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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 599 (ano VIII) (28/04/2016) ISSN - ͧͦ͟͢-ͣ͢͢͞ BRASÍLIA ‐ 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – ͧͦ͟͢-ͣ͢͢͞ 5 1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Conselho Editorial COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha. Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG. Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA. País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: editorial@conteudojuridico.com.br WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR Bo let im Co nte úd o J urı́ dic o Pu bl ica çã o d iá ria Cir cu laç ão : A ce sso ab ert o e gr atu ito 2 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 SUMÁRIO COLUNISTA DO DIA 28/04/2016 Carlos Eduardo Rios do Amaral » O que é esse tal de impeachment? ARTIGOS 28/04/2016 Rômulo de Meneses Marques » A possibilidade de compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência 28/04/2016 Renata Silva Couto » Uma análise crítica do artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal à luz do sistema acusatório constitucional 28/04/2016 Paula Vasconcelos de Melo Braz » O direito à amamentação nos casos de mãe privada de liberdade e o prazo mínimo de seis meses estabelecido pela Lei de Execução Penal 28/04/2016 Paula de Goes Brito Pontes » Efetividade do direito fundamental à educação: uma leitura à luz da constituição federal de 1988 28/04/2016 Bryan Douglas Souza Santos » O Direito Internacional e a dependência sistêmica: como as Organizações Internacionais herdaram essa dependência? 28/04/2016 Diego Melo da Fonseca » Ação civil pública e ativismo judicial no direito brasileiro 28/04/2016 Marcela Bezerra Galvão Morquecho » A paternidade socioafetiva como condição impeditiva para a desconstituição da paternidade registral 28/04/2016 Bruno Medrado dos Santos » Produtos e serviços no direito do consumidor 5 3 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 www.conteudojuridico.com.br O QUE É ESSE TAL DE IMPEACHMENT? CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL: Defensor Público do Estado do Espírito Santo. O assunto do momento em toda a imprensa brasileira e redes sociais da internet é o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mas o que é esse tal de impeachment? Impeachment é o termo que denomina o processo constitucional de cassação do mandato do presidente da república no Brasil. Acredita-se que a expressão impeachment derive do latim, de pedica – em português, peia –, que significaria os ferros com que se prendem os pés do prisioneiro ou de um animal para impedir seu movimento. Todas as autoridades públicas, aí incluído o presidente da república, devem exercer seus cargos de acordo e na medida exata das atribuições conferidas pela Constituição e pelas leis. A Lei nº 1.079, de 1950, descreve uma série de condutas classificadas como crimes de responsabilidade do presidente da república e de demais agentes públicos. Os crimes de responsabilidade não se confundem com os crimes comuns. A diferença básica encontra-se na resposta estatal ao cometimento da infração. Nos crimes comuns comina-se uma pena criminal de privação da liberdade, que poderá vir a ser substituída por uma pena restritiva de direitos ou multa. Já nos crimes de responsabilidade não há prisão, a condenação limita-se à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. 4 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 O processo e julgamento dos crimes de responsabilidade do presidente da república é uma das exceções ao monopólio da jurisdição exercido pelo Poder Judiciário. É o Poder Legislativo quem realiza todo esse procedimento. Primeiramente, na Câmara dos Deputados exerce-se o juízo de admissibilidade da acusação, para eventualmente autorizar-se a instauração do processo de impeachment. Em seguida, caberá ao Senado Federal, sob a presidência do presidente do Supremo Tribunal Federal, o processo e o julgamento do mérito da acusação. Interessante observar que o modelo brasileiro de impeachment ao copiar o modelo norte-americano cometeu uma gafe. Pois nos Estados Unidos o vice-presidente é quem preside as sessões legislativas do Senado. Justificando-se, assim, a nomeação do presidente da Suprema Corte para a função de presidente do processo de impeachment. Mas no Brasil o presidente do Senado é um senador eleito democraticamente pelo povo. Talvez isso aconteça em razão de nossa primeira Constituição, de 1891, prever que candidatos disputavam a presidência e a vice-presidência de forma separada, o que poderia sugerir serem inimigos políticos de longa data. Como se vê, o processo legal do impeachment talvez se revele como o mais precioso instituto jurídico de nosso Estado Democrático de Direito a serviço do povo e das liberdades fundamentais. Nessa etapa de nossa civilização, a humanidade conhece muito bem as atrocidades e barbáries cometidas pelo uso da violência, descomedida e ilimitada, em nome de uma suposta luta contra a tirania. Não há mais espaço nos países civilizados para crucificações, banimentos, fuzilamentos, enforcamentos e guilhotinagens que tanto mancharam de sangue nossa história universal, conduzindo no passado as nações do mundo a longos regimes totalitários e a guerras civis que ultrajaram suas populações. 5 5 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 www.conteudojuridico.com.br A POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA RÔMULO DE MENESES MARQUES: Defensor Público do Estado do Acre; ex assessor do Ministério Público Federal no Piauí; Pós-graduado, em nível de Especialização, em Direito Público, pela Universidade Federal do Piauí - UFPI em convênio com a Escola Superior da Magistratura do Piauí - ESMEPI; Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí - UFPI. Resumo: O presente artigo analisa o concurso da circunstância atenuante da confissão espontânea e da circunstância agravante da reincidência, na segunda fase da dosimetriada pena, bem como a possibilidade de compensação entre ambas, apresentando o atual posicionamento dos Tribunais Superiores. Palavras-chave: confissão espontânea, reincidência, dosimetria da pena, agravante, atenuante, compensação de circunstâncias preponderantes, divergência jurisprudencial. Introdução Busca-se traçar linhas gerais acerca da dimensão da circunstância atenuante da confissão espontânea, entendo-a como reflexo de aspectos positivos da personalidade do agente ao qual se impõe a pena. Analisa-se a incidência desta circunstância atenuante na segunda fase da dosimetria da pena, quando também estiver presente a circunstância agravante da reincidência. Estuda-se a possibilidade de compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, a partir do 6 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 entendimento de que ambas se encontram no mesmo patamar axiológico de circunstâncias preponderantes. Ademais, busca-se demonstrar qual o posicionamento dos Tribunais Superiores acerca da questão, evidenciando a divergência jurisprudencial acerca do tema, e destacando o entendimento que reputamos mais consentâneo com o sistema penal. 1. As fases da dosimetria da pena Consoante dispõe o Código Penal Brasileiro, adotamos o sistema trifásico para a aplicação da pena, o qual, segundo ensina a doutrina, é o sistema de Nelson Hungria. Neste ponto, já foram superadas as questões preliminares, e o julgador, ao menos em tese, diante das provas constantes dos autos, já formulou seu convencimento e prolatou um decreto condenatório em desfavor do imputado, entendendo que está provada a existência do delito e que o réu é o autor deste. A partir do julgamento procedente dos pedidos condenatórios, passa o julgador à dosimetria da pena, determinando, segundo critérios legais do sistema trifásico acima referido, a quantidade de pena que será imposta ao condenado. Na primeira fase, serão analisadas as circunstâncias judiciais, as quais se referem à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, nos termos do artigo 59, do Código Penal. Ao final da primeira fase, conforme tenham sido anotadas, ou não, em desfavor do acusado, as circunstâncias judiciais acima referidas, será fixada a pena base, utilizando como balizas o mínimo e o máximo de pena cominada em abstrato pelo legislador no tipo penal. Empós, na segunda fase da dosimetria da pena, será fixada o que se chama de pena intermediária, a partir da análise das 5 7 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 circunstâncias agravantes e das circunstâncias atenuantes. O quanto de exasperação ou de diminuição da pena, contudo, não está estabelecido na lei, ficando a critério do magistrado, sempre respeitada a proporcionalidade. Por fim, na terceira fase da dosimetria da pena, serão analisadas as causas de aumento (majorantes) e as causas de diminuição de pena (minorantes), cujos patamares de aumento ou de diminuição se encontram dispostos na lei. Ao final desta análise, teremos o estabelecimento da pena privativa de liberdade definitiva. 2. A verificação da confissão espontânea e da reincidência na segunda fase da dosimetria da pena A análise que se pretende desenvolver no presente estudo tem foco na segunda fase do sistema de Nelson Hungria. Conforme mencionado, nesta fase da dosagem da pena são analisadas as circunstâncias atenuantes e as circunstâncias agravantes, dentre as quais estão a confissão espontânea e a reincidência. É inegável que, nesta fase, pode-se reconhecer uma ou mais atenuantes ou agravantes, hipóteses em que haverá concurso entre elas. Caso tal ocorra, a solução é trazida pelo Código Penal, em seu artigo 67, o qual determina que a pena deve se aproximar do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência. Em outras palavras, havendo circunstância agravante e circunstância atenuante, o magistrado deverá analisar qual delas é preponderante, na forma da lei, a fim de exasperar ou reduzir a pena base, estabelecida na primeira fase da dosimetria da pena. A questão a ser aqui discutida se refere ao concurso da circunstância atenuante da confissão espontânea e da circunstância agravante da reincidência. 8 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Nos termos do artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, consubstancia-se em circunstância que “sempre” atenua a pena, ter o agente confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime. Nesse sentido, podemos conceituar a confissão como uma circunstância atenuante em que há o reconhecimento, pelo próprio imputado, perante a autoridade policial ou judicial, da prática de uma infração penal. Conforme ensina Paulo Queiroz, “confessar a autoria do crime não significa, porém, admitir a prática de um fato típico, ilícito e culpável, mas sua materialidade e autoria. Justamente por isso, se o agente, embora confessando a prática do fato, alega excludentes de criminalidade (v. g., legítima defesa), fará jus à atenuante”[1]. Por sua vez, a agravante da reincidência tem definição legal trazida no bojo dos artigos 63 e 64, do Código Penal. Verifica-se tal agravante quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Ressalva-se, entretanto, que não prevalece a condenação anterior (ou seja, não há reincidência), se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a cinco anos. 3. A divergência jurisprudencial no âmbito dos Tribunais Superiores Pois bem, como visto acima, por expressa previsão legal, a reincidência é circunstância agravante preponderante, em caso de concurso de circunstâncias na segunda fase da dosimetria da pena. O mesmo entendimento de preponderância não é uníssono no que atine à atenuante da confissão espontânea. Pela corrente jurisprudencial que defende que a confissão espontânea é uma circunstância atenuante preponderante, é apresentado o fundamento de que a confissão é aspecto positivo da personalidade do imputado, razão pela qual, em concurso com agravante igualmente preponderante, deve haver a compensação 5 9 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 entre estas, de modo que, não havendo outras circunstâncias a serem analisadas na segunda fase da dosimetria, a pena intermediária corresponderia à pena base (definida na primeira fase da dosimetria), sem exasperação ou diminuição. Em sentido oposto, apresenta-se corrente cujo entendimento é no sentido de que a confissão espontânea não possui relação com a personalidade do agente, razão pela qual não se consubstancia em circunstância preponderante e, em eventual concurso com a agravante da reincidência, deveria perder espaço para esta, de modo que a pena base, na ausência de outras circunstânciasa serem analisadas, seria majorada na segunda fase da dosimetria. A divergência acima relatada, hodiernamente, é verificada no âmbito dos Tribunais Superiores. O Supremo Tribunal Federal tem posicionamento de suas turmas no sentido de que a reincidência, quando em concurso com a confissão espontânea, deve sempre preponderar[2]. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça vaticina que a confissão espontânea é circunstância atinente à personalidade do agente e, por tal motivo, é igualmente preponderante, de modo que, em concurso com a agravante da reincidência, pode haver a compensação entre estas[3]. A dissonância que atualmente se verifica entre o STF e o STJ, outrora também se verificava entre as turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que solucionou divergência, fixando entendimento de que é possível a compensação de reincidência e confissão espontânea, conforme se depreende do julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n° 1154752/RS[4]. O relator dos embargos de divergência acima referidos, Ministro Sebastião Reis Júnior, em seu voto, aduziu não desconhecer a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca 10 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 da matéria, contudo, sustentou que a confissão está efetivamente ligada aos aspectos da personalidade do imputado. Destacou, ainda, que, no seu modo de ver, “a confissão espontânea demonstra também personalidade mais ajustada, a ponto de a pessoa reconhecer o erro e assumir suas consequências. O peso entre a confissão e a reincidência deve ser o mesmo, daí a possibilidade de haver a compensação”[5]. O voto de desempate no julgamento dos embargos de divergência no âmbito da Terceira Seção do STJ foi proferido por sua então presidente, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a qual fundamentou que a personalidade do agente é um universo amplo, com diversas peculiaridades a serem consideradas. Aduziu que a personalidade pode ser valorada negativamente na fixação da pena base, todavia, à luz da confissão espontânea, apresenta peculiaridade nobre, de tal forma a, na segunda fase, repercutir, positivamente, no cômputo da pena.[6] 4. A confissão como circunstância atenuante preponderante e a possibilidade de compensação com a agravante da reincidência Ora, a confissão, inegavelmente, traduz aspecto positivo da personalidade do agente, uma vez que, ao confessar, reconhece a autoria e a materialidade de delito contra si imputado, colaborando para o deslinde da persecução criminal. Não é ocioso destacar que, por garantia constitucional, o acusado, se assim o quiser, pode permanecer em silêncio, não se manifestando sobre os fatos tratados no processo. E tal silêncio, como consabido, não pode ser utilizado em seu desfavor. Ainda que o acusado não produza qualquer prova, ainda que permaneça, por opção, silente, o ônus de provar as imputações narradas na peça acusatória continua sendo da acusação. Assim, pode-se afirmar que, ao confessar, perante a autoridade, seja ela policial ou judicial, o imputado contribui para a produção de provas contra si. Em outras 5 11 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 palavras, o acusado, voluntariamente, introduz, no processo, elementos probantes em seu desfavor, corroborando, em certos termos, a própria acusação, indo de encontro ao seu estado de inocência. A prática diária em atuação na área criminal mostra que, por vezes, a prova produzida pela acusação, por si só, não seria suficiente a embasar um decreto condenatório e, por via de consequência, a absolvição do acusado, diante de tais circunstâncias, seria a medida necessariamente a ser adotada. Contudo, em situações tais, quando decide confessar a prática delitiva contra si atribuída, o acusado engendra a tese acusatória, reforçando as provas contra si, o que pode culminar na sua condenação. Ora, quando reconhece a prática delituosa, o imputado não está a acusar outrem, mas, sim, a reconhecer conduta própria, a qual, diante de todo o cenário que se desenvolve na persecução penal, tende a corroborar as alegações em seu desfavor, e a embasar um decreto condenatório. Como consequência benéfica única a tal conduta há eventual diminuição de pena. Assim, em nosso sentir, não há como não entender que a confissão está intimamente ligada aos aspectos positivos da personalidade do agente e, por tal razão, deve ser compreendida como circunstância atenuante preponderante, nos termos do já mencionado artigo 67, do Código Penal. Entendendo a circunstância atenuante da confissão como preponderante (pois relacionada à personalidade do agente), quando em concurso com a reincidência, temos que entre estas não há diferença axiológica, porquanto ambas são preponderantes, nos termos do artigo 67, do Código Penal. A solução mais adequada, pois, é a da compensação da atenuante da confissão espontânea e agravante da reincidência, 12 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 mantendo-se, na ausência de outras circunstâncias, a pena base inalterada. Conclusão Por tudo quanto exposto, temos que a confissão espontânea, enquanto circunstância atenuante, deve ser aplicada na segunda fase da dosimetria da pena, sendo entendida como circunstância preponderante, uma vez que se consubstancia em expressão de aspectos positivos da personalidade do agente. Em concurso da circunstância atenuante da confissão espontânea e da circunstância agravante da reincidência (esta expressamente prevista como preponderante), há possibilidade de compensação de ambas, uma vez que se encontram no mesmo patamar axiológico. Não sendo, pois, consentâneo com o sistema penal o entendimento de que deve preponderar a agravante da reincidência em relação à atenuante da confissão. A despeito da divergência jurisprudencial verificada nos Tribunais Superiores, reputamos mais adequado o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, a quem compete vaticinar a “última palavra” no que atine à interpretação das normas infraconstitucionais, obviamente respeitada a compatibilidade destas com a Constituição Federal. Portanto, em havendo concurso da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, sustenta- se a possibilidade de compensação de ambas, na segunda fase da dosimetria da pena. Referências BRASIL. Código Penal. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. 5 13 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 11ed. Salvador: Juspodivm, 2015. STJ. EREsp 1154752/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/05/2012, DJe 04/09/2012. STJ. REsp 1341370/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 17/04/2013. STF. HC 105543, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 26-05-2014 PUBLIC 27-05-2014. NOTAS: [1] QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 11ed.Salvador: Juspodivm, 2015. p. 484 [2] STF. HC 105543, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 26-05-2014 PUBLIC 27-05-2014 [3] STJ. REsp 1341370/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 17/04/2013. [4] STJ. EREsp 1154752/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/05/2012, DJe 04/09/2012. [5] Idem. [6] Idem. www.conteudojuridico.com.br 14 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 UMA ANÁLISE CRÍTICA DO ARTIGO 156, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL À LUZ DO SISTEMA ACUSATÓRIO CONSTITUCIONAL RENATA SILVA COUTO: Advogada. Graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Resumo: O presente artigo tem por objeto a análise do artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal brasileiro em face do modelo acusatório de processo adotado pela Constituição Federal. Palavras-chave: Iniciativa probatória do juiz. Princípio da verdade real. Sistema acusatório constitucional. INTRODUÇÃO A Lei 11.690/2008 alterou o artigo 156 do Código de Processo Penal para prever, em seu inciso I, a possibilidade de o magistrado, ainda durante a etapa preliminar da persecução penal, determinar, de ofício, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, desde que observada a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. Tendo em vista o sistema acusatório encampado pela Constituição Federal de 1988, busca-se confrontar, ao longo do presente trabalho, o dispositivo supramencionado com as garantias inerentes ao modelo acusatório de processo penal, sobretudo como forma de se assegurar, contra os abusos do poder punitivo estatal, os direitos e liberdades fundamentais daquele que tem contra si instaurado um inquérito policial. 1. DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL 5 15 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 A demonstração da verdade processual é realizada através da colheita probatória, constituindo prova tudo aquilo capaz de contribuir para a formação do convencimento do órgão julgador. É importante salientar que esta verdade construída não necessariamente corresponde à verdade dos fatos, pois que limitada pelos princípios e regras procedimentais inerentes ao devido processo penal. Guilherme de Souza Nucci entende que existem “três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato” [1]. O ônus da prova, por sua vez, consiste no encargo atribuído à parte de provar os fatos alegados, assumindo, caso se mantenha inerte, as consequências de sua inatividade. Em matéria criminal, a prova da alegação incumbe a quem a fizer, de acordo com a dicção do artigo 156, 1ª parte, do Código de Processo Penal brasileiro, tendo-se entendido que a acusação possui o ônus de provar a autoria, a materialidade, os elementos subjetivos do crime (dolo ou culpa), bem como eventuais circunstâncias que exasperem a pena, ao passo que a defesa possui o ônus de provar excludentes da ilicitude e da culpabilidade, causas de extinção da punibilidade e eventuais circunstâncias que mitiguem a pena. À luz do sistema acusatório adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, é importante salientar que o magistrado deve se manter alheio à gestão da atividade probatória, que incumbe precipuamente às partes. Apenas em caráter complementar, com vistas a dirimir dúvida sobre ponto essencial à demonstração da verdade, deve se revelar admissível a iniciativa probatória do órgão 16 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 julgador, não podendo substituir-se à atuação das partes. Tal limitação à proatividade do magistrado impõe-se como medida assecuratória de sua imparcialidade, com vistas à prolação de um provimento jurisdicional justo. No que tange à apreciação do manancial probatório pela autoridade judicial, o ordenamento jurídico pátrio adota como sistema reitor o do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, consagrado no artigo 155 do Código de Processo Penal. Por ele, o juiz possui liberdade para apreciar as provas carreadas aos autos, desde que o faça de forma motivada, em obediência ao disposto no artigo 93, inciso IX, da Carta Magna, rechaçadas, de antemão, as provas reputadas ilícitas. Por sua vez, nas palavras de Paulo Rangel, os meios de prova “são todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em lei ou não” [2]. Nesse contexto, vigora, em regra, o princípio da liberdade probatória, não consagrando o Código de Processo Penal brasileiro exaustivamente todos os meios de prova admissíveis, os quais podem ser nominados (especificados em lei) ou inominados (não especificados em lei), desde que moralmente legítimos e não afrontem o ordenamento jurídico. Impende salientar, por fim, que, a despeito de possuir previsão legal, o meio de prova pode revelar-se ilícito na medida em que “os princípios constitucionais de proteção e garantia da pessoa humana impedem que à procura da verdade utilize-se de meios e expedientes condenáveis dentro de um Estado Democrático de Direito” [3]. 2. O PRINCÍPIO DA VERDADE REAL: UMA REFLEXÃO CRÍTICA 5 17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Dentre os princípios tradicionalmente apontados como pilares da estrutura do processo penal, destaca-se o princípio da verdade real. Por ele, o processo criminal não se conforma com conclusões fictícias, devendo o magistrado buscar a reconstrução da verdade dos fatos, ainda que, a princípio, com realização de prova ordenada de ofício, no intuito de superar eventual desídia entre as partes na colheita probatória e proferir um provimento jurisdicional. Contudo, a verdade real, em termos absolutos, pode se revelar inatingível. A propósito, Luigi Ferrajoli afirma que a “impossibilidade de formular um critério seguro de verdade das teses judiciais depende do fato de que a verdade ‘certa’, ‘objetiva’ ou ‘absoluta’ representa sempre a ‘expressão de um ideal inalcançável’” [4]. A despeito desta assertiva, o processo penal, ainda hoje, é comumente associado ao princípio em comento, atribuindo-se ao magistrado a tarefa de conduzi-lo de modo a revelar a “verdade” ínsita aos fatos. Trata-se, no entanto, de uma mera utopia, especialmente tendo em vista que o próprio juiz, enquanto sujeito, carrega consigo uma história e carga valorativa capazes de influir em sua concepção da verdade, o que acaba por contaminar a sua necessária imparcialidade. Neste contexto, Aury Lopes Jr. identifica um grave erro na expressão “verdade real”, seja em razão da própria noção de verdade ser excessiva e difícil de ser apreendida, seja pelofato de não se poder imputar o adjetivo de “real” a um fato pretérito. Para o autor, o real está vinculado à ideia de presente e o crime, como fato histórico e existente apenas no imaginário, será reconstruído no processo [5]. E, tendo em vista que o juiz, na sentença, constrói a “sua” história do delito, elegendo os significados que lhe parecem válidos, conclui que a sentença é um ato de fé, de crença, um sentimento declarado pelo juiz, sendo a verdade tomada como algo contingencial, e não como fator estruturante do processo [6]. 18 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Não se pode olvidar que a busca pela verdade, como fim precípuo do processo penal, tornou-se argumento legitimador de arbitrariedades cometidas pelos responsáveis pela persecução penal, bem como da ampla iniciativa probatória concedida ao magistrado, própria da lógica inquisitiva. Nesse contexto, no dizer de Aury Lopes Jr., lembrando as lições de Perfecto Andrés Ibáñez, “historicamente, está demonstrado empiricamente que o processo penal, sempre que buscou uma ‘verdade mais material e consistente’ e com menos limites na atividade de busca, produziu uma ‘verdade’ de menor qualidade e com pior trato para o imputado” [7]. Como forma de se assegurar o respeito às garantias penais e processuais penais, especialmente à luz do sistema acusatório consagrado pela ordem constitucional de 1988, deve-se renunciar à lógica inquisitiva e buscar uma verdade processual ou formal, sempre limitando a proatividade judicial no campo probatório, com vistas a evitar a perda da necessária imparcialidade para apreciar a demanda penal. A verdade processual, como afirma Luigi Ferrajoli, “pode ser concebida como uma verdade aproximada a respeito do ideal iluminista da perfeita correspondência” [8]. Ainda segundo o autor, a verdade processual não é obtida mediante indagações inquisitivas alheias ao objeto processual, mas sim condicionada em si mesma pelo respeito aos procedimentos e garantias de defesa. Conclui que a verdade formal é mais controlada quanto ao método de aquisição e mais reduzida quanto ao conteúdo informativo que qualquer hipotética verdade substancial[9]. Ante ao exposto, revela-se imprescindível e urgente a releitura constitucional dos instrumentos colocados à disposição da atividade persecutória, especialmente sob o prisma do sistema acusatório e dos direitos e garantias fundamentais dele decorrentes, com vistas a expurgar do ordenamento jurídico pátrio quaisquer 5 19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 resquícios inquisitórios, dentre os quais se destaca o artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal brasileiro. 3. O SISTEMA ACUSATÓRIO CONSTITUCIONAL O modelo de processo penal pode se caracterizar como inquisitivo, acusatório ou misto (também denominado sistema acusatório formal). No sistema inquisitivo, há uma verdadeira concentração, na figura do órgão julgador, das funções de acusar, defender e julgar, com possibilidade de proceder de ofício a persecução penal ou a colheita probatória, inclusive na fase investigatória da persecução penal. Nesse sistema, o acusado é tratado como mero objeto do processo penal, e não como sujeito de direitos. Por outro lado, o sistema acusatório é marcado pela separação entre as funções de acusar, defender e julgar, que são atribuídas a órgãos distintos. Nesse sistema, ao contrário do que se dá no âmbito do modelo inquisitivo de processo penal, vigora a necessidade de preservação da imparcialidade do órgão julgador, assim como de fundamentação de suas decisões, na perspectiva do princípio do livre convencimento motivado. Como terceiro modelo de processo penal, tem-se o sistema misto, também denominado acusatório formal. Neste sistema, a persecução penal se divide em três etapas: investigação preliminar, concretizada pelos órgãos de polícia judiciária; instrução preparatória, realizada pelo juiz, dotado de poderes inquisitivos na realização da colheita probatória; e julgamento, fase judicial em que se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa. Não obstante haja resquícios do sistema inquisitório e do sistema acusatório formal no processo penal brasileiro, a Constituição Federal de 1988 consagrou o sistema acusatório, sobretudo em face das garantias fundamentais expressamente consagradas em seu texto, a exemplo dos princípios do 20 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV), da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII), da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) e do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV). Tendo em vista a adoção expressa pelo texto constitucional do modelo acusatório de processo penal, eventuais resquícios inquisitórios devem ser expurgados do ordenamento jurídico pátrio, de modo a atender ao comando constitucional. 4. A INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ E O ARTIGO 156, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Na forma do artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal brasileiro: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (...)” Com base em uma suposta busca pela verdade real, o inciso supratranscrito permite ao do juiz, de ofício, determinar, durante o curso do inquérito policial, a produção da prova antecipada, constituindo um evidente resquício do sistema inquisitivo, sendo, pois, incompatível com o modelo constitucional acusatório de processo penal. Neste passo, ao proceder de ofício à colheita probatória em momento anterior à instauração do processo penal, o juiz acaba por elaborar verdadeira hipótese acusatória antes de o órgão acusador fazê-lo, restando prejudicada a separação entre as 5 21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 funções de acusar, defender e julgar, que se concentram nas mãos do órgão julgador. Nesta linha de entendimento, haverá flagrante contaminação da necessária imparcialidade do magistrado, em prejuízo do sistema acusatório constitucional. Ademais, este reforço acusatório levado a efeito pelo juiz viola, em desfavor do investigado, o princípio da paridade de armas, consectário do princípio constitucional do contraditório (artigo 5º, inciso LV, da Lei Maior) e da cláusula geral do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal). CONCLUSÃO O artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, incorre em flagrante violação do sistema acusatório constitucional, ao afastar diversas garantias que lhes são ínsitas, sobretudo os princípios da verdade processual, da imparcialidade do órgão julgador e do contraditório. Neste passo, acaba por legitimar, a partir de uma suposta busca pela verdade real, verdadeiras arbitrariedades na etapa preliminar persecução penal, ao conferir ampla iniciativa probatória ao magistrado, característica própria do modelo inquisitivo de processo. A verdade buscadano âmbito de um processo penal garantista deve ser sempre uma verdade processual ou formal, inclusive como forma de se limitar a proatividade judicial no campo probatório e, assim, evitar a perda da necessária imparcialidade para apreciar a demanda penal. Tendo em vista as premissas discorridas ao longo do presente trabalho, é forçoso concluir pela necessidade do afastamento do artigo 156, inciso I, do Código de Processo Penal, por ser patentemente inconstitucional, ao violar o modelo acusatório de processo penal, único compatível com a Constituição Federal de 1988. 22 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006. LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. v.1. LOPES JR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. NOTAS: [1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 351. [2] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 414. [3] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 407. [4] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 52. [5] LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. v.1. p. 540-550. [6] LOPES JR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 283-284. 5 23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 [7] LOPES JR, Aury. Introdução crítica ao processo penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 272. [8] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 53. [9] Idem, ibidem. 24 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 www.conteudojuridico.com.br O DIREITO À AMAMENTAÇÃO NOS CASOS DE MÃE PRIVADA DE LIBERDADE E O PRAZO MÍNIMO DE SEIS MESES ESTABELECIDO PELA LEI DE EXECUÇÃO PENAL PAULA VASCONCELOS DE MELO BRAZ: advogada, graduação pela universidade FUMEC, pós-graduação em Direito Constitucional pelo IDDE (certificado pelo Centro Universitário UNA). Resumo: o presente artigo tem como objetivo analisar os direitos envolvidos quanto à amamentação a ser realizada por mãe presa, assim como a adequação ou inadequação dos prazos estabelecidos por lei para tal atividade de convivência familiar. Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito da Criança e do Adolescente. Execução Penal. Introdução A decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 347, declarando o Estado de Coisas Inconstitucional no tocante à situação carcerária no Brasil, deu novo brilho às discussões relativas às condições impostas àqueles que cumprem medida restritiva de liberdade em estabelecimentos penais. No presente trabalho abordaremos um ponto muito específico da discussão, que reside na amamentação a ser realizada por mães em situação de cárcere, analisando, além dos direitos destas, os direitos das crianças envolvidas. Analisaremos também as previsões legais quanto ao tempo mínimo a ser garantido pelo Estado para que haja a amamentação, 5 25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 em especial o art. 83, § 2º da LEP, sempre à luz dos preceitos constitucionais. Dos direitos da criança e do adolescente Para a compreensão do tema proposto, devemos abordar os direitos da criança e do adolescente, os quais se encontram, em sua maioria, elencados na Constituição da República de 1.988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90). O princípio basilar de todo o sistema de proteção às crianças e aos adolescentes é o princípio da proteção integral, que surge como novo paradigma a substituir a doutrina da situação irregular. Até o advento da CR/88 e do ECA, a tutela jurídica relativa a crianças e adolescentes se restringia a situações em que houvesse alguma irregularidade na situação do “menor” (nomenclatura anteriormente utilizada), como por exemplo nos casos de cometimento de ilícitos ou ausência de responsáveis legais. A proteção integral, expressamente prevista pelo art. 1º, art. 3º, caput e e pelo art. 100, parágrafo único, inciso II do ECA, rompe com este paradigma na medida em que coloca a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, e não meros objetos de política pública ou provimento judicial. A criança e o adolescente passam a ser vistos como titulares de todos os direitos previstos pelo ordenamento, assim como daqueles elencados especificamente para a pessoa em desenvolvimento. Vejamos disposição do ECA neste sentido: “Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se- lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” (sem grifos no original) Neste sentido, a proteção integral impõe a observância de inúmeros direitos em relação à criança e ao adolescente, devendo haver, ainda, absoluta prioridade em relação a este grupo de pessoas que está em fase de desenvolvimento. 26 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Vejamos o que diz a CR/88: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)” (sem grifos no original) Percebe-se, portanto, que a criança e o adolescente devem receber a proteção conferida a qualquer pessoa, e de forma ainda mais cuidadosa, conforme o devido respeito ao estágio de desenvolvimento no qual se encontram. É possível afirmar, portanto, que a ordem jurídica protege o direito da criança a ser amamentada pela mãe que está privada de sua liberdade, de forma a preservar o direito à dignidade (art. 1º, III da CR/88), à alimentação e à saúde (art. 6º da CR/88), assim como o direito à convivência familiar (art. 227, caput da CR/88, art. 4º caput e art. 19, caput e §4º do ECA), sem qualquer discriminação em relação àsituação de cárcere da genitora (art. 3º, IV e art. 227 da CR/88, art. 3º, parágrafo único e art. 5º do ECA). Nesse sentido, é essencial mencionar o princípio da instranscendência da pena: “Tal princípio está previsto no art. 5º, XLV da CF. Também denominado princípio da intranscendência ou da pessoalidade ou, ainda, personalidade da pena, preconiza que somente o condenado, e mais ninguém, poderá responder pelo fato praticado, pois a pena não pode passar da pessoa do condenado.”[1] Se ninguém além do condenado pode responder por sua pena, como justificar, sob a ótica da proteção integral, o afastamento da criança que necessita de aleitamento materno? Como veremos no 5 27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 decorrer deste trabalho, esse direito, que está intimamente ligado ao direito à saúde, deve ser garantido mesmo nos casos de mãe em cárcere. Quanto aos direito à convivência, o ECA prevê expressamente a hipótese de visitas aos genitores privados de liberdade. Este diploma, apesar de homenagear o direito à convivência, não é suficiente quanto à questão de amamentação, pois neste caso não bastam meras visitas, mas sim a permanência da mãe e da criança no mesmo local. Vejamos o dispositivo legal: “§ 4o Será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial. (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014)” Já estando demonstrado o direito da criança a ser amamentada durante privação de liberdade da genitora, passemos agora à analise do direito desta. Do direito da mãe presa a amamentar a prole Além do direito da criança a ser amamentada, a genitora também possui direito a participar desta fase de desenvolvimento dos filhos, a qual traz benefícios à saúde e à qualidade da convivência familiar. Quanto à saúde, é possível citar, a título de exemplo, que a mãe que amamenta previne o câncer de mama e de ovário[2], assim como doenças cardiovasculares.[3] A situação de cárcere não é suficiente para justificar o afastamento entre mães e filhos, uma vez que a segregação cautelar ou o cumprimento de pena privativa de liberdade não podem atingir outros direitos que não a liberdade, conforme previsão da lei de execuções penais (lei 7.210/84). Este diploma estabelece a assistência social e à saúde do preso (art. 11 da LEP), e ainda a garantia constitucional de integridade (art. 5º da CR/88). Vejamos: “Art. 11. A assistência será: 28 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.” “XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;” Além disso, a CR/88, no art. 5º, XLVII, alínea “e”, proíbe penas cruéis, o que certamente seria o caso do sofrimento psíquico e físico causado pela separação entre mãe e filho na fase de amamentação. A própria CR/88 reconheceu a importância do aleitamento materno e previu de forma expressa que o poder público deve garantir sua realização nos casos de mãe presa. Vejamos o inciso L do art. 5º da Magna Carta: “L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;” Estando demonstrado o direito das crianças e das mães quanto ao aleitamento mesmo em situação de cárcere, passemos agora a discutir sobre o suposto prazo mínimo para tal espécie de convivência familiar (art. 83 §2º da LEP). Da aplicação do direito ao aleitamento materno Em obediência ao art. 5º, L da CR/88, tanto a Lei de Execuções Penais (art. 83 §2º), quando o ECA (art. 9º) preveem o direito ao aleitamento no cárcere, como exposto: “§ 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de 5 29 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.”(Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009)” (sem grifos no original) “Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.” Apesar de a lei ter determinado o período mínimo de seis meses de permanência da mãe presa com a prole, essa disposição não pode servir como subterfúgio para que o poder público deixe de garantir a convivência por maior período de tempo nos casos em que ela é recomendável. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, visando preservar os direitos aqui já debatidos, editou a resolução nº 4 de 2009, dispondo, no art. 2º: “Art. 2º: Deve ser garantida a permanência de crianças nomínimo até um ano e seis meses para as(os) filhas(os) de mulheres encarceradas junto as suas mães, visto que a presença da mãe nesse período éconsiderada fundamental para o desenvolvimento da criança, principalmente no que tange à construção do sentimento de confiança, otimismo e coragem, aspectos que podem ficar comprometidos caso não haja uma relação que sustente essa primeira fase do desenvolvimento humano; esse período também se destina para a vinculação da mãe com sua(seu) filha(o) e para a elaboração psicológica da separação e futuro reencontro.” (sem grifos no original) Essa regra, apesar de ser desrespeitada com frequência na realidade brasileira, deveria ser implementada de forma obrigatória, conforme Bruno César da Silva: 30 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 “A Resolução do CNPCP tem força vinculante e, ao trazer o período de um ano e seis meses, sobrepõe-se à LEP, que traz apenas um período mínimo, podendo ser estendido pelo poder regulamentar, como foi feito no caso em tela.”[4] Além de haver essa resolução do CNPCP, a própria LEP determina a existência de creches e berçários em unidades prisionais, de forma que haja convivência da mãe presa com a criança de até seis anos. Ora, se a própria LEP preza pela manutenção da relação familiar até tal idade, é de se entender que o aleitamento também deve ser estendido, sendo sua limitação a seis meses, além de uma contradição com a própria lei, desrespeito aos direitos da mãe e da criança. “Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. (Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009) Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo: (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009) I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009) II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistênciaà criança e à sua responsável. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)” Quanto à importância do aleitamento materno, a Organização Mundial da Saúde e a UNICEF recomendam que a amamentação 5 31 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 dure de forma exclusiva por até seis meses, mas que após esse prazo ela seja mantida em conjunto com outros alimentos até a idade de dois anos, no mínimo.[5] O direito à amamentação, portanto, deve ser garantido por todo o período em que esta dure, não sendo possível determinar de forma apriorística e rígida qual o prazo necessário para que haja garantia da saúde da mãe e da criança, assim como da formação de laços familiares. O prazo mínimo de seis meses previsto pela LEP, portanto, não pode ser utilizado para isentar o poder público de promover a amamentação por maior período de tempo quando esta é recomendável. Conclusão É de se concluir, tendo em vista todo o exposto, que a amamentação é um direito tanto da mãe privada de liberdade, quanto da criança, devendo o estado garantir condições para sua realização por todo o tempo em que for conveniente para a mulher presa e sua prole. A criança e o adolescente são titulares de todos os direitos previstos pelo ordenamento, assim como dos direitos especificamente determinados para este grupo de pessoas (direito à prioridade, por exemplo). Nesse sentido, como garantia do direito à dignidade, à alimentação, à saúde, à convivência familiar, e à não discriminação, a criança possui o direito a ser amamentada por sua mãe, sem sofrer qualquer efeito negativo da pena que a ela não pode ser imposta (intranscendência da pena). A mulher presa sofre restrição apenas quanto à sua de liberdade de locomoção, mantendo o direito à saúde e à convivência familiar. A mulher, portanto, também possui direito de amamentar seu filho pelo tempo que for conveniente às partes. Tendo em vista as recomendações internacionais quanto ao período de amamentação, assim como as garantias constitucionais, o prazo mínimo de seis meses previsto pela LEP para convivência entre mãe presa e filho não deve ser considerado suficiente sem haver análise do caso concreto. Referências bibliográficas 32 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 ALONSO, Marcelo. Em que consiste o princípio da responsabilidade pessoal no direito penal?Disponível em: [http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2118340/em-que-consiste-o- principio-da-responsabilidade-pessoal-no-direito-penal-marcelo- alonso]. Acessado em 10 de abril de 2016. 16 benefícios da amamentação. Disponível em: [http://revistacrescer.globo.com/Bebes/Amamentacao/noticia/2013/ 02/16-beneficios-da-amamentacao.html]. Acessado em 1º de março de 2016. MEDEIROS, Thainá. 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Disponível em: [http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2118340/em-que-consiste-o- principio-da-responsabilidade-pessoal-no-direito-penal-marcelo- alonso]. Acessado em 10 de abril de 2016. 5 33 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 [2] MEDEIROS, Thainá. Semana do aleitamento materno ressalta importância da amamentação. Disponível em: [http://drauziovarella.com.br/crianca-2/semana-do-aleitamento- materno-ressalta-importancia-da-amamentacao/]. Acessado em 1º de março de 2016. [3] 16 benefícios da amamentação. Disponível em: [http://revistacrescer.globo.com/Bebes/Amamentacao/noticia/2013/ 02/16-beneficios-da-amamentacao.html]. Acessado em 1º de março de 2016. [4] Silva, Bruno César da. Primeira infância, sistema prisional e o direito ao desenvolvimento, à saúde, à convivência familiar e à liberdade. Revista de Direito da Infância e da Juventude: RDIJ, v. 2, n. 3, jan./jun. 2014, p. 113. [5] Recomendações OMS. Disponível em: [http://www.leitematerno.org/oms.htm]. Acessado em 10 de março de 2016. 34 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 www.conteudojuridico.com.br EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO: UMA LEITURA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 PAULA DE GOES BRITO PONTES: Servidora pública federal, lotada na Procuradoria da República em Alagoas (MPF). Bacharel em Direito, Pós-Graduada em Direito Constitucional. RUSUMO: A presente obra tem como objetivo discorrer sobre a efetividade do direito social a educação a luz da constituição de 1988, enquanto direito fundamental. Discorre sobre os principais dispositivos constitucionais sobre o tema, abordando a posição da doutrina majoritária e da jurisprudência, levando em consideração os postulados da mínimo existencial, da máxima efetividade dos diretos fundamentais e da reserva do possível. Por fim, chegou-se a conclusão de que o Estado não pode abster-se se dessa obrigação constitucional, devendo adotar as medidas necessárias e pertinentes a proporcionar a máxima efetividade ao direito fundamental da educação, honrando com o postulado da dignidade da pessoa humana, fundamento da república. SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1.1 Conceito de direitos fundamentais. 1.2 Evolucao dos direitos fundamentais. 1.3 Da divisão doutrinária dos direitos fundamentais. 2 O DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO. 2.1 Conceito de direito social. 2.2 Princípio da máxima efetividade. 2.3 O direito a educação. 3 EDUCAÇÃO: UM DEVER DO ESTADO. 3.1 A educacao como direito publico subjeivo. 3.2 O Minimo Existencial. 4 A EFETIVIDADE DA EDUCACAO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO. 4.1 A efetividade dos direitos fundamentais. 4.2 A reserva do possivel. 4.3 Os instrumentos de controle social. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. INTRODUÇÃO 5 35 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Sendo revestido pela característica da essencialidade, o direito à educação foi positivado na Constituição Federal como direito fundamental de todos, cuja realização é dever de Estado e da Família. A relevância desse direito se deve ao fato de ser a educação um dos principais instrumentos a possibilitar o pleno desenvolvimento do homem, tornando-o capacitado para o trabalho e propiciando sua formação como cidadão, apto a conviver eprogredir em seu meio social. Ademais, a partir de uma análise macro sobre a questão, apura-se que a qualidade da educação está diretamente relacionada com ao grau de desenvolvimento econômico e social do Estado, uma vez a oferta de ensino ajuda a diminuir os índices de pobreza por capacitar as pessoas com o conhecimento, habilidades e a competência necessárias para modificarem o contexto social em que estão inseridas. Ocorre que, não obstante a relevância desse direito constitucionalmente assegurado, o fato é que, na prática, a população brasileira ainda encontra remotos óbices à efetivação dessa garantia, tornando-se a sua concretude um dos maiores desafios da atualidade. Nesse contexto, percebe-se que, em muitos casos, os maiores obstáculos derivam da omissão estatal, utilizando-se o Poder Público dos mais diversos argumentos, em especial a escassez de recursos públicos, para justificar a desídia na efetivação desse direito indispensável à dignidade da pessoa humana, os quais, porém, não podem prosperar, uma vez que, com base no próprio texto constitucional, resta indiscutível torna-se clara a exigibilidade constitucional desse fundamental direito. Destarte, passados mais de vinte e cinco anos da promulgação da Magna Carta, a discussão sobre a efetividade do direito social à educação revela-se sobremaneira relevante e pertinente, sendo a 36 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 obrigação do Estado em promover o mínimo existencial o ponto central do presente estudo, como corolário de um dos mais importantes fundamentos da república: a dignidade da pessoa humana. Baseado no estudo de obras notáveis de Direito Constitucional, em estudos de Teoria dos Direitos Humanos e em artigos científicos sobre o direito à educação, desenvolve-se o trabalho. Por meio de uma metodologia descritiva e explicativa, realizada com pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, parte-se do princípio da dignidade da pessoa humana e da demonstração de seu aspecto basilar no constitucionalismo contemporâneo, mormente no Estado Democrático de Direito. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.1 Conceito de direitos fundamentais Diz-se fundamentais os direitos do homem que são reconhecidos e positivados na ordem Constitucional de um determinado ordenamento jurídico. Corroborando com essa conceituação, Sandoval Alves da Silva (2007, p.27) dispõe que a expressão direitos fundamentais “representa os direitos positivados nos documentos constitucionais”. No mesmo sentido lecionam Luiz Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005), que entendem que os direitos representam a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões, buscando resguardar o homem na sua liberdade, na sua necessidades e na sua preservação. Dessa forma, é possível afirmar que os direitos fundamentais consubstanciam-se como valores supremos da ordem jurídica, atuando como garantia de liberdade e proteção do indivíduo em face da atuação Estatal e dos demais componentes da sociedade, bem 5 37 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 como mandado de atuação dirigido ao Estado, no sentido de lhe impor o dever de, permanentemente, buscar sua concretização. 2.2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Sobre o surgimento dos direitos fundamentais, leciona Alexandre de Moraes (1999, p. 178) que “(...) surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural”. Nesse sentido, percebe-se que todos os direitos fundamentais não foram assegurados ao mesmo tempo. Isso porque, a conquista de deu de forma gradativa, com o decorrer dos anos e de acordo com o panorama social de cada época, em razão do que a doutrina tradicional costuma agrupá-los em gerações, também chamadas dimensões. Conforme elucida Scalquette (2004, p. 34), os chamados direitos fundamentais de primeira “são os direitos de liberdade, pois são fruto do pensamento liberal burguês, de caráter fortemente individualista, aparecendo como uma esfera limitadora da atuação do Estado, isto é, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado nas liberdades do indivíduo”. Como exemplos de direitos de primeira dimensão destacam-se o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de religião, à participação política, etc. Já sobre direitos de segunda geração afirma Bonavides (2012, p.517) que [...] são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo 38 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula. Os direitos de terceira geração, visão de Alexandre de Moraes (2006, p. 60) são os chamados “direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos”. Apesar de não haver consenso doutrinário acerca de qual seria o conteúdo, há estudiosos que defendem a existência dos direitos de quarta geração, que para Noberto Bobbio (1992) referem-se àqueles relacionados à engenharia genética. Já para Paulo Bonavides (2012, p. 571-572), [...] A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. [...] os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra- 5 39 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia. Por fim, destaca-se que alguns autores defendem uma quinta geração de direitos fundamentais, como é o caso de Raquel Honesko (2008, p. 195-197), que elucida que [...] em recentes debates científicos (IX Congresso Íbero-Americano e VII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, realizados em Curitiba/PR, em novembro de 2006, bem como II Congresso Latino-Americano de Estudos Constitucionais, realizado em Fortaleza/CE, em abril de 2008), BONAVIDES fez expressa menção à possibilidade concreta de se falar, atualmente, em uma quinta geração de direitos fundamentais, onde, em face dos últimos acontecimentos (como, por exemplo, o atentado terrorista de “11 de Setembro”, em solonorte-americano), exsurgiria legítimo falar de um direito à paz. Embora em sua doutrina esse direito tenha sido alojado na esfera dos direitos de terceira dimensão, o ilustre jurista, frente ao insistente rumor de guerra que assola a humanidade, decidiu dar lugar de destaque à paz no âmbito da proteção dos direitos fundamentais. 1.3 Da divisão doutrinária dos direitos fundamentais Os direitos fundamentais são gêneros, cujas espécies são os direitos individuais, direitos coletivos, direitos sociais, direitos nacionais e direitos políticos, conforme o disposto no Título II da Constituição da República de 1988. O DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO 2.1 Conceito de direitos sociais 40 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Na ilustre conceituação de André Ramos Tavares (2012) os direitos sociais são aqueles que impõem ao Poder Público uma atuação positiva, a fim de proporcionar a implementação da igualdade social aos hipossuficientes. Por esse motivo, também são conhecidos como direitos prestacionais. Assim, enquanto os direitos individuais tem por essência garantir a liberdade do indivíduo, impondo limites ao poder estatal, os direitos sociais visam promover igualdade material entre as pessoas, buscando um nivelamento das desigualdades sociais. O surgimento dessa espécie do gênero direito fundamental ocorreu em razão de que a igualdade formal, assegurada pelos direitos individuais da primeira geração, não obstante haver logrado êxito em limitar o arbítrio estatal frente a liberdade do particular, não foi suficiente para garantir que o desenvolvimento da sociedade ocorresse de forma homogênea, de forma que a dignidade da pessoa humana a todos fosse assegurada. Destarte, é nesse contexto que nascem os direitos sociais visando a proteção dos desfavorecidos pelas desigualdades sociais, “assegurando-lhes situação de vantagem, direta ou indireta, a partir da realização de igualdade real [….] Visam, também, garantir a qualidade de vida das pessoas” (Uadi Lammêgo Bulos, 2011, p. 789). Desta feita, o traço característico dos direitos sociais é sua dimensão positiva, uma vez que, conforme explica Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2006), não são meros poderes de agir, como ocorre com liberdades públicas em modo geral, mas sim poderes de exigir, ou seja, são direitos de crédito. Na Constituição Federal de 1988, tais direitos estão previstos no art. 6º, a saber: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da Constituição. 5 41 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 2.2 Princípio da máxima efetividade Na preciosa lição de Paulo Bonavides (2012, p. 582-583), os direitos sociais passaram por um “ [...] ciclo de baixa normatividade, ou, ainda, tiveram eficácia duvidosa, em razão de sua concretização exigir do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos”. Assim, resta claro que positivar direitos e reconhecer sua relevância não são suficientes para garantir sua efetividade, devendo haver previsão dos meios adequados a assegurá-la. Nesse sentido, a própria Constituição Federal de 1988 previu no §1º, artigo 5º, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Ou seja, a própria Lei Fundamental apresenta regra norteadora da aplicação dos direitos fundamentais. Sobre o supracitado dispositivo, a respeitável doutrina entende que o mesmo deve ser interpretado de forma ampla, a garantir a máxima efetividade das normas às quais se destina. É Nesse sentido, o magistério de Para Luís Roberto Barroso (2011, p. 329), O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquele que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não aplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador. Assim, o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais representa norma de interpretação constitucional, cujo objetivo é conferir aos direitos humanos a maior eficácia 42 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 possível. Na visão de Gomes Canotilho (2003, p. 227), o princípio da máxima efetividade [...] é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais. Destarte, a máxima eficácia ou efetividade dos direitos fundamentais consiste na adoção de medidas que visem à concretização desses direitos da maneira mais abrangente possível, a fim de garantir, a partir dos parâmetros estabelecidos na própria CF/88, a efetiva realização do direito positivado no mundo dos fatos. 2.3 DIREITO À EDUCAÇAO Nas célebres palavras de José Afonso da Silva (1999, 109) a educação é um dos "[...] indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana”. Quanto à previsão normativa, o direito à educação foi amplamente disciplinado na Constituição Federal de 1988, a qual prevê a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Em seu art. 206, a Lei Maior estabeleceu os princípios norteadores do direito à educação: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de 5 43 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55768 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 59 9 d e 2 8/ 04 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;.gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira. EDUCAÇÃO: UM DEVER DO ESTADO 3.1 A educação como direito público subjetivo Conforme anteriormente exposto, os direitos sociais pertencem à segunda geração de direitos fundamentais, cuja concretização impõe uma atuação positiva do Estado, conferindo ao seu titular a possibilidade de exigir-lhe sua efetivação, consubstanciando-se em verdadeiros direito de crédito (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 2009, p. 50) Dessa forma, os direitos sociais “se realizam pela execução de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver dignamente” (Fábio Konder Comparato, 2010, p. 77). Isso porque, nos dizeres de Pinho (2010, p. 96), não se mostra suficiente que o Estado apenas reconheça direitos formalmente, devendo buscar concretizá-los