Buscar

11ª aula

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Direito das Obrigações
Professor: Nilson Disconzi da Silva
Inadimplemento Absoluto das Obrigações
1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS: O CICLO VITAL DA OBRIGAÇÃO
Conforme já vimos durante todo o estudo da matéria, a obrigação, entendida como a relação jurídica patrimonial que vincula o credor ao devedor, é um liame economicamente funcional, por meio do qual se efetiva a circulação de bens e direitos no comércio jurídico.
De tal forma, dada a sua dinâmica essencial, a relação obrigacional obedece a um ciclo que se encerra com a sua extinção, que se dá, geralmente, por meio do pagamento.
Entretanto, pode ocorrer que a obrigação não seja cumprida, em razão de atuação culposa ou de fato não imputável ao devedor.
Se o descumprimento decorreu de desídia, negligência ou, mais gravemente, por dolo do devedor, estaremos diante de uma situação de inadimplemento culposo no cumprimento da obrigação, que determinará o consequente dever de indenizar a parte prejudicada.
Por outro lado, se a inexecução obrigacional derivou de fato não imputável ao devedor, enquadrável na categoria de caso fortuito ou força maior, configurar-se-á o inadimplemento fortuito da obrigação, sem consequências indenizatórias para qualquer das partes.
Em algumas situações, todavia, a própria lei admite que a ocorrência de evento fortuito não exclui a obrigação de indenizar. Uma delas, ocorre quando a própria parte assume a responsabilidade de responder pelos prejuízos, mesmo tendo havido caso fortuito ou força maior (art. 393 doCC-02 ). 
Também em caso de mora poderá o devedor responsabilizar-se nos mesmos termos (art. 399 do CC-02 ), se retardar, por sua culpa, o cumprimento da obrigação.
Obviamente, o inadimplemento não se opera com os mesmos matizes sempre, variando de acordo com a natureza da prestação descumprida.
Assim, nas obrigações de dar, opera-se o descumprimento quando o devedor recusa a entrega, devolução ou restituição da coisa. Nas obrigações de fazer, quando se deixa de cumprir a atividade devida.
Finalmente, quanto às obrigações negativas, a própria lei dispõe que “o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster” (art. 390 do CC-02 ). 
É o caso do sujeito que, obrigando-se a não levantar o muro, realiza a construção, tornando-se
inadimplente a partir da data em que realizou a obra.
Nessa última hipótese (obrigações negativas), deve-se observar que o legislador de 2002 optou por inserir a referida norma no capítulo dedicado às disposições gerais do Título IV (“Do Inadimplemento das Obrigações”), e não no capítulo específico sobre a mora, como fazia a legislação revogada.
2. O INADIMPLEMENTO CULPOSO DA OBRIGAÇÃO
O desfecho normalmente esperado de uma obrigação dá-se por meio de seu adimplemento (cumprimento) voluntário, já estudado quando tratamos da teoria do pagamento.
Entretanto, pode ocorrer que a obrigação se frustre por culpa do devedor, que deixa de realizar a prestação pactuada, impondo-se-lhe o dever de indenizar a parte prejudicada.
Nesse sentido o art. 389 do CC-02 dispõe, expressamente, que:
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
O inadimplemento tratado pela norma do art. 389 é o denominado absoluto, ou seja, aquele que impossibilita o credor de receber a prestação devida (ex.: a destruição do cereal que seria entregue pelo devedor), seja de maneira total, seja parcialmente (quando há pluralidade de objetos e apenas parte deles se inviabiliza), convertendo-se a obrigação, na falta de tutela jurídica específica,
em obrigação de indenizar.
Tal não se confunde com o inadimplemento relativo, uma vez que, nessa hipótese, a prestação, ainda possível de ser realizada, não foi cumprida no tempo, lugar e forma convencionados, havendo, por outro lado, o interesse do credor de que seja adimplida, sem prejuízo de exigir uma compensação pelo atraso causado. 
Esse retardamento culposo no cumprimento de uma obrigação ainda realizável caracteriza a mora, tema dos mais interessantes, que será estudado no próximo capítulo.
Posto isso, retornando ao estudo do inadimplemento culposo absoluto, cumpre-nos advertir que o referido art. 389 do Código Civil de 2002 é visto pela doutrina como a base legal da responsabilidade civil contratual, sendo que a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana repousaria em outras paragens (art. 186 do CC-02 ).
Ora, quando um sujeito, guiando imprudentemente o seu veículo, choca-se contra um muro, causando danos ao proprietário desse imóvel, fica claro que também descumpriu uma obrigação anterior, embora de natureza eminentemente legal (“não causar dano a outrem”).
Por isso se diz que, nesse caso, inexistindo um vínculo contratual anterior entre o causador do dano e a vítima, aquele deverá indenizar segundo os princípios da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, previstos em nossa legislação em vigor. Afinal, o ato ilícito também gera o dever de indenizar.
Quem infringe dever jurídico lato sensu fica obrigado a reparar o dano causado. Esse dever passível de violação pode ter, assim, como fonte, tanto uma obrigação imposta por um dever geral do direito ou pela própria lei quanto por um negócio jurídico preexistente. O primeiro caso caracteriza a responsabilidade civil aquiliana, enquanto o segundo, a responsabilidade civil contratual.
E quais as diferenças básicas entre essas duas formas de responsabilização?
Três elementos diferenciadores podem ser destacados, a saber, 
a) a necessária preexistência de uma relação jurídica entre lesionado e lesionante; 
b) o ônus da prova quanto à culpa; 
c) a diferença quanto à capacidade.
Com efeito, para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém.
Justamente por tal circunstância é que, na responsabilidade civil aquiliana, a culpa deve ser sempre provada pela vítima, enquanto, na responsabilidade contratual, ela é, de regra, presumida, invertendo-se o ônus da prova, cabendo à vítima comprovar, apenas, que a obrigação não foi cumprida, restando ao devedor o onus probandi, por exemplo, de que não agiu com culpa ou que ocorreu alguma hipótese excludente do elo de causalidade.
Como observa SÉRGIO CAVALIERI FILHO,
“essa presunção de culpa não resulta do simples fato de estarmos em sede de responsabilidade contratual. O que é decisivo é o tipo de obrigação assumida no contrato. Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um determinado resultado e não conseguiu, haverá culpa presumida, ou, em alguns casos, até responsabilidade objetiva; se a obrigação assumida no contrato foi de meio, a responsabilidade, embora contratual, será fundada na culpa provada”.
3. INADIMPLEMENTO FORTUITO DA OBRIGAÇÃO
O descumprimento da obrigação também pode decorrer de fato não imputável ao devedor.
Diz-se, nesse caso, ter havido inadimplemento fortuito da obrigação, ou seja, não resultante de atuação dolosa ou culposa do devedor, que, por isso, não estará obrigado a indenizar.
Fatos da natureza ou atos de terceiro poderão prejudicar o pagamento, sem a participação do devedor, que estaria diante de um caso fortuito ou de força maior. Imagine que o sujeito se obrigou a prestar um serviço, e, no dia convencionado, é vítima de um sequestro. Não poderá, em tal hipótese, em virtude de evento não imputável à sua vontade, cumprir a obrigação avençada.
Mas, nesse ponto de nosso raciocínio, uma pergunta se impõe: afinal de contas, estando essa espécie de inadimplemento diretamente ligada à ideia de “evento fortuito”, o que se entende por caso
fortuito ou de força maior?
A doutrina não é unânime a respeito dessa intrigante questão.Segundo MARIA HELENA DINIZ,
“ na força maior conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento,
pois se trata de um fato da natureza, como, p. ex., um raio que provoca um incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação, impedindo a entrega da mercadoria prometida, ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos etc.”. Já “no caso fortuito, o acidente que acarreta o dano advém de causa desconhecida, como o cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio, explosão de caldeira de usina, e provocando morte”.
SILVIO RODRIGUES lembra que “a sinonímia entre as expressões caso fortuito e força maior, por muitos sustentada, tem sido por outros repelida, estabelecendo, os vários escritores que participam desta última posição, critério variado para distinguir uma da outra. Dentre as distinções conhecidas, Agostinho Alvim dá notícia de uma que a doutrina moderna vem estabelecendo e que apresenta, efetivamente, real interesse teórico. 
Segundo a referida concepção, o caso fortuito constitui um impedimento relacionado com a pessoa do devedor ou com a sua empresa, enquanto a força maior advém de um acontecimento externo”.
Para demonstrar que os doutrinadores, de fato, não adotam critério único para a definição dos termos caso fortuito e força maior, vale conferir o pensamento do ilustrado ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO:
“Pelo que acabamos de perceber, caso fortuito é o acontecimento provindo da natureza, sem qualquer intervenção da vontade humana...”. A força maior, por sua vez, “é o fato do terceiro, ou do credor; é a atuação humana, não do devedor, que impossibilita o cumprimento obrigacional”.
Sem pretender pôr fim à controvérsia, visto que seria inadmissível a pretensão, entendemos que a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa vulcânica, por exemplo); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. Nesta última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um atropelamento, um roubo).
Melhor é a conclusão de SÍLVIO VENOSA, no sentido de não existir interesse prático na distinção dos conceitos, inclusive pelo fato de o Código Civil não tê-lo feito (art. 393 do CC-02 ).
Advertimos, outrossim, que as situações da vida real podem tornar muito difícil a diferenciação entre caso fortuito ou força maior, razão por que, a despeito de nos posicionarmos acerca do tema, diferenciando os institutos, não consideramos grave erro a identificação dos conceitos no caso concreto.
Ademais, para o direito obrigacional, quer tenha havido caso fortuito, quer tenha havido força maior, a consequência, em regra, é a mesma: extingue-se a obrigação, sem qualquer consequência para as partes.
Leia-se a regra prevista no Novo Código:
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário,
cujos efeitos não era possível evitar ou impedir” (grifos nossos).
Note-se, pela análise da primeira parte do dispositivo, que o devedor, à luz do princípio da autonomia da vontade, pode expressamente se responsabilizar pelo cumprimento da obrigação, mesmo em se configurando o evento fortuito.
Assim, se uma determinada empresa celebra um contrato de locação de gerador com um dono de boate, nada impede que se responsabilize pela entrega da máquina, no dia convencionado, mesmo na hipótese de suceder um fato imprevisto ou inevitável que, naturalmente, a eximiria da obrigação (um incêndio que consumiu todos os seus equipamentos). Nesse caso, assumirá o dever de indenizar o contratante, se o gerador que seria locado houver sido destruído pelo fogo, antes da efetiva entrega. Essa assunção do risco, no entanto, para ser reputada eficaz, deverá constar de cláusula expressa do contrato.
Esta matéria, ligada à ocorrência de eventos que destroem ou deterioram a coisa, prejudicando o descumprimento obrigacional, interessa à chamada teoria dos riscos. Por “risco”, expressão tão difundida no meio jurídico, entenda-se o perigo a que se sujeita uma coisa de perecer ou deteriorar, por caso fortuito ou de força maior.
Por tudo isso, podemos concluir que apenas o inadimplemento absoluto com fundamento na culpa do devedor impõe o dever de indenizar (pagar as perdas e danos), gerando, por conseguinte, para o devedor inadimplente, a responsabilidade civil por seu comportamento ilícito.
No próximo capítulo, trataremos do inadimplemento relativo da obrigação, ou seja, estudaremos detidamente a denominada teoria da mora.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando