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1 ENSINO DE FÍSICA PARA SURDOS SOB UMA PRESPECTIVA BILÍNGUE Eixo Temático: Multiculturalismo e Políticas e Programas RESUMO Após o Decreto nº 5.626 de 2005 foi obrigatoriamente integrada aos currículos das licenciaturas a disciplina Língua Brasileira de Sinais(LIBRAS). O contato inicial com a Libras e com algumas especificidades do ensino- aprendizagem dos Surdos é um passo importante para futuros docentes. No entanto, apenas a disciplina não é suficiente para o entendimento dos vários aspectos do trabalho em sala de aula inclusiva, que consiste no trabalho em conjunto do professor com o tradutor-intérprete de Libras visando atender ao aluno Surdo. Nesse contexto, no presente trabalho propõe-se um reflexão sobre o Ensino de Física para Surdos com base em trabalhos acadêmicos publicados na área. Ainda que a produção acadêmica voltada para o ensino de Física seja ainda tímida, duas dissertações foram escolhidas com objetivo de analisar os trabalhos e as dinâmicas desenvolvidas pelos autores de forma a propiciar fonte de pesquisa para professores em começo de carreira e sem experiência com alunos Surdos, além disso,e principalmente, para incitar discussões na área objetivando futuras pesquisas. Palavras-Chave: Surdos, Ensino de Física, Metodologia de Ensino, Formação de professores. 1. INTRODUÇÃO Com a Constituição Brasileira de 1988 foi dado um passo importante para inclusão das pessoas com deficiência pela educação passar a ser dever do Estado. No artigo 207, inciso III, daquela, o Estado é declarado responsável pela garantia de atendimento especializado aos alunos com necessidades especiais de ensino. O direito a frequentarem a Escola Regular foi foi consolidado em 1994 com a Política Nacional de Educação Especial, mas condicionava este direito à capacidade deste de seguir o ritmo dos alunos “normais”. Finalmente, em 1996, o capítulo VI da LDBN define a Educação Especial como de responsabilidade do governo com atendimento destes alunos preferencialmente na rede pública regular de ensino, tanto no nível fundamental como no médio do Ensino Básico, sendo função do governo incluir estes alunos nas Escolas Regulares. Aliados a isto, a Lei 2 10.098/00 em seu capítulo VII, artigo 18, estabelece que o Poder Público que implementará a formação de intérpretes para pessoas com deficiências sensoriais, listando dentre estas as pessoas Surdas.. Considerando o Decreto nº 5.626/05 que regulamenta a Lei nº 10.436/2002 e define a obrigatoriedade da inserção da disciplina de LIBRAS entre as disciplinas obrigatórias nos currículos de Licenciaturas e a presença do aluno Surdo e do intérprete em sala de aula, há que se discutirem as implicações disto para o ensino e dinâmica de sala de aula, bem como o papel do intérprete e a necessidade de trabalho conjunto deste com o professor. Para entender o que se busca, é necessário atentar às necessidades específicas dos alunos Surdos, que vão muito além do acompanhamento do intérprete em sala de aula. Há de se entender que a primeira língua, a língua materna e “natural” destes alunos não é o português, mas a LIBRAS. Esta é uma língua visomanual com gramática no espaço, diferente do português, língua oral. Assim, as necessidades do aluno também perpassam os aspectos de localização em sala de aula, de modo que possa haver completa observação do quadro negro e do professor tanto pelo aluno quanto pelo intérprete. Quaisquer aspectos orais envolvidos no processo de ensino devem ser substituídos ou complementados por aspectos visuais, som por legenda, português por LIBRAS, fala por escrita, por exemplo. Há, comumente, um entendimento de que os problemas de ensino de Surdos seriam facilmente resolvidos através da substituição da linguagem oral pela escrita, assim, parte do problema se resolveria através de atividades escritas desenvolvidas com estes alunos, explicações em livros e outras estratégias neste sentido. Além do fato de nenhum texto substituir a interação professor-aluno e a possibilidade de questionamentos e diálogo, ainda deve-se atentar ao possível déficit em fluência no português que alguns destes alunos podem apresentar. A tradição oralista do ensino de alunos Surdos surgiu com o Congresso de Milão, em 1880, onde esta vertente de ensino foi escolhida para a educação dos mesmos. Vale citar que os Surdos foram privados de votação no evento. A decisão refletiu uma visão que buscava negar a situação do Surdo, busca fazer dele um quase-ouvinte, inseri-lo no mundo ouvinte através da capacitação para a fala e leitura labiais. Assim, os gestos deveriam ser banidos por serem considerados prejudiciais ao aprendizado da fala do Surdo, e para isto foram usados até mesmo castigos físicos nas escolas de Surdos. 3 Outras propostas foram surgindo ao longo dos anos, pensadas por pesquisadores com objetivo de favorecer a construção de conhecimentos pelos Surdos. A proposta atual é a Educação Bilíngue contemplada no Plano Nacional de Educação (PNE) – aprovado pela Lei 13.005/2014. Nesta proposta as escolas devem garantir aos alunos Surdos a Libras como língua de instrução. Assim, estes alunos terão acesso a todas as áreas do conhecimento por meio da Libras, além disso também aprenderão a língua portuguesa na modalidade escrita. Deve-se ressaltar ainda que a partir das conquistas garantidas principalmente pela Lei 10.436 e pelo Decreto 5.626, os pesquisadores Surdos tiveram acesso às discussões sobre a Educação de Surdos. Conforme apontou Schmitt (1997): Podemos perceber que nós, os surdos, estamos começando a divulgar na sociedade a Língua de Sinais e as possibilidades de pesquisa acadêmica nas universidades brasileiras ou na UFSC sobre a nova proposta, sobre os problemas de pesquisa relativos à educação de surdos e introduzindo noções de identidade cultural no espaço conflitivo da área, no programa de pós-graduação. (SCHMITT, 2008, p.120) A comunidade surda acadêmica têm garantido conquistas fundamentais para o desenvolvimento escolar da pessoa Surda. Mas é preciso contar com educadores comprometidos de outras áreas do conhecimento, a Física é uma destas áreas. 2. METODOLOGIA Para elaborar a discussão e discorrer com qualidade sob o assunto realizou-se uma pesquisa exploratória de revisão bibliográfica com objetivo de identificar investigações relacionadas à temática: Ensino de Ciências para Surdos. A pesquisa exploratória inicial não identificou livros publicados sobre o tema. Portanto, o recorte da pesquisa bibliográfica foi definido tendo como alvo trabalhos acadêmicos apresentados em eventos relevantes da área de Ensino de Ciências e Ensino de Física. Elegeram-se 3 eventos ENPEC (Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências), EPEF (Encontro de Pesquisa em Ensino de Física) e SNEF (Simpósio Nacional de Ensino de Física). Assim foram analisados os anais destes três eventos com o recorte do período estabelecido a partir da publicação do Decreto 5.626 – que instituiu a obrigatoriedade da disciplina Libras nos cursos 4 de licenciatura. A hipótese inicial era que a oferta da disciplina Libras refletiria nos trabalhos apresentados nos eventos de Ensino de Ciências. Portanto elegeu-se o período compreendido entre 2007 e 2013. No nais dos três eventos supracitados realizaou-se a busca por trabalhos acadêmicos em formato pôster e comunicação oral. A partir dos primeiros resultados encontrados foi possível identificar pesquisadores da área e passar a outra etapa da pesquisa que consistiu em buscas por seus nomes na plataforma Lattes, em bancos de dados dasbibliotecas universitárias e dos programas de Pós-graduação das Instituições de Ensino Superior (IES) onde estes trabalhos foram desenvolvidos com o objetivo de encontrar TCCs, dissertações e teses – não tendo sido encontradas produções na última categoria. Os trabalhos encontrados estão listados no quadro (quadro 1) a seguir. (Para detalhamento da pesquisa ver GASPARIN, 2014, 2015). Quadro 1 – Trabalhos de conclusão de curso e dissertações encontrados a partir das buscas nos currículos Lattes dos autores e bancos de dados das IES onde foram desenvolvidos Trabalhos de Conclusão de Curso Título do trabalho Autor(a) Programa/Linha De Pesquisa/Universidade/Grup o de Pesquisa A Inclusão do Deficiente Auditivo em Escolas Públicas de Campo Grande: As Visões do Professor, Coordenador, Intérprete e do Aluno Jaqueline Santos Vargas Centro De Ciências Exatas E Tecnologia/Universidade Federal De Mato Grosso Do Sul/ Grupo Interdisciplinar De Pesquisa Em Ensino De Ciências Situação do Ensino de Física para Alunos Surdos das Escolas Estaduais do Ensino Médio de Campo Grande - MS Luiz Felipe Plaça Centro De Ciências Exatas E Tecnologia/Universidade Federal De Mato Grosso Do Sul Dissertações de Mestrado Pesquisa Autor(a) Programa/Linha De Pesquisa/Universidade/Grup o de Pesquisa Ensino De Física Centrado Na Experiência Visual: Um Estudo Com Jovens E Adultos Surdos Salete De Souza Programa De Pós- Graduação Stricto Sensu Mestrado Profissionalizante Em Ensino De Física E Matemática/Ensino De Física/Unifra Ensino De Física Para Surdos: Três Estudos De Caso Da Implementação De Uma Ferramenta Everton Botan Programa De Pós- Graduação Em Ensino De Ciências Naturais/Instituto De Física/Universidade 5 Didática Para O Ensino De Cinemática Federal De Mato Grosso/ Grupo De Pesquisa "Sinalizando A Física" O Ensino De Física Com As Mãos: Libras, Bilinguismo E Inclusão Jucivagno Cambuhy Silva Programa De Pós- Graduação Interunidades Em Ensino De Ciências Da Universidade De São Paulo/Usp Ensino De Física Para Pessoas Surdas: O Processo Educacional De Surdo No Ensino Médio E Suas Relações No Ambiente Escolar Fabio De Souza Alves Programa De Pós- Graduação Em Educação Para Ciência/Universidade Estadual Paulista "Júlio De Mesquita Filho" Fonte: GASPARIN (2014) Elencados os trabalhos, duas dissertações foram escolhidas para análise aprofundada visando a busca dos elementos essenciais nas dinâmicas e para o atendimento das necessidades e especificidades dos alunos Surdos. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os trabalhos selecionados e analisados de forma aprofundada foram as dissertações de Everton Botan e Jucivagno Cambuhy Silva desenvolvidas respectivamente na Universidade Federal de Mato Grosso e Universidade de São Paulo. Apesar de Botan (2012) usar como embasamento teórico a Teoria de Aprendizagem Significativa de Ausubel, a aplicação de seu trabalho se deu em um grupo de três alunos Surdos, propiciando a interação entre estes e seus pares como é necessário pela teoria sociointeracionista de Vygotsky para o desenvolvimento cognitivo e da formação do sujeito. Esta convivência, nem sempre é possível nas escolas regulares, públicas ou não, que os alunos Surdos frequentam. Seu trabalho foi desenvolvido em uma escola pública de ensino regular com três alunos de dois anos diferentes do Ensino Médio acompanhados em sala de aula por intérpretes. O trabalho de Silva foi desenvolvido em escola particular exclusiva para Surdos sendo o embasamento teórico deste autor a teoria sociointeracionista. Ambientes como este são extremamente profícuos para a aprendizagem do aluno Surdo justamente pela convivência possível e vivência de uma comunidade surda. 6 Pelos ambientes de realização das pesquisas serem diferentes as dinâmicas e elementos em cada situação também o são. No trabalho de Botan, com a aplicação de um material didático elaborado por ele e voltado especificamente para trabalho com alunos Surdos, os elementos usados nas dinâmicas foram concretos, experimentos, tabelas, gráficos, tudo que possa ser tocado, elaborado, visualizado e experimentado pelos alunos sensorialmente (não através da audição). Foi preciso, durante a pesquisa, negociar sinais (itens lexicais da Libras, equivalentes às palavras das línguas orais) para os conceitos trabalhados, uma vez que nem todos os sinais necessários existem ou são formalmente organizados e disponibilizados em dicionários ou glossários. Vale destacar ainda o trabalho realizado por Botan (2012) no projeto em que desenvolve com outros pesquisadores, na UFMT. O material utilizado durante a pesquisa foi todo elaborado pelos pesquisadores do projeto A coleção denominada “Sinalizando a Física” é composta por três volumes que apresentam sinais do vocabulário especializado e Física nas áreas de ‘Mecânica”; Eletricidade e Magnetismo; e ‘Termodinâmica e Óptica’. Este material se constitui importante fonte de consulta para todos os profissionais, que trabalham com alunos Surdos, - notadamente professores de Física e áreas afins – pois, através dele é possível entrar em contato com a LIBRAS e adquirir vocabulário que favorece a comunicação com os alunos. Figura 1 – Capa e páginas 10, 13 e 16 do livro do aluno “Incluindo a Física – Mecânica – Parte I” aplicado por Botan com o grupo de três alunos Surdos. Fonte: CARDOSO; BOTAN; FERREIRA, 2010. 7 Já na pesquisa de Silva (2013b), as dinâmicas foram aquelas já aplicadas na escola onde a pesquisa aconteceu e o autor atuou como professor. Os alunos foram sempre instigados a explicarem conceitos para a turma e havia utilização de imagens como apoio para explicação dos conceitos. Os problemas tinham enunciados mesclando LIBRAS e português, os vídeos trabalhados tinham legendas em português e eram repetidos três vezes, segundo o autor, para garantir melhor entendimento dos alunos. Duas práticas se destacaram fortemente, o ditado de Sinais buscando exercitar a relação dos conceitos físicos com os sinais correspondentes e a forma do professor chamar a atenção da turma quando dispersa, acendendo e apagando a luz. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através das considerações apresentadas neste trabalho podemos entender a importância, primeiramente, da discussão das práticas válidas para trabalho com estes alunos, das necessidades sociais, linguísticas e educacionais, bem como e as possibilidades de práticas integradoras e que facilitem o aprendizado destes alunos. É válido a discussão com as escolas para buscar possibilitar ambientes e momentos de integração entre os alunos Surdos para que essa vivência social e a visão do sujeito como Surdo possa se consolidar. Por último, este trabalho traz opções, metodologias passíveis de serem usadas em sala e são colocados para que professores de, mas não apenas, Física possam encontrar meios para trabalhar com qualidade com estes alunos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, F. S. “Ensino de Física para pessoas surdas: o processo educacional do Surdo no ensino médio e suas relações no ambiente escolar”. Dissertação de Mestrado, UNESP, 2012. BOTAN, E. “Ensino de física para Surdos: três estudos de casos da implementação de uma ferramenta didática para ensino de cinemática.” Dissertação de Mestrado, UFMT, 2012. ______.; et al. Elaboração e implementação de um material didático para o ensino de dinâmica para Surdos. Comunicação Oral. In: XX Simpósio Nacional de Ensino de Física,2013. ______.; et al. Incluindo a física: Mecânica: Parte 1. Programa de Pós- Graduação em Ensino de Ciências Naturais, UFMT, 2011. 8 ______; CARDOSO, F. F. Ensino de física, Língua Brasileira de Sinais e o Projeto “Sinalizando a Física”: um movimento a favor da inclusão científica. Pôster. In: XVIII Simpósio Nacional de Ensino de Física, 2009. BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-13005-25-junho-2014-778970- publicacaooriginal-144468-pl.html>. Acesso em 30 abr. 2015. ______. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em 13 abr. 2015. ______. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>. Acesso em 30 abr. 2015. CARDOSO, F. C.; BOTAN, E.; FERREIRA, M. R. Sinalizando a Física - 1 - Vocabulário de Mecânica . Sinop: Projeto "Sinalizando a Física", 2010. GASPARIN, C. 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