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Associação dos Advogados de São Paulo Rua Álvares Penteado, 151 Centro cep 01012 905 São Paulo SP tel (11) 3291 9200 www.aasp.org.br 126 O N O V O C Ó D IG O D E P R O C E S S O C IV IL O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL nº126_novo_cpc.pdf 1 22/04/2015 13:24:05 ISSN-0101-7497 Ano XXXV Nº 126 Maio de 2015 DIRETORIA Presidente Leonardo Sica Vice-Presidente Luiz Périssé Duarte Junior 1º Secretário Fernando Brandão Whitaker 2º Secretário Renato José Cury 1º Tesoureiro Marcelo Vieira von Adamek 2º Tesoureiro Mário Luiz Oliveira da Costa Diretora Cultural Viviane Girardi Assessor da Diretoria Ricardo de Carvalho Aprigliano REVISTA DO ADVOGADO Conselho Editorial: Eduardo Reale Ferrari, Fátima Cristina Bonassa Bucker, Fernando Brandão Whitaker, Flávia Hellmeister Clito Fornaciari Dórea, Juliana Vieira dos Santos, Leonardo Sica, Luís Carlos Moro, Luiz Périssé Duarte Junior, Marcelo Vieira von Adamek, Mário Luiz Oliveira da Costa, Nilton Serson, Paulo Roma, Pedro Ernesto Arruda Proto, Renato José Cury, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, Roberto Timoner, Rogério de Menezes Corigliano, Sérgio Rosenthal, Silvia Rodrigues Pereira Pachikoski, Viviane Girardi Ex-Presidentes da AASP: Walfrido Prado Guimarães, Américo Marco Antonio, Paschoal Imperatriz, Theotonio Negrão, Roger de Carvalho Mange, Alexandre Thiollier, Luiz Geraldo Conceição Ferrari, Ruy Homem de Melo Lacerda, Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, Diwaldo Azevedo Sampaio, José de Castro Bigi, Sérgio Marques da Cruz, Mário Sérgio Duarte Garcia, Miguel Reale Júnior, Luiz Olavo Baptista, Rubens Ignácio de Souza Rodrigues, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, José Roberto Batochio, Biasi Antonio Ruggiero, Carlos Augusto de Barros e Silva, Antonio de Souza Corrêa Meyer, Clito Fornaciari Júnior, Renato Luiz de Macedo Mange, Jayme Queiroz Lopes Filho, José Rogério Cruz e Tucci, Mário de Barros Duarte Garcia, Eduardo Pizarro Carnelós, Aloísio Lacerda Medeiros, José Roberto Pinheiro Franco, José Diogo Bastos Neto, Antonio Ruiz Filho, Sérgio Pinheiro Marçal, Marcio Kayatt, Fábio Ferreira de Oliveira, Arystóbulo de Oliveira Freitas e Sérgio Rosenthal Diretor Responsável: Luiz Périssé Duarte Junior Jornalista Responsável: Reinaldo Antonio De Maria (MTb 14.641) Coordenação-Geral: Ana Luiza Távora Campi Barranco Dias Capa: Aline Vieira Barros - AASP Revisão: Elza Doring, Luanne Batista, Milena Bechara e Paulo Nishihara - AASP Editoração Eletrônica: Altair Cruz - AASP Administração e Redação: Rua Álvares Penteado, 151 - Centro - cep 01012 905 - São Paulo-SP tel (11) 3291 9200 - www.aasp.org.br Impressão: Rettec, artes gráficas Tiragem: 97.000 exemplares A Revista do Advogado é uma publicação da Associação dos Advogados de São Paulo, registrada no 6º Ofício de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo, sob nº 997, de 25/3/1980. © Copyright 2015 - AASP A Revista do Advogado não se responsabiliza pelos conceitos emitidos em artigos assinados. A reprodução, no todo ou em parte, de suas matérias só é permitida desde que citada a fonte. Solicita-se permuta. Pídese canje. On demande I’échange. We ask for exchange. Si richiede lo scambio. Toda correspondência dirigida à Revista do Advogado deve ser enviada à Rua Álvares Penteado, 151 - Centro - cep 01012 905 - São Paulo-SP. SUMÁRIO 5 Nota dos Coordenadores. José Rogério Cruz e Tucci Heitor Vitor Mendonça Sica 9 Citações e intimações por meio eletrônico no Novo CPC. Augusto Tavares Rosa Marcacini 16 O art. 3º do Novo Código de Processo Civil e o processo do trabalho. Bruno Freire e Silva 27 Os honorários recursais no Novo Código de Processo Civil. Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes 33 Legitimidade recursal do amicus curiae no Novo CPC. Camilo Zufelato 39 (In)devido processo legislativo e o Novo Código de Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno 47 A colaboração como norma fundamental do Novo Processo Civil brasileiro. Daniel Mitidiero 53 A função contrafática do Direito e o Novo CPC. Dierle Nunes 58 Nota sobre o incidente de conversão em ação coletiva. Eduardo Talamini 64 Novo CPC: reflexões em torno da imposição e cobrança de multas. Fabio Guidi Tabosa Pessoa 76 Negócios jurídicos processuais: uma nova fronteira? Fábio Peixinho Gomes Corrêa 83 Um novo paradigma para o juízo de admissibilidade dos recursos cíveis. Flávio Cheim Jorge Thiago Ferreira Siqueira 89 Convenção das partes em matéria processual no Novo CPC. Flávio Luiz Yarshell 95 Estabilização da tutela provisória satisfativa e honorários advocatícios sucumbenciais. Fredie Didier Jr. Paula Sarno Braga Rafael Alexandria de Oliveira 101 Partes e terceiros no Novo Código de Processo Civil. Gláucia Mara Coelho 107 Técnicas de uniformização da jurisprudência e o incidente de resolução de demandas repetitivas. Guilherme J. Braz de Oliveira Livro_126.indb 3 23/04/2015 16:28:41 ISSN-0101-7497 Livro_126.indb 4 23/04/2015 16:28:41 ISSN-0101-7497 115 Primeiras impressões sobre a “estabilização da tutela antecipada”. Heitor Vitor Mendonça Sica 124 A profundidade do efeito devolutivo nos recursos extraordinário e especial: o que significa a expressão “julgará o processo, aplicando o direito” (CPC/2015, art. 1.034)? João Francisco Naves da Fonseca 131 O juiz, a aplicação do Direito e o Novo CPC. José Carlos Baptista Puoli 137 Tutela provisória. José Roberto dos Santos Bedaque 143 O regime do precedente judicial no Novo CPC. José Rogério Cruz e Tucci 152 Novidades em matéria de embargos de declaração no CPC de 2015. Luis Guilherme Aidar Bondioli 158 Uma provável ofensaà garantia da inafastabilidade do acesso à justiça no Novo CPC. Marcelo José Magalhães Bonicio 162 Da expressa proibição à “decisão-surpresa” no Novo CPC. Oreste Nestor de Souza Laspro 169 Motivação das decisões jurídicas e o contraditório: identificação das decisões imotivadas de acordo com o NCPC. Paulo Henrique dos Santos Lucon 175 Anotações sobre a prova no Novo CPC. Ricardo de Barros Leonel 182 A distribuição dinâmica do ônus da prova e o Novo CPC. Ronnie Preuss Duarte Mateus Costa Pereira 192 Apontamentos sobre o saneamento e a organização do processo. Swarai Cervone de Oliveira 198 O que se espera do Novo CPC? Teresa Arruda Alvim Wambier 204 A prova pericial no Novo Código de Processo Civil. William Santos Ferreira Livro_126.indb 5 23/04/2015 16:28:43 Nota dos Coordenadores José Rogério Cruz e Tucci Advogado. Ex-presidente da AASP. Professor titular e diretor da Faculdade de Direito da USP. Coordenador do Conselho da Presidência do CNJ para a Disseminação Nacional da Jurisprudência Uniformizada. Heitor Vitor Mendonça Sica Professor doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado. Livro_126.indb 6 23/04/2015 16:28:43 N o ta d o s C o o rd en ad o re s 7 R ev is ta d o A d vo g ad o E xaltado quando aprovado, o Código de Processo Civil (CPC) de 1973, nestas últimas quatro décadas, prestou-se, de um lado, a reger precipuamente o processo contencioso de forma segura e eficiente, e, de outro, a construir vigorosa doutrina e sólida jurisprudência acerca de institutos e mecanismos que marcaram a nossa experiência jurídica. Com o passar do tempo, no entanto, diante de um número crescente e alarmante de demandas, devido a vários fatores, o diploma processual em vigor sofreu sucessivas intervenções legislativas, que acabaram fragmentando demasiadamente a sua estrutura original. Ressalte-se, outrossim, que, acompanhando as tendências de vanguarda da ciência processual, diferentes paradigmas foram sendo assimilados e aperfeiçoados pelos operadores do Direito. Assim, toda esta natural evolução recomendava, de modo inexorável, a elaboração de um novel CPC. Apresentado ao Senado Federal, o Anteprojeto que se transformou no Projeto nº 166/2010, do novo Codex, caracterizou-se por uma tramitação legislativa cuidadosa e participativa, imbuída de inequívoco espírito republicano. Na verdade, em reiteradas oportunidades, toda a comunidade jurídica foi convidada a oferecer críticas e sugestões à sua respectiva elaboração. É, sem dúvida, empenho hercúleo a construção de nova codificação, qualquer que seja o seu objeto. No tocante ao processo civil, colocando em destaque essa evidente dificuldade, Carnelutti chamava a atenção para a diferença entre a arquitetura científica e a arquitetura legislativa, sendo certo que esta não deve desprezar os valores conquistados pela dogmática jurídica. A tal propósito, nota-se, de logo, que o texto legal, finalmente sancionado em 16 de março de 2015 – Lei nº 13.105 –, não descurou a moderna linha principiológica que advém do texto constitucional. Pelo contrário, destacam-se em sua redação inúmeras regras que, a todo momento, procuram assegurar o devido processo legal aos litigantes. Até porque os fundamentos de um CPC devem se nortear, em primeiro lugar, pelas diretrizes traçadas pela Constituição Federal. E, assim, num primeiro exame de conjunto, é possível afirmar que a legislação processual recém-sancionada merece os maiores encômios. Embora passível de críticas pontuais, o novo Código encerra um modelo processual governado pelas garantias do due process of law. Saliente-se, por outro lado, que a disciplina legal agora aprovada, em vários dispositivos, fomenta a solução consensual das controvérsias, em particular, por meio da conciliação e Livro_126.indb 7 23/04/2015 16:28:43 N o ta d o s C o o rd en ad o re s 8 R ev is ta d o A d vo g ad o da mediação. Não é preciso registrar que, à luz desse novo horizonte que se descortina sob a égide do novel diploma processual, os aludidos protagonistas do foro não devem medir esforços no rumo da composição amigável do litígio. Ademais, o legislador adotou importantes novidades em prol da efetividade do princípio da duração razoável do processo, inclusive no que se refere à atividade satisfativa. Há que se lamentar apenas que o novo Código não tenha aproveitado o ensejo para também dispor sobre a tutela de direitos transindividuais – construída com base nas Leis nº 7.437/1985 e nº 8.078/1990 – ou ao menos se proposto a abrir maior interação com esse microssistema. Ao contrário, o sistema eleito aposta decisivamente na valorização do precedente judicial e nos mecanismos de aglutinação de processos repetitivos. Em cumprimento a mandamento estatutário, nesse sentido, procurando contribuir, como sempre de forma pioneira, para o aperfeiçoamento dos profissionais do Direito, especialmente de seus sócios, a Associação dos Advogados de São Paulo oferece a presente coletânea de estudos, estampada na prestigiosa Revista do Advogado, cujo conteúdo reúne uma análise preambular, tanto quanto possível de cunho prático, elaborada por inúmeros especialistas acerca de temas de grande relevância processual, visando à melhor exegese e compreensão do CPC de 2015. Livro_126.indb 8 23/04/2015 16:28:43 9 R ev is ta d o A d vo g ad o Augusto Tavares Rosa Marcacini Advogado em São Paulo. Mestre, doutor e livre-docente em Direito Processual pela Facul- dade de Direito da USP. Professor do Programa de Mestrado em Direito da Sociedade da Infor- mação e de Direito Processual Civil da UniFMU. Vice-presidente da Comissão de Direito Proces- sual Civil da OAB-SP. Foi presidente da Comis- são de Informática Jurídica e da Comissão da Sociedade Digital da OAB-SP. Citações e intimações por meio eletrônico no Novo CPC. Sumário 1. Introdução 2. O Novo CPC, a Informática e os atos de comu- nicação 3. Natureza dos atos de comunicação por meio eletrônico 4. Citações e intimações eletrônicas no Novo CPC 5. Considerações finais Bibliografia 1 Introdução A importância, para o processo, dos chamados atos de comunicação, a citação e a intimação, certamente é compreendida por todo e qualquer profissional do Direito que atue no contencioso. Tais atos, destinados a dar ciência às partes acer- ca da própria existência do processo, no caso da citação, ou dos seus demais atos, tarefa cumprida pelas intimações, garantem praticamente a obser- vância do princípio do contraditório. Além disso, em um cenário em que os litigantes têm prazos peremptórios para manifestação,prazos esses cuja inobservância pode lhes acarretar a perda de di- reitos, é sobremaneira importante que haja trans- parência e certeza sobre a correta prática dessas comunicações (leia-se: que o destinatário tenha tido ciência de seu conteúdo) e sobre qual é o mo- mento preciso em que os prazos se iniciam. Livro_126.indb 9 23/04/2015 16:28:43 C it aç õ es e i n ti m aç õ es p o r m ei o e le tr ô n ic o n o N o vo C P C . 10 R ev is ta d o A d vo g ad o De um lado, pois, são instrumentos que, bem realizados, contribuem para um processo justo, afastando a iniquidade de julgar-se alguém que não tenha sido adequadamente ouvido. De ou- tro lado, os defeitos desses atos de comunicação têm potencial para gerar nulidades que conta- minam, se não todo o processo, grande extensão de seus atos; assim, até mesmo sob o ângulo da mera eficiência da máquina processual, é impor- tante que citações e intimações não contenham vícios, a fim de se evitar que, com a decretação da nulidade, tenha-se desperdiçado tempo e es- forços das partes e do próprio Poder Judiciário, a provocar outros meses ou anos de retardamento da causa. A Informática muito pode contribuir para o processo, entre outros aspectos, tornando mais ágeis e precisos aqueles atos burocráticos internos ao órgão judicial, evitando que o cansaço gerado pela prática de trabalho humano puramente me- cânico e repetitivo induza o funcionário a erros que provoquem nulidades. Basta lembrar, por exemplo, do tempo em que as intimações a pu- blicar no Diário Oficial (em papel) eram, uma a uma, datilografadas pelo serventuário: quantas in- timações não eram anuladas, em razão dos mais variados desvios formais, especialmente pela in- correção da grafia do nome de partes e advogados. Um sistema automatizado, em que as informa- ções constantes das intimações são retiradas auto- maticamente de uma base de dados digital, reduz enormemente a chance de erros como esses. Mas, claro, a Informática não é uma panaceia. Ela tem um enorme potencial para colaborar com o siste- ma judicial, mas também introduz novos proble- mas e dificuldades. 2 O Novo CPC, a Informática e os atos de comunicação Reconheça-se, inicialmente, que o Novo Código contém muitos progressos no que diz respeito a outros temas processuais. Entretanto, suas disposições sobre o uso das novas tecnolo- gias são quase frustrantes. Pouco se avançou em relação às normas legais já vigentes, sejam as da Lei nº 11.419/2006, sejam as trazidas por reformas recentes ao Código de Processo Civil (CPC) de 1973. Considerando que o Judiciário de todo o país vem promovendo uma rápida migração para o uso de autos digitais, era de se esperar que o Novo CPC dedicasse maior atenção a essas questões. Aparentemente, neste campo, o Novo CPC é mais um produto de uma mesma espécie de sín- drome que tem afetado o legislador atual. Pensa- -se que basta fazer referências, na lei, ao uso de “meios eletrônicos” e tudo, como mágica, estará resolvido por si só. Outras leis recentes de nos- so país já enveredaram nessa mesma trilha,1 e imensas lacunas são deixadas em aberto, talvez esperando que caiba aos técnicos da computação supri-las, e que eles implementem no sistema in- formático aquilo que o legislador não definiu, não regulou, não deu forma nem conteúdo, tampouco definiu requisitos a serem observados, ou por vezes nem sequer indicou quem é o sujeito que reali- zará as tarefas tecnológicas de que fala a lei. É 1. Desde ao menos a Medida Provisória nº 2.200/2001, que ainda vige “provisoriamente” por força da EC nº 32, inúmeras outras leis, a pretexto de modernizar o direito e o processo, adequando-os às novas tecnologias da informação, não mais fizeram do que, de modo simplista, referir-se ao uso de “meios eletrônicos” ou usar expressões semelhantes, pouco ou nada colaborando para dar um regramento jurídico a tal uso, nem apontando soluções para os possíveis proble- mas práticos dele decorrentes. Cite-se, como exemplos dessa síndro- me de simplismo pseudotecnológico, as Leis nº 11.280/2006, que introduziu parágrafo único ao art. 154, permitindo a prática de atos por meio eletrônico, sem quaisquer outras considerações de cunho formal; nº 11.341/2006, que fala em “mídia eletrônica, em que ti- ver sido publicada a decisão divergente” usada para fundamentar recurso especial por dissídio jurisprudencial, sem qualquer menção explícita a quem a publicou eletronicamente, nem como o fez; nº 11.382/2006, sobre emprego de meios eletrônicos nos atos de exe- cução, com textos bastante lacônicos; nº 11.419/2006, que regula o chamado “processo eletrônico” e incluiu no CPC de 1973 diversas referências, pouco explicadas, a meios eletrônicos; ou nº 12.682/2012, sobre arquivamento e cópias de documentos em meios eletromagné- ticos, um texto legal que em sua inteireza beira a inutilidade e que, se não tivesse sido vetado em metade de suas disposições, teria che- gado à monstruosidade. Livro_126.indb 10 23/04/2015 16:28:43 C it aç õ es e i n ti m aç õ es p o r m ei o e le tr ô n ic o n o N o vo C P C . 11 R ev is ta d o A d vo g ad o possível que isso seja fruto de um absoluto desco- nhecimento da tecnologia utilizada, de como ela funciona e, principalmente, de como é operada e de quem a controla. Diga-se, ao menos, que tais problemas, decor- rentes da má compreensão das novas tecnologias, não são exclusivamente nacionais.2 Assim, de um lado, o novo Código corre o ris- co de se tornar precocemente superado, quando, dentro de poucos anos, já não existirem autos em papel. No que toca especificamente aos atos de comunicação, que são objeto destas breves linhas, o uso da forma digital é aplicável a todos os pro- cessos, mesmo os que ainda correm em autos fí- sicos. Era de se esperar, então, que o Novo CPC tivesse dado mais atenção ao tema, o que, infeliz- mente, não ocorreu. 3 Natureza dos atos de comunicação por meio eletrônico Afirmar simplesmente que a citação ou inti- mação poderão ser feitas por “meio eletrônico”, como o fez várias vezes o novo texto legal em co- mento,3 parece ter o mesmo significado de dizer, no cenário anterior, que na sua prática seriam utilizadas “folhas de papel”. Ou seja, não se diz nada de juridicamente relevante, pois não descre- ve o modo como se fará a comunicação por “meio eletrônico”, nem os requisitos a observar. Dúzias de diferentes “meios eletrônicos” podem, em tese, ser empregados para envio de uma comunicação a alguém, com diferentes maneiras de proceder ou variados requisitos de segurança a aplicar, que permitam extrair maior ou menor certeza de que o ato cumpriu sua finalidade. A título de compara- ção, repare-se nas formalidades que a lei determi- na para a prática dos mesmos atos, quando efetiva- dos pela via postal ou por oficial de Justiça, formas essas que o atual legislador não deve ter julgado inúteis, pois as repetiu no novo Código: para a citação postal, estão no art. 248 e seus quatro pa- rágrafos; para a citação por oficial, formalidades são previstas nos arts. 250 e 251.4 É incompreensí- vel que o legislador não tenha o mesmo cuidado quando se trata de atos praticados eletronicamen- te, deixando lacunas que poderão causar grande insegurança jurídica e alimentar novas questões processuais paralelas. Por outro lado, seja lá como esses atos de co- municação serão praticados em forma eletrônica, se por essa forma se quer dizer um envio remoto, a distância, da citação ou intimação, sem qualquer contato direto ou pessoal com o destinatário, isso se trata, essencialmente, de uma forma de comu- nicação presumida.Presumir é admitir a existên- cia de um fato, não por conhecimento direto do próprio fato, mas pelo conhecimento de um outro fato, a partir do qual, mediante um juízo mental (ou por determinação legal), se pode deduzir a existência do primeiro. Neste sentido, as intima- ções feitas mediante publicação no Diário Oficial são essencialmente comunicações presumidas: da correta publicação do ato, forrado de seus requi- sitos legais, presume-se que seu conteúdo tenha chegado ao conhecimento do advogado da causa, supondo a lei, de forma marginal, um dever pro- fissional de ler tais publicações. Assim, via de regra, uma comunicação eletrô- nica é apenas uma forma presumida de dar ciên- Comunicações por meios eletrônicos são intimações presumidas, não importa o que diga a lei. 2. V., a respeito, “The Italian Style of E-Justice in a Comparative Perspective” e “Information and communication technology for justice: the Italian experience”, de Marco Fabri. 3. V. arts. 183, § 1º, 231, inciso V, 246, inciso V, 270, 513, § 2º, inciso III, 535, 876, § 1º, inciso III, todos do Novo CPC. 4. Regras que correspondem às dos arts. 223, 225 e 226 do CPC de 1973. Livro_126.indb 11 23/04/2015 16:28:43 C it aç õ es e i n ti m aç õ es p o r m ei o e le tr ô n ic o n o N o vo C P C . 12 R ev is ta d o A d vo g ad o cia do ato ao destinatário. A partir de registros ele- trônicos gravados pelo sistema, relativos aos passos dados na realização desta comunicação, acredita- -se que o destinatário esteja ciente de seu teor. Evidentemente, dada a relevância dos atos de comunicação, muita cautela há de ser tomada na previsão legal ou realização prática destes atos em suas formas presumidas. Pode-se até afirmar que o excesso na prática de atos de comunicação de forma presumida constitui violação das garan- tias constitucionais do contraditório e do devido processo legal. Afinal, tais garantias determinam um modo de ser do processo e suas formas, limi- tando o poder normativo do legislador. Dissesse a lei que, mediante o envio de sinais de fumaça, o réu estaria citado, por certo ninguém duvidaria da inconstitucionalidade da norma. Uma mera alusão da lei a “meios eletrônicos”, sem quaisquer outras considerações, apesar do ar de modernida- de que aparenta ter, não faz da norma algo muito melhor do que o exemplo anterior. Especialmente porque, a depender dos meios eletrônicos que fo- rem empregados, ou do descuido nas medidas de segurança a tomar, estes podem ser tão incertos e efêmeros quanto a fumaça... De longa data temos sustentado que a melhor maneira de realizar atos de comunicação por meio eletrônico é pela forma editalícia, reproduzindo- -se em arquivos digitais publicamente disponibili- zados a experiência do velho e conhecido Diário Oficial.5 O motivo para isso é que a ampla publi- cidade e acessibilidade do canal de comunicação – levadas ao seu máximo com sua divulgação pela internet – servem para equilibrar a natureza pre- sumida da mensagem, dando maiores possibilida- des de que tenha chegado a seu destino e, espe- cialmente, tornando publicamente demonstráveis suas eventuais falhas. É importante que o modelo eletrônico de comunicação a ser utilizado permi- ta, de modo fácil e rápido, demonstrar a inexistên- cia ou nulidade desses atos, evitando que a parte se coloque diante da kafkiana – e potencialmen- te insuperável – situação de ter que demonstrar que o sistema informático judicial tenha falhado e que aquela suposta comunicação não foi rece- bida. Imagine-se, a cada alegação de não recebi- mento de uma comunicação judicial, ter-se que realizar uma perícia sobre o sistema informático utilizado pelo tribunal (isso, claro, se por absurdo não se criar uma presunção iuris et de iure de que os sistemas informáticos judiciais sejam os únicos no mundo imunes a erros...). Além disso, sob o ângulo econômico, é muitíssimo improvável que se encontre mecanismo tecnológico mais barato e menos sujeito a erros do que a feitura automática de um “jornal” em arquivo digital e sua corres- pondente publicação na internet. Qualquer que seja a forma de citar ou intimar mediante o uso de computadores, tal tarefa pressu- põe a existência de regras prévias para estabelecer que os destinatários mantenham um relaciona- mento constante com o modelo informático a ser utilizado. Obrigar alguém, um qualquer do povo, a utilizar – e saber utilizar corretamente – um sis- tema informático para o fim de receber comuni- cações judiciais, ao que nos parece, no contexto atual, seria uma exigência absurda. Pessoas com diferentes níveis de conhecimento ou familiarida- de com a tecnologia não podem ser compelidas a usar computadores para receber tais atos. Daí, citações e intimações eletrônicas devem ser definidas com muita cautela na lei. Os advoga- dos das partes, em nosso país, já são intimados de forma presumida há cerca de um século por meio do Diário Oficial. Aceita-se com naturalidade, então, a obrigação desta nossa categoria de acom- panhar o jornal diário, que mais recentemente passou a ser publicado em arquivos digitais, em tese, mais fáceis de ler e de encontrar a informação que lhe é dirigida. Exigi-lo, de modo constante e 5. Maiores considerações a respeito foram tecidas no já decenal artigo “Intimações judiciais por meio eletrônico: riscos e alternativas”, também disponível on-line em: <http://augustomarcacini.net/index. php/DireitoInformatica/IntimacoesEletronicas>. Livro_126.indb 12 23/04/2015 16:28:43 C it aç õ es e i n ti m aç õ es p o r m ei o e le tr ô n ic o n o N o vo C P C . 13 R ev is ta d o A d vo g ad o diuturno, de qualquer do povo (alguém que pas- sa a maior parte de seus dias sem receber qual- quer dessas comunicações) parece-nos um grave desrespeito ao seu direito de ser adequadamente informado e uma restrição desnecessária a sua liberdade individual. Disso resulta a dificuldade que temos em aceitar a constitucionalidade de ci- tações por meio eletrônico, exceto em situações peculiares, em que tal meio pode até mesmo ser mais seguro ao destinatário do que a citação pessoal. 4 Citações e intimações eletrônicas no Novo CPC Como já mencionado, o novo texto legal ape- nas faz referências ao uso de meios eletrônicos na citação e intimação, sem descrever sua forma, nem seus requisitos mínimos de segurança, que permitam concluir que o ato atingiu sua finalida- de. No máximo, remete para a “forma da lei”. O problema é que a única lei em vigor sobre o tema, que traz um mero arremedo de previsão sobre a “forma” desses atos, é a Lei nº 11.419/2006, em seus arts. 4º a 7º. O art. 6º autoriza a citação por meio eletrônico segundo a “forma” do art. 5º, que descreve um meio confuso, falível e especial- mente muito pouco transparente de se realizarem intimações. Aquela lei jamais esclareceu como adaptar tal proceder às citações que, como dito acima, exigiriam uma prévia inserção do destina- tário do ato – ou seja, a própria parte – no ambiente informático utilizado. O Novo CPC, correndo o risco de inundar o Judiciário com novas questões formais, parece desejar levar adiante essa tentativa de amplamente realizar citações por meio eletrônico. É o que se lê nos parágrafos do art. 246: “§ 1º - Com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas ficam obrigadas a manter cadastro jun- to aos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intima- ções, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio. § 2º - O disposto no § 1º aplica-se à União, aos Estados,ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração indireta”. Essa má ideia de se fazer esse “cadastro” (algo também muito pouco regrado na lei), e para esse fim, é objeto de nossas críticas desde o trâmite do projeto que resultou na Lei nº 11.419/2006.6 Man- ter íntegro e atualizado um cadastro populacional dessas dimensões é tarefa cujas dificuldades ainda não foram experimentadas pelo Poder Judiciário, e soa um tanto quanto arriscada a pretensão do legislador de se realizar essa experiência na prá- tica de atos processuais tão importantes como as citações. Por outro lado, não está claro na lei qual será a consequência de não se cadastrar. O novo texto também andou mal ao definir por exclusão os sujeitos obrigados a tal cadastro. Ao invés de dizer diretamente quem teria obri- gação de se cadastrar, o § 1º, usando categorias emprestadas do Direito Empresarial, excepciona quem não está obrigado. Se, amanhã, a lei socie- tária criar novas modalidades de pequenas pessoas jurídicas (que, por certo, não deveriam igualmente ser obrigadas ao cadastro), ou transformar estas que são referidas no parágrafo, isso poderá trazer novos problemas práticos. Mesmo a obrigação de se cadastrar imposta a todas as empresas de maior porte soa um enorme despropósito. A experiência sugere que há muitas empresas médias no país que apenas eventual- Exigir da parte acesso a um sistema informático que nada lhe transmitirá é uma restrição de sua liberdade individual. 6. V. nota nº 5. Livro_126.indb 13 23/04/2015 16:28:44 C it aç õ es e i n ti m aç õ es p o r m ei o e le tr ô n ic o n o N o vo C P C . 14 R ev is ta d o A d vo g ad o mente tiveram problemas judiciais ao longo de toda a sua existência. Obrigar uma empresa des- sas, que foi a juízo umas poucas vezes em déca- das, a acompanhar diária ou semanalmente um “meio eletrônico” qualquer, a fim de verificar se está sendo citada, é uma imposição desmedida, que atinge sua liberdade desnecessariamente, e haverá de agregar custos desproporcionais aos que diligentemente tentarem se manter atentos à re- gra; ou servirá para surpreender os mais incautos com uma repentina e despercebida citação, após meses ou anos em que nada lhes foi comunicado pelo sistema. Além disso, a forma como tais citações serão realizadas aos sujeitos assim cadastrados é uma absoluta incógnita. Embora a nova lei tenha in- cluído a obrigatoriedade de informar no processo o endereço de e-mail das partes,7 e usá-lo para in- timar tenha sido ventilado durante o trâmite do projeto, felizmente não restou no texto aprovado nenhuma referência ao envio de intimações ou citações por correio eletrônico. Agiu bem o legis- lador em retirar tais referências do texto final, eis que o e-mail não é uma via confiável para a práti- ca de comunicações formais e sensíveis como es- sas. A exigência de informar o endereço eletrônico deve ser vista, assim, como uma forma de permitir um canal auxiliar de comunicação com a parte (por exemplo, para avisá-la automaticamente da redesignação de uma audiência ou passar-lhe da- dos da causa); ademais, ninguém pode ser obri- gado a ter um endereço eletrônico ou a utilizá-lo com frequência. 5 Considerações finais As disposições sobre atos de comunicação por meio eletrônico mereceriam maior análise, tanto por parte da comunidade jurídica como por parte do legislador, sendo aqui sugerido que os artigos correlatos, constantes do Novo CPC, sejam objeto de uma revisão. Em primeiro lugar, no que toca às intimações, depois que praticamente todo o Poder Judiciário nacional adotou com sucesso o Diário Eletrônico da Justiça, meio fácil, rápido, barato e pouco sus- cetível a erros, não há por que se pensar em criar na lei outra maneira de praticar tais atos. Evidente- mente, tais intimações eletrônicas só são admissí- veis para os casos em que a parte deva ser intimada na pessoa de seu advogado, o que ocorre quando os atos a realizar após a intimação tenham a na- tureza de atos de postulação (DINAMARCO, 2001, p. 431). Para as situações em que se exige intimação pessoal da própria parte, para a prática de atos personalíssimos, sua forma, a princípio, não pode ser eletrônica (e, não importa o que diga a lei, uma intimação eletrônica não pode ser considerada “intimação pessoal”), excetuadas as situações que sugerimos a seguir. Se é intenção do legislador agilizar o proces- so simplificando a citação, melhor seria citar de forma editalícia, pelo Diário Eletrônico, somente os grandes litigantes; isto é, aqueles que, pelo vo- lume de processos que mantêm em juízo, já têm o ônus de regularmente acompanhar o diário ele- trônico, e certamente o fazem. É muito mais razoá- vel definir que apenas a pessoa jurídica que tenha, digamos, uns 20 ou 30 processos em andamento em uma mesma Justiça Estadual ou Seção Ju- diciária passe a receber citações pelo próprio DJe (sendo desnecessário qualquer cadastro!) do que obrigar dezenas ou centenas de milhares de em- presas a manterem um cadastro atualizado junto ao Poder Judiciário, tudo isso para serem citadas de um modo mal explicado na lei. Sem contar, in- sista-se, com as dificuldades e custos que o Poder Judiciário haverá de ter com o desenvolvimento de sistemas para a criação do próprio cadastro, e a manutenção de ambos ao longo do tempo. Na medida em que o Poder Judiciário está se informatizando, um sistema bem desenvolvido 7. V. art. 319, inciso II. Livro_126.indb 14 23/04/2015 16:28:44 C it aç õ es e i n ti m aç õ es p o r m ei o e le tr ô n ic o n o N o vo C P C . 15 R ev is ta d o A d vo g ad o Bibliografia DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. III. São Paulo: Malheiros, 2001. FABRI, Marco. Information and communication technology for justice: the Italian experience. In: OSKAMP, Anja; LODDER, Arno; APISTOLA, Martin (Org.). IT Support of the Judiciary. The Hague: Asser Press, 2004. p. 111-133. ______. The Italian Style of E-Justice in a Comparative Perspective. In: MARTINEZ, Agustí Cerrillo i; ABAT, Pere Fabra i (Org.). E-Justice – Using Information Communication Technologies in the Court System. Hershey: Information Science Reference, 2009. p. 1-19. MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Intimações judiciais por meio eletrônico: riscos e alternativas. Direito em bits. São Paulo: Fiuza, 2004. p. 35-61. não teria dificuldades em constatar, até mesmo em tempo real, quem são os grandes litigantes que superem o mínimo definido pela lei e – seria prudente fazê-lo – automaticamente cientificá-los de que suas futuras citações e intimações pessoais serão substituídas, a partir daí, por publicações no DJe. De certo modo, até para o destinatário des- ses atos, uma vez ciente de que passará a ser assim citado e intimado, haverá de ser mais simples e seguro acompanhar o jornal eletrônico do que as demais formas de comunicação que são esboçadas no Novo CPC e na Lei nº 11.419/2006. Livro_126.indb 15 23/04/2015 16:28:44 16 R ev is ta d o A d vo g ad o Bruno Freire e Silva Advogado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Professor adjunto de Teoria Geral do Processo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor titular do Programa de Mestrado da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo, do Instituto dos Advogados de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Oart. 3º do Novo Códigode Processo Civil e o processo do trabalho. Os meios alternativos de solução de conflitos se aplicam nessa seara processual? Sumário 1. Introdução 2. A aplicação do Novo Código de Processo Civil ao processo do trabalho 3. O art. 3º do Novo Código de Processo Civil e sua repercussão no processo do trabalho 3.1. Arbitragem 3.2. Conciliação 3.3. Mediação 4. Conclusão Bibliografia 1 Introdução O art. 3º do Novo Código de Processo Civil (CPC) trata do acesso à Justiça e das formas de resolução dos conflitos, permitindo a utilização da arbitragem (na forma da lei), conciliação, me- diação e outros métodos de solução consensual de conflitos, que deverão ser estimulados pelos juí- zes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público. Neste breve e despretensioso trabalho, procura- mos realizar a leitura desse dispositivo sob a ótica do processo do trabalho, tendo em vista a aplicação subsidiária do Novo CPC nessa seara processual, Livro_126.indb 16 23/04/2015 16:28:44 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 17 R ev is ta d o A d vo g ad o conforme expressa previsão do art. 769 da Con- solidação das Leis do Trabalho (CLT) e art. 15 do próprio CPC. 2 A aplicação do Novo Código de Processo Civil ao processo do trabalho O art. 15 do Novo CPC dispõe que “na ausência de normas que regulem proces- sos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. O dispositivo enuncia norma já vigente no or- denamento brasileiro, segundo a qual o processo comum é fonte subsidiária dos processos espe- ciais, como o processo do trabalho, objeto deste breve estudo. O Título X da CLT trata “Do Processo Judi- ciário do Trabalho”. Em suas disposições preli- minares, determina o art. 763 que “o processo da Justiça do Trabalho, no que concerne aos dissídios individuais e coletivos e à aplicação de penalidade, reger-se-á, em todo o ter- ritório nacional, pelas normas estabelecidas neste Título”. Ocorre que a CLT é omissa em muitos aspec- tos processuais e, assim, aplica-se a lei processual comum subsidiariamente. Há, inclusive, previsão expressa de aplicação subsidiária do CPC nas hipó- teses de omissão da lei trabalhista, como preveem os arts. 769 e 889 da CLT.1 A aplicação subsidiária da legislação processual civil ao processo do trabalho é, inclusive, objeto de algumas súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a exemplo do Enunciado nº 435: “ART. 557 DO CPC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁ- RIA AO PROCESSO DO TRABALHO. Aplica-se subsidiariamente ao processo do trabalho o art. 557 do Código de Processo Civil”. Diante dessa grande lacuna legislativa proces- sual trabalhista, alguns estudiosos chegaram até a negar a existência de uma autonomia do Direito Processual do Trabalho. Octávio Bueno Magano (1990, p. 78-9) já afirmou que: “A pertinência do processo à atividade jurisdi- cional, e a sua não pertinência ao direito material, mostra ser impossível sustentar-se a autonomia de um processo trabalhista pela simples circunstância de se estatuírem procedimentos especiais para a composição de lides do trabalho. Quanto aos prin- cípios que estadeariam o seu particularismo, é pre- ciso ter presente, em primeiro lugar, que surgiram quase todos a modo de contraponto aos princípios e peculiaridades do processo comum, quando este possuía feições marcadamente individualistas, o que não mais ocorre nos dias atuais. A conclusão no sentido de não passar o processo de um ramo ou divisão do direito processual civil, desprovido de autonomia, além de lastreada no magistério de re- nomados juristas, constitui, no Brasil, consectário da regra inserta no art. 8º, XVII, b, da Constituição vigente (art. 22, I, CF/1988), que se refere a um único Direito Processual”. A despeito da existência ou não da referida au- tonomia, enquanto inúmeros projetos de reforma que poderiam ter o condão de reduzir essas lacu- nas não se concretizam, é necessária uma inces- sante complementação das regras do processo do trabalho com os institutos do processo comum. 1. Art. 769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”. Art. 889 da CLT: “Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal”. É necessária uma incessante complementação das regras do processo do trabalho com os institutos do processo comum. Livro_126.indb 17 23/04/2015 16:28:44 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 18 R ev is ta d o A d vo g ad o É digno de registro que há duas formas de apli- cação subsidiária do processo comum ao proces- so do trabalho: 1º) Supletividade expressa – indica pontualmente os dispositivos do processo comum a serem aplicados no processo do trabalho. 2º) Suple- tividade aberta – dispõe genericamente que as normas do processo comum são subsidiárias do processo do trabalho. Na CLT encontramos dispositivos que indicam pontualmente os artigos do CPC a serem aplicados no processo do trabalho, como o 836, que dispõe sobre a utilização da ação rescisória,2 e o 882, que estabelece a observância da ordem de gradação le- gal prevista no art. 655 do CPC,3 os quais deverão ser atualizados diante do Novo CPC. Além dessa previsão de supletividade expressa, com indicação pontual dos dispositivos do CPC a serem aplicados no processo do trabalho, não se pode olvidar a previsão de supletividade aberta, através da previsão genérica de aplicação subsidiá- ria do CPC no já citado art. 769 da CLT, in verbis: “Nos casos omissos, o direito processual co- mum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompa- tível com as normas desse Título”. Podemos concluir, pois, que o sistema adotado pelo legislador brasileiro de aplicação do processo comum ao processo do trabalho é misto ou eclé- tico, isto é, utiliza tanto os subsídios da supletivi- dade expressa como aberta. Assim, o Direito Processual Civil é fonte sub- sidiária do Direito Processual do Trabalho, além daquelas situações expressamente previstas pelo legislador, nas hipóteses de omissão desta e com- patibilidade daquela, de acordo com os termos já transcritos do art. 769 da CLT. Na verdade, de acordo com a leitura do referi- do dispositivo, podemos extrair os seguintes requi- sitos para aplicação subsidiária do CPC na suple- tividade aberta: I) a matéria não esteja regulada de outro modo na CLT (omissão na lei trabalhista); II) não viole os princípios do processo do trabalho; III) adapte-se às peculiaridades do procedimento da reclamação trabalhista. Esse autêntico exercício de heterointegração do direito, de supletividade do processo comum ao sistema processual trabalhista, não é exclusivi- dade do ordenamento jurídico brasileiro. Em Portugal, o Decreto-Lei nº 480/1999, que consiste no Código de Processo do Trabalho, es- tabelece em seu art. 1º que “nos casos omissos, recorre-se sucessivamente à legislação processual comum” (NETO, 2002, p. 22). Na Argentina, o art. 155 da Lei nº 18.345/1969, consistente na Organización y Procedimiento Laboral, adota dois critérios para a matéria: a) o da supletividadeexpressa, que indica pontual- mente os dispositivos do Código Procesal Civil y Comercial de la Nación que são aplicáveis ao pro- cesso; e b) o de supletividade aberta, que é seme- lhante à regra brasileira: “Las demás disposiciones del Código Procesal Civil y Comercial de la Nación serán supletorias en la medida que resulten com- patibles con el procedimiento reglado en esta ley” (PIROLO, 2006, p. 424-5). Em síntese, portanto, diante da norma do art. 769 da CLT e, agora, do art. 15 do novo Códi- go, tem-se fortalecida a aplicação subsidiária do processo civil ao processo do trabalho, o que ex- plica a relevância da análise dos novos institutos processuais numa leitura voltada para os operado- res do Direito do Trabalho. Devido às limitações do presente trabalho, restringimos nossa análise ao art. 3º do novo diploma, que positiva formas alternativas de solução de conflitos. Vejamos sua aplicação ao processo do trabalho. 2. Art. 836: “É vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas, excetuados os casos expressamente previs- tos neste Título e a ação rescisória, que será admitida na forma do disposto no Capítulo IV do Título IX da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, dispensando o depósito referido nos arts. 488, inc. II, e 494 daquele diploma legal”. 3. Art. 882: “O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no art. 655 do Código de Processo Civil”. Livro_126.indb 18 23/04/2015 16:28:44 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 19 R ev is ta d o A d vo g ad o 3 O art. 3º do Novo Código de Processo Civil e sua repercussão no processo do trabalho O art. 3º do Novo CPC estabelece que: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º - É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º - O Estado promoverá, sempre que possí- vel, a solução consensual dos conflitos. § 3º - A conciliação, a mediação e outros mé- todos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclu- sive no curso do processo judicial”. O art. 3º do Novo CPC consiste na positivação, no Novo CPC, do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, consignado no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal (CF): “a lei não ex- cluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se de consequência do que a doutrina chama de constitucionalização do processo. O acesso à Justiça pode ser considerado como a mais importante das garantias processuais constitu- cionais. Conforme aponta Leonardo Greco (2005, p. 225-6), “todas as pessoas naturais e jurídicas, indepen- dentemente de qualquer condição, têm o direito de dirigir-se ao Poder Judiciário e deste receber respos- ta sobre qualquer pretensão. Este é um direito que todos devem ter a possibilidade concreta de exer- cer, para a tutela de qualquer direito ou posição de vantagem, inclusive os de natureza coletiva ou difusa, tanto nas relações entre particulares como naquelas entre particular e o Estado, pois sem ela perdem os cidadãos a possibilidade de viverem em sociedade sob o império da lei”. Ao lado da resolução de conflitos pela jurisdição estatal, o novo Código amplia o âmbito do acesso à Justiça, consagrando expressamente no texto legal meios alternativos de resolução de conflitos. O § 1º trata da arbitragem, e os §§ 2º e 3º dispõem sobre a solução consensual, notadamente através da me- diação e da conciliação. Os conceitos podem gerar certa confusão. Por meio de uma negociação, as partes envolvidas num litígio buscam diretamente e sem interve- niência de uma terceira pessoa chegar a uma solu- ção consensual. Frustrada essa tentativa, pode-se passar à mediação, por meio da qual se insere a figura de um terceiro, que irá atuar junto às partes litigantes para conseguir obter a pacificação do conflito. Fala-se em modalidade passiva quando o mediador apenas escuta as versões, tenta apazi- guar as partes, mas não introduz o seu ponto de vista. E, modalidade ativa, quando o mediador interage com as partes e apresenta propostas para solução do conflito. No Direito brasileiro esse úl- timo modelo recebe o nome de conciliação e está ligado ao Poder Judiciário. E, por fim, na arbitra- gem, um terceiro, que não pertence ao Poder Ju- diciário, na hipótese de as partes não conciliarem, profere uma decisão para solução da controvérsia, que deverá ser respeitada pelas partes. A doutrina fala de meios de autocomposição e heterocomposição de solução dos conflitos. Con- forme esclarece Ana Paula Pellegrina Lockmann (2014, p. 127-128), “a autocomposição é a forma direta de solução do conflito, na qual os litigantes, em consenso e sem o emprego da força, fazem concessões recípro- cas mediante ajustes de vontade, chegando à so- lução pacífica da controvérsia. Pode se dar à mar- gem do processo (extraprocessual) ou no bojo do próprio processo (intraprocessual). São exemplos Ao lado da resolução de conflitos pela jurisdição estatal, o novo Código amplia o âmbito do acesso à Justiça. Livro_126.indb 19 23/04/2015 16:28:44 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 20 R ev is ta d o A d vo g ad o de autocomposição trabalhista a convenção coleti- va de trabalho e o acordo coletivo de trabalho (art. 611 e seguintes da CLT), a mediação e a concilia- ção, inclusive a celebrada no âmbito da Comissão de Conciliação Prévia – CCP (art. 625-E da CLT). Na heterocomposição, o conflito é solucionado por um terceiro, que decide a lide com força obrigató- ria sobre os litigantes. Observe que, enquanto na autocomposição o resultado é obtido diretamente pelas próprias partes (ainda que haja a participa- ção de um mediador ou conciliador como facilita- dores), na heterocomposição os litigantes (ou um deles, no caso de ação judicial) submetem a lide a um terceiro em busca de uma solução por ele a ser firmada. Podemos citar a jurisdição e a arbitragem como exemplos de heterocomposição”. Acerca desta tendência do Direito Processual de busca de alternativas para solução dos conflitos, agora adotada no Novo CPC, Cintra, Grinover e Dinamarco (2012, p. 44) lecionam que “alarga-se o conceito de acesso à justiça, compreendendo os meios alternativos, que se inserem em um amplo quadro de política judicial”. Vejamos cada um deles e sua aplicação ao processo do trabalho. 3.1. Arbitragem A arbitragem pode ser definida como “um meio essencialmente privado e efetivo, escolhido pelas partes com o objetivo de obter um provimento resolutivo final e vinculante para uma dada disputa, sem a necessidade de se recorrer à Corte Estatal” (REDFERN; HUNTER, 2009, p. 2). No Brasil a arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307/1996, e, diante de anterior polêmica quanto à natureza do instituto, o Fórum Perma- nente de Processualistas Civis editou enunciados que apontam para o seu caráter jurisdicional,4 diante da desnecessidade de posterior validação da decisão arbitral ou homologação estatal. Não obstante a opção legislativa do Novo CPC, que consolida no processo comum a arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos, o tema ainda gera bastante polêmica no processo do trabalho. A jurisprudência trabalhistamajoritária, na verdade quase unânime, não admite a arbitragem como solução alternativa para solução de lides na seara das relações trabalhistas.5 Luciano Athayde Chaves (2012, p. 147) ressal- va que “é de se considerar que a legislação traba- lhista tem viés protetor em relação ao trabalhador, em razão de suas vulnerabilidades (técnica, eco- nômica e social), o que implica a necessária inter- venção do Estado ou de entidade delegada para a realização de atos relacionados com o contrato de trabalho”. E, assim, conclui: “Parece-me, contudo, que a vedação à arbi- tragem – salvo situações excepcionais, em que ausentes as vulnerabilidades que, de ordinário, to- cam ao sujeito ativo do contrato de trabalho, com ou sem subordinação – é medida que melhor se ajusta ao nosso sistema social e jurídico” (CHA- VES, 2012, p. 149). Na verdade, quanto a esse tema, é necessário perquirir se o crédito trabalhista é passível de ser objeto de transação ou não. A mera alegação de que se trata de direito indisponível não nos parece a melhor solução. A questão merece maior reflexão, uma vez que, após a extinção da relação de trabalho, desde que haja controvérsia quanto às parcelas objeto do lití- gio, não vislumbramos impedimento para utiliza- ção de tal forma de solução de conflitos judiciais, 4. “1. Art. 3º; Art. 42. O árbitro é dotado de jurisdição para processar e julgar a controvérsia a ele apresentada, na forma da lei. (Grupo: Arbitragem – Enunciado aprovado por aclamação)”. “3. Art. 16; Art. 42; Art. 69, § 2º. O árbitro é juiz de fato e de direito e como tal exerce jurisdição sempre que investido nessa condição, nos termos da lei. (Grupo: Arbitragem – Enunciado aprovado por aclamação)”. 5. “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ARBITRAGEM. DIREITO INDIVI- DUAL. IMPOSSIBILIDADE. Tendo em vista o caráter de indisponibi- lidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, é vedada a arbitra- gem nas relações individuais de trabalho. Inteligência do art. 1º da Lei n. 9.307/96. Precedentes do C. TST. Recurso ordinário a que se nega provimento” (TRT-2ª Região, Proc. RO nº 00712001120095020442, Rel. Juiz Edilson Soares de Lima, 23/9/2011). Livro_126.indb 20 23/04/2015 16:28:44 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 21 R ev is ta d o A d vo g ad o especialmente naquelas situações em que inexiste a hipossuficiência econômica. Nesse sentido é digno de registro que a arbitra- gem é plenamente aceita e aplicada nos dissídios coletivos, conforme previsão do art. 114, §§ 1º e 2º, da CF. Nesse caso, não há que se falar em hipos- suficiência econômica em razão da participação dos sindicatos, conforme entendimento da juris- prudência laboral.6 Não são todos os direitos trabalhistas que são irrenunciáveis. Há alguns que podem ser objeto de transação, como redução de jornada de trabalho e consequente redução salarial. O art. 7º, inciso VI, da CF é claro no sentido de que “são direitos dos trabalhadores urbanos e ru- rais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Ora, conforme o texto expresso da CF, desde que disposto em convenção ou acordo coletivo, é possí- vel a redução salarial. Tal disposto visa resguardar o trabalhador para os momentos de crise financeira. Pergunta-se: é melhor perder o emprego num mo- mento de crise econômica ou ter o salário reduzido? Nesse contexto ganha espaço a corrente de fle- xibilização das normas trabalhistas, que deixam de ser intocáveis, para se adaptarem a novas reali- dades econômicas. Flexibilizar significa adaptar, tornar flexível. Permite-se, pois, a atenuação das formas rígidas do Direito do Trabalho em deter- minadas situações econômicas, em oposição a um Direito inflexível e engessado. Conforme ressaltam Fabíola Marques e Cláudia José Abud (2007, p. 13), “não equivale à desregulamentação, ou seja, à eliminação de normas do ordenamento jurídi- co estatal, mas sim à promoção do ajustamento da legislação trabalhista, contratual, à realidade sem atingir seus fundamentos dogmáticos nem modificar sua estrutura normativa. Em outras pa- lavras, significa a busca de novo paradigma para o contrato individual de trabalho, sem abandonar o protecionismo clássico da legislação trabalhista cogente”. É conhecido no meio jurídico o caso da Volkswagen, que, em vez de realizar uma dispen- sa em massa, optou por, com a intervenção do sindicato, reduzir a carga horária e consequente salário de seus operários, para que fosse respeitada a garantia do emprego e um de seus principais corolários, a dignidade da pessoa humana. A flexi- bilização, pois, é um válido caminho a seguir. É lógico que existem inúmeras vozes desfavo- ráveis a ela. Algumas mais radicais, conforme o autor Luiz Souto Maior (2009, p. 27): “É totalmen- te equivocado considerar que os acordos e conven- ções coletivas de trabalho possam sem qualquer avaliação de conteúdo reduzir direitos trabalhistas legalmente previstos, simplesmente porque a cons- tituição previu o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI do art. 7º), redução de salário (inciso VI, art. 7º) e a modificação dos parâmetros da jornada redu- zida para o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (inciso XIV, art. 7º)”, e outras mais moderadas, como a do ministro do TST Maurício Godinho Delgado (2002, p. 212), que defende: 6. “RECURSO DE REVISTA. ARBITRAGEM. DISSÍDIOS INDI- VIDUAIS TRABALHISTAS. INCOMPATIBILIDADE. Nos dissí- dios coletivos, os sindicatos representativos de determinada classe de trabalhadores buscam a tutela de interesses gerais e abstratos de uma categoria profissional, como melhores condições de trabalho e remu- neração. Os direitos discutidos são, na maior parte das vezes, disponí- veis e passíveis de negociação, a exemplo da redução ou não da jorna- da de trabalho e de salário. Nessa hipótese, como defende a grande maioria dos doutrinadores, a arbitragem é viável, pois empregados e empregadores têm respaldo igualitário de seus sindicatos. [...] Recurso de revista conhecido e provido” (RR nº 13100-51.2005.5.20.0006, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 14/10/2011). Não são todos os direitos trabalhistas que são irrenunciáveis. Livro_126.indb 21 23/04/2015 16:28:44 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 22 R ev is ta d o A d vo g ad o “Entendo que existem direitos de indisponibilida- de absoluta e direitos de indisponibilidade (ou dis- ponibilidade) relativa”. De toda sorte, repetimos, trata-se de um válido caminho a seguir.7 Nesse diapasão é a jurisprudência do TST, que admite a flexibilização, mas excepciona alguns direitos, como aqueles relativos a segurança e medi- cina do trabalho: “INTERVALO INTRAJORNADA. REDU- ÇÃO. PREVISÃO DA HORA CORRIDA EM ACORDOS COLETIVOS. A Constituição Fe- deral de 1988 conferiu maiores poderes aos sin- dicatos, de modo que essas entidades podem, no interesse de seus associados e mediante negociação coletiva, restringir certos direitos assegurados aos trabalhadores a fim de obter vantagens não pre- vistas em lei. Não obstante, tal flexibilização não autoriza a negociação coletiva que atente contra as normas referentes à segurança e saúde no trabalho. De fato, o estabelecimento do intervalo mínimo de uma hora para refeição e descanso dentro da jorna- da de trabalho é fruto da observação e análise de comportamento humano, e das reações de seu or- ganismo quandoexposto a várias horas de trabalho. Doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido da necessidade desse intervalo mínimo para que o tra- balhador possa não apenas ingerir alimento, mas também digeri-lo de forma adequada, a fim de evi- tar o estresse dos órgãos que compõem o sistema digestivo, e possibilitar maior aproveitamento dos nutrientes pelo organismo, diminuindo também a fadiga decorrente de horas de trabalho. Se de um lado a Constituição prevê o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º, XXVI da Constituição Federal), de outro estabele- ce ser a saúde um direito social a ser resguardado (art. 6º da Carta Política). Recurso de Revista não reconhecido” (TST, RR nº 619.959.99.7, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito, publ. 14/3/2003). Diante de tal contexto e do Novo CPC, que ratifica a arbitragem como meio alternativo de resolução de conflitos e de acesso à Justiça no art. 3º ora examinado, resta consignada a nossa refle- xão para que os operadores do Direito Processual do trabalho reflitam e repensem sobre a aplicação do instituto no processo do trabalho, como já o fez o atual presidente do TST, Antonio José de Barros Levenhagem, em julgamento de um recurso de revista: “Desse modo, não se depara, previamente, com nenhum óbice intransponível para que ex-empre- gado e ex-empregador possam eleger a via arbitral para solucionar conflitos trabalhistas, provenientes do extinto contrato de trabalho, desde que essa opção seja manifestada em clima de ampla liber- dade, reservado o acesso ao judiciário para dirimir possível controvérsia sobre a higidez da manifesta- ção volitiva do ex-trabalhador, na esteira do art. 5º, inc. XXXV, da Constituição” (TST, 4ª T., RR nº 144300-80.2005.5.02.0040, j. 15/12/2010). 7. É a jurisprudência dos tribunais pátrios: “PRINCÍPIO DA ADE- QUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS DE INDISPONIBILIDADE RELATIVA. O princípio da adequação setorial negociada, que retrata o alcance da contra- posição das normas coletivamente negociadas àquelas de cunho imperativo, emanadas do Estado, viabiliza que as normas autôno- mas construídas para incidirem no âmbito de certa comunidade econômico-profissional possam prevalecer sobre aquelas de origem heterônoma, desde que transacionem parcelas de indisponibilidade apenas relativa, como, e.g, as concernentes à manutenção da hora noturna em sessenta minutos, vez que não caracteriza alteração em patamar prejudicial à saúde do trabalhador e desde que não traduza simples renúncia, mas transação de direitos” (TRT-MG, 01512.2001.018.03.00.4, Rel. Designado Juiz Júlio Bernardo do Campo, publ. 7/6/2002). “ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ÍNDICE INFERIOR AO LEGAL. PACTUAÇÃO EM INSTRUMENTO NORMATI- VO. VALIDADE. A Constituição Federal de 1988 trouxe à ordem jurídica trabalhista brasileira maior possibilidade de flexibilização, permitindo, inclusive, a redução salarial, desde que por intermédio da negociação coletiva, como dispõe expressamente o artigo 7º, em seu inciso VI. O artigo 195, § 1º, da CLT, por sua vez, já permitia ao sindicato intentar reclamatória visando à apuração da condição perigosa ou insalubre em ambiente de trabalho. A conjunção dos dispositivos legais em tela e a natureza salarial do adicional de pe- riculosidade revelam a possibilidade de a empresa e o sindicato dos trabalhadores pactuarem o pagamento do referido adicional de for- ma parcial, considerando os parâmetros estabelecidos na transação havida. Válidos, portanto, os termos do acordo firmado em dissídio coletivo, onde restou estipulado que o percentual a ser aplicado seria 22,5%” (TRT-SP, 02531-2003-2010-02-00-4, Rel. Designada Juíza Mércia Tomazinho, publ. 14/10/2008). Livro_126.indb 22 23/04/2015 16:28:44 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 23 R ev is ta d o A d vo g ad o 3.2. Conciliação Paralelamente à arbitragem, o dispositivo legal examinado também concretiza outras im- portantes inovações no que tange a métodos de resolução de conflitos, como a conciliação e a me- diação. Tais institutos figuram não apenas como normas fundamentais do processo, mas estão pre- vistos de forma esparsa em todo o Código, tanto no que se refere aos deveres do juiz, das partes e dos demais sujeitos do processo como na criação de centros judiciários de mediação e conciliação (arts. 165 e ss.). É necessário distingui-los. Conforme esclarece Humberto Dalla Pinho (2013, p. 920), “a distinção entre mediação e conciliação é tarefa um tanto árdua. Podemos, então, estabe- lecer três critérios fundamentais: quanto à fina- lidade, a mediação visa resolver, da forma mais abrangente possível, o conflito entre os envolvi- dos. Já a conciliação contenta-se em resolver o litígio conforme as posições apresentadas pelos envolvidos. Quanto ao método, o conciliador as- sume posição mais participativa, podendo sugerir às partes os termos em que o acordo poderia ser realizado, dialogando abertamente a esse respei- to, ao passo que o mediador deve abster-se de to- mar qualquer iniciativa de proposição, cabendo a ele apenas assistir as partes e facilitar sua comuni- cação, para favorecer a obtenção de um acordo de recíproca satisfação. Por fim, quanto aos vínculos, a conciliação é uma atividade inerente ao Poder Judiciário, podendo ser realizada por juiz togado, por juiz leigo ou por alguém que exerça a função específica de conciliador”. Falamos em concretização dessa tendência de busca de meios alternativos de resolução de conflitos, pois o art. 331 do vigente CPC já havia tornado obrigatória a tentativa judicial de con- ciliação. E o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 125, determinou que cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesse não somente nos processos judiciais, mas mediante outros meca- nismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação. É digno de registro que a conciliação é um dos princípios norteadores do processo do tra- balho. O juiz do trabalho é obrigado a tentar a conciliação na abertura da audiência e antes de proferir a sentença, e a decisão que a homologa é irrecorrível, salvo para a Previdência Social quan- to às contribuições que lhe são devidas, como se observa respectivamente dos arts. 846, 850 e 831, parágrafo único, da CLT.8 No dissídio coletivo, a conciliação também é obrigatória, como se pode constatar do art. 764 da CLT: “os dissídios individuais ou coletivos sub- metidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação”. Nesse diapasão, podemos concluir que o Novo CPC, ao dispor sobre a conciliação no seu art. 3º, como meio alternativo de resolução de conflitos, está em total consonância com o processo do tra- balho, que já prioriza essa forma de solução dos litígios, com sucesso, há bastante tempo. Quanto à mediação, não podemos dizer o mesmo, pois, assim como a arbitragem, sofre muito preconceito pela grande maioria dos operadores do processo do trabalho e é rechaçada pela ma- gistratura trabalhista para solução de conflitos individuais. 3.3. Mediação Na seara dos conflitos coletivos do trabalho, a mediação já é admitida de forma pacífica, por 8. Art. 846 da CLT: “Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação”. Art. 850 da CLT: “Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente a 10 minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, seráproferida a decisão”. Art. 831, parágrafo único, da CLT: “No caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previ- dência Social quanto às contribuições que lhe forem devidas”. Livro_126.indb 23 23/04/2015 16:28:44 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 24 R ev is ta d o A d vo g ad o meio de sucessivas regulamentações legais. Em 28 de julho de 1995, foi publicado o Decreto nº 1.572, que regulamentou a mediação nas nego- ciações coletivas, atribuindo ao Ministério do Trabalho e Emprego o exercício da atividade. Os principais critérios para participação do mediador na negociação de conflitos coletivos foram esta- belecidos pela Portaria nº 817, de 20 de agosto de 1995. E o Decreto nº 5.063, de 3 de maio de 2004, definiu como competência da Secretaria de Rela- ções do Trabalho a promoção do planejamento, coordenação, orientação e promoção da prática de negociação coletiva, mediante arbitragem e mediação. Ocorre que, na seara dos conflitos individuais, ainda há bastante preconceito, especialmente no seio da magistratura trabalhista. Exemplo deste consiste na intervenção da Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) no Pro- jeto de Lei (PL) nº 7.169/2014 (Nova Lei de Me- diação Brasileira), que teve o condão de extrair o termo “trabalhista” do art. 41 da lei, por meio da incorporação da Emenda nº 5/2014, de autoria do deputado Alessandro Molon, que atendeu o argu- mento de que “a aplicação da mediação no âmbi- to das relações de trabalho é medida que afronta a essência própria do Direito do Trabalho [...]”.9 O deputado Alessandro Molon apresentou ainda, recentemente, propostas de emendas adi- tivas ao substitutivo do PL nº 7.169 (ESB nº 8 e nº 9), com o objetivo de excluir qualquer possi- bilidade de realização de mediação privada ou obrigatória quando envolver direito individual do trabalho, especialmente durante a vigência do contrato de trabalho, restringindo-a a procedi- mentos que versarem sobre interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, mediados por órgãos do Ministério Público do Trabalho ou Ministério do Trabalho, ou negociações coletivas por meio dos sindicatos. Como sempre, o argu- mento é a suposta indisponibilidade que reveste os direitos trabalhistas. Não vemos razão para excluir de forma absolu- ta, na solução dos conflitos trabalhistas individuais, a mediação. Será que o trabalhador sempre está numa situação de hipossuficiência frente ao seu empregador, de forma a estar incapacitado de ne- gociar os seus direitos por outros meios alternativos sem intervenção estatal, como ocorre na mediação e arbitragem? Ora, tudo que foi dito em relação a esta última, no que tange a essa possibilidade de solução de conflitos e flexibilização de direitos tra- balhistas, repetimos aqui para a mediação. É importante voltarmos os olhos para o Direito Comparado e o que ocorre atualmente em outros países, como exemplos positivos que possamos adotar e seguir. A experiência com a mediação nos Tribunais do Trabalho do Reino Unido, por exemplo, é muito válida. O recente Employment tribunal claim form está em vigor desde 29 de junho de 2013. Conforme ressalta Michele Pedrosa Paumgartten (2014, p. 427), ao comentar o novo Employment tribunal claim form, “Entre as inúmeras alterações às regras proce- dimentais trabalhistas que ocorreram a partir de Não vemos razão para excluir, na solução dos conflitos trabalhistas individuais, a mediação. 9. A nota que consta do site da instituição diz o seguinte: “A pre- tensão legislativa da aplicação da mediação no âmbito das relações de trabalho é medida que afronta a essência própria do Direito do Trabalho, bem como o patamar mínimo de dignidade conferido ao trabalhador. Tal inviabilidade decorre do fato de que as normas de direito do trabalho são normas de ordem pública, assim considera- das porque estabelecem os princípios cuja manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os preceitos de direito, sendo que a ordem pública interna denota a impossibilidade de disponibilidade pela vontade privada”. Disponível em: <http:// www.anamatra.org.br/index.php/anamatra-na-midia/mediacao-de- conflitos-que-inclui-relacoes-trabalhistas-aguarda-parecer-na-ccj>. Acesso em: 29 out. 2014. Livro_126.indb 24 23/04/2015 16:28:45 O a rt . 3 º d o N o vo C ó d ig o d e P ro ce ss o C iv il e o p ro ce ss o d o t ra b al h o . 25 R ev is ta d o A d vo g ad o 2013, está a maior ênfase dada à mediação como meio de resolução de conflitos. Os juízes do traba- lho são obrigados, sempre que possível e apropria- do, a encorajar as partes na utilização da concilia- ção, da mediação judicial, extrajudicial ou outros meios que possam viabilizar a celebração de um acordo entre as partes”. Merece registro nessa leitura do art. 3º do Novo CPC, sob o viés do processo do trabalho, a existência das chamadas comissões de concilia- ção prévia, incluídas na CLT por meio da Lei nº 9.958/2000, como exemplo de mediação trabalhista. A despeito de o Supremo Tribunal Federal ter considerado inconstitucional o art. 625-D da CLT que submete obrigatoriamente qualquer demanda trabalhista ao crivo das Comissões de Conciliação Prévia antes da propositura da ação trabalhista e efetivamente na prática as partes não procurarem tais instituições de composição paritária entre em- presas e sindicatos para solução de seus conflitos, se corretamente implantada, seria uma boa alter- nativa para solução das lides trabalhistas, uma vez que a homologação dos acordos pelas comissões dá quitação geral para as parcelas objeto da tran- sação (exceto para eventuais ressalvas consignadas no termo), além de a submissão da lide à comissão ter o condão de suspender o prazo prescricional para a propositura da ação trabalhista, conforme regem os arts. 625-E e 625-G do diploma traba- lhista. Ou seja, não obtida a composição por meio dessa espécie de mediação, a parte pode recorrer ao Poder Judiciário Trabalhista sem qualquer pre- juízo processual. As comissões de conciliação prévia, apesar de constituição distinta, têm a mesma função dos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos previstos nos arts. 165 e seguintes do Novo CPC, que, por meio de conciliação e me- diação, também buscam uma forma alternativa e célere de solucionar os conflitos. Enfim, a mediação não afronta a essência do Direito do Trabalho e deve ser incentivada como mais uma forma de resolução de conflitos traba- lhistas à disposição das partes litigantes, seja em dissídios coletivos, como já é aceito, seja em dissí- dios individuais. 4 Conclusão O Novo CPC, aprovado pelo Senado em dezembro de 2014, com vacacio legis de um ano, é uma realidade para os operadores do Direito e deve começar a ser discutido e estudado pela dou- trina nacional. Nesse escopo de interpretá-lo e entendê-lo, não podem ser olvidados os seus reflexos no pro- cesso do trabalho, cuja aplicação subsidiária a essa seara processual é obrigatória por força de seu art. 15, bem como art. 769 da CLT. O art. 3º do Novo CPC permite a arbitragem, determina ao Estado promover, sempre que pos- sível, a solução consensual dos litígios e incita os operadores do Direito a estimularem a concilia- ção e a arbitragem como métodos alternativos de solução dos conflitos. Qual a repercussão dessa norma no processo do trabalho? Esses métodos alternativos se apli- cam para solução de conflitos trabalhistas?
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