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reportagem REVISTA CONSULEX - ANO V - N° 103 - 30 DE ABRIV2001a 9 Advogado-Geral da União e destacados juristas analisama constitucional idade e o conflito de interesses A defesa pela Advocacia Geral daUnião é um direito de todas as autori-dades, numa vasta gama que abrangeo presidente da República, ministros,parlamentares, juízes e assessoresde nível superior, inclusive depois deabandonarem os cargos e funções.Então, pessoas acusadas de improbi-dade administrativa pelo Estado brasi-l eiro, como o juiz aposentado Nicolaudos Santos Neto, podem ser defendi-das pela AGU, se fizerem a solicita-ção? Elas estariam amparadas pelaMedida Provisória n° 2.143-31, quealterou o art. 22 da Lei n° 9.028/95?Segundo o entendimento do Advo-gado-Geral da União, Gilmar FerreiraMendes, "somente se defenderá oagente público se houver interessepúblico na defesa do ato por ele prati-cado, o que elimina a mais remotapossibilidade de conflito de interessese afigura-se obviamente conseqüên-cia absolutamente natural da defesado ato impugnado. A esse respeito,assevere-se que a Advocacia Geral daUnião já se recusou a promover adefesa de agentes políticos - emborapara tal expressamente provocada -por não identificar os pressupostosl egais que a autorizariam."É ou não constitucional a MP n°2.143-31? Existe conflito de interes-ses no fato de a União apurar irregula-ridades de um servidor e, ao mesmotempo, defender o acusado? A Revis-taJurídica CONSULEX resolveu parti-cipar deste debate, consultando, alémdo Ministro Gilmar Mendes, váriosoutros juristas, sobre as questões le-vantadas em relação ao tema. GILMAR FERREIRA MENDES Tornou-se objeto de acesa e surpre-endente controvérsia a "descober-ta" por parte do meio jurídico naci-onal de que se encontra em vigor - já há vários anos-autorização para que os órgãos de representação judicial da União ofere- çam também a defesa da legitimidade dosatos funcionais das autoridades públicas. Sustentaram alguns que a defesa dos atos funcionais das autoridades públicaspor parte dos órgãos de representação judicial da União poderia vir a configurar um suposto "conflito de interesses" entre,de um lado, o mister de defesa do patrimô- nio e do interesse públicos e, de outro, a atuação em defesa de atos funcionais deautoridades públicas. Tal pré-compreensão não resiste a um mínimo e superficial exame da questão-o que se oferece nas seguintes ebrevíssimasconsiderações. Em verdade, a Advocacia Geral da União encontra-se meramente autorizadapor lei a proceder à defesa de servidor público em juízo, quando acionado este por ato ou fato praticado no exercício doseu múnus público. Assim firmam as dis- posições permissivas do art. 22 da Lei n° 9.028, de 12 de abril de 1995, com as altera-ções trazidas pelo art. 50 da Lei n° 9.649, de 27 de maio de 1998, na redação dada pelo art.1° da Medida Provisória n° 2.143-31, de 2 de abril de 2001, que, como dito, nem tãorecentes são, na essência - com efeito, regramento semelhante já se havia intro- duzido entre nós por meio do Decreto-Lei n° 5.335, de 22 de março de 1943.Com efeito, estabelecia a redação ori- ginal do art. 22 da Lei n° 9.028, de 1995: 'Art. 22.O a rt. 36 do Código de Processo Civil passa a vigorar acrescido dos seguin-tes parágrafos: '§ 1 ° Caberá ao Advogado-Geral da União patrocinaras causas de interesse do Poder Público Federal, inclusive as relati-vas aos titulares dos Poderes da República, podendo delegar aos respectivos represen- tantes legais a tarefa judicial, como tam-bém, se for necessário, aos seus substitutos nos serviços de Advocacia Geral. § 2° Em cada Estado e Município, asfunções correspondentesàAdvocacia Geral da União caberão ao órgão competente indicado na legislação específica'."A Lei n° 9.649, de 1998, a seu turno, alterou o dispositivo referido nos termos seguintes:' Art. 50.0 art. 22 da Lei n° 9.028, de 12 de abril de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 22. Cabe à Advocacia Geral daUnião, por seus órgãos, inclusive os a ela vinculados, nas suas respectivas áreas deatuação, a representação judicial dos titu- lares dos Poderes da República, de órgãos da Administração Pública Federal direta ede ocupantes de cargos e funções de direção em autarquias e fimdações públicas fede- rais, concernente a atos praticados no exer-cício de suas atribuições institucionais ou legais, competindo-lhe, inclusive, a impe- tração de mandado desegu rança em nomedesses titulares ou ocupantes para defesa de suas atribuições legais. Parágrafo cínico. O disposto neste artigoaplica-se, ainda, às pessoas físicas designa- das para execução dos regimes especiais previstos na Lei n° 6.024, de 13 de março de 1974, nos Decretos-Leis n°s 73, de 21 de no-vembrode 1966, e2.321, de25defevereirode 1987, e, conformedispostoem regulamento, aos militares quando eu volvidos em inqué- ritos ou processos judiciais'."O art. 50 da Lei n° 9.649, de 1998, restou REVISTA CONSULEX - ANO V - N 4 103 - 30 DE ABRIL/2001 23 reportagem alterado pela Medida Provisória n° 2.143- 31, de 2 de abril de 2001, cujo art. 1° assim dispôs:"Art. 1°A Lei n°9.649, de27demaiode 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações: (...)A rt. 50. O art. 22 da Lei n° 9.028, de 12 de abril de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 22. AAdvocacia Geral da União eos seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam autorizados a re-presentar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Ins ti n i ições Federais referidas no Título IV, Capitulo IV, da Constituição, bem como ostitulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarqui- as e f undações públ icas federais, e decargos de natureza especial, de direção e assesso-ramento superiores e daqueles efetivos, in- clusivepromovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Públi-co, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares,no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fin- dações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos,impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo.§ 1Q O disposto neste artigo aplica-se aos ex-titulares dos cargos ou funções refe- ridos no caput, e ainda: 1-aos designados para a execução dosregimes especiais previstos na Lei n° 6.024, de 13de março de 1974, nosDecretos-Leis n°' 73, de21 denovembro de 1966, e2.321, de25 de fevereiro de 1987; eII - aos militares das Forças Armadas e aos integrantes do órgão de segurança do GabinetedeSegurançaInstitucionaldaPre- sidência da República, quando, em decor- rência do cumprimento de deverconstituci-onal, legal ou regulamentar, responderem a inquérito policial ou a processo judicial. § 2° O Advogado-Geral da União, em ato próprio, poderá disciplinara represen-tação autorizada por este artigo'.' (NR)" A disciplina constante da Lei n° 9.028, de 1995, sugeria, destarte, o imperativo depromover-se a defesa de autoridades pú- blicas: "Caberá ao Advogado-Geral daUnião patrocinaras causas de interesse do Poder Público Federal, inclusive as relati- vas aos titulares dos Poderes da República, ... ". A isso, seguiu-se comandolegal em quese atenuava a redação, explicitando-se a 24 REVISTA CONSULEX - ANO V - N° 103 - 30 DE ABRIL2001 afetação de tal atribuição aos órgãos de representação judicial da União: "cabe à Advocacia-Geral da União a representa-ção judicial... ". Modificações posteriorestransmudaram o "cabe", por a "Advocacia- Geralda Un ião e os seus órgãos vincu lados,(..), ficam autorizados...". Nos termos da expressa imposição legal constante da MP n° 2.143-31, de 2001, essa "autorização" encontra-se condicionada por dois requi-sitos: a) a natureza estritamente funcional dos atos praticados, e b) a configuração de interesse públicona defesa da legitimidade de tais atos ("quanto a atos praticados noexercício de suas atribuições constitucio- nais, legais ou regulamentares, no interesse público, especiabnenteda União, suas res-pectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas"). Essa regula- ção, obviamente, obriga aum juízo prévio devalor quanto à verossimilhança das alega- ções postas na ação contra o servidor ou agente público, justamente para prevenir situações em que o servidor, acionado, quetenha contrasi severas e pesadas acusações de prática de atos ilegítimos (com substan- ciais elementos sinalizadores ou evidencia-dores de tal procedimento, nos autos), ve- nha ater a prática de tais atos, pelo menos no primeiro momento processual, indevida-mente legitimada pela assunção de sua de- fesa pela Advocacia-Geral da União. Dito isso, resta evidente que a autoriza- ção legal - que hoje alcança igualmente ostitulares de cargos efetivos e não somente aqueles ocupantes de cargos em comissão e funções de direção e assessoramentosuperior -jamais haverá de implicar con- flito algum de interesses entre a defesa do patrimônio público e a defesa da autorida- de pública. Com efeito, se os atos a seremdefendidos vinculam-se estritamente ao desempenho das atribuições institucionais dos agentes públicos e se somente se ofe- recerá defesa em havendo interesse públi-co em fazê-lo, é manifesto que o dado paradigmático reside na existência de um ato oficial veiculador de manifestação dopróprio e autêntico interesse público. Em verdade, o crivo decisivo haverá de restar configurado exatamente na existência de interesse público em defesa do ato oficialeventualmente impugnado. Assim, verifi- cado o interesse público na defesa do ato, haverá a representação judicial da União de contestar a impugnação contra ele ofe- recida, o que, ao contrário do que sugeridopor alguns, constituirá ato evidentemente coerente com a defesa do agente público responsável pela prática do ato impugna- do. Essas exigências evidenciam, destarte, que somente se defenderáo agente público se houver interesse público na defesa do ato por ele praticado, o que elimina a mais remota possibilidade de conflito de inte-resses e afigura-se obviamente conse- qüência absolutamente natural da defesado ato impugnado. A esse respeito, assevere-se que a Ad- vocacia Geral da União já se recusou a promover a defesa de agentes políticos - embora para tal expressamente provoca-da - por não identificar os pressupostos l egais que a autorizariam.I magine-se, por outro lado, a circuns-tância em que agente público cujos atos representam amais inequívoca manifesta- ção da legalidade e do interesse públicoqueda alvo de dezenas de ações judiciais decorrentes de motivações eminentementepolíticas. Em um tal contexto, seria legíti- mo que viesse o Estado a promover a defesa dos atos praticados e declinasse do dever moral de promover a defesa da prá-tica desses mesmos atos pelo agente públi- co responsável? Seria igualmente ético re- legar o agente público à ruína financeiradecorrente da necessidade de fazer-se re- presentar em juízo-incontáveis vezes - a expensas próprias? iEsboçadas a ausência de conflitos de interesses e exigência de ética e coerência imposta pela defesa dos atos oficiais dota-dos de interesse público, importa demons- trara ausência de inconstitucionalidade na disciplina impugnada.Muito embora incapazes de indicar o fundamento constitucional da alegada in- constitucionalidade, sustentam alguns queo alegado conflito de interesses macularia a norma impugnada. Demonstrada acima a simples inexistência deum tal conflito de interesses, éclaríssimaaimprocedênciada alegação.Alegam outros a ausência de pressu- postos de edição de medida provisória. Ora, afigura-se evidente a relevância damedida, o que resta reconhecido inclusive pela acendrada controvérsia acerca do Diploma. Do mesmo modo (e sobretudo para seus críticos), resta manifesta a ur-gência da medida impugnada. Com efeito, para aqueles que sustentavam existir con- flito de interesses, a atual redação do dis- positivo determinada pela Medida Provi-sória em vigor afigura-se fortemente - e em grau muito Superiora disciplina origi- nalmente constante da Lei n° 9.028, de 1 995 -vinculada ao interesse público e aocaráter estritamente institucional do ato praticado como elementos justificadore' da defesa dos atos praticados e daatuaçãn dos agentes públicos por eles responsá- veis. Assim, foi exatamente a redação atual cia Medida Provisória criticada que elimi- nou, expressa e definitivamente, a mais remota eventualidade de quaisquer con- flitos de interesse ou defesa de atividades transcendentes à atuação estritamente institucional da autoridade. Do mesmo modo, por cuidar-se de Medida Provisó- ria reeditada há mais de dois anos (seu nossa Constituição de 1988 é clara ao dispor, em seu art. 131, ue a Advocacia Geral da União é a instituição que, diretamente ou por intermédio de órgão vinculado, repre- senta a União, judicial e extrajudicial- mente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as ativi- dades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Portanto, resta claro que cabe à Advocacia Geral texto originário constava da Medida Pro- visória n° 1.795, de 1° de janeiro de 1999), resta evidente a urgência em sua adoção e a impossibilidade de discipliná-la por meio do processo legislativo de urgência dado o prazo até hoje já consumido para apreciar o texto já constante da Medida Provisória em questão. Nessa medida, o longo decur- so do prazo de quase dois anos e meio sem uma manifestação definitiva do Congres- da União a defesa dos interesses do Estado brasileiro, é dizer, dos Poderes Públicos no nível federal. Assim sendo, a Medida Provisória n° 2.143-31 extrapolou os limites impostos pela Carta Magna ao estabelecer que a Advocacia Geral da União e os seus órgãos vinculados estão autorizados a represen- tarjudicialmente os titulares e os ex-titula- res membros dos Poderes da República e outros cargos por ela citados, até mesmo para promoção da ação penal privada e so Nacional sobre a matéria evidencia exatamente a urgência necessária à intro- dução da disciplina que vem exatamente superar as críticas opostas à redação ori- ginal da norma impugnada. inexistem, destarte, as alegadas ilegiti- midades na norma impugnada. ∎ GILMAR FERREIRA MENDES é Advogado-Geralda União. CELSO RIBEIRO BASTOS E SAMANTHA MEYER-PFLUG impetração de habeas corpus e manda- do de segurança. Estas competências não se encontram previstas na Lei Mai- or, que faz menção, única e exclusiva- mente, à defesa dos interesses da União. Vê-se, portanto, que o texto constituci- onal nada dispôs sobre a defesa de inte- resses particulares e privados, estando estes excluídos da competência da Ad- vocacia Geral daUnião assegurada cons- titucionalmente. Há que se levar em consideração, também, que, na maioria das vezes, a defesa dos interesses da União encon- tra-se em oposição aos interesses do acusado, configurando-se, assim, um conflito de interesses. Ademais, não é lícito,=moralmente admissível, que a Advocacia Geral da União figure nos dois pólos da relação processual, quais sejam, o ativo e o passivo. De outra parte, a Carta Magna é expressa, em seu art. 131, ao exigir que a regulamentação da Advocacia Geral da União seja feita por intermédio de lei complementar, lei que já foi editada sob o número 73, e que nada dispôs acerca da possibilidade de defesa dos agentes políticos. Portanto, a Medida Provisória não é veículo normativo apto a regula- mentar a matéria. Nesse sentido, fica evidente que a Medida Provisória encontra-se eivada tanto de inconstitucionalidade formal, quanto material, vez que não compete à Advocacia Geral da União a defesa de interesses particulares e privados.Há um inequívoco conflito de inte- resses na medida em que a União apura irregularidades de um servidor e, ao mesmo tempo, defende o acusado. Isso porque a defesa dos interesses da União não coincide com a defesa dos titulares ou ex-titulares dos cargos citados naMP n° 2.143-31. Cabe à Advocacia Geral da> REVISTA CONSULEX - ANO V - N° 103 - 30 DE ABRIU2001 25 reportagem União, consoante ao disposto no art. 131 da Lei Maior, a defesa dos interesses deste ente federativo e não de interesses particu- lares e privados. Não se pode admitir num Estado democrático de Direito que o mes- mo órgão figure nos dois pólos da relação processual. Tal situação compromete o princípio do devido processo legal (art. 5°, LIV, CF/88) além de ofender ao princípio da moralidade que rege a Administração Pública direta e indireta dos Poderes da União, Estado, Distrito Federal e municípi- os (art. 37). Ademais, vale lembrar que, antes do advento da Constituição de 1988, a repre- sentação judicial da União era exercida pelo Ministério Público, que cumpria um dúplice mister. De um lado, levava a efeito as clássicas funções de defensor da ordem jurídica, de guardião da lei, promovendo a acusação penal, bem como de fiscal da aplicação do Direito em processos entre terceiros. De outro lado, desempenhava o papel de advogado da União, defenden- do-a nos processos contra ela movidos ou mesmo quando autora. Essa duplicidade, na ocasião, foi motivo de não poucas crí- ticas, vez que não é lícito ao mesmo órgão exercer a desinteressada função de custus legis e ao mesmo tempo assumir os inte- resses de uma das partes em juízo. AConstituição de 1988 pôs cobro a essa situação conflituosa, institucion alizando a Advocacia Geral da União, com as funções de representá-la, judicial e extrajudicial- mente, cabendo-lhe ainda, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as ativida- des de consultoria e assessoramento jurí- dico do Poder Executivo. Diante do exposto, resta claro que há conflito de interesses quando aAdvoca- cia Geral da União atua na defesa de interesses da União e, concomitante- mente, defende o acusado. Ao admitir- se tal hipótese estar-se-á restabelecen- do uma situação que o constituinte de 1988 achou por bem extinguir, qual seja, a de que o mesmo órgão atue nos dois pólos da relação processual. ∎ CELSO RIBEIRO BASTOS é Professor de DireitoConstitucional do curso de pós-graduação da PUC/SP,Diretor Geraldo IBDC- Instituto Brasileiro de DireitoConstitucional e sócio fundador do Celso BastosAdvogados Associados.SAMANTHA MEYER-PFLUG é membro do IBDC -Instituto Brasileiro de Direito Constitucional,mestranda em Direito Constitucional do curso de pós-graduação da PUC/SP e advogada-sócia do CelsoBastos Advogados Associados. 26 REVISTA CONSULEX - ANO V - N° 1 03 - 30 DE ABRIU2001 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS I E constitucional. Todo administra-dor público pode produzir nor-mas inconstitucionais, e o Poder Judiciário aí está para restabelecer a or- dem jurídica.0 governo pode, portanto, perder questões. Da mesma forma, to- dos os advogados podem não ser bem- sucedidos nas demandas, que conside- ram a priori como defensáveis e corre- tas. Nem o governo nem os advogados são infalíveis nos seus processos em juízo. Nem mesmo os magistrados. Quan- do uma norma é considerada inconsti- tucional por 6 x5 na Suprema Corte, fica evidente que cinco dos maiores juízes do País entendem que a norma seria cons- titucional. Por outro lado, o direito à ampla defesa é assegurado na lei supre- ma (artigo 5°, inciso LV). Ora, não há como retirar o direito de que a defesa de quem agiu na gestão da coisa pública seja realizada pelos próprios órgãos do Po- der Público para tais fins constituídos. Por suas ações pessoais, não cabe o direito de defesa por intermédio dos órgãos oficiais. Nesta hipótese, nitida- mente, a participação da AGU feriria o princípio da moralidade pública (art. 37). Por atos na gestão da coisa pública, a omissão da defesa da AGU é que feriria o princípio da moralidade. Alei, portan- to, é manifestamente constitucional. Não há qualquer conflito de interesses, na medida em que os órgãos de correição dos poderes têm a obrigação de perma- nente fiscalização dos atos de seus servido- res. Todas as corregedorias, enquanto in- vestigam, de um lado, não impedem que os investigados continuem atuando como ad- ministradores, de outro lado. Somente após decisão final condenatória é que podem afastar, por condenação, o servidor. Vale dizer, o segmento do Poder que é obrigado a proceder a correição é diferente daquele que defende as ações externas das autori- dades em questões vinculadas à sua ação. Tanto os corregedores não podem deixar de fazer as investigações necessárias, quan- do há suspeitas de administração temerá- ria ou dolosa, como os órgãos de defesa do Poder Público de defender os servidores acionados em juízo por atos vinculados a sua Administração. São funções separa- das, distintas, que devem ser exercidas, nos limites das competências outorgadas pela Constituição e pela lei. ∎ IVES GANDRA DA SILVA MARTINS é ProfessorEmérito das Universidades Mackenzie, Paulistae Escola de Comando e Estado-Maior do Exér-cito, Presidente do Conselho de Estudos Jurídi-cos da Federação do Comércio do Estado de SãoPaulo e do Centro de Extensão Universitária. r' ANTÔNIO iANTÔNIO Fe ALVARES DA SILVAM inha posição é, liminarmente,pela inconstitucionalidade daLei n° 9.028195, porque, tendo a Constituição, no caputdo art. 131, es-tabelecido, em nu- merusclausus, que a organização e o funcionamento, bem como as ativi-dades de consulto- ria e de assessora- mento do PoderExecutivo, seriam regulados por lei complementar,não se pode admi- tiraeficáciadequal- querordenamento jurídico que não se revistado mencio-nado condiciona- mento constitucional, presente, in casu, o precedente configurado na ADIn n° 4-DF (RTJ 147/719), versando sobre o § 3° do art. 192 da Carta Magna, e também, por contrariedade ao mencionado dis-positivo constitucional, por ampliar o elenco das atribuições por ele definidas, porquanto, mutatis mutandis, "tanto vul- nera a lei o provimento judicial que im-plica exclusão do campo de aplicação de hipótese contemplada, com o que inclui exigência que se lhe mostra estranha" (RE n° 128.519-DF, Tribunal Pleno, Rel.Min. Marco Aurélio, RTJ 133/1355) e, conseqüentemente, pela inconstitucio- nalidade da Medida Provisória n° 2.143-31, pelas mesmas razões e por contrari- nicialmente, não vislumbro a ur-gência que a regra constitucional exige para a edição dessastáboas de castigos que são as Medidas Provisórias. A MP sub censura altera o art. 22 daefêmera Lei n° 9.028/95, que dispunha sobre o exercício da AGU "em caráter emergencial e provisório, até a criação e implantação da estrutura administra- tiva da Advocacia Geral da União..." Jáestá criada e implantados estão seus serviços e sua estrutura. Assim, a Lei n°9.028195 sofreu "dessuetude". Além dis- so, o art. 22 (modificado pela MP), por suavez, modificava dispositivo do Códi- edade ao art. 62 da Constituição Federal e por lhe faltar o pressuposto de urgên- cia. No tocante à segunda questão e diante dos comandos da ventilada or- dem jurídica, pode-rá, inevitavelmen- te, nos casos de im- probidadepratica- da pelo servidor,ocorrer conflito de interesses no fato dea União apurar ir- regularidades e, ao mesmo tempo, de- fender o acusado. A meu sentir, talconflito só poderá ser evitado por in- termédio de hábilreformulação da mencionada legis- lação, com a indigitada delegação regu- larmente autorizada em Emenda Cons-titucional e sob o condicionamento de que o servidor tenha agido no estritodever funcional e sob fiel observância aos comandos do caput do art. 37 da Constituição Federal, hipótese em que sua defesa estatal se toma um direito decidadania.∎ ANTONIO F. ÁLVARES DA SILVA é autor do anteprojeto transformado no Decreto-Lei n!167/67 e dos livros A Correção Monetária e o Crédito Rural e Correção Monetária - Sua llicitude no Crédito Rural. Advogado em Bra- aRla, Consultor Jurídico do Escritório de Advo-cacia Rogério Avelar e membro do Conselho de Editores de Revista Jurídica CONSULEX. MARCELLO CERQUEIRA go Civil, o que soma ilegalidade, já queMP não pode modificar norma cons- tante de Código. Há conflito de interesses: a União não pode figurar em ambos os pólos.Para além do que me foi pergunta- do, peço atenção para a criação da Divisão de Conflitos Agrários e Fundiá-rios no âmbito da Polícia Federal, que reforça o termo de que o governo veja os conflitos agrários como casos de Polícia, e não questões sociais. ∎ MARCELLO CEROUEIRA é presidente do IAS (Instituto dos Advogados do Brasil). FRANCISCOLACERDA NETOToda Medida Provisória é, em princípio,inconstitucional, por sua incompatibi-lidade com o regime presidencialista daConstituição. No caso presente, além de in-constitucional, é imoral, pois o Presidente daRepública legislou em causa própria, ou seja, colocou a AGU a seu serviço pessoal e de seusacólitos, para não ter gastos coma contrataçãode advogados na defesa das ilegalidades queessas autoridades cometem. A defesa do Pre-sidente e daqueles que ocupam cargos públi-cos, de indicação política, deveria, se vivêsse-mos em país verdadeiramente democrático,ser atribuição do partido político que o elegeu,e não como pretende essa excrescência de lei,que obriga o contribuinte a pagar não só pelasilegalidades, como também pela defesa dosque as cometeram. É um absurdo conviver- mos com esse tipo de situação.Alei que regulamenta a OAB e o seu Códi-go de Ética proíbe que o mesmo escritório deadvocacia, ainda que possua 200 advogados,seja ao mesmo tempo patrono do autor e doréu de uma mesma ação judicial como aconte-ce com a norma dessa absurda Medida Provi-sória, sendo portanto, no mínimo, aética, essasituação. Nem se alegue que o Presidente res-ponde a 150 ações populares, para justificar esse fato. O seu Partido que o defenda, pois éinerente ao próprio exercício do cargo o en-frentamento de questões judiciais, sem queisso possa dar direito a ter advogados públi-cos, altamente qualificados, de graça.Enquanto isso, não há verbas, nem regu-lamentação da Defensoria Pública, para ofe-recer assistência judiciária, àqueles que real-mente dela necessitam, a imensa maioria demiseráveis criados por essas mesmas ilegali-dades, cometidas por essas autoridades. Háevidente conflito de interesses e o que é pior, é imoral, ilegal e aético além de não atender aosprincípios do regime democrático, onde pre-valece a igualdade entre todos os cidadãos. ∎ FRANCISCO LACERDA NETO é presidente do Ins- tituto dos Advogados do DF e ex-presidente de OAB. REVISTA CONSULEX - ANO V - N° 103 - 30 DE ABRIu2001 2 7 page 1 page 2 page 3 page 4 page 5 page 6
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