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AULA 24-05 Caderno Autonomia e Empoderamento das Mulheres

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Prévia do material em texto

Guarapuava
 Dilma Rousseff
 Presidenta da República
 Elenora Menicucci
 Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres da Presidência da 
 República 
 Cesar Silvestri Filho
 Prefeito de Guarapuava 
 Eva Schran 
 Vice-prefeita e Secretária da Mulher
 Produção: Laboratório de História Ambiental e Estudos de Gênero – LHAG
 UNICENTRO-PR.
 Organização: Rosemeri Moreira
 Colaboração: Vanessa Aparecida Deon
	 Projeto	Gráfico	e	Diagramação:	Caroline	Oliveira	-	Jornalista	DRT-PR 8186
 Tiragem: 200 exemplares - 2014. 80 p.
 2014
APRESENTAÇÃO
Comprei um sapato lindo número trinta e nove
sendo que calço numero quarenta e dois. 
Andei muito a pé. Adoentei-me. 
Pra acalmar os pés e não repetir o ato insano 
fiz	uma	salmoura	de	água	quente	e	ensinei	crianças	e	adolescentes
que não se vende o próprio sonho.
Maria	Tereza,	Negrices	em	flor	–	Para	Maria	Carolina	de	Jesus
Com imenso prazer entregamos a vocês o caderno do curso de formação:
ENFRENTANDO A DESIGUALDADE DE GÊNERO E PROMOVEN-
DO O EMPODERAMENTO E AUTONOMIA DAS MULHERES
 Este curso de extensão é uma realização do Laboratório de História 
Ambiental e Estudos de Gênero (LHAG) da UNICENTRO-PR em parceria 
com a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (SM-
PPM). 
 Escrito em linguagem didática, mas sem deixar de conter as discus-
sões acadêmicas contemporâneas sobre a temática proposta, o caderno 
contém artigos elaborados por pesquisadoras das áreas de História, Socio-
logia, Educação, Serviço Social e Psicologia. 
 Em primeiro lugar, focamos a discussão nos aspectos conceituais 
que a temática requer, tais como: mulheres, sistema patriarcal, sexismo, 
gênero, Movimento Feminista e empoderamento. A partir disso, as pesqui-
sadoras apresentam diversos debates enfocando a História do Movimento 
feminista; as estatísticas sobre a desigualdade de gênero; as questões étni-
co-raciais que perpassam a temática; as mulheres, a Educação e a Ciência; 
etc.
	 Como	diz	o	poema	acima,	em	homenagem	à	Carolina	Maria	de	Je-
sus, nós estamos juntas nesta tarefa de “alargar os sapatos apertados” e 
construirmos uma sociedade igualitária para nossas meninas e meninos.
Rosemeri Moreira
Organizadora 
• 03
I
Mulheres, Relações de Gênero e Empoderamento: 
Debate histórico-conceitual
Rosemeri Moreira1 
“Não se nasce...”
A citação, sempre tão referida, de Simone de Beauvoir está completando 
65 anos. Infelizmente, na sociedade contemporânea, inúmeras pessoas ainda 
não tomaram conhecimento dos debates diversos que desnaturalizaram o 
mundo social. Desnaturalização que se refere às classes sociais, as questões 
étnico-raciais e, para o que nos interessa neste texto, em relação à situação 
de desigualdade das mulheres no mundo.
“Não se nasce mulher, torna-se mulher”, é a frase de abertura da obra 
da	filósofa	francesa,	escrita	em	1949.	Como	educadores	e	profissionais	de	
diversas	 áreas,	 seguimos	 o	 pensamento	 científico.	 Este	 nos	 diz,	 desde	 o	
século XIX, pelo menos, que nós seres humanos somos uma construção 
social e cultural. Somos produto da sociedade que vivemos. 
A nossa maneira de pensar e de agir tem uma relação direta com o 
tipo de sociedade que nascemos e vivemos. Essa é a premissa principal que 
precisamos ter clareza para podermos começar a discussão sobre o mundo 
social,	em	específico	sobre	a	situação	das	mulheres	no	mundo	e	as	noções	
conceituais presentes nesse debate. 
Primeiro de tudo, nas sociedades humanas o corpo individual é o eixo 
da nossa relação com mundo. A corporeidade é a maneira pela qual o cérebro 
reconhece e utiliza o corpo como esse instrumento relacional com o mundo 
(ver: Le Breton, 2007). Nascemos, crescemos e vivemos em sociedades 
que já possuem códigos e sistemas simbólicos relativos aos nossos corpos. 
O ato de comer, o vestir, o trabalho, o lazer, as práticas sexuais, ou seja, 
os usos físicos do corpo dependem de um conjunto de sistemas simbólicos, 
os quais já estão incrustados nas sociedades. A partir desses sistemas, que 
além de simbólicos são econômicos e sociais, somos postos e também 
nos	 sentimos:	 incluídos/excluídos;	 classificados	 ou	 desclassificados;	
belos/feios; confortáveis/desconfortáveis. Tudo isso a partir de hierarquias 
1Doutora em História Cultural, professora da Unicentro-PR. Estudiosa das Relações Sociais 
de Gênero, com foco na História das Polícias, Militarismo, Crítica Feminista e Criminalidade. 
rosemeri_moreira@yahoo.com.br 
• 04
que foram criadas historicamente e que incidem sobre nossos corpos. As 
classificações:	 homem/mulher,	 branco/negro,	 europeu/índio,	magro/gordo,	
feio/bonito, hetero/homo, jovem/idoso, etc., ainda são base de discriminação 
e desigualdade social e/ou econômica. 
Os olhares sociais que hierarquizam as pessoas, a partir do corpo que 
elas carregam são chamados de eixos tangíveis das diferenças, e servem 
como uma espécie de muleta social para os defensores das desigualdades. 
Nessa perspectiva, as diferenças e desigualdades entre as pessoas estão 
inscritas em uma natureza, não sendo, portanto, situações passíveis de 
transformações. 
Dessa forma, as desigualdades sociais entre homens e mulheres 
(também entre brancos e negros) são explicadas e legitimadas. Ou seja, são 
conformadas. 
De	 qualquer	 forma,	 é	 necessário	 compreender	 que	 os	 significados	
atrelados aos termos citados acima, de forma dicotômica, são produzidos 
historicamente e de forma diferencial e hierárquica. São oposições binárias, 
em que existe um termo dominante e um termo subordinado. A oposição 
sexual	–	homens/mulheres	-	é	uma	maneira	de	estabelecer	significado	sobre	
o mundo social e sobre o corpo das pessoas com genitálias masculina ou 
feminina. 
Junto	 ao	 chamado	 sistema	 binário	 “homem/mulher”	 se	 entrelaçam	
muitos outros. Os diversos binarismos são fundantes do chamado 
pensamento moderno: racionalidade/sensibilidade; Ciência /religião; público/
privado; Estado/família; guerra/paz; objetividade/ subjetividade; sujeito/
objeto, etc. Tenho certeza que vocês leitoras/es sabem relacionar a essas 
dicotomias as ideias de homem e de mulher, de masculino e feminino, que 
foram construídas no mundo ocidental.
Essas dicotomias são construções do pensamento liberal, levadas a 
cabo em meio às chamadas Revoluções Democráticas Burguesas (séc. XVIII) 
e seguem como fundadoras do Estado Nacional Moderno. As premissas 
políticas do liberalismo tem por base a ideia de Igualdade Universal, e 
defendem que todas as pessoas são (ou deveriam ser) iguais perante as leis.
 Essas revoluções, que instituíram os estados democráticos de direito, 
inauguraram a concepção de cidadania, democracia, e estabeleceram Estados 
pautados por Constituições. No entanto, não podemos deixar de apontar que 
ao mesmo tempo em que levaram adiante o abandono da desigualdade de 
• 05
Em todos os itens é homem primeiro e mulher depois, e suas representações
status pelo nascimento (nobreza x burguesia), nesses estados democráticos 
pioneiros (França, EUA e Inglaterra) foram mantidas as desigualdades de 
sexo/gênero, classe social e etnia/raça (Scott, 2005). No caso dos EUA, 
por exemplo, após a Guerra da Independência (1775–1783), foi mantida a 
escravidão negra e vetado o voto às mulheres. 
Ou seja, a partir da experiência concreta dessas revoluções, foi 
construído em Estado, que em nome do “todos”, base do direito liberal, 
excluiu as mulheres, os negros e os pobres em geral, do debate político e de 
espaços de poder (Scott, 2002).
Teoricamente	 para	 justificar	 a	 exclusão	 das	 mulheres	 em	 geral,	 e	
das pessoas negras, diversos pensadores revolucionários desse período, 
se utilizaram da ideia de natureza feminina e inferioridade racial. Devido ao 
seu	corpo,	especificamente	a	sua	genitália	e	a	capacidade	de	reproduzir	a	
vida humana, as mulheres estavam destinadas pela natureza aos cuidados 
domésticos,	com	a	família,	aos	filhos,	aos	idosos,	etc.	
Ou seja, o mundo público, a racionalidade, a política, o Estado, a 
ciência, a guerra,a rua, eram atribuições e lugares simbólicos naturalmente 
masculinos. Para as mulheres caberiam: a família, a religião; a família, a 
sensibilidade, a paz, a casa, a fé.
Essa ideologia, chamada de Sexismo, vigora em muitas sociedades 
até os dias atuais. O Sexismo tem por base a ideia de que nossas genitálias 
–	nosso	sexo	-	definem	quem	nós	somos,	nossos	anseios,	sonhos,	desejos,	
gostos, qualidades, atribuições e capacidades. 
A crença sexista atribui aos homens e mulheres lugares, maneiras de 
se portar e espaços de atuação e discrimina todas as pessoas que não se 
encaixam nos estereótipos. Não necessariamente, o Sexismo postula que 
as mulheres são inferiores aos homens, mas ele é limitador e opressivo no 
sentido	em	que	compreende	o	corpo,	o	sexo,	como	um	lugar	definidor	natural	
das	pessoas,	 ignorando	as	construções	dos	significados	sociais	sobre	as	
genitálias e relegando as mulheres as tarefas e atividades ditas domésticas e 
de	cuidado	com	o	outro:	os	filhos,	o	marido,	os	pais,	os	idosos,	os	doentes,	
etc.. 
Na Europa do século XVIII e XIX, a ideologia sexista esteve presente 
no	processo	de	construção	das	profissões	ditas	“femininas”,	 tais	como	a	
área	da	saúde	e	da	educação.	Não	é	por	acaso	que	as	primeiras	profissões	
permitidas às mulheres da classe média, eram as de professoras infanto-
• 06
juvenis e enfermeiras (Perrot, 2005). 
Essas	profissões	eram	pensadas	como	uma	extensão	das	atividades	
das mulheres na esfera privada: elas somente repetiriam, por amor, devoção 
e pela sua natureza ligada à sensibilidade, as funções que cumpriam em 
família. Mesmo assim, os cargos de maior notoriedade nessas áreas, tais 
como professor nas universidades e o exercício da medicina, eram tidos 
como masculinos, uma vez que eram vistos como possuindo uma maior 
racionalidade, capacidade intelectual e liderança. 
Ou seja, nessa ideologia (maneira de ver o mundo), algumas pessoas 
seriam	destinadas	naturalmente	a	cuidar	dos	filhos	e	tudo	o	que	se	relacione	as	
tarefas de manutenção privada da vida em família, enquanto outras estariam 
biologicamente destinadas a serem lideranças políticas, por exemplo, bem 
como qualquer atividade que denote, racionalidade, força e poder sobre os 
demais. 
Não é por acaso, que uma das primeiras reivindicações e conquistas 
dos movimentos operários europeus do século XIX, subsequente ao século 
das Revoluções Democráticas, foi à expansão do direito ao voto aos 
homens pobres (1840, no caso francês). No entanto, diferente desse grupo, 
as mulheres e negros, estariam incapacitados, devido aos seus corpos 
(respectivamente sexo e cor da pele), a participarem ativamente da chamada 
esfera pública. 
Dentro da perspectiva liberal do período, os homens brancos e pobres, 
poderiam mudar sua condição de classe, no entanto, as mulheres e os negros 
jamais poderiam fugir de seus corpos, fugir de sua natureza. 
Para ilustrar esse debate segue abaixo trecho da famosa carta de 
Abigail Adams, endereçada a seu marido, um dos lideres revolucionários 
John	Adams,	durante	o	processo	da	Guerra	da	Independência	dos	EUA,	em	
1977	(apud:	Pinto,	2003):
Espero que no novo código de Leis vocês se lembrem das senhoras e sejam mais 
generosos e favoráveis para elas que seus antepassados. Não coloque um poder tão 
ilimitado nas mãos dos maridos. Lembrem-se que todos os homens serão tiranos 
se puderem. Se não for dada especial atenção e cuidado particulares às senhoras, 
estamos resolvidas a fomentar uma rebelião e não nos sentiremos obrigadas 
a cumprir leis, diante das quais não temos nem voz, nem representação (Abigail 
Adams)
 
• 07
Ao qual ele respondeu:
Quanto ao seu extraordinário código e leis eu só posso rir. Nossa luta, na verdade, 
afrouxou os laços de autoridade em todo o país. Crianças e aprendizes desobedecem, 
escolas e universidades se rebelam, índios afrontam seus guardiões e negros se 
tornem insolentes com seus senhores. Mas a sua carta é a primeira intimação de 
uma tribo, mais numerosa e poderosa que todos estes descontentes [...] Esteja 
certa,	 nós	 somos	 suficientemente	 lúcidos	 para	 não	 abrir	mão	 do	 nosso	 sistema	
masculino	(John	Q.	Adams).
O pensamento político liberal, pautado pela igualdade e pelo direito de 
representação, é a base principal da argumentação de Abigail, ao mesmo 
tempo	em	que	a	resposta	de	John	Adams	expõe,	já	no	período	revolucionário,	
os	limites	da	carta	de	Thomas	Jeferson:	“[...]	todos	os	homens	são	criados	
iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu criador certos direitos inalienáveis, 
entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade” 
(Declaração de Independência dos Estados Unidos da América -1776), ou 
ainda os limites do artigo 1º da Declaração dos direitos do homem e do 
cidadão,	de	1789	- “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”. 
Como vocês podem observar ambas as cartas revolucionárias e 
democráticas advogam o direito universal. No entanto, como foi percebido 
pelos diversos movimentos de mulheres e movimentos feministas, ao longo 
do séc. XIX e XX, o termo “homem” tomado como sujeito universal, na prática 
jurídica e constitucional, referia-se somente aos homens de carne e osso. 
Exemplo disso é a situação política das mulheres brasileiras na primeira 
Constituição	Republicana	(1891)	em	relação	ao	direito	de	votar	e	ser	votada.	
Em seu artigo 70 apregoava: “São eleitores os cidadãos maiores de 21 
anos que se alistarem na forma da lei.” Excluídos os analfabetos, mendigos, 
militares e os religiosos, não havia nada que vetasse o voto às mulheres. 
Com base na ideia do uso neutro do gênero masculino das palavras, 
diversas mulheres se inscreveram para votar, o que gerou espanto generalizado 
entre juristas e intelectuais em geral. As instancias jurídicas foram obrigadas 
a	refletir	sobre	o	voto	das	mulheres,	o	qual	não	fora	sequer	cogitado	entre	
os constituintes, uma vez que ele não era explicitamente negado na forma da 
lei. Todos os pedidos feitos foram negados juridicamente, com base no uso 
nada neutro do gênero masculino. Os juristas promulgaram que “o cidadão”, 
“o eleitor”, era por lei uma referência aos homens (ver: Soihet, 2006).
• 08
Essa situação histórica é somente um exemplo de uma lição prática, 
aprendida pelos movimentos de mulheres e feministas, de que a linguagem 
não é politicamente neutra. Mesmo que ainda seja apregoado que o termo 
“o homem” possui um uso neutro e universal, englobando as mulheres, em 
termos jurídicos isso não acontece. Não por acaso, desde a constituição 
brasileira	 de	 1989,	 as	mulheres	 estão	 legalmente	 inscritas	 como	 cidadãs	
brasileiras,	plenas	de	direitos	e	deveres.	Atualmente,	a	flexão	de	gênero	é	
obrigatória	em	todos	os	documentos	oficiais.	
 Importante lembrar que a linguagem que usamos cotidianamente, é 
um mediador simbólico entre o sujeito (sua subjetividade) e o mundo social. 
Como	defendem	diversos	autores,	os	seres	humanos	constroem	significados	
do mundo social através da nomeação das coisas, dos objetos, das pessoas, 
das atitudes, das instituições. Não existe realidade social fora – externa - ou 
anterior à linguagem. Ela não só possibilita a prática política social. Ela é uma 
prática	política	em	si.	Por	isso,	como	profissionais	da	educação,	da	saúde	
e	do	serviço	social,	é	preciso	refletir	sobre	o	uso	que	fazemos	das	palavras,	
uma vez que nunca são politicamente neutras. A linguagem usada sempre 
denota opressão de classe, de gênero, étnico racial, geracional. etc.. 
Avançando na discussão proposta, no século XIX, século pós-
revolucionário,	 alguns/as	 intelectuais	 teceram	 importantes	 reflexões	 sobre	
as desigualdades sociais entre homens e mulheres. Dentre eles destaco a 
discussão proposta por F. Engels, na obra Origens da Família, da propriedade 
e do Estado. Passados 40 anos da morte de Flora Tristan, em linhas gerais, 
Engels aponta que as desigualdades entre homens e mulheres não são 
produtos de uma natureza masculina ou feminina. Utilizando-se dos termos 
Alienação e Ideologia, Engelstraz para a realidade social, a qual denomina 
de Sistema Patriarcal, a base da relação de desigualdade entre homens e 
mulheres na Europa do século XIX. 
Segundo essa perspectiva, o surgimento da propriedade privada foi 
o que ensejou a necessidade dos homens controlarem a sexualidade das 
mulheres, devido às questões de hereditariedade. Engels desnaturaliza a ideia 
de	“essência”	feminina	(e	masculina)	e	identifica	uma	relação	de	dominação/
opressão dos homens sobre as mulheres. 
Diferente das interpretações, religiosas ou biologicistas (sexistas) 
do período, para ele existem elementos materiais que conduziram a essa 
opressão, calcados principalmente na ideia de que o poder, a propriedade, 
• 09
a superioridade, pertence aos homens, ao Pater. Palavra de onde deriva o 
termo sistema Patriarcal. Com base no pressuposto principal do chamado 
Materialismo Histórico, a materialidade das condições de existência é que 
determinam o sujeito enquanto ser.
No sistema patriarcal, calcado em um sistema de propriedade, cabe aos 
homens	(pais,	maridos,	filhos)	o	protagonismo	fundamental	na	organização	
social, exercendo autoridade e poder sobre todas as mulheres e crianças, e 
demais homens carentes de propriedade. 
 Importante lembrar que Engels interpreta o lugar do trabalho doméstico 
num contexto mais amplo em que produção e reprodução da vida são partes 
de um único processo. Mesmo que focando uma classe operária universal, 
o materialismo histórico, do qual Engels é um dos construtores, concebe a 
sociedade	como	sendo	edificada	pelos	seres	humanos,	no	conflito	entre	as	
classes sociais. Uma vez que construída socialmente, a sociedade também 
poderia ser reconstruída a partir de outras premissas não opressoras. 
Pensar a sociedade como mutável implica retirar as mulheres de uma 
condição natural e imutável de desigualdade. Mesmo com inúmeras criticas 
em	períodos	posteriores,	esta	perspectiva	influenciou	diversas	pensadoras	e	
movimentos sociais das mulheres. Mesmo que a esfera privada, relacionada 
desde	 o	 século	 XVIII	 como	 sendo	 por	 definição	 o	 espaço	 feminino	 onde	
acontece a produção e reprodução da vida humana, não tenha ensejado 
preocupações sistematizadas de análise para os historiadores marxistas 
ortodoxos, preocupados com o que se considera população economicamente 
produtiva.
 No contexto intelectual do século XIX e parte do XX, não era analisada 
a situação global das mulheres no sistema capitalista e das suas diferentes 
classes, etnia, geração e orientação sexual. A ênfase era para as instituições 
(família no caso de Engels) através das quais se reproduz a sociedade 
burguesa e nas quais as mulheres estavam implicadas. 
Uma abordagem dessa obra, repetida por muitos marxistas desde 
então, é a consideração de que na História a força de trabalho masculina 
jogou	o	papel	principal,	e	as	mulheres,	confinadas	à	dedicação	e	cuidados	
dos	filhos	e	às	tarefas	domésticas,	não	participavam	da	produção.	Somente	
a grande indústria – e unicamente à mulher proletária – lhe voltou a abrir as 
portas da produção social. Para Vinteuil “ao enviar, tendencialmente, cada 
vez mais mulheres para a esfera da produção social, ao proletarizar um 
• 10
número de trabalhadores cada vez maior, retirando da família o seu papel de 
transmissão de propriedade, o capitalismo minava (parcialmente) as bases 
da	dominação	masculina”	(1989,	p.	7).	
A discussão de temas relacionados às mulheres encontrou resistência 
em diversos grupos marxistas, uma vez que eram tidos como secundários 
em relação à luta de classes, e pela crença de que a extinção das classes 
sociais acabaria também com a desigualdade entre os homens e mulheres. 
De qualquer forma é sempre bom lembrar que o marxismo tem todo 
o mérito em denunciar, no século XIX, a subordinação das mulheres e a 
naturalização de processos construídos socialmente, e seguiu sendo, ao 
longo do séc. XX, um espaço possível de discussão dessas temáticas, 
com graus diferentes de inserção das mulheres, conforme os grupos e as 
nacionalidades. 
É importante ainda lembrar que mesmo as/os intelectuais do 
materialismo histórico seguiram se utilizando da concepção do sujeito 
universal: o homem universal e a mulher universal. Termos que genericamente 
agregam como sendo iguais todas as mulheres do mundo, com base ainda 
na genitália. 
Usado no singular, o termo “a mulher” reduz todas as mulheres do 
mundo, e de todas as épocas, a genitália que possuem. O uso do termo 
reflete	a	concepção	de	que	existe	uma	essência	pautada	pelo	sexo	e	que	une,	
de forma explicativa, todas as mulheres do mundo. 
O (s) movimento(s) sufragista(s) em defesa do voto universal (debatido 
no capítulo II) - também esteve amplamente embebido da concepção do 
“a mulher”. A ideia de uma “mulher” abstrata, universal e essencialista (o 
sexo era a essência de aproximação) foi amplamente criticada nos meios 
intelectuais e nos movimentos sociais, a partir da segunda metade do séc. 
XX.
Como vocês já puderam observar as teorias e noções conceituais, 
que tratamos aqui de discutir, não foram criação de um mundo acadêmico 
afastado de um mundo dito material. 
Em	 primeiro	 lugar	 o	 desenvolvimento	 do	 conhecimento	 científico,	
seja na área das ciências naturais ou das ciências humanas, jamais está 
afastado	das	disputas	políticas	e	sociais.	Mesmo	o	método	científico	carrega	
em si as estruturas de pensamento da sociedade e do período em que é 
elaborado.	Isso	não	significa,	entretanto,	invalidar	ou	diminuir	as	premissas	
• 11
do	 conhecimento	 científico.	 Contemporaneamente	 os	 estudos	 científicos	
não excluem a subjetividade (diferente de parcialidade) como fator a ser 
considerado na elaboração das pesquisas e elaboração das teorias.
Em	 segundo	 lugar,	 as	 teorias	 acadêmicas,	 que	 refletem	 sobre	 as	
temáticas aqui levantadas, foram construídas através da fusão entre o mundo 
acadêmico e os movimentos sociais. Foram as demandas provenientes 
dos movimentos sociais que forçaram a academia a rever os próprios 
pressupostos	do	conhecimento	científico	(Schiebinger, 2001). 
Avançando no debate sobre as noções conceituais, o termo “a mulher” 
caiu	em	desuso,	principalmente	a	partir	dos	anos	1960,	sendo	substituído	
por “mulheres” e/ou pela categoria de análise “gênero”.
Debate do pós-guerra, o processo de naturalização do feminino/
masculino, o qual Pierre Bourdieu denomina de “eternização do arbitrário” 
(2002), desde Simone de Beauvoir, deixou de encontrar respaldo nos 
estudos	da	Sociologia,	da	Antropologia,	da	Filosofia	e	da	História,	ou	mesmo	
na discussão contemporânea da Psicologia e da Biologia.
O entendimento do corpo social biologizado e transformado em detentor 
de	 atribuições,	 qualificações,	 delimitações	 espaciais	 e	 hexis (postura) 
corporal	 específica	 é	 um	dos	grandes	 avanços	 teóricos	que	denunciam	a	
existência e a hierarquização das estruturas de poder sexuadas entre as 
pessoas. Como já discutido, a ideia do tornar-se mulher nega a existência 
natural de uma essência condizente ao sexo biológico. 
Mesmo não usando explicitamente o termo “gênero”, Beauvoir retira 
a condição de ser “feminino” ou “masculino” do sexo biológico. Passo 
importante para as elaborações subsequentes da categoria “Gênero”, a qual 
será discutida adiante.
O momento histórico do pós Segunda Guerra Mundial é particularmente 
propício para a construção, tanto do debate em torno do termo “mulheres” 
quanto do termo “Gênero”. As lutas pela descolonização na África e no 
Sudoeste Asiático, Revolução Cubana, e as guerrilhas na América do Sul, são 
marcos	políticos	 importantes	que	caminham	lado	a	 lado	com	as	reflexões	
políticas	do	período.	Essas	reflexões	passam	a	enfatizar,	menos	os	sistemas	
estruturais de opressão e mais a capacidade de ação e a resistência dos 
sujeitos	(ver:	Thompson,	1981).
A	 luta	 armada,	 a	 filosofia	 existencialista,	 a	 concepção	 da	 violência	
como emancipadora do sujeito, fundamentam, sobre diversas perspectivas, 
• 12
o pensamentodas chamadas New Left (Nova Esquerda), que se contrapõem 
as concepções deterministas de estrutura e conclamam a chamada história 
“vista de baixo” e a ação política dos sujeitos, até então excluídos: as 
mulheres, os negros, os prisioneiros, os pobres, etc. 
As esquerdas chamadas dissidentes, em relação às concepções 
deterministas de estrutura, e as esquerdas chamadas alternativas, tais como 
o Movimento Feminista, o Movimento Negro e o Movimento Gay (Araújo, 
2000) forem importantes espaços de abertura política às mulheres, e onde 
se processou, principalmente, a desconstrução do sujeito universal, uma vez 
que se tornara necessário explicitar as diferenças do interior da “diferença”. 
As questões étnico-raciais e da sexualidade foram imbricadas ao 
debate sobre as desigualdades sociais entre homens e mulheres. Nos EUA, 
na	década	de	1960,	as	mulheres	negras	do	movimento	feminista	passaram	
a denunciar a inviabilidade política do uso do termo “a mulher” como sujeito 
universal. Para as mulheres negras, as mulheres da classe trabalhadora 
e também para as mulheres lésbicas, as teorias pautadas no “a mulher” 
ainda existentes em alguns grupos feministas, escamoteava a desigualdade 
existente entre as condições de trabalho, educação, saúde e moradia entre 
as mulheres brancas e negras, por exemplo. As reivindicações das mulheres 
negras iam muito além da luta pelos direito civis ou mesmo dos direitos 
reprodutivos. 
Tornara-se necessário, além do uso do “Mulheres” sempre no plural, 
a explicitação sobre quais mulheres o movimento feminista e os estudos 
acadêmicos estavam falando: mulheres negras, índias, jovens, idosas, 
ricas, pobres, urbanas, rurais, etc.. A quebra na concepção de um sujeito do 
Feminismo	unificado	correspondia	à	necessidade	histórica	de	se	considerar	
as diferentes formas de opressão que podiam/podem incidir conjuntamente 
sobre as pessoas e os grupos. 
As	Novas	Esquerdas	e	a	chamada	História	Vista	de	Baixo	se	configuraram	
como espaços receptivos aos os estudos relativos à construção da visibilidade 
de um sujeito feminino, principalmente a tradição thompsoniana, na medida 
em que se pode encontrar nela uma visão do sujeito fundado sobre a relação 
entre a “experiência da opressão e as possibilidades de ação de camadas, 
grupos, culturas e sexos, empobrecidos, marginalizados e excluídos do 
direito” (NEGRO & SILVA, 2001, p. 72).
O	 que	 nos	 anos	 1960	 era	 pensado	 como	 diferença	 entre	 homens	
• 13
e mulheres passou a ser problematizado como diferença de intersecções 
múltiplas, com eixos de subordinação – raça, etnia, classe social, religião, 
idade, orientação sexual, nacionalidade etc., denominados de eixos de 
diferença “mutuamente imbricados, onde cada categoria produz efeitos 
articulatórios	 sobre	 as	 outras	 em	 contextos	 históricos	 e	 geográficos	
específicos”	(Machado,	1997).	
A	 afirmação	 da	 categoria	 “mulheres”	 passou	 a	 ser	 utilizada	 nesse	
contexto para subverter a relação de dominação: representação imposta, 
aceita, mas que concretamente reivindica direitos contra a ordem que a 
produziu. A incorporação da linguagem da dominação foi reempregada pra 
marcar	uma	resistência	(Ver:	Chartier,	1995).
De forma não excludente ao uso do termo Mulheres, a categoria Gênero 
foi também incorporada nesse debate. Termo usado desde a década de 
1950	na	Antropologia,	a	fim	de	separar	a	ideia	de	sexo,	visto	como	um	dado	
biológico, o gênero – masculino ou feminino – passou a ser discutido como 
um aprendizado social, objeto da sociologia, da antropologia, da psicologia 
e da história. 
Na	década	1980,	em	meio	aos	Movimentos	Feministas	estadunidenses,	
se expandem as discussões que utilizam o termo “Gênero” como uma 
categoria	análise.	Na	área	da	História,	a	historiadora	norte-americana	Joan	
Scott	define	Gênero	como	a	“organização	social	da	relação	entre	os	sexos”,	
ou seja, pode ser entendido como as relações de poder entre os sexos.
Como categoria, o Gênero é uma maneira de dar sentido ao mundo 
através da diferença sexual, em que as concepções sobre masculino e 
feminino são, ao mesmo tempo, excludentes e relacionais. Diferente, por 
exemplo, da gramática que postula a existência dos gêneros das palavras, nas 
Ciências Humanas, as discussões sobre Gênero abarcam ao mesmo tempo 
as construções simbólicas e relações hierárquicas (econômicas e sociais) 
sobre a ideia de homem/mulher e masculino e feminino. A construção social 
sobre a ideia do que é uma mulher, é simultânea a ideia do que é um homem. 
Por isso, relacional. Em termos de pesquisa acadêmica Gênero é usado 
sempre no singular, pois aponta a discussão sobre o binarismo homem/
mulher.
O termo Gênero, por si só, não pressupõe ou descreve nada além da 
consideração de que a percepção sobre as diferenças sexuais são capazes 
de nortear relações sociais. Para aprofundar a questão da diferença, diversos 
• 14
estudos	das	Ciências	Humanas	enfocam	as	relações	sociais	de	gênero,	a	fim	
de	problematizar	como	os	significados	construídos	sobre	ser	um	homem	ou	
ser uma mulher - masculinidade e feminilidade - são utilizados como base 
de hierarquização.
De	qualquer	forma,	o	sexo	biológico	não	define	de	antemão	condições	
de Identidade de gênero das pessoas, muito menos a orientação sexual. 
O questionamento do binarismo de todo o pensamento ocidental, tem 
colocado as bipolaridades em juízo. Até a ideia de sexo (biológico) tendo sido 
constantemente problematizada. Esses estudos, para além do sistema sexo-
gênero,	negam	que	as	diferenças	anatômicas	marquem	de	forma	inflexível	o	
comportamento	das	pessoas.	Feminino	e	masculino,	na	concepção	de	Judith	
Butler, por exemplo, são performances que nós elaboramos e reelaboramos 
em	 	 nosso	 cotidiano	 (ver:	 Butler,	 1998).	 Nessa	 concepção	 não	 existem	
somente dois sexos e dois gêneros, desejados e idealizados. Por exemplo, 
um	 homem/masculino	 pode	 significar	 tanto	 um	 corpo	 masculino	 quando	
feminino. 
Como puderam observar, existem contemporaneamente diversas 
teorias que perpassam a discussões sobre a (s) situação (ões) das mulheres 
no mundo e a intenção deste artigo era delinear uma leitura inicial sobre esse 
debate.
Outra noção conceitual de suma importância é referente ao termo 
Empoderamento. Essa palavra vem sendo utilizada principalmente nas 
pesquisas	sobre	desenvolvimento	humano,	também	desde	os	anos	1960,	e	
não	existe	um	consenso	sobre	o	seu	significado.	
Nos	anos	1970,	o	movimento	chamado	Women In Development (WID) 
– Mulheres no Desenvolvimento –, utilizava a noção de empoderamento 
como um “poder sobre”, sobre si, sobre os outros, e sobre os recursos 
(materiais e ambientais). Esse grupo defendia a necessidade de inversão da 
situação de poder entre os homens e as mulheres. Principalmente em relação 
às mulheres das classes populares, destituídas de poder, sobre isso, e sobre 
os recursos materiais. Nessa concepção, já bastante superada, alguns teriam 
que perder poder para outras pessoas adquirirem.
A	 concepção	 foucaultiana	 de	 poder	 influenciou	 outras	 tentativas	 de	
coneitualização. Para Foucault o poder é uma relação. O poder nao se ganha 
ou perde, uma vez que nao é um substantivo. O poder é um exercício, uma 
relação de força. Nessa perspectiva, o foco deve ser a compreensão das 
• 15
relações de poder, e não a promulgação da existencia de um poder em si 
(Foucault, 2005). 
Em termos de ação política governamental, no caso brasileiro, 
a concepção de Empoderamento se relaciona principalmente ao 
empreendimento das políticas públicas. Empoderar, nesse sentido é criar 
condições as mulheres das classes populares para o enfrentamento da 
vida cotidiana. Importante lembrar que não se considera que o Estado ou 
outras instâncias tais como as ONGS, são capazes, em si, de empoderar 
as pessoas. O Estado é considerado um fomentador do empoderamento, 
criando condições para que as mulheres se tornem protagonista de suas 
histórias, ampliando as possibilidades de suas existências. 
Para terminar este texto,obviamente sem ter encerrado a discussão, 
me reporto novamente a Simone de Beauvoir: “É terrível frustração não 
poder	 inscrever	 os	movimentos	 de	 seu	 coração	 na	 face	 da	 terra”	 (1980,	
p.	69).	Com	essa	citação,	convido	as/os	educadoras/ES	a	inscreverem	os	
movimentos de seus corações no mundo. 
REFERÊNCIAS
ARAÚJO,	 Maria	 Paula	 Nascimento.	 A	 Utopia Fragmentada: As novas 
esquerdas	no	Brasil	e	no	mundo	na	década	de	1970.	Rio	de	Janeiro:	FGV,	
2000.
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Janeiro:	Nova	Fronteira,	1980.	
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Bertrand Brasil, 2002.
BUTLER,	 Judith.	 Fundamentos	 contingentes:	 o	 feminismo	 e	 a	 questão	 do	
pós-modernismo. Cadernos Pagu,	n.	11,	p.	11-42,	1998.	
COSTA, Cláudia de Lima. O sujeito no feminismo: revisitando o debate. 
Cadernos Pagu, Campinas,	n.	19,	p.	59-90,	2002.	
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São Paulo: Centauro, 2002.
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2005.
LE BRETON, David. A sociologia do corpo.	2.	ed.	Petrópolis,	Rio	de	Janeiro:	
Vozes, 2007.
• 16
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mulheres e relações de gênero.	 Florianópolis:	 Editora	Mulheres,	 1997.	 p.	
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peculiaridades dos ingleses e outros artigos.	Campinas:	Unicamp,	1981.
PEDRO,	 Joana	 Maria.	 As	 mulheres	 e	 a	 separação	 das	 esferas.	 Revista 
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2005. 
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pp. 11-30. 
______. A cidadã paradoxal. As feministas francesas e os direitos do homem. 
Florianópolis: Ed. Mulheres, 2002. 
THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria: ou um planetário de erros. Uma 
crítica	ao	pensamento	de	Althusser.	Rio	de	Janeiro:	Zahar,	1981.
VARIKAS, Eleni. Gênero, experiência e subjetividade: a propósito do desacordo 
Tilly- Scott. Cadernos Pagu,	Campinas,	v.3,	p.	63-84,	1994.
VINTEUIL, Frederique. Marxismo e Feminismo. Cadernos democracia 
socialista,	v.	8,	1989.	
• 17
II
Feminismos, trajetórias e alguns desdobramentos
Lorena Zomer2
O	início	do	século	XX	(1910-1920)	foi	o	tempo	em	que	o	Feminismo	
apareceu pela primeira vez como uma onda. Entendemos em relação ao termo 
“onda”, momentos em que os ideais e as discussões daquele movimento 
foram	mais	 divulgados,	 entretanto,	 enfatizamos	que	o	 termo	não	 significa	
homogeneidade e nem que esteve forte e bem difundido em todo o contexto. 
O Feminismo de primeira onda, representado no Brasil por Bertha Lutz 
e	Maria	Lacerda	de	Moura,	destacou-se	ainda	no	fim	do	século	XIX,	cujas	
principais	discussões	ficaram	em	torno	da	questão	sufragista,	do	direto	ao	
trabalho e aos direitos trabalhistas, de acesso ao ensino, entre outros. 
Já	 o	 feminismo	 de	 “segunda	 onda”	 surgiu	 com	 o	 fim	 da	 Segunda	
Guerra Mundial, representado especialmente por Simone de Beauvior e Betty 
Friedman, as quais enfatizaram questões relativas ao corpo, ao prazer, ao 
divórcio, aos métodos contraceptivos e contra o patriarcado e a violência 
contra as mulheres. Foi também nesta última onda em que as feministas 
passaram	 a	 utilizar	 o	 termo	 “mulher”	 para	 firmar	 uma	 identidade	 para	 o	
grupo,	a	fim	de	ganhar	mais	notoriedade	e	força	nos	meios	sociais,	culturais	
e políticos.
Sobretudo, ressaltamos que ainda no século XIX, especialmente nas 
décadas de 1860 e 1870, já havia diversas publicações de jornais e revistas 
com reivindicações e discussões acerca das mulheres e de seus manifestos. 
O Feminismo, por sua vez, incentivou e proporcionou às mulheres, 
oportunidades para reivindicarem seus direitos sufragistas e trabalhistas, 
entre outros. 
Esse	movimento	 cresceu	 paulatinamente	 a	 partir	 de	 fins	 do	 século	
XVIII na França e nos Estados Unidos, chegando ao Brasil a partir de meados 
do século XIX. Na França, um dos marcos foi a Declaração dos Direitos 
da Mulher e da Cidadã,	 de	 Olympe	 de	 Gouges,	 em	 1791;	 uma	 reação	 à	
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual não incluía as 
mulheres. Para Gouges, as mulheres tinham o direito de votar e serem 
2 Professora na Universidade Estadual do Centro-Oeste e doutoranda em História, pela 
Universidade Federal de Santa Catarina. lorenaazomer@hotmail.com 
• 18
votadas, representando desse modo uma chance para conquistarem seus 
ideais.	Ainda,	de	acordo	com	Joan	Scott,	a	própria	exclusão	das	mulheres	na	
declaração	de	1789	estimulou	a	luta	por	direitos	iguais.	
Após isso, com o crescimento da burguesia e das atividades 
industriais que exigiam o trabalho feminino, algumas mulheres encontraram 
brechas para, aos poucos, deixarem de ser apenas responsáveis pela casa 
e	pelas	filhas/os,	além	daquelas	que	há	muito	 tempo	 já	eram	empregadas	
domésticas, agricultoras, vendedoras de rua, ou mesmo escravas. 
Não	muito	longe	de	Gouges,	na	Inglaterra,	em	1792,	Mary	Wollstonecraft	
publicou Vindications of the Rights of Women, uma obra que reivindicava às 
mulheres a mesma educação dirigida aos homens, ou seja, outra feminista 
que via que a igualdade pretendida pelas mulheres era prejudicada por meio 
da forma como a educação era transmitida. 
A historiadora Constância Duarte levantou uma questão que tem 
acompanhado as abordagens do feminismo na história, a de que Nísia Floresta 
ao fazer a tradução da obra, com adaptações às características brasileiras, 
teria	se	contradito	quando	afirmou	que	se	alegrava	em saber que seu sexo 
não era tão desprezível, diante das novas conquistas. Para a historiadora, 
as	afirmações	de	Nísia	Floresta	não	representavam	um	retrocesso,	mas	sim	
uma clara consciência da autora, em relação ao Brasil ortodoxo em que ela 
estava apregoando suas palavras. 
Portanto, o crescente Feminismo chegou ao Brasil em meados do 
século XIX, por meio de traduções de textos como os de Mary Wollstonecraft, 
feitos por Nísia Floresta em sua estada na Europa no início do século XIX. 
Além disso, são inúmeros os jornais e periódicos produzidos nos quintais 
das	casas	burguesas	dos	grandes	centros,	como	O	Jornal	das	Senhoras,	O	
Sexo Feminino e o XV de Novembro do Sexo Feminino. 
No início do século XX, Bertha Maria Lutz e Maria Lacerda de Moura 
colaboraram também com manifestos sobre o sufrágio universal e os direitos 
trabalhistas,	enfim,	notícias	que	proliferaram	por	todo	o	país	e	chegaram	aos	
periódicos de várias cidades.
Nas primeiras décadas de século XX, as manifestações feministas 
publicadas em jornais exigiam o sufrágio e desejavam um aumento no 
número	de	profissões	destinadas	às	mulheres,	como	também	reivindicavam	
trabalhos no comércio e nas repartições. Apesar de ser notório desse tempo 
um Feminismo libertário que buscava os direitos trabalhistas, representado 
• 19
por Maria Lacerda de Moura, os objetivos de um Feminismo sufragista, como 
os de Bertha Lutz foram os mais divulgados até meados do século XX. 
Maria Lacerda de Moura e Bertha Lutz, no início, reivindicavam 
juntas, alguns direitos para as mulheres, mas no decorrer da amizade, Maria 
Lacerda Moura preocupou-se mais com a falta de direitos trabalhistas para as 
mulheres,	enfim,	aquelas	que	sentiam	em	seus	salários,	no	abuso	do	patrão	
e	na	falta	de	creches	para	seus	filhos	a	falta	de	igualdade.	Em	contraposição,	
Lutz, de classe abastada, exigia o sufrágio e este não seria a solução para os 
problemas apontados por Moura. 
Importante considerar que ambas tinham uma trajetória bastante 
diferente, ou seja, Lutz foi educada no Brasil, mas concluiu seus estudos 
emLicenciatura em Ciências na Sorbonne, França, e, ainda, formou-se 
mais	 tarde	 na	 Faculdade	 de	 Direito	 do	 Rio	 de	 Janeiro.	 Publicou	 diversos	
trabalhos e sua carreira política e feminista nunca estiveram separadas da 
sua	profissional.	Ainda	no	ano	de	1918	passou	a	redigir	semanalmente	uma	
revista, em que convocava as mulheres brasileiras a compor uma “Liga de 
Mulheres Brasileiras”.
Já	 a	 vida	 da	 educadora	 Maria	 Lacerda	 de	 Moura	 foi	 marcada	 pela	
defesa dos direitos relativos ao corpo, ao prazer e contra a moral burguesa. 
O que há de comum entre essas duas mulheres é que representaram muitas 
de suas gerações – e das futuras também – era o desejo por um mundo 
mais igualitário, um mundo em que mulheres e homens pudessem ter a 
mesma liberdade, as mesmas oportunidades e respeito de todos e todas, 
independente de sua “natureza biológica”.
Em relação ao acesso ao Ensino Superior, no Brasil já havia mulheres 
em	várias	profissões	no	início	do	século	XX,	entretanto	ainda	era	grande	o	
preconceito. O próprio Magistério era um curso procurado justamente por ser 
um que os homens deixaram de lado quando as primeiras mulheres tornaram-
se professoras e também por ser caracterizado como mais “feminino”, no 
qual	as	mulheres	estendiam	os	cuidados	destinados	às/aos	filhas/os	as/aos	
suas/seus alunas/os. 
Não obstante, na Medicina e no Direito era comum as mulheres serem 
taxadas de masculinizadas e fracassadas no que se refere ao casamento, 
pois	o	sucesso	profissional	só	poderia	ocorrer	se	ocupassem	o	 lugar	dos	
homens e consequentemente falhassem nos lares. Essa ideia também 
pode	ser	compreendida	quando	verificamos	nas	discussões	de	higienistas	
• 20
do	Rio	de	 Janeiro,	 apontamentos	determinando	a	maternidade	como	algo	
que tornava as mulheres mais pacientes e altruístas, o que caracterizaria 
mulheres inteligentes e emancipadas como “perigosas” para com a moral 
vigente, isto é, para com a felicidade da família. 
Portanto, empregos que exigiam menos estudos, como os de 
datilógrafas e de telefonistas, eram os mais aceitos, pois, para os homens 
aqueles empregos não incomodavam os lugares ocupados por eles. Sobre 
este	aspecto,	June	Hahner	afirma	que	as	mulheres	que	ousaram	adentrar	a	
Medicina, o Direito e a Engenharia, nesse contexto, foram as que futuramente 
representaram o movimento sufragista, justamente pelo seu maior acesso 
político	e	financeiro.	
Nesse caso podemos compreender o porquê da relação entre o 
feminismo burguês/sufragista às mulheres intelectualizadas e abastadas. 
Essas mulheres faziam parte de camadas da sociedade onde não havia 
problemas relativos à saúde e higiene precárias, à fome, não dependiam 
de empregos em grandes indústrias onde seriam exploradas por patrões e 
até mesmo colegas, embora em casa pudessem ser subjugadas pelos pais, 
maridos	e	filhos.	Deste	modo,	o	feminismo	sufragista	está	relacionando	ao	
contexto, no qual a educação e emancipação cívica eram as reivindicações 
com as quais se preocupavam.
Em relação ao contexto do feminismo de primeira onda, ainda no 
período de Getúlio Vargas, as relações de gênero vigentes foram utilizadas 
para manter um governo autoritário e conservador. A preocupação com o 
crescimento populacional e a indústria fez com que o governo de Vargas se 
concentrasse na família. Nesse sentido, o ideal burguês era de que a mãe 
continuasse	a	educar	seus	filhos,	mas	o	próprio	sistema	capitalista	instigava	
as mulheres (até mesmo de classes abastadas) a irem às ruas trabalhar. 
Dessa forma, para não perder o controle, muitos empregos e limites 
foram criados. Um deles seria a puericultura, um modo de cuidar da higiene 
e saúde de pessoas menos favorecidas, no qual as mulheres poderiam estar 
no mundo público, entretanto desempenhando um “papel naturalmente 
feminino”. 
Importante considerar que cada Feminismo ou reivindicação das 
mulheres está relacionado ao seu contexto, isto é, em uma mesma sociedade 
existem muitas mulheres, no termo plural e não no singular, com alguns 
objetivos em comum e que variam de acordo com os interesses. 
• 21
Baseados	em	ideias	de	Joan	Scott	a	partir	da	década	de	1970,	muitas	
feministas – acadêmicas ou não - passaram a utilizar o termo “mulheres”, 
sem diminuí-lo a uma representação totalitária de todas as mulheres, isto 
é, sabemos que as mulheres ou mesmo suas contemporâneas em geral, 
não eram idênticas no que se refere aos sentimentos e às personalidades, 
entretanto, pensando que a expressão mulheres abarca a pluralidade, optaram 
por essa bandeira.
Nesse leque, o paradoxo feminista não está no fato de uma mulher 
ou outra defender opiniões diferentes, mas, desde que algumas mulheres 
começaram a questionar as diferenças sexuais como causadoras de 
exclusões culturais e políticas, outra ideia teria se tornado um divisor de 
águas entre as feministas até hoje: a da diferença e da igualdade. Do mesmo 
modo,	em	qualquer	uma	das	definições	a	diferença	sexual	tem	uma	definição	
oficial	e	análoga	quanto	à	identidade	de	ambos.	Sendo	assim,	para	alcançar	
mais representatividade, as mulheres passaram a se manifestar em grupo, 
um ato que com passar do tempo caracterizou-se em uma importante 
identidade feminista.
No contexto de meados do século XX, A História das Mulheres, 
decorrente de uma luta feminista nas universidades, obteve seu espaço 
acadêmico	a	partir	de	fins	de	1970	e	o	seu	questionamento	central,	naquela	
época, era de que mulheres não deveriam ser vistas apenas como vítimas, 
nem como secundárias na História, ou seja, eram necessários estudos mais 
complexos no que se refere à participação das mulheres no fazer histórico, 
alegando ser preciso uma ruptura epistemológica. 
Esse período também foi marcado pela produção da feminista Simone 
de Beauvior, cuja literatura debatia não somente os valores burgueses, 
mas também o padrão de comportamento exigido das mulheres em face 
aos	 homens.	 Desde	meados	 da	 década	 de	 1970	 no	 Brasil,	 historiadoras	
e historiadores têm buscado compreender, cada uma/um dentro de seus 
campos de estudo, diferentes participações das mulheres no mundo público, 
relacionando-as à História das Mulheres e aos estudos de Gênero. A categoria 
analítica do “gênero” é tributária, sobretudo das lutas feministas existentes 
desde	o	fim	do	século	XIX,	perpassando	o	século	XX,	nas	quais	as	mulheres	
reivindicaram direitos políticos e sociais.
Referimo-nos ao conceito de gênero (lembrando que não são todos 
os pesquisadores das áreas que acataram) pensando nas considerações da 
• 22
historiadora	 Joan	Scott,	 cujo	artigo	Gênero: uma categoria útil de análise 
histórica, publicado	no	Brasil	em	1990,	define	o	termo	como	uma	composição	
de	significados	culturais	estruturados	a	partir	das	diferenças	percebidas	entre	
os sexos. Essas são esquematizadas a partir das relações sociais e de poder. 
Neste sentido, algumas feministas e historiadoras da História das 
Mulheres utilizaram o método para então compreender diferenças, visto 
que a categoria “mulheres” não poderia ser analisada se não fosse vista em 
relação aos demais que formam as sociedades.
A historiadora Sueli Gomes em relação ao livro lançado em 2006 
O feminismo tático de Bertha Lutz, de Rachel Soihet, ressalta que os 
Feminismos são plurais, cada um ao seu modo, nas suas limitações, e que 
a disputa com outros lados (às vezes mais fortes) faz com que conquistas 
vão paulatinamente se instalando e tornando-se práticas cotidianas. 
Consideramos que as “ondas” em que se ergueram ideais feministas ao 
longo dos últimos cem anos, foram os primeiros ideais que nas décadas 
seguintes tornaram-se cada vez mais comuns. 
Todas as mulheres que lutaram e obtiveram conquistas nos últimos 
séculos não deixaram de reproduzir os mesmos ideais que as suas 
sociedades determinavam, assim como, o modo como construíram os 
papeis dos homens/mulheres, mesmo com alguns limites diferenciados, 
continuaram a manter a hierarquia entre os sexos. No entanto, a cada limite 
ultrapassado, mesmo que aduras repressões, permitiram que nossa e outras 
gerações	pudessem	escolher	nossas	profissões,	a	maternidade	ou	mesmo	
um casamento. 
Ao mesmo tempo, o contexto de conquistas hoje não nos afasta da 
moral vigente ou dos problemas ocasionados por séculos de subjugação, 
isto é, continuamos a lutar contra a violência doméstica, contra o machismo 
permanente e muito forte em nossa sociedade, ao passo que o Ensino 
Superior com diversos cursos já se tornou comum às mulheres, assim como 
várias carreiras, até mesmo políticas, além de vários direitos políticos e civis.
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• 23
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TRINDADE, Etelvina Mª de C. Clotildes ou Marias: mulheres de Curitiba na 
Primeira	República.	Curitiba:	Fundação	Cultural,	1996.
ZOMER, Lorena. Entre tricôs, batons e livros: trajetórias e caminhos In.: 
Revista Espaço Plural.	Marechal	Cândido	Rondon:	Edunioeste,	2009,	ano1,	
n.1,	pp.137-139.
• 24
III
Mulheres fazendo Ciência 
Luciana Rosar Fornazari Klanovicz3
 Kariane Camargo Svarcz4
	 	 Existem	 espaços	 de	 trabalho	 e	 de	 produção	 científica,	 destinados	
especificamente,	 para	 homens	 e	 outros	 para	 mulheres?	 A	 história,	 essa	
nossa velha conhecida, repleta de interpretações sobre o passado, tem nos 
mostrado que em diferentes épocas esse foi um tema bastante debatido. 
Já	em	outros	momentos	foi	negligenciado,	sobreposto	por	outras	questões,	
como por exemplo, a sobrevivência em tempos de guerra ou de catástrofes.
Este texto tem como principal motivação colocar em pauta e 
desnaturalizar a questão de que não há espaço em que as mulheres não 
possam estar. Objetiva-se questionar tal assertiva, colocá-la em suspensão, 
mudando sua perspectiva e sua abordagem na ampliação dos espaços de 
atuação feminina, seja ela qual for, na produção de ciência, nos canteiros de 
obras, liderando e projetando empreendimentos. 
Lembremos,	nesse	sentido,	que	essa	pretensa	divisão	de	profissões	
e de produção de ciência foi um processo de investimentos discursivos 
para o afastamento das mulheres das áreas em que a razão (Iluminista) 
pudesse ser desenvolvida. Vale lembrar que o acesso das mulheres aos 
bancos escolares é um processo extremamente recente, tendo em vista a 
história da humanidade há mais de cinco mil anos; antes circunscrita a uma 
minoria	da	nobreza,	a	partir	do	final	do	século	de	XIX	--	e	de	uma	forma	mais	
institucionalizada -- as mulheres puderam estudar nos níveis elementares e 
secundários de ensino e prosseguir, agora na virada para o século XX, seus 
estudos em cursos universitários (ver: Klanovicz, 2012). 
A Ciência e a Tecnologia possuem, em suas histórias propagadas, 
3 Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), campus 
Guarapuava, Paraná. Docente do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em História e 
Regiões, e do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) Interdisciplinar em Desenvolvimento 
Comunitário na mesma instituição. Tutora do PET-HISTÓRIA e Coordenadora do Laboratório 
de História Ambiental e Gênero (LHAG – http://sites.unicentro.br/wp/lhag). Site: http://
unicentro.academia.edu/LucianaKlanovicz | e-mail: lucianarfk@gmail.com.
4 Acadêmica do 4º ano do curso de Licenciatura em História da UNICENTRO. Pesquisadora 
na área de Gênero e Ciência no LHAG. E-mail: ksvartz@gmail.com. 
• 25
apenas personagens masculinas. Essas duas áreas foram construídas em 
bases exclusivamente masculinas, estando as mulheres fora desses espaços, 
que, pela tradição, foram tornando-se restritos aos homens (especialmente 
nas áreas de Ciências Exatas, Informática e Engenharias). Nas famosas 
biografias	científicas,	nas	diversas	histórias	sobre	as	ciências	e	a	tecnologia,	
notamos uma presença masculina exclusiva. Onde estão as mulheres nessas 
histórias?	 Será	 que	 as	 mulheres	 não	 participaram	 de	 forma	 alguma	 das	
pesquisas	e	descobertas	científicas	e	tecnológicas,	em	época	alguma?	
 Essas histórias ocultam muitas facetas das situações vividas no 
passado, e algumas delas são as presenças femininas em descobertas 
e invenções do passado, o que fornece, de um lado, uma visão parcial (e 
incompleta) do mundo, um conhecimento esfacelado da História da Ciência 
e da Tecnologia, e de outro, contribui para manter a dominação masculina 
sobre	a	mulher	e	sua	exclusão	dos	espaços	científicos	e	 tecnológicos	no	
presente.
 Diversas pesquisadoras debruçaram-se na busca por personagens 
femininas na ciência, para não só negar esse pensamento naturalizado de que 
ciência	não	é	para	mulheres,	como	também	para,	com	biografias	de	mulheres	
cientistas com grandes feitos no passado, motivar meninas e mulheres da 
atualidade na aprendizagem da ciência e da tecnologia, fazendo-as buscarem 
áreas que não as tradicionalmente femininas, como saúde, secretariado e 
educação, mas outras como Engenharia, Física, Ciências da Computação ou 
Aeronáutica. 
Em tempos recentes, pesquisas têm mostrado uma participação 
crescente	 de	 mulheres	 nos	 espaços	 científicos	 em	 áreas	 que	 foram	
tradicionalmente consideradas masculinas, nas Engenharias, especialmente 
Engenharia Mecânica, Elétrica, Naval ou Aeronáutica, tanto no exterior 
como no Brasil, embora a presença das mulheres nessas áreas ainda seja 
mínima. Ao observarmos o mundo à nossa volta, percebemos uma série de 
transformações no que tange aos papeis sociais de homens e mulheres.
Embora isso não ocorra de forma homogênea em todas as regiões, 
vemos	mulheres	atuando	em	cenários	públicos,	tendo	profissões	de	prestígio,	
ganhando seu próprio sustento, e tendo uma boa visibilidade na sociedade. 
Tudo isso ocorreu graças aos diversos movimentos sociais e políticos 
e a lutas Feministas. Contudo, se olharmos com atenção para algumas 
profissões	atuais,	a	presença	feminina	é	mais	marcante	em	algumas	áreas	e	
• 26
não em outras. 
E embora venham a ocupar certos espaços que não são os legítimos 
de sua atuação, mulheres não são bem vistas ou bem recebidas em algumas 
áreas das Engenharia, resistentes à presença feminina devido à sua formação 
histórica. As mulheres sofrem para entrarem nessas áreas, mas sofrem 
mais para nelas permanecerem, conseguirem estruturar uma carreira real e 
terem sucesso. Nas Engenharias e outras áreas da Tecnologia percebemos 
essa situação. Nesses campos, a presença femininamesmo na atualidade é 
permeada de entraves, e as mulheres precisam ser resistentes e corajosas 
para neles permanecerem. Para entender essas questões é necessário pensar 
a historicidade da ciência e da tecnologia.
A formação da Ciência Moderna, a partir do séc. XVII, abarcou um 
alto grau de formalização, por meio da construção e reformas de instituições 
científicas	com	estabelecimento	de	normas	que	afastaram	as	mulheres.	Na	
origem	das	produções	e	pesquisas	científicas	na	Europa,	muitas	mulheres	
envolveram-se	em	atividades	científicas,	tanto	na	observação	de	astros	com	
uso de telescópios em observatórios familiares, como na análise de plantas, 
insetos e outros animais com microscópios, junto a seus maridos, irmãos ou 
pais. Também tinham um grande conhecimento sobre plantas e ervas medi-
cinais, tratamento de doentes, além de serem responsáveis pelo acompanha-
mento de partos e nascimentos. 
Mas, a separação entre privado e público na Era Moderna exprimiu-se 
também	 na	 organização	 do	 trabalho	 científico	 e	 tecnológico,	 e	 com	 isso,	
as mulheres foram barradas em escolas e universidades, sendo educadas 
somente	 para	 assumir	 o	 cuidado	 da	 casa	 e	 dos	 filhos,	 enquanto	 que	 os	
meninos	eram	educados	para	as	áreas	científicas	e	demais	profissões	da	vida	
pública, somente a eles sendo permitido o acesso a colégios e universidades. 
De acordo com Philippe Ariès, os colégios da Idade Moderna eram 
ambientes destinados aos meninos, marcados pelas punições e castigos 
corporais. A educação do séc. XVII era monopólio masculino. Meninas ricas, 
e apenas essas, iam para conventos, onde o ensino não era rígido como 
o dos meninos. Nos conventos elas recebiam uma educação voltada para 
questões religiosas, que eram, como se pensava, da sua conta e obrigação 
como mulheres, devotas a Deus e suas servas. 
Após a Revolução Francesa, no séc. XVIII, os homens passaram a 
considerar	 que,	 para	 fins	 políticos	 e	 morais,	 era	 útil	 manter	 as	mulheres	
• 27
na ignorância, nos ambientes privados e na mais absurda mediocridade. 
Conventos que serviam como uma mera educação para mulheres foram 
fechados com a laicização do Estado. 
Dessa forma, a Revolução Francesa marcou a separação de esferas 
de atuação para homens e mulheres. Os rapazes seriam destinados à vida 
pública, ao exército, ao Direito e à Ciência, enquanto que as moças seriam 
educadas para o lar e para o casamento, sendo a sua única preocupação 
serem	boas	mães	e	boas	esposas,	cuidadoras	do	lar	(Ver:	ARIÈS,	1981).
Dessa	 forma,	 os	 trabalhos	 científicos	 foram	 formalizados	 como	
profissões	 e	 encargos	masculinos,	 e	 a	 Ciência	 foi	 sendo	 estruturada	 em	
bases exclusivamente masculinas, com um enorme desperdício de potencial 
humano.
No Brasil, no presente recente, poderia-se dizer que aquele passado 
nebuloso onde mulheres eram alijadas da vida pública e do fazer ciência, 
já não existe, graças aos Movimentos Feministas, que desde o séc. XIX– 
por meio de discussões e reivindicações – vem conquistando um espaço 
para as mulheres atuarem na sociedade em todos os âmbitos. Atualmente, 
a universidade é um espaço comum para mulheres, e a docência no ensino 
superior tem razoável presença feminina. 
Mas na primeira metade do séc. XX, segundo Susan Besse, as 
desigualdades de gênero no Brasil ganharam novas cores e sentidos. As 
mulheres não eram educadas para sua emancipação intelectual, econômica 
e social. As escolas mantinham as mulheres fora de conhecimentos e 
atividades considerados “inadequados” para elas, que continuavam com 
a missão de educar e cuidar dos outros, de salvar o mundo, mas não 
transformá-lo	(Besse,	1999).
É	a	partir	dos	anos	1970,	mais	precisamente	dos	anos	1980	e	1990,	
que as mulheres começam a marcar presença notável e cada vez mais 
crescente nos bancos escolares e nas universidades, com as reformas no 
ensino, com a democratização da educação, com os trabalhos das feministas 
e	com	o	reforço	das	demandas	sociais	e	científicas,	como	industrialização,	
modernização do país e globalização. 
O desenvolvimento de novas carreiras no mercado de trabalho, o 
surgimento de novas áreas na Ciência, na Engenharia e na Tecnologia, como, 
por exemplo, a criação de cursos de Engenharia de Alimentos ou Engenharia 
Ambiental, possibilitou a entrada de mulheres em novas áreas do ensino 
• 28
superior, além das tradicionais, como Pedagogia, Letras, Nutrição, Farmácia, 
Enfermagem, Medicina, Direito, entre outras. 
Para frisar, a divisão da Engenharia em mais especialidades na década 
de	1990	e	2000,	como:	Alimentos,	Civil,	Ambiental	e	Química,	possibilitou	
a entrada das mulheres na Engenharia em maior número. No entanto, a 
quantidade de mulheres nos cursos dessas áreas, se comparado com o 
número de homens, ainda é muito pequeno. A falta de informações sobre 
carreiras e cursos nas escolas, bem como o ensino precário nas disciplinas-
base para os concursos vestibulares são fatores que inferem na pouca 
presença feminina nesses campos de atuação, situação que incomoda 
principalmente as mulheres e professores em geral, e que, obviamente, tem 
reflexos	negativos	para	o	desenvolvimento	científico	e	tecnológico	do	Brasil.
 Considera-se que a Ciência e a Tecnologia são essenciais para o 
desenvolvimento de um país. O Brasil tem dado maior importância para 
a	 produção	 do	 conhecimento	 científico	 voltado	 para	 áreas	 tecnológicas,	
incentivando a produção desses conhecimentos por meio de incentivos 
como bolsas para pesquisa em universidades e instituições nacionais e 
internacionais ou recursos para criação ou ampliação de laboratórios, além 
de intercâmbio de cientistas. 
Gênero e Ciência estão imbricados nos campos da cultura. Se a cultura 
de uma determinada sociedade é dominada por homens, o desenvolvimento 
da ciência e da tecnologia irá reforçar a supremacia masculina. Compreende-
se, então, que a Tecnologia e a Ciência não são neutras e se encontram 
relacionadas com os indivíduos. Assim, as relações de gênero, construídas 
pela	cultura,	são	influenciadas	pelas	demandas	científicas	e	tecnológicas	e	
pelas dinâmicas sociais, podendo transformar-se ou serem conservadas ao 
longo do tempo.
Pesquisas realizadas em torno da temática “Gênero e Ciência” 
evidenciam a concentração das mulheres em determinadas áreas, e sua 
ausência em outras. Pesquisas recentes realizadas em diversas universidades 
do	Brasil,	inclusive	no	Paraná,	apresentam	dados	afirmando	que	as	mulheres	
têm	 atuado	 nos	 espaços	 científicos,	 mas	 também	 mostram	 que	 elas	
concentram-se em áreas consideradas “mais femininas”, como as da Saúde 
e de Humanidades. 
Um exemplo é o trabalho de Estela Aquino, “Gênero e Ciência no 
Brasil: contribuições para pensar a ação política na busca da equidade” 
• 29
(Aquino,	2006),	no	qual	a	autora	afirma	que	a	Enfermagem	ainda	é	campo	
majoritariamente	ocupado	por	mulheres.	A	profissão	de	enfer	magem	esteve	
sempre marcada por conteúdos fortemente ideológicos, permeada pelo 
discurso religioso, nos quais eram enfatizados o devotamento, o idealismo, 
o altruísmo e o desprendimento material. Essa área foi naturalizada como 
uma ocupação “feminina”, decorrente da aptidão “inata” das mulheres para 
cuidar dos outros, a qual supostamente faltaria aos homens. 
Em	Gênero	e	Ciência	procura-se	discutir	e	refletir	sobre	essas	questões	
e situações, e ao mesmo tempo, desnaturalizar o que está arraigado em 
nossa	sociedade,	como	os	papeis	e	profissões	“femininas”	e	“masculinas”,	
que vem sendo executadas por gerações de forma tradicionalista, sem muitas 
reflexões	e	questões	em	torno	delas.		
Quanto à formação das mulheres em áreas consideradas masculinas, 
como Física e Engenharias, quanto mais alto o nível de especialização 
(mestrado, doutorado e pós-doutorado), menor é a participação feminina. 
É necessário que pensemos os motivos dessa exclusão ou pouca presença 
das mulheres nesses departamentos.
De acordo com Lombardi (2004) o desenvolvimento da Engenharia 
no Brasil relacionou-sea projetos de modernização e às inquietações com 
o progresso do país, considerando o desenvolvimento da ciência e da 
tecnologia	como	base	de	superação	dos	problemas	e	insuficiências	urbanas.	
A princípio, a Engenharia era um campo homogêneo, universal, prático 
e	 masculino.	 Do	 Império	 até	 fins	 do	 séc.	 XIX,	 a	 Engenharia	 se	 manteve	
alicerçada ao ambiente militar, aplicada na construção de armas, fortalezas, 
pontes, abertura de estradas, dentre outras atividades, desempenhadas por 
oficiais	engenheiros.
Essa característica militar da Engenharia continuou impregnada 
mesmo após a separação da formação de engenheiros das escolas militares. 
A implantação do ensino da engenharia de caráter civil no país ocorreu 
durante o século XIX, com o crescimento urbano e a consequente demanda 
de serviços, abrindo novos campos de trabalho para os engenheiros, tais 
como construções de portos, instalações de hidrelétricas, serviços de gás, 
transportes, saneamento e construções de edifícios. 
Os	 primeiros	 engenheiros	 eram	 filhos	 de	 ricos	 fazendeiros,	
representando os interesses da sua classe social de origem, posicionando-
se a favor da expansão industrial e urbana. Era comum encontrar 
• 30
engenheiros em posições hierárquicas de mando e direção, facilitados pela 
sua	origem	social	privilegiada.	Após	fim	da	Segunda	Guerra	Mundial,	com	
as preocupações socioeconômicas e políticas do País, amplia-se a oferta de 
cursos e expansão do mercado de trabalho para as áreas de Engenharia, que 
como campo universal, não daria conta das novas atividades e necessidades 
urbanas.
O maior ingresso de mulheres em cursos de engenharia inicia-se na 
década	de	1970,	consolidando-se	nos	anos	1990.	Uma	das	alterações	mais	
importantes no mercado de trabalho no Brasil, além do ingresso maciço das 
mulheres,	é	seu	nível	de	formação	e	profissionalização,	muitas	vezes	superior	
aos dos homens. No que tange às especializações e aperfeiçoamento 
profissional,	 contudo,	 o	 número	 de	mulheres	 em	 Pós-Graduação	 ainda	 é	
bastante reduzido.
A historiadora Londa Schiebinger (2001) ao historicizar a trajetória 
das	 mulheres	 em	 escala	 internacional	 na	 produção	 científica,	 revelando	
uma progressão e uma participação maior delas na ciência, observa que 
quaisquer	que	sejam	os	resultados	de	pesquisas	sobre	produtividade	científica	
de mulheres, a constatação é que homens e mulheres com recordes de 
pesquisas equivalentes não detêm as mesmas posições nas universidades e 
instituições	científicas.	
Os homens tendem a ocupar cargos mais elevados que as mulheres. 
Portanto, as realizações das mulheres não são igualmente recompensadas 
através	de	promoções,	reconhecimento	profissional	e	salarial.	Além	de	haver	
uma	 segregação	 horizontal	 das	 atividades	 científicas,	 onde	 as	 mulheres	
acabam aglomerando-se em algumas áreas que tradicionalmente estão mais 
de	 acordo	 com	 as	 especificidades	 femininas,	 há	 ainda	 uma	 segregação 
vertical que	 di	ficulta	 a	 progressão	 das	 mulheres	 nessas	 mesmas	 áreas,	
sendo	a	maioria	dos	cargos	mais	elevados	da	hierarquia	profissional,	ainda	
ocupados por homens. 
A ocupação de posições de maior destaque pelas mulheres, quando 
acontece, é mais tardia do que pelos homens. Isso ocorre, segundo Estela 
Aquino, também na Enfermagem, onde os poucos homens existentes 
geralmente ocupam cargos de prestigio nas instituições de saúde, públicas 
e privadas. 
Assim, a Ciência e a Tecnologia, bem como as posições de comando 
nesses departamentos, são vistos de forma geral como domínios masculinos, 
• 30 • 31
identificados	 como	 cargos	 para	 homens	 por	 competência	 natural, e em 
virtude disso, as mulheres são excluídas ou se excluem em determinados 
campos	de	trabalhos	científicos	e	tecnológicos.	
As atividades mais facilmente ocupadas por engenheiras são em 
órgãos administrativos, na seguridade social, em consultorias imobiliárias, 
na informática em geral, em áreas alimentícias e no ensino, inserindo-se 
mais facilmente na prestação de serviços, na pesquisa e na administração 
pública, o que sugere uma segregação horizontal entre trabalho feminino e 
masculino.
Para Lombardi, as relações sociais de sexo e a divisão sexual 
do trabalho estão interligadas no campo de trabalho da engenharia, e os 
princípios de separação e hierarquização costumam ser legitimados por uma 
ideologia naturalista que vê a divisão sexual do trabalho como ordem social. 
A existência de anedotas e preconceito por parte alunos nas salas de aula 
de engenharia serve para tirar as mulheres da concorrência, para eliminá-las 
do curso, constituindo parte estruturante da construção social da hierarquia 
profissional,	contribuindo	para	a	segregação	social.	Notamos,	junto	com	a	
autora, que mesmo que as mulheres tenham ousado adentrar em áreas de 
trabalho “masculinizadas” como na engenharia, continuam existindo lugares 
bem delimitados para sua atuação (Lombardi, 2004).
Tebet constatou que no campo de trabalho para engenheiros/as, 
em alguns casos, existe um resguardo da feminilidade da mulher. Para 
uma sociedade conservadora e machista, essa feminilidade, envolta 
em sensibilidade e pureza, precisa ser preservada. Isso implica na 
desclassificação	de	mulheres	em	empresas	e	indústrias	como	comandantes	
e chefes de obras. Dessa forma, o fato de as mulheres transgredirem para 
as	áreas	engenharias,	não	significa	que	elas	não	irão	reproduzir	posições	e	
escolhas tradicionais em torno da sua posição enquanto mulheres e futuras 
mães e esposas, e há ainda um efeito simbólico de dominação masculina 
nessas especialidades. 
Esse simbolismo cultural e os valores apreendidos e mantidos através 
de gerações, valores que são reproduzidos pelos dominantes e pelo Estado, 
não mudam facilmente com criação de leis e com algumas poucas mudanças. 
Na verdade, a situação de segregação e de divisão de tarefas conforme 
o sexo continua no mercado de trabalho. E a escola e a universidade são 
instituições que precisam ser repensadas com base nesses quesitos, já que 
• 32
ambas vêm fazendo muito pouco para a formação de futuras/os engenheiras/
os e cientistas.
Fanny	Tabak	(2002)	argumenta	que,	no	Brasil,	persiste	forte	influência	de	
estereótipos sexuais na educação. As meninas ainda estão sendo preparadas 
para seguirem carreiras tradicionalmente femininas, não recebendo estímulo 
necessário ou motivação na escola e na família para seguirem carreiras 
científicas.	Para	isso,	como	destaca	Tabak,	seria	necessário	a	implementação	
de projetos educacionais voltados para as relações de gênero em C&T e 
que incentivassem o desejo de mais mulheres em se voltar para carreiras 
científicas.
Apesar	dos	significativos	avanços	no	status	jurídicos	das	mulheres,	as	
áreas	profissionais	científicas	e	 tecnológicas	não	constituem	uma	escolha	
prioritária para alunas do ensino médio, pois as estudantes raramente 
recebem incentivos por parte de políticas públicas que as impulsionem para 
a	pesquisa	e	produção	científica.	
Pesquisadores/as e pensadores/as chegaram a um consenso de que 
somente com uma educação crítica é possível transformar as diferenças de 
gênero no mercado de trabalho e em todos os âmbitos sociais. A educação 
transforma, remete e quebra valores. Não só a escola, mas a participação da 
família também é necessária na transformação da educação das crianças, 
adolescentes	e	 jovens,	buscando	afirmar	valores	que	respeitem	homens	e	
mulheres,	onde	o	conhecimento	e	as	produções	científicos	não	sirvam	para	
assegurar	estatuto	social,	como	se	configura	no	Brasil,	mas	para	assegurar	
a todos um bem estar social.
Por mais que na universidade a presença de mulheres em cursos 
de C & T seja vista como normal e socialmente aceito pelos colegas e 
professores, no mundo real o trabalho da mulher engenharia é bem menos 
aceito e valorizado, tanto pelos donos de indústrias e empresas, quanto pelos 
trabalhadores do campo. Existe ainda preconceito de que a mulher não seja 
capaz	 o	 suficiente	 para	 dar	 conta	 datarefa.	 Existem	muitas	 pessoas	 que	
desconfiam	da	capacidade	de	uma	engenheira	de	desempenhar	um	trabalho	
de qualidade. Isso é muito presente em nossa realidade. 
O machismo, mesmo com movimentos sociais para derrubá-lo, ainda 
marca nosso cotidiano e cultura, e ainda barra o sucesso das mulheres 
em lugares e carreiras que não foram construídas socialmente para elas. 
Se para entrar na universidade não há barreiras visíveis (na verdade há 
• 33
muitas	barreiras),	ainda	é	necessário	pontuar	que	dificilmente	uma	mulher	
das classes pobres adentra áreas tecnológicas, mesmo em universidades 
públicas. Muitas vezes, para serem aceitas em cursos de Engenharia, elas 
precisam comportar-se como homens, “virarem” um homem, deixarem de 
“agir feito mulher”.
Acredita-se que uma presença crescente das mulheres na ciência pode 
vir a quebrar com estereótipos de gênero, promovendo mudanças nos papeis 
tradicionalmente desenvolvidos por homens e mulheres. Cabe destacar que 
o	Brasil	necessita	de	desenvolvimento	tecnológico	e	científico	para	crescer	
econômica, social e tecnologicamente, portanto precisa de uma ampla gama 
de pesquisadores/as e cientistas em ação. 
O mesmo ocorre no estado do Paraná. A presença das mulheres, com 
sua inteligência, experiência e criatividade, é de fundamental importância na 
soma de indivíduos em ação para esse processo de desenvolvimento e de 
superação do atraso em que o Brasil encontra-se com relação à Ciência e à 
Tecnologia.
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• 34
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SCHIEBINGER, L. O feminismo mudou a ciência? Bauru: Edusc, 2001.
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TABAK, F. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no feminino. Rio 
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www.fazendogenero8.ufsc.br.sts.ST38/Mani_Tebet_38.pdf»	 Acesso	 em:	 1	
nov.	2009.
• 35
IV
Trabalho feminino
Soraia Carolina de Mello5
Quando pensamos em trabalho feminino, muitas vezes surge em 
nossas mentes estatísticas que lemos ou assistimos em telejornais sobre 
a entrada das mulheres no mercado de trabalho, cada vez mais ampla e em 
profissões	que	 antes	 apenas	eram	ocupadas	por	 homens.	Estes	mesmos	
telejornais costumam, no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, ou no 
Dia do Trabalhador, 1º de maio, mostrar a história de vida e luta de alguma 
mulher	específica:	uma	caminhoneira	ou	operária	da	construção	civil,	muitas	
vezes chefe de família, único fonte de sustento de sua casa, e como esta 
mulher	enfrentou	com	bravura	as	dificuldades	de	se	inserir	em	uma	profissão	
tão “pouco feminina”.
Se por um lado, estas reportagens indicam mudanças que ocorreram 
em nossa sociedade nas últimas décadas, por outro, o fato de mostrarem esta 
ou aquela atividade como “pouco feminina” apenas nos faz lembrar de que 
o	preconceito	é	presente	e	que	determinadas	profissões	são	estigmatizadas,	
carregam algo que podemos chamar de uma marca de gênero, e são 
consideradas essencialmente masculinas ou femininas. 
Apesar destas “marcas de gênero”, as mulheres têm entrado em 
massa em diferentes setores do mercado de trabalho nas últimas décadas. 
Entretanto, no quadro abaixo, de 2012, referente ao estado do Paraná, 
podemos ver dados que nos mostram como a inserção em determinada 
profissão	não	garante	igualdade	de	direitos	e	oportunidades.	
Em todas as áreas indicadas no quadro, as mulheres são maioria na 
força	de	trabalho,	mas	seus	rendimentos	são	entre	18	e	38%	menores	que	
os dos homens no mesmo setor, mesmo estes estando em menor número. 
A reportagem indica ainda que as trabalhadoras paranaenses, no 
mesmo	período,	possuíam	mais	instrução	que	os	trabalhadores	(29%	delas	
tinha	 curso	 superior	 contra	 15%	 dos	 homens),	 mas	 apesar	 disso,	 seus	
rendimentos eram, estatisticamente, menores.
5Licenciada a bacharel em História, doutoranda em História na Universidade Federal de Santa 
Catarina (UFSC), desde 2005 vem pesquisando questões relacionadas aos feminismos sul 
americanos e o trabalho doméstico, vinculada ao Laboratório de Estudos de Gênero e História 
(LEGH) e ao Instituto de Estudos de Gênero (IEG). Contato em: soraiaa.mello@gmail.com
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Fonte: Belo, Carolina. Paraná OnLine - 08/03/2012.
Tem sido comum nos últimos anos vermos mulheres entrando em 
espaços que antes eram quase que exclusivamente masculinos. Mas, o 
contrário	ocorre	na	mesma	proporção?	Encontramos,	em	nossos	dias,	tantos	
enfermeiros, babás ou professores de séries iniciais quanto encontramos 
engenheiras,	operárias	metalúrgicas	ou	contadoras?	
Em alguns setores, como a construção civil e trabalhos técnicos de 
reparos ou manutenção de máquinas e mecânica, as mulheres conseguem 
formação mas não conseguem trabalhar devido ao preconceito (Ver: Oliveira). 
Muitas	pessoas	não	confiam	em	uma	eletricista,	simplesmente	por	ser	uma	
mulher. Ao mesmo tempo, por razões que as pessoas não sabem explicar 
direito, elas não contratariam um homem para limpar sua casa ou cuidar de 
suas crianças. 
Como	se	dão	estas	divisões?	Quem	instituiu	qual	trabalho	é	adequado	
para	homens	e	qual	seria	adequado	para	mulheres?	E	quando	pensamos	em	
trabalho feminino, talvez a pergunta mais importante seja: o que entendemos 
por	 trabalho?	O	que	é	 trabalho	para	nós?	Só	há	 trabalho	quando	há	uma	
remuneração	monetária,	um	pagamento?
Para abordarmos esta temática é muito importante termos em vista 
que o trabalho, e a divisão de trabalho por gênero, têm história. Há 150 
anos, de forma generalizada no Ocidente, eram homens os responsáveis 
pela alfabetização e educação infantil. Por outro lado, a medicina, hoje um 
ofício	 tão	valorizado,	não	era	a	 escolha	dos	filhos	das

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