185 pág.

Pré-visualização | Página 36 de 50
ode aos árcades seus patrícios e endereçou poemas a Alvarenga Peixoto. Serviu também de centro não só a este e a Gonzaga, mas a outros menores que poetavam em Vila Rica, que todos, segundo a verídica tradição, lhe submetiam ao saber e experiência os seus versos. Gonzaga alude carinhosamente em suas liras a Cláudio e a Alvarenga Peixoto, seus íntimos. Naquela época de acesa briga de poetas, se não sabe que hajam os nossos entre si brigado. Todas essas coincidências e circunstâncias não foram certamente alheias à constituição deste grupo de poetas e à feição e distinção que os assinalam na nossa literatura e ainda na poesia portuguesa. Para alguns deles ao menos, a sua justa celebridade foi grandemente ajudada, sem quebra aliás no seu merecimento, pelos desgraçados sucessos em que foram envolvidos. Aureolando-os de martírio, não serviriam pouco, e justo é que assim fosse, à sua glória de poetas. Capítulo VII OS PREDECESSORES DO ROMANTISMO I — OS POETAS VERDADEIRAMENTE É DO SÉCULO XIX que podemos datar a existência de uma literatura brasileira, tanto quanto pode existir literatura sem língua própria. Se a Independência do Brasil oficialmente começa em 1822, de fato a sua autonomia, e até hegemonia no sistema político português, data de 1808, quando, emigrando para cá, a dinastia portuguesa, na realidade, fez do Rio de Janeiro a capital da monarquia. Virtualmente o Império do Brasil estava criado desde que o príncipe regente, D. João, realizando um velho, intermitente mas nunca desvanecido pensamento político português, proclamou que o seu protesto contra a violência napoleônica se erguia do seio de um novo império. Ardores e alentos novos criou então o povo que há três séculos se vinha aqui formando e cuja consciência nacional, desde o século XVII, com as guerras holandesas, entrara a despontar. O fato do Ipiranga, precedido da singular situação resultante da estada aqui da família real e conseqüente transformação da colônia em reino unido ao de Portugal, perfizera essa consciência e lhe influíra a vontade de existir com a vida distinta que faz as nações. Em tais momentos, como em todos os partos, são infalíveis as roturas. Deu-se aqui o rompimento entre brasileiros e portugueses, pode dizer-se o levante de uns contra outros, fenômeno necessário da separação dos dois povos. Para completá-la devia esse sentimento forçosamente interessar a todos aos aspectos da vida do brasileiro, até aí comum com a do português, e as várias feições do seu pensamento e sentimento. Não foi maior a rotura porque o fato político que a produziu foi antes uma transação que uma revolução e por se haver passado justamente no momento em que a metrópole se afeiçoava ao mesmo modelo político adotado pela colônia. Em todo caso, foi suficiente para diferençar desde então como entidades políticas distintas portugueses e brasileiros. Exageravam estes a ruindade da administração colonial, aumentavam-lhe com as mais deslavadas hipérboles de um patriotismo exaltado os vexames e as incapacidades. Aos seus olhos, com a importância de metrópole, perdia também Portugal o prestígio moral e mental, de criador, educador e guia dessa sociedade que aqui se emancipava. Era precisamente a hora em que na Europa, na verdadeira Europa, em Alemanha, em Inglaterra, em França, manifestavam- se claramente já os sinais da renovação literária que iria interessar todos os aspectos do pensamento e ainda do sentimento europeu: o Romantismo. Quaisquer que hajam sido os seus motivos e característicos, sejam quais forem as definições que comporte (e inúmeras lhe tem sido dadas), o Romantismo foi sobretudo um movimento de liberdade espiritual, primeiro, se lhe remontarmos às últimas origens, filosófica, literária e artística depois, e ainda social e política. Em arte e literatura seu objetivo foi fazer algo diferente do passado e do existente, e até contra ambos. Excedeu o seu propósito, e em todos os ramos de atividade mental, até nas ciências, foi uma reação contra o espírito clássico, que, embora desnaturado, ainda dominava em todos. Iniciou-se na Alemanha pelos últimos vinte e cinco anos do século XVIII. Reinava então em Portugal o pseudo-classicismo da Arcádia. No Brasil cantavam os poetas mineiros, alguns deles românticos por antecipação, mas em suma era o mesmo Arcadismo o tom dominante nas letras. Da Alemanha irradiou por Inglaterra e França. Nestes países as suas primeiras manifestações consideráveis são já do princípio do século XIX. Só quase vinte e cinco anos mais tarde começaria a sua influência a se fazer sentir em Portugal, onde as suas ainda indecisas manifestações datam exatamente do princípio do segundo quartel do século. Com a sua terceira década entra ele no Brasil. Não foi, entretanto, de Portugal que o recebemos, senão de França, que ia ser e permanecer a principal fornecedora de idéias, de sentimentos e até de estilo à nossa literatura. Mas entre o fim do renascimento poético aqui operado (dentro aliás só de si mesmo e sem irradiação notável) pela plêiade mineira e as primeiras manifestações do nosso Romantismo, isto é, entre o último decênio do século XVIII e o terceiro do XIX, dá-se na poesia brasileira uma paralisação do movimento que parecia prenunciar-lhe a autonomia. Pode mesmo dizer-se que se dá um regresso ao estafado Arcadismo português. Nunca tivera o Brasil tantos poetas, se a esses versejadores se pode atribuir o epíteto. Relativamente aos progressos que já fizéramos, nunca os tivera tão ruins, tão insípidos e incolores. Nesta fase arrolam os historiadores ou simples noticiadores da nossa literatura mais de vinte. Na vã presunção de lhes emprestarem valor, pois não é crível que efetivamente lho encontrem, sobre nomeá-los adjetivam-nos com qualificativos que a leitura dos seus poemas não só desabona mas prejudica. São, calando ainda bastantes nomes, e na ordem cronológica, Francisco de Melo Franco (1757-1823), Antônio Pereira de Sousa Caldas (1762-1814), José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), Silvério Ribeiro de Carvalho (1746-1843?), José Elói Otôni (1764-1851), Fr. Francisco de S. Carlos (1768-1829), Francisco Vilela Barbosa (marquês de Paranaguá) (1769-1846), Luís Paulino Pinto da França (1771-1824), Paulo José de Melo Azevedo e Brito (1779-1848), Januário da Cunha Barbosa (1780-1846), Domingos Borges de Barros (visconde de Pedra Branca) (1780-1855), João Gualberto Ferreira dos Santos Reis (1787-185?), Manoel Alves Branco (visconde de Caravelas) (1797-1854), Joaquim José da Silva (?), Ladislau dos Santos Titara (1802-1861), Álvaro Teixeira de Macedo (1807-1849?), Antônio Augusto de Queiroga (1812- 1855), Francisco Bernardino Ribeiro (1815-1837), Joaquim José Lisboa (?). A máxima parte destes compridos nomes não despertará na memória do leitor, ainda ilustrado, reminiscência literária alguma. É como se lhe citassem poetas chineses. Os que não morreram de todo, de morte aliás merecidíssima, vivem apenas numa vaga e indefinida tradição, mantida pelos professores de literatura. Algum raro amador das letras pátrias, mais por curiosidade que por gozo literário, lerá ainda, ou melhor terá lido, José Bonifácio, Elói Otôni, Fr. Francisco de S. Carlos, Sousa Caldas, talvez Pedra Branca. Os outros nem mais essa curiosidade despertam. Tais como Pinto de França e algum outro, que, idos moços e até crianças para Portugal, lá se criaram, educaram e deixaram ficar, são de educação e sentimento portugueses, e português é o seu estro e estilo poético. Custa a reconhecer nesta lista um verdadeiro poeta. Na grande maioria, são apenas versejadores de mais ou menos engenho e arte, os melhores com a erudição poética e literária comum aos doutos do tempo, com a qual, a custo e raro, conseguem realçar a penúria do seu estro, sem disfarçar entretanto a trivialidade do seu estilo poético, repetição insulsa e fraco