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Freud Entrevista 1926

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~_==~_== mem6ria .=1 ======================================-=
o valor do vida (Uma entrevista rara de Freud)
Entre as preciosidades encontradas na biblioteca da Sociedade Sigmund Freud esta essaentrevista. Foi concedida
ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926. Deve ter side publicada na imprensa americana
da epoca. Acreditava-se que estivesse perdida, quando 0 Boletim da Sigmund Freud Haus publicou uma versao
condensada, em 1976. Na verda de, 0 texto integral havia side publicado no volume Psychoanalysis and the Future,
numero especial do "Journal of Psychoanalytical Psychology", de Nova lorque, em 1957. E esse texto que
aqui reproduzimos, provavelmente pela primeira vez em portugues.
Setenta ailos ensinaram-me aaceitar a vida com serena humil-
dade.
'Quem fala e o. professor Sigmund
Freud, a grande explorador da alma.
o cenario da nossa conversa foi uma
casa de verao no Semmering, uma
montanha nos alples austdacos.
Eu havia visto 0 paida psicana-
lise pela ultima vez em sua casa mo-
desta na capital austdaca. Os poucos
anos entre minha ultima visita e a
atual multiplicaram as rugas na sua
fronte. Intensificaram a sua palidez
de sabio. Sua face estava tensa, como
se sentisse dor. Sua mente estava
alert a, seu espirito firme, sua corte-
sia impecavel como sempre, mas urn
ligeiroimpedimento da fala me per-
turbou.
Parece que uin tumor maligno no
maxilar superior necessitou ser ope-
rado. Desdeentao Freud usa uma
pr~tese, para ele uma causa de cons-
tante irrita\=ao.
. - Detesto a meu ma..xilar mecani-
co, porque a luta com a aparelho me
consome tanta energia preciosa.Mas
prefiro ele a maxilar nenhum.Ainda
prefiro a existencia a extin\=ao.
Talvez os deuses sejam gentis co-
nasca, tornando a vida mais desagra-
.davel a medida que envelhecemos.
Par fim, a. morte nos parece menos
intoleravel do que os fardos que car-
regamos.
Freud se recusaa admitir que 0
destino the reserva alga especial.
- Par que - disse calmamente -
deveria eu esperar urn tratamento es-
pecial? A velhice, corn suas agruras,
chega para todos. Eu nao me rebelo
contra a ordem universal. Afinal, vivi
mais de setenta anos. Tive a bastante
para comer. Apreceiei muitas coisas
- a companhia de minha mulher,
meus mhos, a por do sol. Observei
as plantas crescerem na primavera.
De vez ern quando tive uma mao
amiga para apertar. Vez au au tra en-
contrei urn ser humano que quase me
compreendeu. Que mais posso que-
rer?
o senhor teve a fama, disse eu.
ua obra influi na literatura de cada
alSo 0 homem olha a 'lida e a si mes-
10 com outros, olhos, por causa do
:nhoL E recentemente, no seu sep-
lagesimo aniversario, 0 mundo se
niu para homenagea-lo - com exce-
io dasua propria Universidade!
- Se a Universidade de Viena me
emonstrasse reconhecimento, eu
caria embara~ado. Nao ha razao em
:eitar a mim e a minha obra porq ue
~nho setenta anos. Eu nao atribuo
nportancia insensata aos decimais.
A fama chega apenas quando mor-
:mos, e francamente, 0 que vem de-
)is nao me interessa. ~ao aspiro a
oria postuma. Minha modestia nao
virtude.
- Nao significa nada 0 fato de que
seu nome vai viver?
De vez em quando tive uma mao
amiga para apertar. Vez ou outra
encontrei um ser humane que
quase me' compreendeu.
Absolutamente nada, mesmo
Ie ele viva, 0 que nao e certo. Estou'
m mais preocupado com 0 destino
meus filhos. Espero que suas vidas
o venham a ser dificeis. Nao posso
lda-los muito. A guerra pratica-
~nte liquidou com minhas posses,
que havia poupado durante a vida.
IS posso me dar por satisfeito. 0
lbalho e minha fortuna.
Estivamos subirldo e descendo
1a pequena trilha no jardim da ca-
Freud acariciou ternamente urn
JUsto que £lorescia.
- Estou muito mais interessado
ste botao do que no que possa me
)ntecer depois que estiver morto.
- Entao 0 senhor e, afinal, urn
)fundo pessimista?
- Nao, nao sou. Nao permito que
nhuma re£lexao filosbfica estrague
niIiha frui~ao das coisas simples da
,a.
- 0 senhor acredita na persist en-
da personalidade apos a morte,
alguma forma que seja?
- Nao penso nissQ. Tudo 0 que vi-
perece. Por que deveria 0 homem
lstituir uma exce~ao?
- Gostaria de retornar em alguma
ma, de ser resgatado do po? 0 se-
)r nao tern, em outras palavras,
ejo de imortalidade?
- Sinceramente nao. Se a gente
reconhece os motivos egoistas por
tras ,de toda conduta humana, nao
tern 0 m {nimo desejo de voltar. A
vida, movendo-se num drculo, seria
ainda a mesma.,
Alem disso, mesmo se 0 'eterno re-
torno das coisas, para usar a expres-
sac de Nietzsche, nos dotasse nova-
mente do nosso irlvolucro carnal,
para que serviria, sem memoria? Nao
haveria elo entre passado e futuro.
Pelo que me toea, estou perfeita-
mente satisfeito em saber que 0 eter-
no aborrecimento de viver finalmen-
te passara. Nossa vida e necessaria-
mente uma serie de compromissos,
uma luta interminavel entre 0 ego
e seu ambiente. 0 desejo de prolon-
gar a vida excessivamente me parece
absurdo.
- Bernard Shaw sustenta que vi-
vemos muito pouco, disse eu. Ele
acha que 0 homem pode prolongar a
vida, se assim desejar, levando sua
vontade a atuar sobre as for~as da
evolu~ao. Ele ere que a humanidade
pode reaver a longevidade dos pa-
triarcas.
- :E possivel, respondeu Freud,
que a morte em si nao seja uma
necessidade biologica. Talvez morra-
mos porque desejamos morrer.
Assim como amor e odio por tima
pessoa habitam em nossopeito ao
mesmo 'tempo, assim tambem toda
vida conjuga 0 desejo de manter-se'
e 0 desejo da propria destrui~ao.
o impulso de vida e 0 impulso
de morte habitam lado a lade dentro
de nos. A morte e a companheira do
amor. Juntos eles regem 0 mundo.
Do mesmo modo como urn peque.:
no elastico esticado tende a assumir
a forma original, assim tambem toda
materia viva, consciente ou incons-
cientemente, busca readquirir a com-
pleta, a absoluta inercia da existencia
inorganica. 0 impulso de vida e 0
impulso de morte habitam lado a la-
do dentro de nos.
A Morte e' a companheita do
Amor. Juntos eles regem 0 mundo.
Isto e 0 que diz 0 meu livro Alem do
Prindpio do Frazer.
No come~o, a psicanalise supos
que 0 Amor tinha toda a importan-
cia. Agora sabemos que a Morte e
igualmente importante.
Biologicamente, todo ser vivo, nao
importa quao intensamente a vida
queime dentro dele, anseia pelo Nir-
vana, pela cessa~ao da "febre chama-
da viver", anseia pelo seio de Abraao,
o desejo pode ser encoberto por di-
gressoes. Nao obstante, 0 objetivo
Biologicamente, todo ser 'Jivo anseia
pelo Nirvana, pela cessa<;:ao
da "febre chamada viver", anseia
pelo seio de Abraao.
derradeiro da vida e a sua propria ex-
tirl~ao.
- Isto, exclamei, e a filosofia da
auto-destrui~ao. Ela justifica 0 auto-
extermlnio. Levaria logicamente ao
suicidio universal irnaginado por
Eduard yon Hartamann.
- A humanidade nao escolhe 0
suicidio, porque a lei do seu ser desa-
prova a via direta para 0 seu fim. A
vida tern que completar 0 seu cicio
de existencia. Em todo ser normal,
a pulsao de vida e forte 0 bastante
para contrabalan~ar a pulsao de
morte, embora no final esta resulte
mais forte.
Podemos entreter a fantasia de
que a Morte nos vern por nossa pro-
pria vontade. Seria possIvel que pu-
dessemos veneer a Morte, nao fosse
por seu aliado dentro de nos.
Neste sentido, acrescentou Freud
com urn sorriso, pode ser justificado
dizer que toda morte e suicidio dis-
far~ado.
Estava ficando frio no jardim.
Prosseguimos a conversa no gabi-
nete.
Vi uma pilha de manuscritos so-
bre a mesa, com a caligrafia clara
de Freud.
- Em que 0 senhor esta traba-
lhando?
- Estou escrevendo uma defesa
da analise leiga, da psicanalise prati-
cad a por leigos. Os doutores querem
tornar a analise ilegal para os nao-
medicos. A Historia, essa velha pla-
giadora, repete-se apbs cada desco-
berta. Os doutores combatemcada
nova verdade no come~o. Depois
procuram monopoliza-la.
- 0 senhor teve muito apoio dos
leigos? '
- Alguns dos me us melhores dis-
ci pulos sac leigos.
- 0 senhor esui praticando muito
a psicanalise?
- Certamente. Neste momenta
estou trabalhando num caso muito
dificil, tentando desatar os conflitos
psfquicos de um interessante rrovo
paciente.
- Minha filha tambem e psicana-
lista, como voce ve ...
Nesse ponto apareceu Miss Anna
Freud acompanhada por seu pacien-
te, urn garoto de onze anos, de fei-
<;6es inconfundivelmente anglo-sa-
xomcas.
A psicanal ise nos ensina nao apenas
o que podemos suportar,
mas tambem 0 que devemos
evitar.
- 0 senhor ja analisou a si mes-
mo?
- Certamente. 0 psicanalista deve
constantemente analisar a si mesmo.
Analisando a nos mesmos, ficamos
mais capacitados a analisar os outros.
o psicanalista e como 0 bode
expiatorio dos hebreus. Os outros
descarregam seus pee ados sobre ele.
Ele deve praticar sua arte a perfei<;ao
para desvencilhar-se do fardo jogado
sobre ele.
- Minha impressao, observei, e de
que a psicanalise desperta em todos
que a praticam 0 espfrito da caridade
cristao. Nada existe na vida humana
que a psicanalise nao possa nos fa-
zer compreender. "Tau t compren-
dre, c'est tout pardonner".
Pelo contrario! - bravejou
Freud, suas fei~6es assumindo a seve-
ridade de urn profeta hebreu. Com-
preender tudo nao e perdoar tudo.· A
psicanalise nos ensina nao apenas 0
que podemos suportar, mas tambem
o que devemos evitar. Ela nos diz 0
que deve ser eliminado. A tolerancia
para com 0 mal nao e de maneira al-
guma urri coroJario do conheci-
mento.
Compreendi subitamente porgue
Freud havia litigado com os seguido-
res que 0 haviam abandonado, por-
que ele nao perdoa a sua dissensao
do caminho reto da ortodoxia psica-
nalItica. Seu senso do que e direito e
heran<;a dos seus ancestrais. Uma he-
ran~a de gue ele se orgulha como se
orgulha de sua ra~a.
Minha lIngua, ele me explicou,
e 0 alemao. Minha cultura, minha
realiza<;ao e alema. Eu me considero
urn intelectual alemao, ate perceber
o crescimento do preconceito anti-
semita na Alemanha e na Austria.
Desde entao prefiro me considerar
judeu.
Fiquei algo desapont-ado com es-
ta observa~ao.
Parecia-me que 0 esplrito de
Freud deveria habitar nas alturas,
alem de qualquer preconceito de ra-
<;a; que ele deveria ser imune a qual-
quer rancor pessoal. No entanto, pre-
cisamente a sua indigna<;ao, a sua ho-
nesta ira, tornava-o mais atraente co-
mo ser humano.
Aq uiles seria intoleravel, nao fosse
por seu caJcanhar!
- Fico contente, Herr Professor,
de que tambem 0 senhor tenha seus
complexos, de que tambem 0 senhor
demonstre que e urn mortal.
Nossos complexos, replicou
Freud, sao a fonte de nossa fraque-
za; mas com freqiiencia sao tambem
a fonte de nossa for<;a.
- Imagino, observei, quais seriam
os me us complexos!
- Uma analise seria, respondeu
Freud, dura ao menos urn ano. Po de
durar mesmo dois ou tres anos. Voce
esra dedicando muitos anos de sua vi-
da a "ca<;a aos le6es". Voce procurou
sempre as pessoasde destaque para
a sua gera<;ao: Roosevelt, 0 lmpera-
dor, Hindenburg, Briand, Foch,
] offre, Georg Brandes, Gerhart
Hauptamann e George Bernard
Shaw ...
- E parte do meu trabalho.
- Mas e tambem sua preferencia.
o grande homem e um slmbolo. A
sua busca e a busca do seu cora~ao.
Voce esta procurando 0 grande ho-
JTlem para tomar 0 lugar do seu pai.
E parte do seu "complexo do pai".
Fico contente, Herr Professor. de
que tambem 0 senhor tenha seus
complexos. de que tambem 0 senhor
demonstre que e um mortal.
Neguei' veementemente a afirma-
<;ao de Freud. No entanto, refletin-
do sobre isso, parece-me que pode
haver uma verdade, ainda nao sus-
peitada por mim, em sua sugestao
casual. Pode ser 0 mesmo impulso
que me levou a ele.
- Gostaria, observei apbs urn mo-
mento, de poder ficar aqui o.bastan-
te para vislumbrar 0 meu cora~a
atraves dos seus olhos. Talvez, com
a Medusa, eu morresse de pavor a
ver minha propria imagem! Entn
tanto, receio ser muito informado sc
bre a psicanalise. Eu freqiientement
anteciparia, ou tentaria antecipaJ
suas inten<;6es.
- A inteligencia num paciente, n
plicou Freud, nao e urn empecilhc
Pelo con trario, as vezes facilita
trabalho.
Neste ponto 0 mestre da psican~
lise diverge de muitos dos seus segu
Eu prefiro a companhia dos
animais a companhia humana.
porque sao mu ito mais simples.
dores, que nao gostam de excessiv;
seguran<;a do paciente sob 0 sel
escrudnio.
- As vezes imagino, questionei, s'
nao seriamos mais feliczes se soubes
semos menos dos processos que dac
form.a a nossos pensamen tos e emo
<;6es. A psicanalise rouba a vida. de
seu ultimo encanto, ao relacionar ca
da sentimento ao seu original grupe
de complex os. Nao nos tornamo
mais alegres descobrindo que nos to
dos abrigamos em nossos cora~6e
o selvagem, 0 criminoso e 0 animal.
- Que obje~ao pode haver contr;
os animais? Replicou Freud. Eu pre
firo a companhia dos animais a com
panhia h umana.
- Por que?
- Porq ue sac tao mais simples
Nao sofrem de uma personalidadc
dividida, da desin tegra<;ao do ego
que resulta da ten tativa do homen
de adaptar-se .a padr6es de civiliza
<;ao demasiado elevados para 0 set
mecanismo intelectual e psfquico.
o selvagem, como 0 animal, I
cruel, mas na.o tern a maldade do ho
mem civilizado. A maldade e a vin
gan<;a do homem contra a sociedade
pelas restri<;6es que ela imp6e. A
mais desagradaveis caracterfsticas de
homem sac geradas por esse ajusta
men to precario a uma civiliza<;ae
complicada. E 0 resultado do confli
to entre nossos instintos e noss.
cultura.
Muito mais agradaveis sac as emo
<;6es simples e diretas de um cao', ac
balan<;ar a cauda, ou ao latir ex pres
--- ------- _. - ----- -------===----::::-:=:--.::::-:::-_::--_- -----
--------_-......_ ••••• ~-----_.--------"' ••'" •• ~> •• ~ , -
ndo seu desprazer. As emoc;:6esdo
0, acrescentou Freud pensativa-
ente, lembram-nos as herois da An-
;iiidade. Talvez seja essa a razao
'rque inconscientemente damos
nossos caes nomes de herois anti-
s como Aquiles e Heitor.
- Meu cachorro, disse eu,' e urn
:>berman Pinscher chamado Ajax.
Freud sorriu.
- Fico contente de que nao possa
~. Ele certamente seria um mem-
o menos querido da casa, se pudes-
latir sua opiniao sabre os traumas
iquicos e 0 complexo de Edipo!
o selvagem, como 0 animal, e
cruel, mas nao tem a maldade do
homem civilizado. A maldade e
a vinganc;;ado homem contra
asociedade.
Mesmo 0 senhor, Professor,
ha a existencia complexa demais.
:>entanto, parece-me que 0 senhor
em parte responsavel pelas com-
~xidades da civilizac;:aomodema.
ltes que 0 senhor inventasse a psi-
nalise nao sabiamos que nossa per-
nalidade e dominada por uma hos-
beligerante de complexos muito
estionaveis. A psicanalise fez da vi-
urn quebra-cabec;:ascomplicado.
- De maneira alguma, respondeu
eud. A psicanalise torna a vida
lis simples. Adquirimos uma nova
ltese· depois da analise. A psicana-
e reordena urn emaranhado de irn-
lsos dispersos, procura enrola-los
I torno dd seu carretel.Ou, modifi-
ndo a metifora, ela fornece 0 fio
e conduz a pessoa para fora do
lirinto do seu inconsciente.
- Ao menos na super£icie, porem,
,ida human a nunca foi mais com-
~xa. E a cada dia alguma nova ideia
:>postapelo senhor ou por seus dis-
mlos tom a 0 problema da condu-
humana mais intrigante e mais
ntraditorio.
- A psicanalise, pelo men os, ja-
Lisfecha a porta a uma nova ver-
de. -
- Alguns dos seus disdpulos, mais
:odoxos do que 0 senhor, apegam-
a cada pronunciamento que sai da
1boca.
- A vida muda. A psicanilise tam-
m muda, observou Freud. Estava
enas no comec;:ode uma nova cien-
A estrutura cientifica que 0 se-
nhor ergueu me parece ser muito ela-
.borada. Seus fundamentos - a teoria
do "deslocamento",da "sexualidade
infantil", do "simbolismo dos so-
nhos", etc. - parecem permanentes.
- Eu repito, porem, que nos esta-
mos apenas no inicio. Eu sou apenas
urn iniciador. Consegui desencavar
monumentos soterrados nos substra-
tos da mente. Mas ali onde eu desco-
bri alguns ternplos, outros poderiio
descobrir continentes.
- 0 senhor ainda coloca a enfase
sobretudo no sexo?
- Respondo com as palavras do
seu proprio poeta, Walt Whitman:
"Mas tudo faltaria, se faltasse 0 se-
xo" (" Yet all were lacking, if sex
were lacking"). Entretanto, ja the ex-
pliquei que agora coloco enfase qua-
se igual naquilo que esti "alem" do
prazer - a morte, a negac;:aoda vida.
As emoc;;6es do cao lembram-nos
os her6is da antiguidade. Talvez por
essa razao, inconscientemente damos
a nossos caes nomes de her6is
antigos.
Este desejo explica porque alguns ho-·
mens amam a dor - como urn passo
para 0 aniquilamento! Explica por-
que alguns homens amam a dor -
como urn passo para 0 aniquilamen- .
to! Explica porque todosbuscam 0
descanso, porque os poetas agrade-
cern a
Whatever gods there be,
That no life lives forever
That dead men rise up never
And even the weariest river
Winds somewhere safe to sea.
("Quaisquer deuses que exist am/
Que vida nenhuma viva para sempre/
Que os mort os jamais se levantem/E
tambem 0 riomais cansado/Desague
tranqiiilo no mar".)
Shaw, como 0 senhor, nao de-
seja viver para sempre, comentei,
mas, a diferenc;:ado senhor, ele consi-
dera 0 sexo desinteressante.
- Shaw, respondeu Freud sorrin-
do, nao compreende 0 sexo. Ele nao
tern a mais remota concepc;:ao do
amor. Nao ha urn verdadeiro caso
amoroso em nenhuma de suas pec;:as.
Ele faz brincadeira do amor de Julio
Cesar - talvez a maior paixao da His-
toria. Deliberadamente, talvez mali-
ciosamente, e1e despe Cleopatra de
toda grandeza', reduzindo-a a uma
insignificante garota.
A razao para a estranha atitude de
:Shawdiante do amor, para a sua ne-
gac;:aodo movel de todas as coisas hu-
manas, que tira de suas pec;:as0 apelo
universal, apesar do seu enorme al-
cance intelectual, e inerente a sua
psicologia. Em urn de seus pref.icios,
ele mesmoenfatiza 0 trac;:oascetico
do seu temperamento.
Eu posso ter errado em muitas coi-
sas, mas estou certo de que nao errei
ao enfatizar a importancia do instin-
to sexual. Por ser tao forte, ele se
choca sempre com as convenc;:6es e
salvaguardas da civilizac;:ao.A huma-
nidade, em uma especie de auto-de-
fesa, procura negar sua importancia.
Consegui desencavar monumentos
soterrados nos substratos da mente.
Mas ali onde eu descobri alguns
templos, outrospoderao descobrir
continentes.
Se voce arranhar urn russo, diz 0
proverbio, aparece otirtaro sob a pe--
Ie. Analise qualquer emoc;:aohumana,
nao importa quao distante esteja da
esfera da sexualidade, e voce certa-
mente encontrara esse impulso pri-
mordial, ao qual a propria vida deve
a perpetuac;:ao.
- 0 senhor sem duvida foi bem
sucedido em transmitir esse ponto de
vista aos escritores modernos. A psi-
canalise ·deu novas intensidades a li-
teratura: ~
- Tambem recebeu muito da lite-
ratura e da filosofia. Nietzsche foi
urn dos prirneiros psicanalistas. E 5ur-
preendente ate que ponto a sua in-
tuic;:ao prenuncia as novas descober-
tas. Ningue.m se apercebeu mais
profundamente dos motivos duais da
condutahumana, e da insistencia do
prind pia do prazer em predominar
indefinidamente. 0 se Zaratustra diz:
"A dor
Grita: Vail
Mas 0 prazer quer eternidade
Pura, profundamente e~ernidade. "
A psicanalise pode ser menos am-
plamente discutida na Austria e na
Alemanha que nos Estados Unidos, a
sua influencia na literatura e irnensa,
porem.
Thomas Mann e' Hugo von Hof-
mannsthal muito devem a nos.
Schnitzler percorre uma ,-:2 .: ~e __
quando certas concep<;:6es ciendficas
tradicionais ficarn arraigadas no ce-
rebro do estudioso.
Freud tern que dizer a verdade a
qualquer pre<;:o! Ele nao pode obri-
gar a si mesmo a agradar a America,
onde esta a maioria dos seus admira-
dores.
Apesar da sua intransigente inte-
gridade, Freud e a urbanidade em
pessoa. Ele ouve pacientemente cada
interven<;:ao, nao procurando jamais
intimidaro entrevistador. Raro e 0
visitante que deixa a sua presen<;:a
sem algum presente, algum sinal de
hospitalidade!
Havia escurecido.
Era tempo de eu tomar 0 trem de
volta a cidade que uma vez abrigara
o esplendor imperial dos Habsburgos.
Acompanhado da esposa e da fi-
lha, Freud desceu os degraus que le-
ern larga medida, paralela ao meu
proprio desenvolvirnento. Ele expres-
sa poeticarnente 0 que eu tento
comunicar cientificamente. Mas 0 dr.
Schnitzler nao e apenas urn poeta,
e tarnbem urn cientista.
- 0 senhor, repliquei, nao e ape-
nas urn cientista, mas tambern urn
poeta. A literatura americana, conti-
nuei, esta im pregnada da psicanalise.
Rupert Hughes, Harvey O'Higgins e
outros fazem-se de seus interpretes.
E quase impossIvel abrir urn novo
romance sem encontrar referencia a
·psicanalise. Entre os dramaturgos,
Eugene O'Neill e Sydney Howard
tern profunda dlvida para com 0
senhor. The Silver Corq, por exern-
plo, e simplesmente ,;ma dramati-
za<;:aodo complexo de Edipo.
- Eu sei, replicou Freud, e apre-
cio 0 cumprimento que ha nessa
constata<;:ao. Mas tenho receio da mi-
nha popularidade nos Estados Uni-
dos. 0 interesse americano pela psi-
canalise nao se aprofunda. A popu-
lariza<;:ao leva a aceita<;:ao superfi-
cial sem estudo serio. As pessoas ape-
nas repetem as frases que aprendem
no teatro ou na imprensa. Pensam
compreender algo da psicanilise por-
que brincarn com seu jargao! Eu
prefiro a ocupa<;:ao intensa com a
psicanilise, tal como ocorre nos cen-
tros europeus.
. A America foi.o primeiro pals a
reconhecer-me oficialmente. A Clark
University concedeu-me urn diploma
honorario quan.do eu ainda era igno-
rado na Europa. Entretanto, a Ame-
rica fez poucas contribui<;:6es origi-
nais a psicanalise. Os americanos sac
vavam do seu refugio na IDGntanha ;
rua, para me ver partir. Ele me pare
ceu cansado e triste, ao dar 0 set
adeus.
- Nao me fa<;:aparecer urn pessi·
mista, ele disse apos 0 aperto df
mao. Eu nao tenh6 desprezo pelc
mundo. Expressar desdem pelo mun·
do e apenas outra forma de corteja.
10, de ganhar audiencia e aplauso.
Nao, eu nao sou urn pessirnista, nae
enquanto tiver meus mhos, minha
mulher e minhas flores! Nao sou in-
feliz - ao menos nao mais infeliz que
os outros.
o apito do meu trem soou na noi-
te. 0 automovel me eonduzia rapida-
mente para a esta<;:ao. Aos poucos 0
vulto ligeiramente curvado e a eabe·
<;:agrisalha de Sigmund Freud desapa·
receram na distancia.
Posso ter errado em mu itas coisas,
mas estou certo de que nao errei
ao enfatizar a importancia do
instinto sexual.
divulgadores inteligentes, raramente
sac pensadores criativos. Os medicos
nos Estados Unidos, . e ocasional-
mente tambem na Europa, procuram
monopolizar para si a psicanalise.
Mas seria urn perigo para a psicana-
lise, deixa-la exdusivamente nas
maos dos medicos. Pois uma forma-
<;:ao estritamente medica e c~m fre-
qiiencia urn empecilho para 0 psica-
nalista. E sempre urn empecilho,

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