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Intervenção Humanitária na Somália

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JULIANA DE CASTRO BIILL 
INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA NO CONFLITO DA 
SOMÁLIA 
Monografia apresentada como requisito para 
conclusão do curso de bacharelado em Direito 
do Centro Universitário de Brasília. 
Orientador: Professora Inês Porto 
BRASÍLIA 
2006 
 
RESUMO 
O presente trabalho discute como as Nações Unidas lidaram com a situação 
de um país vítima de um conflito civil, a Somália. A forma peculiar como ocorreu a 
Intervenção chamou atenção da comunidade internacional. São abordados aspectos históricos, 
a diferenciação entre Operações de Paz e Intervenções Humanitárias trazendo críticas e 
reflexões quanto à atuação da ONU e de outros Estados nos conflitos que marcam o século 
XX. 
PALAVRAS-CHAVE: Conflitos civis no Pós-guerra Fria; Violação dos 
Direitos Humanos; Estado da Somália, Atuação do Conselho de Segurança da ONU; 
Intervenções Humanitárias. 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................4 
1 O CONTINENTE AFRICANO............................................................................................7 
1.1 BREVE HISTÓRICO DO COLONIALISMO AFRICANO (SÉCULOS XIX E XX) ...........................7 
1.2 RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR VIOLAÇÃO AOS DIREITOS 
HUMANOS..............................................................................................................................11 
1.3 OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU..........................................................................................13 
1.4 O CONFLITO NA SOMÁLIA................................................................................................14 
1.4.1 A colonização e luta pela independência ................................................................14 
1.5 O CONFLITO NA DÉCADA DE 90 .......................................................................................15 
1.6 O CONFLITO ARMADO......................................................................................................20 
1.6.1 Características ........................................................................................................20 
1.6.2 Quando são aplicados esses direitos.......................................................................21 
1.6.3Legitimidade para se envolver no conflito ...............................................................23 
2 ATUAÇÃO DA ONU NA SOMÁLIA ...............................................................................24 
2. 1 INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA ........................................................................................24 
2.1.1 O complexo conceito de Intervenção Humanitária (necessidade de autorização do 
uso da força pelo Conselho de Segurança a partir do capítulo VII da Carta da ONU)..26 
2.1.2 A diferença entre Intervenção Humanitária e Operações de Paz...........................27 
2.1.3 As 5 Intervenções Humanitárias autorizadas pelo Conselho de Segurança e as 
críticas: seletividade, corrupção, desconhecimento da política interna do país .............28 
2.1.4 O fracasso das Operações de Paz da Somália........................................................29 
2.2 ATUAÇÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA .......................................................................30 
3 REFLEXÕES SOBRE A INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA NA SOMÁLIA............36 
3.1 A ÉTICA DA INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA ......................................................................36 
3.1.1Seletividade Política dos Estados e da ONU............................................................36 
3.1.2 A complexidade das guerras civis ...........................................................................40 
3.2 FORMAS ALTERNATIVAS À INTERVENÇÃO .......................................................................41 
3.2.1 Assistência Humanitária..........................................................................................42 
3.2.2 Difusão do Direito Humanitário em tempos de paz................................................44 
3.2.3 O papel das organizações regionais na manutenção da paz ..................................45 
3.3 QUESTIONAMENTOS DA AÇÃO DO CICV NO CONFLITO DA SOMÁLIA ..............................46 
3.4 FUNÇÃO DA ONUSOM PARA PREVENIR O CONFLITO ......................................................48 
CONCLUSÃO.........................................................................................................................51 
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................54 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
O tema que escolhi para ser discutido no trabalho de Monografia busca 
formas de garantir a segurança da população civil no âmbito internacional, tratando 
especificamente sobre o conflito civil em um país, vítima de conseqüências catastróficas de 
combates armados internos: a Somália. 
A motivação para a escolha para trabalhar com esse tema foi, inicialmente, a 
curiosidade em estudar a fundo as barbaridades sofridas pelo povo africano. Vários países 
africanos são palcos de genocídio e, em alguns casos, temos a notícia de que não se faz nada a 
respeito. Portanto, houve também uma indignação que motivou esta escolha. 
Apesar do interesse em explorar todo continente africano, não seria possível 
delimitar e sequer concluir este trabalho em um ano. Infelizmente, a África é um continente 
cheio de conflitos dos mais variados tipos. Recentemente, um caso de genocídio foi tratado 
nos cinemas (no filme “Hotel Ruanda”) e deixou muita gente chocada, mas poucos que saem 
abalados das salas do cinema sabem que uma tragédia de igual proporção acontece, neste 
momento, no Sudão, onde o governo tenta concretizar uma limpeza étnica contra os 
habitantes não-árabes. Este é apenas um dos diversos problemas que o continente apresenta. 
Sobram razões para estudar temas de tamanha relevância. 
Os casos que chamaram atenção da comunidade internacional sofreram 
algum tipo de Intervenção ou Assistência Humanitária. Pelas peculiaridades da Intervenção 
ocorrida na Somália, este foi o país escolhido para ser o objeto de estudo principal desta 
pesquisa. 
5 
Há inúmeras questões a serem levantadas sob este foco, por isso o trabalho 
de problematização não foi fácil, assim como a delimitação temática. Foi preciso entender, em 
primeiro lugar, a diferença entre Direito Humanitário Internacional e Direitos Humanos. A 
transição de uma situação de Paz, na qual operam os Direitos Humanos, para a realidade que 
pretende ser estudada: Conflitos Armados, que podem ser internacionais ou internos – este 
último é o caso da Somália. 
Além dessas duas situações, o Estado pode ainda se encontrar num período 
delicado de pós-conflito, no qual serão apurados possíveis crimes de guerra pelo Direito Penal 
Internacional, quando se procura proteger os direitos dos refugiados, enfim, tentar resgatar 
uma situação de paz, reconstruir o país e a identidade dos povos em conflito. Esses pontos não 
serão abordados neste trabalho. 
Em todos esses momentos, a ONU desempenha um papel importante, seja 
de ‘peacekeeping’, peacemaking’ ou ‘peaceenforcement’. O que pretendo abordar, dentro 
desse contexto, é tanto a função das Missões de Paz, como a situação mais grave, a da 
Intervenção, quando o conflito já chegou ao limite. 
Para tanto, o trabalho foi estruturado da seguinte forma: o primeiro capítulo 
trata da colonização e descolonização dos Estados africanos dentro de um contexto mais 
amplo, buscando explicações para esclarecer a origem das rivalidades étnicas, religiosas e 
culturais que fazem eclodir conflitos como os que observamos hoje. Inicialmente vemos que 
muito se deve à imposição de fronteiras arbitrárias, à conseqüênciada descolonização tardia e 
à tremenda influência dos ideais da Guerra-Fria. O desafio político, social e econômico 
enfrentados pelos governos impede-os, muitas vezes de garantir a proteção mínima aos 
direitos humanos. Todo esse quadro também gerou um enorme impacto na Somália. Este 
6 
Estado teve sua independência somente em 1960, passou de um regime ditatorial, a uma 
nação sem governo, e, posteriormente, à liderança de um general opressivo. Em meio ao caos 
e à fome, a comunidade internacional se mobilizou. 
No capítulo seguinte, é feita uma explicação sobre o que é a Intervenção 
Humanitária, que tem um complexo conceito, e o que a difere das Operações de Paz, qual o 
objetivo de cada uma e em que contexto são adotadas. No caso em questão, analisar como 
ocorreu a fracassada atuação do Conselho de Segurança na Somália. 
Antes de concluir a pesquisa, sugeri, no terceiro capítulo, que fossem feitas 
reflexões sobre a peculiar Intervenção que ocorreu em um país que sabemos ser pobre e sem 
influências no mundo. Ao mesmo tempo, outros conflitos armados de grande dimensão 
aconteciam na África. Pose ser que haja certa seletividade política justificando essa questão. É 
importante também refletir sobre o que pode ser feito para impedir que outros conflitos 
armados cheguem ao caos. E quando Estado já está se encontra em tal situação, há outras 
alternativas à tão polêmica Intervenção? 
1 O CONTINENTE AFRICANO 
1.1 Breve histórico do colonialismo africano (séculos XIX e XX) 
O colonialismo impediu o crescimento e desenvolvimento político, 
econômico e social da África. Durante a luta pelo continente no século dezenove, as potências 
européias dividiram-na em unidades territoriais com fronteiras definidas arbitrariamente. As 
colônias que surgiram frequentemente sofriam com a falta de eficácia do governo interno, e as 
diferenças e antagonismos entre os vários grupos criados eram enormes. Aos africanos não 
era dada qualquer voz para negociações políticas. Planejadas para dar assistência às 
necessidades das potências, as economias coloniais exploravam largamente o trabalho sem 
qualquer qualificação ou com pouca experiência, e a educação era negligenciada. Ou seja, os 
países colonizadores não prepararam os países africanos para a autonomia política, muito pelo 
contrário, fizeram de tudo para desorganizar e antagonizar politicamente os diversos grupos 
culturais, e a independência tardia de muitos países africanos só ocorreu durante a década de 
60.1 
Conseqüentemente, a descolonização criou novos desafios com os quais a 
primeira geração de governos autônomos não estava preparada para lidar. Historicamente, 
sabemos que as transições para independência são geralmente sangrentas. Apesar da OAU 
(Organization of African Unity)2- organização regional política e econômica responsável por 
distribuir segurança, prevenir e administrar conflitos- ter decidido aceitar as fronteiras 
 
1 BERMAN, Eric G. ; SAMS, Katie E. Peacekeeping in Africa: Capabilities and Culpabilities. Unites Nations 
Publications, 2000. 
2 A OAU criou um eficiente mecanismo de prevenção de conflitos que foi copiado mais tarde pela SADC- 
Southern African Development Community, também pela ECPWAS -West African States, e demais 
organizações menores e mais subregionalizadas que se organizaram com base na idéia principal da OAU. Isso 
foi muito importante para o continente como um todo. Inclusive, antes mesmo de ser reconhecida como 
organização, a OAU ajudou em operações de paz retirando, por exemplo, militares em Ruanda, Libéria, 
Guiné-Bissau. 
8 
coloniais arbitrárias, a existência dessas fronteiras mal definidas e controversas ao longo de 
todo o continente contribuiu para a ocorrência de muitos conflitos. Até os dias de hoje, 
percebemos conseqüências dessa delimitação: a diversidade étnica, lingüística e religiosa 
dentro dessas fronteiras estabelecidas dificulta a construção de identidades nacionais. 
A Guerra Fria afetou a segurança dos governos africanos já que tanto a 
União Soviética como os Estados Unidos tentavam converter os recém-independentes Estados 
africanos para suas respectivas causas. Os interesses em torná-los socialistas ou capitalistas 
visavam tão somente aumentar suas áreas de influência. Como resultado, eles freqüentemente 
apoiaram autoritarismo, corrupção e governos opressivos. Moscou e Washington ajudaram a 
incentivar diversos conflitos no continente fornecendo armamentos tanto para os governos 
como para grupos rebeldes desde que esses continuassem apoiando suas ideologias3. Ambos 
tinham um objetivo em comum que era ganhar mais influência a qualquer custo. 
Apesar de ambas as superpotências terem usado assistência militar para 
competir por influência, elas conseguiram exercitar algumas restrições em períodos de tensão. 
Durante o estágio inicial da guerra entre a Etiópia e a Somália, em 1977, por exemplo, 
Moscou e Washington ficaram relutantes em atender o alto nível de apoio militar requisitado. 
A União Soviética não promoveu qualquer tipo de ajuda ao novo governo de Addis Abeba até 
que os Estados Unidos indicassem claramente que haviam se distanciado do conflito.4 
Com o fim de toda essa rivalidade entre socialismo e capitalismo, muitos 
líderes africanos, que estavam acostumados a receber apoio de fora, não contavam mais com 
esses patrocínios. Os patrocínios emprestavam legitimidade política e apoio militar para seus 
regimes. Os Estados Unidos já não precisavam mais se aproximar dos líderes africanos em 
 
3 BOWDE, Mark. African atrocities and the rest of the world. Policy Review, Issue 101, Jun/Jul2000. 
4 NEUMAN, Stephanie. Assistance in recent wars: the dominance of the superpowers. Nova York: Praeger, 
1986, p. 31-32. 
9 
troca de alianças. A Ex-URSS também não tinha mais razão para dar-lhes qualquer 
assistência, e Cuba concordou em retirar suas tropas do continente. Muitas potências, que 
ainda mantiveram interesse nas antigas colônias, também passaram a reduzir seu 
comprometimento (a França, entretanto, foi um país que permaneceu com políticas 
intervencionistas fortes, tentando proteger seu legado). Em decorrência dessa situação 
mundial, os grupos oprimidos começaram cada vez mais abertamente a desafiar a 
legitimidade desses líderes, e seus regimes enfraquecidos ficaram, então, mais suscetíveis à 
violência e inquietude doméstica.5 
Os próprios líderes africanos ajudaram a criar muitas das crises que vemos 
nos dias de hoje. Muitos deles tentaram forçar uma unidade nacional impondo poderes 
políticos ao Estado. Os governos se tornaram incapazes de conter a corrupção, não havia 
transparência em seus regimes, assim como não havia uma forma pacífica para substituição 
ou troca de um governante. Crescia o descaso com respeito aos Direitos Humanos porque o 
controle político era cada vez mais importante. Esse tipo de situação se torna especialmente 
crítica quando o Estado é o principal fornecedor de empregos, e, além disso, os partidos 
políticos são amplamente baseados em caráter étnico ou baseados em critérios regionais6. 
As responsabilidades sociais que deveriam ser providas pelo Estado foram 
substancialmente ignoradas ou sub-contratadas: organizações internacionais voluntárias 
(PVOs)7, organizações não-governamentais e diversos órgãos das Nações Unidas têm se 
tornado mais e mais envolvidos no desenvolvimento, educação e setores da saúde. Mesmo 
com o auxílio externo, é ainda muito difícil para os Estados agirem autonomamente. Como 
 
5 BERMAN, Eric G. ; SAMS, Katie E. Peacekeeping in Africa: Capabilities and Culpabilities. Unites Nations 
Publications,2000. 
6 ROPP, Stephen C.; SIKKINK, Kathyryn. The power of human rights: international norms and domestic 
change. Reino Unido: Cambridge University Press. 1999. 
7 Private Volunatry Organization. 
10 
exemplo da necessidade de ajuda financeira, sabe-se que apesar de freqüentes doações 
externas, a epidemia da AIDS ainda tem um impacto devastador no continente, já que de cada 
dez pessoas infectadas em 1998, sete moravam na África8. 
Os Estados também encontram dificuldades em munir sua própria 
segurança. Muitas forças militares africanas sequer contam com pessoal ou disciplina para 
defender o país. No caso extremo de Serra Leoa, os soldados não são apenas desmotivados e 
corruptos, eles são subversivos.9 
Para estabelecer e manter a ordem, os Estados africanos contam, muitas 
vezes, com a ajuda de firmas particulares de segurança (ou “mercenários corporativos”). 
Alguns vêem essas firmas como provedoras de serviços úteis aos Estados - contanto que seus 
pagamentos sejam feitos em dia.10 Já para outros, trata-se da maior e mais sofisticada ameaça 
à paz, soberania e autodeterminação das pessoas de muitos países africanos. 
De fato, os desafios políticos, militares, econômicos e sociais enfrentados 
pelos Estados são tão grandes que alguns nem mesmo conseguem operar sozinhos. Então, as 
tentativas por parte da comunidade internacional no sentido de reverter esse caminho se 
tornam em vão. Em decorrência da seqüência das guerras civis devastadoras especialmente na 
Libéria e na Somália, assim como o despertar imediato decorrente do genocídio em Ruanda, 
chegou a ser proposto que certas partes da África fossem re-colonizadas, desta vez pelas 
Nações Unidas, com propósitos humanitários, até o momento em que o Estado estivesse 
 
8 Os dados apresentados por esta revista podem der questionáveis já que a AIDS se tornou uma “doença 
política”, usada como apelo de marketing para atrair mais dinheiro em doações. VEJA. São Paulo: Abril, 1917 
ed., n. 32, 2005. 
9 GEORGES, Abi-Saab. La deuxième génération des opérations de maintien de la paix. V. 4, n. 20, 1992. 
10 RENO,William. Privatizingthe war in Sierra Leonne. Current History, maio,1997. 
11 
preparado a governar efetiva e humanitariamente.11 Esse sentimento é considerado por alguns 
muito radical e pouco provável. 
O aumento de conflitos civis no Pós-guerra Fria gerou conseqüências 
severas. A população civil se tornou combatente e está armada. Houve uma necessidade de 
surgimento de novas formas de garantir a segurança da população civil uma vez que os 
tradicionais meios de contenção de conflitos não são suficientes nas crises atuais. Hoje vemos 
o aumento de massas em deslocamento, grupos de refugiados e genocídios.12 
1.2 Responsabilidade Internacional dos Estados por violação aos Direitos 
Humanos 
Durante a Guerra Fria, as ações do Conselho de Segurança da ONU 
estiveram congeladas pela tensão provocada pela disputa entre Estados Unidos e União 
Soviética. Ainda havia, mesmo assim, preocupação com a defesa de indivíduos e minorias 
étnicas e o combate a governos opressores. Os conflitos atuais, no entanto, decorrem de 
violência dentro dos próprios países. Isso faz com que a população se arme em defesa de suas 
vidas e proteção às suas etnias gerando então sérias conseqüências humanitárias. Facilmente 
conclui-se que a substituição dos tradicionais conflitos entre Estados por conflitos entre civis, 
já no pós-guerra, exige medidas mais apropriadas para manutenção da paz. 
Em 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a ‘Declaração 
Universal dos Direitos Humanos’ com o objetivo de tentar estabelecer um padrão de 
conquistas para todos os povos e Nações. O impacto dessas normas pode ser avaliado 
analisando o porquê, como, e sob que condições as normas internacionais influenciam as 
ações dos Estados. 
 
11 MAZRUI, Ali A. Decaying parts of África need benign colonization. The International Herald Tribune, 4 
de agosto de 1994. 
12 SZCLARZ, Eduardo. Aqui e agora: um país africano é palco de um genocídio e ninguém faz nada. 
Superinteressante. Out. 2005. 
12 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos contem artigos que detalham 
os direitos ao trabalho, ao descanso, dentre outros. Escolhi acompanhar em especial o 
progresso do direito à vida. Isso não significa que os outros sejam de menor importância. 
Ocorre que o direito básico à vida é amplamente institucionalizado em tratados internacionais 
que países ao redor do mundo ratificaram, ou seja, com eles concordaram. Hoje, para aferir a 
aplicabilidade dessas normas, podemos contar com a ajuda dos dados fornecidos pela Anistia 
Internacional, pelas Nações Unidas e suas Missões. Eles detêm ampla informação sobre os 
níveis em que os direitos humanos são praticados, ou negligenciados no mundo. 
Uma melhoria na estabilidade dos direitos humanos requer medidas de 
transformação política em qualquer Estado. Ou seja, a manutenção dos direitos humanos 
caminha lado a lado com reestruturação interna. Os governos são considerados aceitantes da 
validade das normas de direitos humanos quando, em primeiro lugar, ratificam os tratados 
internacionais de direitos humanos, incluindo os protocolos opcionais. Essas normas devem 
estar institucionalizadas na Constituição do país e / ou em suas leis internas. Deve haver 
também algum mecanismo para que o cidadão possa denunciar qualquer tipo de violação aos 
Direitos Humanos.13 
O estudo de manutenção da paz na África é muito importante. Numa época 
em que os Estados africanos estão assumindo um grau maior de responsabilidade pela 
promoção da paz e segurança em seu continente, os autores de um outro trabalho bastante 
interessante oferecem uma detalhada descrição dos esforços dos Estados africanos para apoiar 
programas que enfatizam suas próprias capacidades. Em seu livro, Eric G. Berman e Katie E. 
 
13 ROPP, Stephen C.; SIKKINK, Kathyryn. The power of human rights: international norms and domestic 
change. Reino Unido: Cambridge University Press. 1999. 
13 
Sams14 revisam os efeitos de uma crescente tendência da comunidade internacional em 
confiar em organizações regionais que promovam a paz e a segurança na África, analisando 
tanto os esforços internos quanto as forças externas para desenvolver a capacidade individual 
e coletiva dos países africanos de encarregar-se das operações de manutenção da paz. 
1.3 Operações de Paz da ONU 
Com o fim da Guerra-Fria, as Missões de Paz se expandiram por todo o 
mundo. No entanto, acredito que devido ao rastro deixado pelas dificuldades experimentadas 
na Somália em 1993, que representaram um acordar para a ONU, as operações de paz em 
larga escala têm sido abandonadas e substituídas por missões menores e mais especializadas 
de monitoração. Entre 1989 e 1993, dez Missões foram autorizadas pelas Nações Unidas para 
atuarem por toda a África. Nos cinco anos seguintes, somente cinco foram instaladas.15 
O Conselho de Segurança da ONU, criado em 1945, era inerte e, até 1990, 
incapaz de tomar qualquer decisão para prevenir conflitos. Ele contava com o consentimento 
de todas as partes envolvidas e monitorava acordos de cessar-fogo. 
As operações de paz representam uma tentativa de resolver, ou mesmo 
amenizar, as conseqüências humanitárias dos conflitos internacionais. É considerado o 
primeiro passo em direção à intervenção humanitária, até porque em sua trajetória, o uso da 
força foi sofrendo ampliações. 
 
14 BERMAN, Eric G. ; SAMS, Katie E. Peacekeeping in Africa: Capabilitiesand Culpabilities. Unites Nations 
Publications, 2000. 
15 Ob.loc.cit. 
14 
As operações são estabelecidas pelo Conselho de Segurança, que decide seu 
tamanho, seus objetivos e seu tempo no campo. As tropas têm acesso a armamentos mais 
leves e devem usar força apenas como último recurso e em autodefesa.16 
1.4 O conflito na Somália 
1.4.1 A colonização e luta pela independência 
O sul da Somália se tornou colônia italiana em 1904. Em 1936, a Itália 
invadiu também a Etiópia e passou a dominar o extremo leste da África. Em 1941, durante a 
II Guerra Mundial, a Somália italiana foi ocupada pelos britânicos, aí começaram as primeiras 
rebeliões contra o colonialismo. O movimento nacionalista ganhou impulso em 1945 com a 
formação de organizações anticolonialistas. No pós-guerra, o Reino Unido entregou à Etiópia 
o deserto de Ogaden, que fazia parte da Somália, provocando indignação entre os somalis. 
Uma decisão da ONU deu à Itália mandato para administrar temporariamente sua ex-colônia 
no sul da Somália. A independência ocorreu em 1960, com a retirada de italianos e britânicos 
e a unificação da Somália, que se tornou uma República. Em 1969, um golpe militar levou ao 
poder o general Siad Barre.17 
Tensões com a Etiópia pela posse de Ogaden, habitado por somalis, levaram 
à invasão do território pela Somália em 1977, deflagrando a Guerra do Chifre da África. A 
URSS, até então aliada do regime somali, mudou de lado e apoiou a Etiópia. A Somália 
voltou-se para os EUA. Em 1978, as tropas somalis foram expulsas de Ogaden pela Etiópia 
com a ajuda de soldados cubanos. Um milhão de somalis que viviam em Ogaden tornam-se 
refugiados na Somália. Combates prosseguiram em Ogaden até a assinatura do acordo de paz, 
em 1988, que incorporou a região à Etiópia. 
 
16 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança Internacional e Direitos Humanos. A prática da intervenção 
humanitária no pós-guerra fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.p.49. 
17 África- uma porta para o mundo.Disponível em: 
<http://www.catolicanet.com.br/gf/conteudo.asp?pagina=458>. Acesso em: 19 out. 2005. 
15 
1.5 O conflito na década de 90 
O general Barre governou ditatorialmente até 1991, quando foi derrotado 
por uma coligação de grupos rebeldes e fugiu do país. As facções vitoriosas estavam divididas 
e a Somália passou a ser uma nação sem governo, com mais de 20 clãs armados lutando entre 
si. Os principais pertenciam ao Congresso da Somália Unificada (USC), movimento dividido 
em duas facções rivais: uma liderada pelo presidente interino Ali Mahdi Mohammed e outra 
chefiada pelo general Mohammed Farah Aidid, que, em 1992, fundou a Aliança Nacional da 
Somália (SNA). Outro grupo expressivo era o clã Isac, reunido no Movimento Nacional da 
Somália (SNM), que conquistou o norte e autoproclamou a "República da Somalilândia" - não 
reconhecida internacionalmente, em abril de 199118. 
Nesse ambiente de caos a fome se alastrou. Entidades humanitárias 
estrangeiras enviavam alimentos que eram confiscados pelos grupos armados, em especial 
pelo clã de Aidid. Tropas dos EUA intervêm na Somália, com autorização da ONU, em 1992. 
No ano seguinte foram substituídas por uma força de paz da ONU, a ONUSOM, que também 
entrou no combate contra a guerrilha de Aidid. Pouco depois, os EUA retornaram com tropas 
especiais e bombardearam posições de Aidid, sem derrotá-lo. A pressão da opinião pública 
norte-americana, contrária ao envolvimento na Somália, levou a uma nova retirada dos EUA 
em 1994. A intervenção militar internacional terminou em 1995, com a saída das últimas 
tropas. Um confronto entre clãs na Somalilândia, em 1995, deixou centenas de mortos e 
refugiados, que se dirigiram para a Etiópia. Em agosto de 1996, Aidid morreu em combate e 
foi substituído por seu filho Hussein Mohammed Aidid. Em fevereiro de 1997, Mohammed 
 
18 NEIR, Aryeh. Bloody Somalia. Nation, v. 246, Issue 25, 25 jun.1988, p.8884-885. 
16 
Ibrahim Egal foi reeleito para presidente da Somalilândia. Nos meses seguintes, a seca 
prolongada agravou a fome no sudoeste do país.19 
 Em dezembro de 1997 – após um ano de negociações –, a maioria dos 
grupos políticos em atividade na Somália assinou declaração conjunta no Cairo (Egito) 
visando à pacificação do país. Uma das medidas acertadas foi a instituição de um Conselho 
Presidencial e de um Legislativo. Em maio de 1998 formou-se um governo de transição 
integrado pela maioria das facções. Os combates, porém, não cessaram. Em junho, a violência 
entre clãs no sul matou cerca de 40 pessoas. Em setembro entrou em funcionamento um 
Parlamento Regional na autoproclamada região autônoma de Puntland (nordeste do país). 20 
Em 1979, ansioso por obter assistência econômica e militar americana, Siad 
Barre promulgou uma nova Constituição Liberal. Aprovada por um referendo nacional, esta 
Constituição estipulava a restauração de muitos direitos civis que haviam sido extintos. Era 
‘garantida’ a liberdade de expressão, religião, publicação e o direito de participar em 
assembléias e organizações. A Constituição também apoiava a inviolabilidade do lar e 
privacidade de correspondência. 
Em novembro de 1992, a administração do presidente Bush mandou 30.000 
soldados americanos para a Somália, no que foi descrito como uma ‘missão humanitária’ para 
oferecer assistência na distribuição de mantimentos que vinham sendo interceptados pelas 
milícias armadas e então não alcançavam a população civil necessitada. A situação do país era 
de caos profundo: massas de deslocados por suas fronteiras, não havia instituições jurídicas, 
políticas ou administrativas, um milhão e meio de pessoas estavam à beira da morte e mais de 
 
19 NEIR, Aryeh. Bloody Somalia. Nation, v. 246, Issue 25, 25 jun.1988, p.8884-885. 
20 A country studies – Somalia .The library of Congress. Junho, 2005. Disponível em: 
<http://lcweb2.loc.gov/frd/cs/sotoc.html > Acesso em: 12 ago. 2005 
17 
300 mil já haviam morrido pela fome.21 O Conselho de Segurança das Nações Unidas apoiou 
a iniciativa de garantir a assistência humanitária à população civil no mês seguinte pela 
Resolução 794. 
Inicialmente muitos somalis ficaram gratos pela ajuda americana. No 
momento em que as tropas americanas começaram a chegar, a maior parte do país não 
funcionava em paz e a falta de comida se alastrava. No entanto, poucos somalis podiam estar 
envolvidos com as decisões tomadas neste momento crucial. 
A maioria dos somalis passou a ver as forças americanas como 
representantes do governo que havia sido o maior apoiador da tão odiada ditadura. A presença 
estrangeira em um país que tinha sido libertado do domínio colonial por pouco mais de três 
décadas se transformou em repulsão e sentimento de indignação. Contribuindo para estas 
preocupações havia o fato de que as tropas americanas que chegavam à Somália eram forças 
de combate de elite, e não treinadas para missões humanitárias. As tropas não tinham 
treinamento adequado já que eram formadas por pessoas de várias nacionalidades que não tem 
treinamento regularmente. Esses integrantes têm dificuldade de interagir com a população e 
entender sua realidade social. O ideal seria que seus atos fossem supervisionados por uma 
organização nacional e que todos os envolvidos tivessem ciência do limite do mandato que 
cumprem. Talvez esses problemas no campo pudessem ser evitados se a ONU tivesse tropas 
próprias. Importante salientar que as tropas de um exército, de qualquer Estado que ele seja, 
são treinadas para matar, e da forma mais eficaz possível; não são treinadas para distribuir 
comida ou dar qualqueroutro tipo de assistência humanitária. 
 
21 WEISS, Thomas. The United Nations and changing world politics. Westview Press, 1994. 
18 
Milhares de armas enviadas pelos americanos às forças armadas de Barre 
acabaram ficando nas mãos da milícia rival que as utilizaram não só contra as tropas 
americanas como também para obstar a distribuição dos mantimentos. Os soldados 
americanos passaram a ser ouvidos repetindo o slogan :”The only good somali is a dead 
somali”. 22 A luta pelo poder entre tribos e clãs rivais colocou a Somália em guerra civil, num 
estado de miséria mais agudo do que aquele cotidianamente vivido no Leste da África. Em 
seu plano de paz a ONU enviava medicamentos e comida à população do país. Os milicianos 
do exército do truculento Mohamed Farah Aidid, o "Hitler da Somália", entretanto, 
interceptavam os fornecimentos. 
Em maio de 1993, os Estados Unidos finalmente transferiram esta missão 
falha para as Nações Unidas. Esta foi a primeira vez que a corporação mundial combinou 
peacekeeping, peacenforcement e assistência humanitária, assim como também foi a primeira 
vez que as Nações Unidas intervieram sem um convite formal do governo anfitrião (porque 
não havia nenhum).Tanto a figura de peacekeeping como peacenforcement devem ser 
autorizadas pelo Conselho de Segurança de acordo com a gravidade do conflito. Na primeira, 
as partes envolvidas e o governo consentem e estão dispostas a colaborar com a Missão, há 
um estado de paz para ser preservado. A sua principal função é intermediar acordos dentro da 
região. Se partirmos para um cenário de peacenforcement, é sinal de que a primeira tentativa 
falhou. Já nessa situação, as forças armadas sob o comando de um país (sob legitimidade da 
ONU) fazem valer o teor do mandato coercitivamente com a principal função de desarmar a 
população e impor a paz. Trata-se de uma conjunção de atividade política, militar e 
humanitária, o que normalmente não costuma ser eficaz. A assistência humanitária tanto pode 
 
22 ÖSTERDAHL, Inger. By all means, intervene! (The Security Council and the Use of Force under Chapter VII 
of the UN Charter in Iraq (to protect the Kurds), in Bosnia, Somalia, Rwanda and H iti). Nordic Journal of 
International Law, v. 66 ,Issue 2/3, May.97, p241-271. 
19 
representar um ato de força para desarmar a população, conter a violência ou simplesmente a 
distribuição de remédios e alimento. 
Pouca era a confiança depositada nas Nações Unidas pelos somalis, 
especialmente quando o Secretário Geral das Nações Unidas passou a ser Boutros-Ghali, 
grande apoiador de Barre quando esteve à frente das relações exteriores do Egito. 
Apesar de as Nações Unidas estarem tecnicamente no controle, as forças 
americanas continuavam agindo de forma agressiva. A batalha de Mogadishu (dramatizada no 
filme “The Black Hawk Down”) resultou na morte de 18 marines americanos e centenas de 
civis. A principal missão americana na Somália passou então a ser a proteção de suas próprias 
tropas que sabemos, tem como “filosofia” que “nenhum homem deve ser deixado para trás”. 
Essa fracassada manobra militar promovida pelo exército americano na 
Somália, em outubro de 1993 foi concebida pelo general William Garrison e executada por 
um grupo de soldados de elite que resolvem invadir a cidade Mogadishu para capturar dois 
importantes líderes e integrantes do governo do ditador Farrah Aidid, que comandava a 
guerrilha e afundava o país na guerra civil e que vinha promovendo um longo massacre no 
país. O problema é que toda a cidade estava a favor de Aidid. Tão mal preparados estavam os 
soldados que chegaram em local desconhecido e deram ordem de prisão a Aidid. 
 Ao subestimar a força das milícias locais, a Inteligência Militar americana 
colocou suas tropas em uma posição vulnerável. Os soldados tentaram resgatar os feridos, 
mas acabaram sendo cercados por uma hostil e assustadora multidão de guerrilheiros. Com 
isso, uma manobra que deveria durar apenas meia hora se arrastou por várias horas, 
resultando na morte de mais de mil somalis. O resultado foi desastroso, assim como se provou 
ser a guerra do Vietnã. Um grupo de soldados que teoricamente fazia parte da Força de Paz da 
20 
Organização das Nações Unidas entra em uma guerra sem sentido e além disso somalis foram 
trucidados sem piedade. 
Afinal, o que os Estados Unidos estavam fazendo lá? Aquilo era, acima de 
tudo, uma guerra civil. É claro que a crueldade com que o ditador estava lidando com sua 
população precisava ser combatida, mas até que ponto essa ação militar ajudou em alguma 
coisa? Até que ponto mais violência ajudou a resolver o problema? 
O presidente Bill Clinton ordenou a retirada das tropas americanas em maio 
de 1994. A última missão de “peacekeeping” foi levada pela ONU um ano mais tarde. A 
intervenção americana na Somália hoje é considerada um fiasco. Não fosse esse relevante 
fiasco, o incidente de Ruanda, por exemplo, talvez pudesse ter sido contornado, ao menos 
amenizado. Nunca saberemos. 
1.6 O conflito armado 
1.6.1 Características 
A dificuldade de regular os direitos das vítimas de conflitos em um país é 
clara, já que os tratados sobre o direito da guerra foram elaborados antes da Segunda Guerra 
Mundial. O direito humanitário de proteção às vítimas tem seu respaldo nas Convenções de 
Genebra e em dois protocolos de 1977, um trata das vítimas de conflitos armados 
internacionais e o outro das vítimas de conflitos não internacionais. A classificação desses 
conflitos também não é simples. A maioria deles envolve um enorme número de pessoas, 
etnias, religiões diferentes lutando por objetivos diferentes. 
A interpretação dada de acordo com o artigo 3°, comum às quatro 
Convenções de Genebra de 1949, é que uma situação é reconhecida como conflito armado 
não-internacional quando existem hostilidades abertas no território de um Estado, entre forças 
21 
armadas e/ou grupos armados sob um comando responsável, ou seja, com um mínimo de 
organização, cuja ação hostil apresente um caráter coletivo. De maneira complementar, para 
melhorar a proteção das vítimas dos conflitos armados, o conceito de conflito armado não-
internacional foi especificado no 1° artigo do Protocolo Adicional II de 1977. Fundamentados 
nas exigências humanitárias e na boa fé, o Protocolo Adicional II e o artigo 3°, comum às 
Convenções de Genebra, são aplicados quando se apresenta, de fato, uma situação de conflito 
armado. Mais do que isso, as normas deste artigo 3° têm valor consuetudinário e devem ser 
minimamente aplicadas e respeitadas – sem distinção – pelas forças armadas e pelos grupos 
armados organizados. Cabe apontar que a aplicação das disposições anteriores não afeta o 
estatuto jurídico das partes em conflito nem os reconhece23. 
Diversos comentadores considerariam que se deve aplicar as leis da guerra 
“sempre que forças armadas regulares se envolvem em batalha contra forças armadas 
regulares de um estado estrangeiro, ou entram no território de um estado estrangeiro sem 
permissão”. “Entrar em combate” parece visualizar uma contenda física e “entrar no território 
de um estado estrangeiro” visualiza uma entrada física. 
1.6.2 Quando são aplicados esses direitos
24
 
As leis dos conflitos armados também são chamadas de leis da guerra. O 
primeiro termo é mais adequado, pois os Estados-Nações, hoje em dia, raramente declaram 
guerra, mas freqüentemente envolvem-se em conflitos armados além de o termo ‘guerra’ ter 
um alcance menos amplo. As leis dos conflitos armados aplicam-se sempre que dois Estados-
Nações se envolvem em um conflito. “Qualquer desavença que surja entre dois Estadose leve 
à intervenção de membros das forças armadas é um conflito armado, de acordo com o artigo 
 
23 Ten WILLIM, Fenrick J. The rule of proportionality and protocol I in conventional warfare. Military Law 
Review 98 , (1982): 91. O Coronel Fenrick era assessor legal das Forças Canadenses. 
24 FIELD MANUAL. The law of land warfare. (FM) 27-10, 18 July 1956, Article 34. 
22 
2°, mesmo que uma das partes negue a existência do estado de guerra”. Isto apenas desloca a 
questão para o que constitui “intervenção”, mas, de novo, parece que se trata de contenda 
física. Há três princípios básicos centrais às leis do conflito armado.25 
O princípio da necessidade militar “permite a aplicação de apenas o grau de 
força exigida para a submissão completa ou parcial do inimigo com o mínimo desperdício de 
vidas, tempo e recursos físicos, desde que esse grau de força controlada não seja proibido, por 
alguma outra razão, pelas leis da guerra.” Esse princípio também pode ser definido como “as 
medidas que são indispensáveis para garantir os fins da guerra e que são legais de acordo com 
as leis e os usos modernos da guerra”. 26 
O segundo princípio básico é o princípio de humanidade. Sua finalidade é 
proibir o emprego de qualquer espécie ou grau de força que não seja necessário para o 
propósito da guerra, quer dizer, para a submissão parcial ou completa do inimigo com a 
mínima perda possível de vidas, tempo e recursos físicos. 
As leis do combate terrestre proibiram o emprego de “armas, projeteis ou 
material calculado para produzir sofrimento desnecessário”. Por exemplo: lanças com pontas 
farpadas, balas de formato irregular, ou balas mergulhadas em substâncias inflamáveis ou 
projeteis recheados de vidro. A Convenção de 1981 Sobre a Proibição ou Restrição de Certas 
Armas Convencionais que podem ser julgadas excessivas ou ter efeitos indiscriminados 
acrescentou armas que resultassem em fragmentos não detectáveis no corpo, minas, 
armadilhas de minas e armas incendiárias. 
 
25 PICTET, Jean S. Commentary, Geneva Convention Relative to the Protection of Civilian Persons in Time of 
War, v. 4 , Geneva: International Committee of the Red Cross, 1958, p. 20. 
26 LEPARD, Brian D. Rethinking humanitarian intervention. The Pennsylvania State University Press, 2002. 
23 
O terceiro princípio básico das leis do conflito armado é princípio do 
cavalheirismo. Sua premissa é que o combate de uma guerra deve ser feito “de acordo com as 
formalidades e cortesias reconhecidas”. Esse princípio reconhece que, freqüentemente, iludir 
o adversário é fundamental para uma vitória militar, e não proíbe o uso dessa prática, mas 
ressalva como e quando ela possa ser usada.27 
1.6.3Legitimidade para se envolver no conflito 
Um conjunto de fatores (que representa) a comunidade internacional faz 
com que ela unida venha intervir na soberania de um país, quando este demonstra claramente 
sua incapacidade ou falta de interesse em defender seus cidadãos do genocídio, dos crimes de 
guerra e da limpeza étnica. Isso amplia a interpretação das normas que tangem os conflitos 
internacionais. As leis internacionais de antes se limitavam em estabelecer tratados e leis de 
guerra, hoje elas tem que ser mais abrangentes, já que as Intervenções Humanitárias por causa 
de violação aos Direitos Humanos em decorrência do conflito armado, são uma novidade da 
década de 90. 
 
 
27WEIZENBAUM, Joseph. Computer power and human reason: from judgment to calculation. American 
Journal of International Law. 86. São Francisco, out. 1992. 
2 ATUAÇÃO DA ONU NA SOMÁLIA 
2. 1 Intervenção Humanitária 
Demais era esperado das Nações Unidas com o desfecho da guerra-fria e ela 
se provou incapaz de alcançar tais expectativas. O mundo pós-Guerra Fria é marcado por 
abusos aos direitos humanos, crises humanitárias e guerras civis. É um cenário diferente ao 
qual a ONU teve que se adaptar cumprindo a proposta de manter a paz mundial, já que antes 
essas questões eram consideradas responsabilidade do próprio Estado. Os mecanismos para 
manutenção da paz se tornaram, por um instante, serviços de emergência da comunidade 
internacional, até mesmo em momentos em que não havia sequer paz para ser mantida, casos 
em que os civis não são mais vítimas acidentais, mas sim combatentes. A ONU estava abalada 
no pós-Guerra Fria, passando por tensões e muitos de seus Estados membros desacreditados, 
uma vez que sua eficácia como medida de defesa aos direitos humanos passou a ser 
questionada. A ONU contratou algumas ONG’s para desempenhar suas tarefas de assistência 
no Camboja, por exemplo. Só na antiga URSS, mais de vinte conflitos violentos resultaram 
em centenas de mortos. 
O ponto decisivo foi então a Somália. A situação era vista como um risco 
sem precedentes que almejava nada menos que a reestruturação de um país inteiro a fim de 
torná-lo capaz de operar sozinho. Os esforços da comunidade internacional na Somália mal 
chegaram perto dessa expectativa. Uma força multinacional implementada pelas Nações 
Unidas (ONUSOM I) autorizada pela resolução 751,28 de abril de 1992, conseguiu 
 
28 Resolução 751: Pede insistentemente a todas as partes e a todos os movimentos e facções que facilitem os 
esforços que a ONU e suas instituições especializadas, bem como as organizações com vocação humanitária 
empreenderam com vista a levar uma assistência humanitária de urgência à população da Somália, e pede 
25 
brevemente distribuir ajuda humanitária, o que foi crucial para a população. No entanto, as 
duas operações de paz (ONUSOM I e II) provaram ser deficientes em equipamentos e 
pessoal, além de incapazes de auxiliar a reestruturação do governo local para trazer, enfim, a 
paz para a Somália. Depois de uma considerável perda de vidas e muito pouco progresso, os 
peacekeepers se retiraram em março de 1995. A deficiência e o colapso da Somália 
precipitaram um rápido e decisivo toque de recolher das missões da ONU globalmente. Ao 
mesmo tempo em que isso acontecia, os cinco membros permanentes do Conselho, liderados 
pelos Estados Unidos, se tornaram cada vez mais relutantes em compromissar suas tropas e 
seu dinheiro para apoiar tentativas de manutenção da paz como esta. Como resultado, as 
metas da comunidade internacional em relação à manutenção da paz se tornaram mais 
modestas. 
O abuso aos direito humanos na década de 90 rompeu a paz e a segurança 
internacional e deu ensejo às intervenções humanitárias: um conjunto de fatores que 
representa a comunidade internacional unida para intervir na soberania de um país, quando 
este demonstra claramente sua incapacidade ou falta de interesse em defender seus cidadãos 
do genocídio, dos crimes de guerra e da limpeza étnica. Isso amplia a interpretação das 
normas que tangem os conflitos internacionais. Os Direitos Humanos protegem o indivíduo 
em face de abusos cometidos pelo Estado, em tempo de paz. O Direito Humanitário é uma 
espécie de direitos humanos e rege as relações entre combatentes em tempos de conflito, 
colocando a salvo civis, doentes, náufragos, prisioneiros, dentre outros. O direito do uso da 
força refere-se à interpretação do capítulo VII da Carta da ONU, que vai estabelecer as 
hipóteses em que o uso da força é legal e legítimo na comunidade internacional. As leis 
internacionais de antes se limitavam em estabelecer tratados e leis de guerra, hoje elas têm 
 
novamente que sejamrespeitadas a garantia e a segurança do pessoal das organizações e que seja garantida a 
total liberdade de movimento em Mogadíscio e nos arredores, bem como em outras partes da Somália. Na 
ausência de cooperação, o Conselho de Segurança não exclui a possibilidade de tomar outras medidas para 
assegurar o encaminhamento da ajuda humanitária. 
26 
que ser mais abrangentes29 já que as Intervenções Humanitárias por causa de violação aos 
Direitos Humanos são uma novidade da década de 90. 
2.1.1 O complexo conceito de Intervenção Humanitária (necessidade de autorização 
do uso da força pelo Conselho de Segurança a partir do capítulo VII da Carta 
da ONU) 
O conceito de intervenção humanitária já foi definido de várias formas,e não 
há uma definição normativa fixada nos documentos de direito internacional. Em princípio, 
todo Estado é independente. O princípio da soberania diz respeito à garantia de não- 
intervenção de um Estado ou organização na condução de um governo. A intervenção nos 
assuntos internos de um outro Estado é uma violação do direito internacional. Porém, a 
intervenção humanitária passa a ser uma ação legítima da sociedade internacional quando o 
Estado trata a sua população de forma brutal e há extremo sofrimento humano. Quando a 
obrigação de proteger seus cidadãos é negligenciada, o direito a autonomia soberana pode ser 
negado por uma decisão coletiva. 
A intervenção humanitária envolve uma situação em que principalmente os 
aspectos humanitários motivam a decisão. Os elementos que a difere da assistência 
humanitária são a falta de consentimento do governo e o uso ou a permissão do uso da força. 
A intervenção humanitária é aceita como prática legítima através da 
aplicação do Capítulo VII da Carta com o objetivo se solucionar crises humanitárias dentro de 
um país. Para ser considerada ação resultante da associação entre direitos humanos e 
segurança internacional, a resolução que autoriza a intervenção deve fazer menção ao 
Capítulo VII, declarando a situação humanitária uma ameaça à paz internacional. 
 
 
29 NOVICK, Marek Antoni (Ex-integrante da Comissão Européia de Direitos Humanos, co-fundador da 
Kelsinki Foundation, em Varsóvia, observador da ONU no Kosovo desde 2000). Além do Fato: A síndrome 
da intervenção. Disponível em: < http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/internacional/2005/11/05/jorint2005>. 
Acesso em: 23 ago. 2005. 
27 
2.1.2 A diferença entre Intervenção Humanitária e Operações de Paz 
A assistência humanitária tenta assistir os não-combatentes atingidos pelo 
conflito com distribuição de alimentos, medicamentos (distribuídos por organizações não-
governamentais, pela Cruz Vermelha), e protegendo seus direitos fundamentais. Para este tipo 
de operação (peacekeeping) funcionar, as partes envolvidas no conflito têm que estar 
dispostas a cooperar, o governo desejar a intervenção, e há um estado de paz para ser mantido. 
Já o objetivo principal das operações de peace enforcement é tentar 
desarmar a população e impor a paz (adotando embargos de armas ou embargos econômicos, 
por exemplo, ou mesmo usando a força para fazer cessar as hostilidades). Trata-se de uma 
conjunção de atividades política, militar e humanitária. As operações internacionais de paz 
devem ser extremamente bem planejadas, cautelosas e bem avaliadas. Ambas devem ser 
autorizadas pelo Conselho de Segurança. 
A não-colaboração do Estado prejudica a segurança dos que se dispõem a 
prestar essa ajuda, fazendo com que essas modalidades de intervenção não sejam suficientes 
para garantir um ambiente seguro. Quando o modelo acima referido falha, evolui-se para a 
permissão da utilização de tropas militares, que vão fazer valer o teor do mandato para 
garantir a assistência humanitária coercitivamente. Essas forças armadas ficam sob o 
comando de um país legitimado pela ONU. 
Há uma reunião de três fatores que caracterizam uma intervenção:30 “o 
objeto da ação tem que ser um Estado soberano, que se opõe à ingerência externa, e a 
intervenção deve representar um esforço de influenciar sua conduta doméstica, ocupando-se 
de tarefas em relação às quais o Estado teria titularidade.”. O principal objetivo desse tipo de 
ação deve ser a proteção de aspectos humanitários. A diferença para a ação promovida pelas 
 
30 BOUTROS-GHALI, Boutros Supplement to an agenda for peace: position paper of the secretary-general on 
the occasion of the fifth anniversary of the United Nations,. Disponível em:<http:// www.un.org>. Acesso em: 
17 jun.2006. 
28 
organizações não-governamentais e operações de peacekeeping é a permissão do uso da força 
e não é necessário o consentimento do Estado onde ela vai ocorrer. 
2.1.3 As 5 Intervenções Humanitárias autorizadas pelo Conselho de Segurança e as 
críticas: seletividade, corrupção, desconhecimento da política interna do país 
Na década de noventa, cinco intervenções foram autorizadas pelo Conselho 
de Segurança da ONU. O surgimento dos conflitos e a forma como foram tratados são bem 
semelhantes: uma delas foi a intervenção no colapso do Estado da Somália, além da 
capitulação do Iraque na intervenção do Kuwait para derrubar Sadam Hussein, a proteção da 
população civil em Ruanda, intervenção do golpe militar no Haiti e a tentativa de controlar a 
crise nos Bálcãs. 
O texto escrito por Simone Martins Rodrigues31 critica o papel das 
intervenções da ONU, que vêm violando a neutralidade e imparcialidade, princípios sobre os 
quais a ONU foi criada, passando de um modelo de ‘peacekeeping’ para ‘peace enforcement’. 
Os conflitos citados comprovam que o tipo de intervenção coercitiva pode não funcionar e 
pode ainda trazer efeitos mais danosos. Como principais exemplos desse quadro, temos 
Somália e Serra Leoa, onde os conflitos ainda persistem. O texto demonstra uma preocupação 
especial com a escolha da estratégia de prevenção ou contenção de conflitos internacionais, de 
modo a não piorar as rivalidades étnicas já existentes no local e não anular a legitimidade das 
forças internacionais.32 Outros problemas identificados são: seletividade política (intervir em 
alguns conflitos, outros não), corrupção das tropas da ONU, dificuldade de situar-se em meio 
a conflitos entre grupos e tribos diferenciados, como foi na Somália, e ainda, o interesse 
econômico de certos Estados. 
 
31 RODRIGUES, Simone Martins. Intervenção humanitária em conflitos internos: desafios e propostas. Não 
Publicado. Páginas: 01-11. 
32 RODRIGUES, Simone Martins. Intervenção humanitária em conflitos internos: desafios e propostas. Não 
Publicado. Páginas: 01-11. 
29 
2.1.4 O fracasso das Operações de Paz da Somália 
A primeira operação das Nações Unidas na Somália (ONUSOM I), 
ostensivamente uma tradicional missão de paz, demonstrou suas limitações quando atuando 
em ambiente hostil. Apesar de o Conselho ter estabelecido a operação em abril de 1992 33, os 
acordos acerca da designação de infantaria não foram alcançados até meados de agosto (em 
princípio, 500 haviam sido designados). Sem consultar os envolvidos no conflito, o Conselho 
autorizou a expansão da ONUSOM para 3.500 no fim de agosto34 e depois para 4.219 em 
setembro. Essas ações antagonizaram os envolvidos e colocaram em risco o pouco que os 
acordos iniciais já tinham alcançado.35 A esta altura, a ONUSOM compreendia apenas 54 
observadores militares e 839 soldados e a força nunca conseguiu avançar além do aeroporto 
da capital da Somália, Mogadíscio. Havia muito pouco que a missão podia fazer dado ao 
colapso que o governo já tinha sofrido. Além disso, as facções hostis constantemente 
atacavam ospeacekeepers das Nações Unidas. Conforme a crise humanitária piorava, a força 
de manutenção de paz se tornava incapaz de cumprir sua própria ordem que mandava 
monitorar o cessar-fogo, proteger os integrantes da ONU e resguardar suas atividades de 
assistência para socorro 
Apesar da existência da United Task Force (UNITAF)e da coalizão 
multinacional liderada pelos Estados Unidos que foi autorizada a cooperar trabalhando lado a 
lado com a UNOSOM, ela não tinha como se manter e se abastecer. Em face a situação de 
maior deterioração dos direitos humanitários, em dezembro de 1992, o Conselho de 
Segurança autorizou que os Estados Membros “usassem todos os meios necessários para 
 
33 UN Document S/RES/751 (1992), 24 de abril de 1992. 
34 UN Document S/RES/775 (1992), 28 de agosto de 1992; UM Document S/24480, The situation in Somália: 
report of Secretary-General, 24 de agosto de 1992, p37 
35 Fighting for hope in Somália, Peacekeeping and Multinational Operation., n. 6, Oslo: Norsk 
Utenrikspolitisk Institut, 1995,p.28. 
30 
estabelecer, o mais rápido possível, ambiente seguro para a atuação das operações 
humanitárias na Somália com base no Capítulo VII da Carta”. 36 
2.2 Atuação do Conselho de Segurança 
Em dezembro de 1992 o Conselho de Segurança aceitou uma oferta dos 
Estados Unidos para liderar uma operação militar para permitir a ajuda humanitária, fazendo 
com que os líderes dos clãs e ladrões parassem de interferir no esforço internacional em 
distribuir comida para os somalis que morriam de fome. Aqui fica uma dúvida: porque tal 
interesse estratégico na Somália ,uma país pobre, sem nenhuma influência no mundo? Havia 
outros países na região em situação pior, como Angola. Especulo: exploração do subsolo rico 
em petróleo? 
A intervenção foi autorizada a partir da resolução 794 do Conselho de 
Segurança, invocando o capítulo VII para autorizar o estabelecimento da UNITAF37 (Unified 
Task Force). Pela Resolução 794, as Nações Unidas reconheceram que a situação na Somália 
estava se deteriorando, e, devido à complexidade da questão, requeria uma resposta 
excepcional e imediata. A magnitude da tragédia humana causada pelo conflito criou 
obstáculos para a distribuição de assistência humanitária constituindo assim uma ameaça à 
paz e segurança da comunidade internacional. Com essa justificativa, o Conselho de 
Segurança autorizou o uso de todos os meios de força necessários para estabelecer, o mais 
rápido possível, um ambiente seguro para a distribuição de ajuda humanitária, sendo 
permitido o uso da força militar. Esta Resolução foi a primeira a estabelecer uma operação 
explicitamente sob o Capítulo VII (que trata dos casos de ameaça à paz e à segurança 
internacionais) e contou com o apoio do Conselho bem como dos membros africanos. 
 
36 UN Document S/RES/794 (1992), 3 de dezembro,1992 
37 A UNITAF era constituída de 24 países que desembarcaram em Mogadíscio em dezembro de 1992. Visava 
diminuição da fome reduzir o número de mortos. 
31 
A ONU já havia, mais cedo no mesmo ano, provido uma pequena força de 
peacekeeping, autorizada pela Resolução 775 (28 de agosto) que tinha se provado incapaz de 
proteger as operações de ajuda que vinham de fora (como a UNITAF). A operação não foi 
solicitada por um governo que pudesse dizer ser o representante do Estado soberano da 
Somália, ela foi iniciada pelo Conselho de Segurança por pedido de organizações e Estados-
membros. Os Estados Unidos proveram a maioria das forças armadas, que receberam o 
codinome Operation Restore Hope, outros países do leste também contribuíram com 
pequenas contingências militares. A intervenção fez com que fosse possível pôr fim à fome na 
maioria do país com poucas mortes e feridos. Seu comando principal era que todos os 
partidos, movimento e facções somalis cooperassem com os esforços das Nações Unidas (por 
meio de suas agências especializadas e organizações humanitárias) no sentido de garantir a 
liberdade de locomoção das tropas especialmente na região de Mogadíscio.38 
Na primavera de 1993, no entanto, as Nações Unidas tiveram que adotar 
violenta ação militar contra um líder de um dos clãs que disputava o poder. Os apoiadores 
desse chefe estavam amplamente armados e já teriam supostamente atacado e ferido soldados 
membros das Nações Unidas. Um grande número de civis foi morto e ferido no curso desta 
ação, o que fez com que críticas fossem levantadas a respeito do mandato em questão das 
Nações Unidas e, particularmente, se a ONU havia extrapolado sua responsabilidade ao se 
envolver diretamente na guerra civil somali ao não definir precisamente o teor do mandato 
contido na Resolução. 
A Carta da ONU prevê os meios pacíficos de resolução de conflitos no 
Capítulo VI. É estabelecido que fracassados todos os meios pacíficos, o Conselho pode optar 
por outras medidas para que suas decisões sejam cumpridas. Essas medidas podem não 
 
38 S/RES/775 (1992) 
32 
envolver o emprego de forças armadas ou se tratarem de ações militares intervencionistas, 
porém o uso da força é repelido no artigo 2 da Carta :“todos os membros deverão evitar em 
suas relações internacionais a ameaça ou o uso de força contra a integridade territorial ou a 
independência política de qualquer Estado ou qualquer outra ação incompatível com os 
propósitos das Nações Unidas”. Não há, no entanto, nenhuma especificação sobre o tipo ou 
extensão das tropas a serem usadas numa ação militar. As ações militares da ONU têm a 
função de forçar as partes combatentes a concordar com um cessar-fogo por isso seria 
necessário mais que uma força de manutenção de paz. Esse uso da força foi autorizado pela 
primeira vez na Somália. 
No mesmo período em que a ONU ficou marcada pela desorganização de 
suas agências operacionais e pela falta de vontade política por parte das grandes potências, o 
presidente Siad Barre fugia para o Quênia e era adotada a Resolução 794. A situação da 
Somália era caótica e mesmo assim o pessoal da Organização foi retirado da Somália em 
janeiro de 1991 sob a alegação de que lhes faltava condições seguras em Mogadíscio. O apoio 
humanitário foi deixado por conta de organizações não-governamentais e da Cruz Vermelha. 
Mesmo depois de o Estado da Somália ter entrado em colapso, sem governo reconhecido, não 
houve a destinação do dinheiro designado para fins humanitários devido ao comportamento 
inerte do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Mesmo assim a sociedade 
internacional ainda não havia se mobilizado para a questão. O ambiente para a atuação de 
manutenção da paz se tornou extremamente perigoso, demandando mais autoridade para o uso 
da força, o que mistura os princípios das operações de manutenção da paz com ação 
coercitiva. Então, a permissão para utilização de todos os meios de força na Somália não se 
deu em último caso, depois de fracassados todos os meios pacíficos de resolução de conflitos. 
Foi uma operação ineficiente desde o momento em que não havia paz para ser mantida. 
33 
Ainda em 1993, a confusão crescente das tropas das Nações Unida em tentar 
prender o líder de um dos clãs guerrilheiros estava provocando controvérsias fazendo com que 
as missões humanitárias internacionais perdessem sua credibilidade. Em 5 de junho, forças 
sob o comando de Aidid atacaram forças paquistanesas em Mogadíscio. O Conselho de 
Segurança denunciou Aidid por ter cometido crimes de guerra. O comandante americano 
frente a ONUSOM II proclamou Aidid um fora da lei e instituiu uma recompensa por sua 
captura. Ele foi muito criticado, pois esse ataque foi interpretado como umfavorecimento a 
uma das facções em luta.39 Alguns membros do congresso dos Estados Unidos exigiram que o 
presidente Clinton retirasse os militares da Somália. Porém, em agosto de 1993, mais 
combatentes foram despachados para auxiliar a perseguição a Aidid. Tudo o que havia sido 
alcançado estava em perigo de se perder dada essa ‘virada’ nos acontecimentos. O presidente 
americano anunciou a retirada das tropas dentro de seis meses. 
A Somália tinha se tornado um protetorado das Nações Unidas, menos 
quanto ao nome. Não apenas a comunidade internacional interferiu militarmente na Somália, 
mas também as Nações Unidas tomaram para si a responsabilidade de governar o país até o 
momento que o Estado somali pudesse ser reconstruído (RES 814/1993). 40 O governo 
consistia de um comitê de ONGs, um comandante e um mensageiro da ONU, marcando a 
partida da era pós-colonial ,na qual a intervenção era um proibição internacional absoluta (os 
Estados são independentes quanto à administração de seus assuntos e as interferências 
externas são violações de suas prerrogativas e ao princípio da soberania), para a autorização o 
 
39 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção 
humanitária no pós-guerra fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. 
40 Solicita ao Secretário Geral com a assistência de todas as entidades relevantes das Nações Unidas, oficiais e 
agências especializadas, que promovam assistência humanitária para o povo da Somália com intuito de 
reabilitar suas instituições políticas e sua economia, incluindo em particular: a) assistir a repatriação dos 
refugiados e deslocados da Somália; b) assistir o povo da Somália a promover a reconciliação política pela 
participação em todos os setores da sociedade e o re-estabelecimento de instituições nacionais e regionais e 
administração civil em todo o país; c) assistir o re-estabelecimento da polícia somali visando a manutenção da 
paz, estabilidade e ordem, incluindo investigação quanto às sérias violações da lei internacional humanitária; 
d) assistir o povo somali no desenvolvimento de um programa de remoção de minas; e)desenvolver atividades 
de informação pública em apoio aos atos das Nações Unidas no país. 
34 
uso da força militar visando a reconstrução de um país. A intervenção humanitária passa a ser 
ação legítima da sociedade internacional à medida que se observa situações de extremo 
sofrimento humano. 
As situações caóticas pelas quais passou a Somália, onde o Estado deixou de 
ter comando, são mesmo justificativas para tamanha intervenção militar tendo por base apenas 
a lei internacional, desde que haja bons prospectos de que a ordem pode vir a ser restaurada e 
o Estado trazido de volta à existência em resultado de tais ações? O empreendimento de ações 
com caráter coercitivo, baseadas no Capítulo VII, desvincula as operações de manutenção da 
paz de necessidade do consentimento. 
As Nações Unidas ainda justificam sua atuação como sendo uma resposta 
internacional para uma “ameaça a paz mundial” cuja repercussão afetou a segurança de toda 
uma região. As ações foram desproporcionais, em minha opinião. Não havia razões óbvias de 
paz e segurança (A Intervenção Humanitária surgiu como uma medida de segurança 
internacional, sendo autorizada pelo Capítulo VII da Carta no qual são estabelecidas as 
funções do Conselho de Segurança: garantir assistência humanitária, defender os direitos 
humanos tendo como sua função principal a garantia da segurança e da paz) que justificassem 
a intervenção da Somália daquela forma, certamente nenhuma que se comparasse ao caso 
Iraque-Kuwait, que foi bem pior. 
O presidente americano caracterizou a operação Restore Hope como uma 
reação positiva dos Estados Unidos e de outros países aos apelos feitos pelas agências 
humanitárias por tropas de fora que pudessem prover segurança para alimentar o povo. O 
secretário de defesa a enquadrou como uma missão claramente humanitária e tenta provar seu 
argumento ao dizer que sempre respeitaram a soberania e a independência somali. Esse foi um 
35 
comprometimento americano: não clamar para si qualquer direito a soberania somali por ter 
ocupado o território, prometendo não permanecer no país mais do que o necessário para 
assegurar assistência humanitária. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 REFLEXÕES SOBRE A INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA NA 
SOMÁLIA 
3.1 A ética da Intervenção Humanitária 
São esses os problemas éticos mais graves de uma intervenção humanitária: 
a) a seletividade política do Conselho de Segurança que opta por intervir em alguns países e 
em outros não; b) a complexidade das guerras civis, conflitos que ao invés de envolver as 
forças armadas de dois Estados, são mais caóticas, não se sabe quem são os combatentes, o 
direito humanitário não é respeitado. As guerras civis são muito mais imprevisíveis e de 
difícil controle. 
3.1.1Seletividade Política dos Estados e da ONU 
Como já mencionado anteriormente, a bipolaridade do mundo regeu as 
relações internacionais por muitos anos e fez com que os direitos humanos fossem usados 
como arma ideológica na disputa entre o bloco oriental e o bloco ocidental. A universalização 
dos direitos humanos colidiu com essa política de poder. Tal divisão ideológica impedia a 
comunidade internacional de punir os governos que violassem os direitos humanos.41 
Todos temiam uma terceira guerra mundial. Têm-se relatos de que alguns 
que tentaram divulgar suas idéias e não concordavam com o sistema imposto, foram 
mandados para campos de concentração. Só com a queda do muro de Berlim, o mundo passou 
a se revoltar contra seus líderes opressores e esses a serem (nem sempre) devidamente 
punidos. O general comunista Pinochet (acusado de perseguição política e assassinatos no 
Chile), Nicolai Ceausescu (ele e sua mulher acabaram presos e submetidos a um julgamento 
 
41 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Direitos Humanos no século XXI. Brasília: Instituto de Pesquisa de Relações 
Internacionais. 
37 
sumário. Condenados à morte, foram executados diante das câmeras de TV), Slobodam 
Milosevic (quando pagando pelos assassinatos cometidos na Bósnia- Hersegovina morreu na 
prisão). E mesmo assim muitos outros foram “deixados de lado”. 
Os diferentes tratamentos em relação às violações dos direitos humanos 
revelam a existência de políticas seletivas, de acordo com a conveniência e interesses 
políticos das grandes potências. Tanto se mobilizam para pôr fim a perseguições de minorias 
étnicas e religiosas como se mostram indiferentes a esses acontecimentos. 
A seletividade decorre da combinação do comprometimento dos Estados 
com as normas de proteção dos direitos humanos, previstas nos tratados internacionais, com a 
política de poder que privilegia os seus interesses particulares.42 Outro fator que pode explicar 
a falta de atitude dos governos em relação à violação dos direitos humanos na esfera 
internacional, pode ser uma “cumplicidade” em relação ao Estado infrator. Mesmo aqueles 
que poderiam fazer alguma coisa se sentem paralisados pelo medo de vir a sofrer algum tipo 
de acusação de desrespeito aos direitos humanos da parte deles. 
A análise das formas de se garantir a segurança da população civil na 
Somália, com o auxílio da análise comparada de outros casos, é extremamente relevante. Não 
só há todo um histórico de massacres, como hoje milhões de pessoas estão sendo mortas ou 
expulsas de suas residências. Algumas recebem ajuda de organizações internacionais e outras 
ficam completamente desamparadas, refugiados continuam desprotegidos. Será que não há 
nenhuma solução realista paratodos estes problemas? Não obstante tantas limitações, os 
direitos humanos são cada vez mais objeto de interesse geral. O avanço da tecnologia de 
informação nos permite uma visão imediata do que se passa nos Estados, da violência, 
 
42 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto 
Alegre: Fabris,1997. 
38 
assassinato de opositores do governo. Já que os Estados não são os únicos componentes do 
novo espaço internacional dos direitos humanos, é mais real que organizações não-
governamentais formem-se em nível transnacional cooperando com o Estado. A pressão das 
organizações não-governamentais é decisiva para fazer com que os governos respeitem as 
políticas de defesa dos direitos humanos.43 
A importância de se discutir o tema é inegável: constantemente vemos 
reportagens nos meios de comunicação nacionais e internacionais, filmes e documentários 
trazendo abordagens um tanto ecléticas. 
 Questões como proporcionalidade, custo, capacidade, conseqüências 
indiretas precisam ser decididas antes de tomar qualquer ação ou política.44 
Além do argumento contrário à intervenção, no sentido de que ela pode vir a 
promover somente o interesse do autor da intervenção, alguns condenam a intervenção 
explicitamente por violar o princípio de soberania45. Soluções judiciárias ou arbitrais também 
são recomendadas se a controvérsia não puder ser resolvida pela via diplomática, mas muitas 
vezes não são buscadas. Frequentemente as ações do Conselho de Segurança sofrem com a 
não determinação das condições sob as quais o poder coativo deve ser exercido, com a falta 
de indicação clara das pessoas que devem exercê-lo e falta de planejamento que deve ser 
seguido, também com a imprecisão dos mandatos estabelecendo quanta força as autoridades 
terão competência para dispor ao exercer o poder. Ou seja, a falta de disciplina do uso da 
força na experiência jurídica. Enxergo a obrigação da não-intervenção como respeito ao 
 
43 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos: a prática da intervenção 
humanitária no pós-guerra fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 184. 
44 BETTATI, Mário. O direito de ingerência. Mutação da ordem internacional. Instituto Piaget, 1996. 
45 BOBBIO, Norberto. Il problema della guerra e lê vie della pace. Bologna. 
39 
direito de autodeterminação, neste caso, a ética envolvendo as intervenções não pode levantar 
dúvidas.46 
São apontados como argumentos favoráveis à intervenção: a desintegração e 
fragmentação de Estados que coloca em questão a habilidade dos governantes para satisfazer 
as obrigações que possuem em relação à população local e à comunidade internacional.47 
Além disso, o reconhecimento de valores comuns, proteção dos direitos humanos e a 
preservação do meio ambiente criam incentivos para aumentar o interesse internacional e 
ações coletivas para a solução de problemas comuns. 
As vítimas de um conflito devem se beneficiar da assistência ou 
intervenção, independente da sua origem, desde que essa ajuda ou intervenção seja puramente 
humanitária e destinada a exercer o direito aos cuidados, o direito à vida. 
A ética e a moral não podem, de forma alguma, ser afastadas dando lugar a 
interesses políticos ou pessoais. O interesse deve ser a preservação da vida e dos direitos das 
gerações futuras. Os tipos de intervenção e as operações de paz, num momento de guerra ou 
no pós-guerra, devem ser cuidadosamente estudados. 
 
 
 
 
 
46 JACKSON, H.Robert. Humane intervention: armed humanitarianism. International Journal.Canadian 
Institute of International Affairs, 27 de out. 1994. 
47 LYONS, Gene M. Introduction: international intervention, state sovereignty, and the future of 
international society. 
40 
3.1.2 A complexidade das guerras civis 
A amplitude de determinadas violências coletivas ou de conflitos armados 
internos ou internacionais geram situações críticas com numerosas vítimas. Sua sobrevivência 
depende de uma assistência rápida e eficaz. 
As guerras hoje são diferentes das tradicionais guerras entre Estados. Os 
conflitos armados internos são motivados por questões étnicas, religiosas.Os civis deixaram 
de ser alvo acidental para se tornarem alvo de violência o que faz com que a população se 
arme, dificultando a distinção entre combatentes e não-combatentes. Esses conflitos que 
faziam parte de assuntos internos dos Estados, passam a fazer parte das prerrogativas do 
Conselho de Segurança da ONU.48 
A dificuldade de regular os direitos das vítimas de conflitos em um país é 
clara. O direito humanitário de proteção às vítimas tem seu respaldo nas Convenções de 
Genebra de 1949 e em dois protocolos de 1977; um trata, dentre outras coisas, das vítimas de 
conflitos armados internacionais e o outro das vítimas de conflitos não internacionais. A 
classificação desses conflitos também não é simples. A maioria deles envolve um enorme 
número de pessoas, etnias, religiões diferentes lutando por objetivos diferentes. 
De acordo com o Programa de Desenvolvimento da ONU, entre 1989 e 
1992, com o fim da Guerra Fria, aproximadamente 82 conflitos armados eclodiram no mundo 
e , destes, apenas três eram entre Estados.49 Isso decorre principalmente do ressurgimento do 
nacionalismo e da busca da autodeterminação, que colocam em oposição facções dentro de 
um mesmo país. A luta passa a acontecer não só entre exércitos nacionais, mas entre grupos 
de guerrilhas. As interferências ilícitas, as guerras fomentadas, as fronteiras mantidas à força, 
 
48 RODRIGUES, Simone Martins. Intervenção humanitária em conflitos internos: desafios e propostas. 
Disponível pelo E- mail :smartinsrodrigues@hotmail.com . Tese não publicada. 
49 HIPPEL, Karin von. The resurgence of nationalism and its intenational implications. p.196. 
41 
a repressão a movimentos nacionalistas, tráfico de armas, hoje se traduzem em destruição, 
miséria e conflitos armados.50 
Foram muitas as dificuldades enfrentadas pelas tropas que atuaram na 
Somália. Como se encontravam em ambiente hostil, o êxito da missão ficou comprometido 
por não haver uma boa relação com a sociedade local. Talvez isso decorra de uma falta de 
treinamento adequado das tropas que eram forças de combate de elite, e não treinadas para 
missões humanitárias. Para afastar essas dificuldades, seria necessária a definição clara das 
circunstâncias da crise e o tipo de atuação mais apropriada que a ONU deveria autorizar. As 
tropas americanas foram colocadas em posição vulnerável, passaram a agir de forma agressiva 
e seu objetivo principal passou a ser o resgate de seus soldados. 
3.2 Formas alternativas à Intervenção 
Com a modificação no caráter dos conflitos internacionais, os meios 
tradicionais de contenção de conflito se mostram insuficientes nas crises atuais. Novas 
estratégias precisam ser elaboradas para reduzir as conseqüências humanitárias dos conflitos 
civis51. 
 
 
 
 
 
50 RODRIGUES, Simone Martins. Segurança internacional e direitos humanos. A prática da intervenção 
humanitária no pós-guerra fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.p.7. 
51 RODRIGUES, Simone Martins. Intervenção humanitária em conflitos internos: desafios e propostas. 
Disponível pelo E- mail :smartinsrodrigues@hotmail.com . Tese não publicada. 
42 
3.2.1 Assistência Humanitária 
O direito da assistência humanitária é produto de costume internacional, 
formado a partir da aprovação pela Assembléia Geral da ONU, em 1988,

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