Ambiental e Química, possibilitou a entrada das mulheres na Engenharia em maior número. No entanto, a quantidade de mulheres nos cursos dessas áreas, se comparado com o número de homens, ainda é muito pequeno. A falta de informações sobre carreiras e cursos nas escolas, bem como o ensino precário nas disciplinas- base para os concursos vestibulares são fatores que inferem na pouca presença feminina nesses campos de atuação, situação que incomoda principalmente as mulheres e professores em geral, e que, obviamente, tem reflexos negativos para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Considera-se que a Ciência e a Tecnologia são essenciais para o desenvolvimento de um país. O Brasil tem dado maior importância para a produção do conhecimento científico voltado para áreas tecnológicas, incentivando a produção desses conhecimentos por meio de incentivos como bolsas para pesquisa em universidades e instituições nacionais e internacionais ou recursos para criação ou ampliação de laboratórios, além de intercâmbio de cientistas. Gênero e Ciência estão imbricados nos campos da cultura. Se a cultura de uma determinada sociedade é dominada por homens, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia irá reforçar a supremacia masculina. Compreende- se, então, que a Tecnologia e a Ciência não são neutras e se encontram relacionadas com os indivíduos. Assim, as relações de gênero, construídas pela cultura, são influenciadas pelas demandas científicas e tecnológicas e pelas dinâmicas sociais, podendo transformar-se ou serem conservadas ao longo do tempo. Pesquisas realizadas em torno da temática “Gênero e Ciência” evidenciam a concentração das mulheres em determinadas áreas, e sua ausência em outras. Pesquisas recentes realizadas em diversas universidades do Brasil, inclusive no Paraná, apresentam dados afirmando que as mulheres têm atuado nos espaços científicos, mas também mostram que elas concentram-se em áreas consideradas “mais femininas”, como as da Saúde e de Humanidades. Um exemplo é o trabalho de Estela Aquino, “Gênero e Ciência no Brasil: contribuições para pensar a ação política na busca da equidade” • 29 (Aquino, 2006), no qual a autora afirma que a Enfermagem ainda é campo majoritariamente ocupado por mulheres. A profissão de enfer magem esteve sempre marcada por conteúdos fortemente ideológicos, permeada pelo discurso religioso, nos quais eram enfatizados o devotamento, o idealismo, o altruísmo e o desprendimento material. Essa área foi naturalizada como uma ocupação “feminina”, decorrente da aptidão “inata” das mulheres para cuidar dos outros, a qual supostamente faltaria aos homens. Em Gênero e Ciência procura-se discutir e refletir sobre essas questões e situações, e ao mesmo tempo, desnaturalizar o que está arraigado em nossa sociedade, como os papeis e profissões “femininas” e “masculinas”, que vem sendo executadas por gerações de forma tradicionalista, sem muitas reflexões e questões em torno delas. Quanto à formação das mulheres em áreas consideradas masculinas, como Física e Engenharias, quanto mais alto o nível de especialização (mestrado, doutorado e pós-doutorado), menor é a participação feminina. É necessário que pensemos os motivos dessa exclusão ou pouca presença das mulheres nesses departamentos. De acordo com Lombardi (2004) o desenvolvimento da Engenharia no Brasil relacionou-sea projetos de modernização e às inquietações com o progresso do país, considerando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia como base de superação dos problemas e insuficiências urbanas. A princípio, a Engenharia era um campo homogêneo, universal, prático e masculino. Do Império até fins do séc. XIX, a Engenharia se manteve alicerçada ao ambiente militar, aplicada na construção de armas, fortalezas, pontes, abertura de estradas, dentre outras atividades, desempenhadas por oficiais engenheiros. Essa característica militar da Engenharia continuou impregnada mesmo após a separação da formação de engenheiros das escolas militares. A implantação do ensino da engenharia de caráter civil no país ocorreu durante o século XIX, com o crescimento urbano e a consequente demanda de serviços, abrindo novos campos de trabalho para os engenheiros, tais como construções de portos, instalações de hidrelétricas, serviços de gás, transportes, saneamento e construções de edifícios. Os primeiros engenheiros eram filhos de ricos fazendeiros, representando os interesses da sua classe social de origem, posicionando- se a favor da expansão industrial e urbana. Era comum encontrar • 30 engenheiros em posições hierárquicas de mando e direção, facilitados pela sua origem social privilegiada. Após fim da Segunda Guerra Mundial, com as preocupações socioeconômicas e políticas do País, amplia-se a oferta de cursos e expansão do mercado de trabalho para as áreas de Engenharia, que como campo universal, não daria conta das novas atividades e necessidades urbanas. O maior ingresso de mulheres em cursos de engenharia inicia-se na década de 1970, consolidando-se nos anos 1990. Uma das alterações mais importantes no mercado de trabalho no Brasil, além do ingresso maciço das mulheres, é seu nível de formação e profissionalização, muitas vezes superior aos dos homens. No que tange às especializações e aperfeiçoamento profissional, contudo, o número de mulheres em Pós-Graduação ainda é bastante reduzido. A historiadora Londa Schiebinger (2001) ao historicizar a trajetória das mulheres em escala internacional na produção científica, revelando uma progressão e uma participação maior delas na ciência, observa que quaisquer que sejam os resultados de pesquisas sobre produtividade científica de mulheres, a constatação é que homens e mulheres com recordes de pesquisas equivalentes não detêm as mesmas posições nas universidades e instituições científicas. Os homens tendem a ocupar cargos mais elevados que as mulheres. Portanto, as realizações das mulheres não são igualmente recompensadas através de promoções, reconhecimento profissional e salarial. Além de haver uma segregação horizontal das atividades científicas, onde as mulheres acabam aglomerando-se em algumas áreas que tradicionalmente estão mais de acordo com as especificidades femininas, há ainda uma segregação vertical que di ficulta a progressão das mulheres nessas mesmas áreas, sendo a maioria dos cargos mais elevados da hierarquia profissional, ainda ocupados por homens. A ocupação de posições de maior destaque pelas mulheres, quando acontece, é mais tardia do que pelos homens. Isso ocorre, segundo Estela Aquino, também na Enfermagem, onde os poucos homens existentes geralmente ocupam cargos de prestigio nas instituições de saúde, públicas e privadas. Assim, a Ciência e a Tecnologia, bem como as posições de comando nesses departamentos, são vistos de forma geral como domínios masculinos, • 30 • 31 identificados como cargos para homens por competência natural, e em virtude disso, as mulheres são excluídas ou se excluem em determinados campos de trabalhos científicos e tecnológicos. As atividades mais facilmente ocupadas por engenheiras são em órgãos administrativos, na seguridade social, em consultorias imobiliárias, na informática em geral, em áreas alimentícias e no ensino, inserindo-se mais facilmente na prestação de serviços, na pesquisa e na administração pública, o que sugere uma segregação horizontal entre trabalho feminino e masculino. Para Lombardi, as relações sociais de sexo e a divisão sexual do trabalho estão interligadas no campo de trabalho da engenharia, e os princípios de separação e hierarquização costumam ser legitimados por uma ideologia naturalista que vê a divisão sexual do trabalho como ordem social. A existência de anedotas e preconceito por parte alunos nas salas de aula de engenharia serve para tirar as mulheres da concorrência, para eliminá-las do curso, constituindo parte estruturante da construção social da hierarquia profissional, contribuindo para a segregação social. Notamos, junto com a autora, que mesmo que as mulheres tenham ousado adentrar em áreas de trabalho “masculinizadas” como na engenharia, continuam existindo lugares bem delimitados para sua atuação (Lombardi, 2004). Tebet constatou que no campo de trabalho para engenheiros/as, em alguns casos, existe um resguardo da feminilidade da mulher. Para uma sociedade conservadora e machista, essa feminilidade, envolta em sensibilidade e pureza, precisa ser preservada. Isso implica na desclassificação de mulheres em empresas e indústrias como comandantes e chefes de obras. Dessa forma, o fato de as mulheres transgredirem para as áreas engenharias, não significa que elas não irão reproduzir posições e escolhas tradicionais em torno da sua posição enquanto mulheres e futuras mães e esposas, e há ainda um efeito simbólico de dominação masculina nessas especialidades. Esse simbolismo cultural e os valores apreendidos e mantidos através de gerações, valores que são reproduzidos pelos dominantes e pelo Estado, não mudam facilmente com criação de leis e com algumas poucas mudanças. Na verdade, a situação de segregação e de divisão de tarefas conforme o sexo continua no mercado de trabalho. E a escola e a universidade são instituições que precisam ser repensadas com base nesses quesitos, já que • 32 ambas vêm fazendo muito pouco para a formação de futuras/os engenheiras/ os e cientistas. Fanny Tabak (2002) argumenta que, no Brasil, persiste forte influência de estereótipos sexuais na educação. As meninas ainda estão sendo preparadas para seguirem carreiras tradicionalmente femininas, não recebendo estímulo necessário ou motivação na escola e na família para seguirem carreiras científicas. Para isso, como destaca Tabak, seria necessário a implementação de projetos educacionais voltados para as relações de gênero em C&T e que incentivassem o desejo de mais mulheres em se voltar para carreiras científicas. Apesar dos significativos avanços no status jurídicos das mulheres, as áreas profissionais científicas e tecnológicas não constituem uma escolha prioritária para alunas do ensino médio, pois as estudantes raramente recebem incentivos por parte de políticas públicas que as impulsionem para a pesquisa e produção científica. Pesquisadores/as e pensadores/as chegaram a um consenso de que somente com uma educação crítica é possível transformar as diferenças de gênero no mercado de trabalho e em todos os âmbitos sociais. A educação transforma, remete e quebra valores. Não só a escola, mas a participação da família também é necessária na transformação da educação das crianças, adolescentes e jovens, buscando afirmar valores que respeitem homens e mulheres, onde o conhecimento e as produções científicos não sirvam para assegurar estatuto social, como se configura no Brasil, mas para assegurar a todos um bem estar social. Por mais que na universidade a presença de mulheres em cursos de C & T seja vista como normal e socialmente aceito pelos colegas e professores, no mundo real o trabalho da mulher engenharia é bem menos aceito e valorizado, tanto pelos donos de indústrias e empresas, quanto pelos trabalhadores do campo. Existe ainda preconceito de que a mulher não seja capaz o suficiente para dar conta datarefa. Existem muitas pessoas que desconfiam da capacidade de uma engenheira de desempenhar um trabalho de qualidade. Isso é muito presente em nossa realidade. O machismo, mesmo com movimentos sociais para derrubá-lo, ainda marca nosso cotidiano e cultura, e ainda barra o sucesso das mulheres em lugares e carreiras que não foram construídas socialmente para elas. Se para entrar na universidade não há barreiras visíveis (na verdade há • 33 muitas barreiras), ainda é necessário pontuar que dificilmente uma mulher das classes pobres adentra áreas tecnológicas, mesmo em universidades públicas. Muitas vezes, para serem aceitas em cursos de Engenharia, elas precisam comportar-se como homens, “virarem” um homem, deixarem de “agir feito mulher”. Acredita-se que uma presença crescente das mulheres na ciência pode vir a quebrar com estereótipos de gênero, promovendo mudanças nos papeis tradicionalmente desenvolvidos por homens e mulheres. Cabe destacar que o Brasil necessita de desenvolvimento tecnológico e científico para crescer econômica, social e tecnologicamente, portanto precisa de uma ampla gama de pesquisadores/as e cientistas em ação. O mesmo ocorre no estado do Paraná. A presença das mulheres, com sua inteligência, experiência e criatividade, é de fundamental importância na soma de indivíduos em ação para esse processo de desenvolvimento e de superação do atraso em que o Brasil encontra-se com relação à Ciência e à Tecnologia. REFERÊNCIAS AQUINO, E. M. L. Gênero e Ciência no Brasil: contribuições para pensar a ação política na busca da equidade. In: SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES. Pensando gênero e ciência. Encontro Nacional de Núcleos e Grupos de Pesquisas. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2006. ARIÉS, P. História social da criança e da família. 2ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981. BESSE, S. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-1940. São Paulo: EDUSP, 1999. BRUSCHINI, M. C. A. Trabalho e Gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de Pesquisa, v.37, n.132, p.537-572, set./dez. 2007. CABRAL, C. G; BAZZO, W. A. As mulheres nas escolas de engenharia Brasileiras: História, Educação e Futuro. Revista de Ensino de Engenharia. Rio de Janeiro, v.4, n.1, p.3-9, 2005. FARIAS, B. G. F. Gênero no mercado de trabalho: mulheres engenheiras. 2007. 102p. Dissertação (Mestrado em Tecnologia). Programa de Pós- Graduação em Tecnologia. Curitiba, Universidade Tecnológica Federal do • 34 Paraná, 2007. Disponível em:«http://www.portaldegenero.com.br/sites/ default/files/downloads/Disserta%C3%A7ao%20Guilherme.pdf» Acesso em 25 fev. 2014. KLANOVICZ, L. R. F. Mulheres Engenheiras no Sul do Brasil: uma interlocução entre História, Gênero e Ciência. 2010. Disponível em: «http://www.academia.edu/369041/Mulheres_engenheiras_no_sul_do_ Brasil_uma_interlocucao_entre_Historia_Genero_e_Ciencia_Female_ engineers_in_Southern_Brazil_a_dialogue_between_History_Gender_and_ Science» Acesso em: 1 jun. 2012. _____. Ampliando formas novas de educação: mulheres nos cursos de Engenharia do Sul do Brasil. In: ZARBATO, J. A. M. (org.) Educação, História e cultura: reflexões, experiências e diálogos educativos. Blumenau: Nova Letra, 2012, p. 99-116. LOMBARDI, M. R. Perseverança e Resistência: a engenharia como profissão feminina. Tese (Doutorado em Relações de Gênero, trabalho e profissões). Programa de Pós-Graduação Sanduíche no CNRS/GERS, Paris. Campinas, 2004. SABOYA, M. C. L. Alunas de engenharia elétrica e ciência da computação: estudar, inventar, resistir. 2009. 166p. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação. São Paulo, Universidade de São Paulo. 2009. SCHIEBINGER, L. O feminismo mudou a ciência? Bauru: Edusc, 2001. SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, v.16, n.2, jul/dez, 1990. TABAK, F. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. TEBET, M. Mulheres na engenharia: transgressão? Disponível em: «http:// www.fazendogenero8.ufsc.br.sts.ST38/Mani_Tebet_38.pdf» Acesso em: 1 nov. 2009. • 35 IV Trabalho feminino Soraia Carolina de Mello5 Quando pensamos em trabalho feminino, muitas vezes surge em nossas mentes estatísticas que lemos ou assistimos em telejornais sobre a entrada das mulheres no mercado de trabalho, cada vez mais ampla e em profissões que antes apenas eram ocupadas por homens. Estes mesmos telejornais costumam, no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, ou no Dia do Trabalhador, 1º de maio, mostrar a história de vida e luta de alguma mulher específica: uma caminhoneira ou operária da construção civil, muitas vezes chefe de família, único fonte de sustento de sua casa, e como esta mulher enfrentou com bravura as dificuldades de se inserir em uma profissão tão “pouco feminina”. Se por um lado, estas reportagens indicam mudanças que ocorreram em nossa sociedade nas últimas décadas, por outro, o fato de mostrarem esta ou aquela atividade como “pouco feminina” apenas nos faz lembrar de que o preconceito é presente e que determinadas profissões são estigmatizadas, carregam algo que podemos chamar de uma marca de gênero, e são consideradas essencialmente masculinas ou femininas. Apesar destas “marcas de gênero”, as mulheres têm entrado em massa em diferentes setores do mercado de trabalho nas últimas décadas. Entretanto, no quadro abaixo, de 2012, referente ao estado do Paraná, podemos ver dados que nos mostram como a inserção em determinada profissão não garante igualdade de direitos e oportunidades. Em todas as áreas indicadas no quadro, as mulheres são maioria na força de trabalho, mas seus rendimentos são entre 18 e 38% menores que os dos homens no mesmo setor, mesmo estes estando em menor número. A reportagem indica ainda que as trabalhadoras paranaenses, no mesmo período, possuíam mais instrução que os trabalhadores (29% delas tinha curso superior contra 15% dos homens), mas apesar disso, seus rendimentos eram, estatisticamente, menores. 5Licenciada a bacharel em História, doutoranda em História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), desde 2005 vem pesquisando questões relacionadas aos feminismos sul americanos e o trabalho doméstico, vinculada ao Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH) e ao Instituto de Estudos de Gênero (IEG). Contato em: soraiaa.mello@gmail.com • 36 Fonte: Belo, Carolina. Paraná OnLine - 08/03/2012. Tem sido comum nos últimos anos vermos mulheres entrando em espaços que antes eram quase que exclusivamente masculinos. Mas, o contrário ocorre na mesma proporção? Encontramos, em nossos dias, tantos enfermeiros, babás ou professores de séries iniciais quanto encontramos engenheiras, operárias metalúrgicas ou contadoras? Em alguns setores, como a construção civil e trabalhos técnicos de reparos ou manutenção de máquinas e mecânica, as mulheres conseguem formação mas não conseguem trabalhar devido ao preconceito (Ver: Oliveira). Muitas pessoas não confiam em uma eletricista, simplesmente por ser uma mulher. Ao mesmo tempo, por razões que as pessoas não sabem explicar direito, elas não contratariam um homem para limpar sua casa ou cuidar de suas crianças. Como se dão estas divisões? Quem instituiu qual trabalho é adequado para homens e qual seria adequado para mulheres? E quando pensamos em trabalho feminino, talvez a pergunta mais importante seja: o que entendemos por trabalho? O que é trabalho para nós? Só há trabalho quando há uma remuneração monetária, um pagamento? Para abordarmos esta temática é muito importante termos em vista que o trabalho, e a divisão de trabalho por gênero, têm história. Há 150 anos, de forma generalizada no Ocidente, eram homens os responsáveis pela alfabetização e educação infantil. Por outro lado, a medicina, hoje um ofício tão valorizado, não era a escolha dos filhos das
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