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A Mecânica da Exploração Capitalista

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Centro de Ciências Agrárias
Economia Ecológica
	
	
A Mecânica da Exploração Capitalista
	Aécio Alves de Oliveira[1: * Professor Associado 4 da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE, julho de 2015.]
aecioeco@ufc.br
1-O Produto Excedente
	1.1-Produção
	Atividade humana consciente que se desenvolve sobre a natureza com a finalidade de transformar os objetos nela existentes, dotando-os de capacidade para satisfazer nossas necessidades.
	1.2-Caráter social da produção
	Dado que é impossível para um indivíduo isoladamente produzir tudo o que consome, a atividade humana que se desenvolve sobre a Natureza representa, na realidade, uma ação coletiva de uma parcela da população.
	1.3-Processo de trabalho
	
Consiste de um conjunto de condições, objetivas e subjetivas, com as quais se desenvolvem os atos de sucessivas transformações de objetos encontrados na Natureza, para torná-los passíveis de uso pelo homem.
	1.4-Elementos do processo de trabalho
a) o homem em atividade, movimentando o processo de trabalho;
b) os meios de produção, que são os elementos necessários para a atividade de transformação desenvolvida pelo homem;
c) os objetos de trabalho, encontrado na Natureza, que deverão sofrer sucessivas transformações; e
d) o produto, que é o objeto já transformado, o ponto terminal do processo de trabalho
	1.5-Meios de produção
a) os instrumentos de trabalho propriamente ditos: máquinas, ferramentas e equipamentos
b) outros meios de produção necessários (ruas, estradas, pontes, portos, edifícios, instalações etc.)
	1.6-Objetos de trabalho
a) matéria-bruta: objetos retirados diretamente da natureza (madeira bruta, água, minerais, petróleo etc.)
b) matéria-prima: objetos que passaram por um processo de trabalho anterior (tijolos, tecidos etc.)
c) outros insumos: de natureza diversa que são utilizados no processo de transformação dos objetos e matérias-primas para a consecução do produto (energia elétrica, combustíveis, lubrificantes, água etc.)
Observações:
1) Há processos que se utilizam apenas de matéria-bruta; outros apenas de matéria-prima; outros utilizam ambos os tipos. Muitas vezes um ponto terminal (produto) de um processo é ponto inicial para outro.
	2) O processo de trabalho pode ser visto também a partir de dois aspectos básicos:
	a) o humano ou subjetivo (o trabalhador)
	b) o material ou objetivo (os meios de produção)
	3) Os meios materiais de produção podem ser subdivididos como segue
	a) meios de trabalho:
	- instrumentos
	- outros meios
	b) objeto de trabalho:
	- matéria-bruta
	- matéria-prima
	- outros insumos
	1.7-Produtividade do trabalho
	
É a relação entre a quantidade do produto obtida e o tempo de trabalho dedicado à sua produção. Ao se produzir algo num tempo menor significa que o trabalho se tornou mais produtivo. Ou seja, quanto mais for produzido, digamos, em uma hora, maior será a produtividade do trabalho.
	1.8-Aparecimento do excedente
	
A base para o aparecimento de um excedente é justamente o conhecimento (sua ampliação e aplicação) que o homem adquire sobre o ambiente que o rodeia e sobre as características físico-químicas dos objetos encontrados na Natureza. A partir desse conhecimento é que serão produzidos instrumentos de trabalho mais adequados à atividade de transformação. Assim, o nível de conhecimento alcançado deverá condicionar a produtividade do trabalho. Numa circunstância em que as condições ambientais permitem produzir apenas o mínimo necessário para a sobrevivência daqueles que dela participam é materialmente impossível se pensar em excedente. Este seria o caso em que ocorre o uso de instrumentos de trabalho e técnicas de produção rudimentares e reduzido conhecimento sobre o ambiente. A baixa produtividade do trabalho limita a produção de excedentes. A partir do momento em que o produtor adquire um maior conhecimento sobre o ambiente que o rodeia, cria condições para produzir além de suas necessidades imediatas de subsistência. Nessa circunstância é que aumentos de produtividade e de produto excedente se encontram estreitamente relacionados.
2-Apropriação do Produto Excedente e Modos de Produção
	Historicamente há uma classe social que se apropria do excedente e que procura legitimar tal direito a partir de certas condições sociais que são impostas ao conjunto dos trabalhadores de cujo trabalho foi gerado este excedente. As formas particulares (historicamente determinadas) de apropriação e legitimação do excedente são conhecidas por "modos de produção".
	2.1-Níveis de um Modo de Produção
	a) Econômico
	b) Jurídico-Político
	c) Ideológico
Obs.: Estes níveis encontram-se estreitamente relacionados. São partes de uma totalidade em que uma determina e é determinada pelas demais. É uma mútua determinação.
Do ponto de vista econômico poderíamos analisar um modo de produção tendo em vista os seguintes aspectos:
	1) Características do trabalho
2) Grau de compreensão do trabalhador com relação ao meio físico que o rodeia e conhecimento do processo de trabalho onde atua
3) Grau de eficiência no uso dos instrumentos de trabalho (nível de produtividade)
4) Produtos obtidos para a satisfação imediata das necessidades de sobrevivência ou na forma de meios de produção
5) Formas de apropriação do excedente gerado
	Do ponto de vista jurídico-político poderíamos analisar:
1) As várias instituições existentes: poderes legislativo, executivo e judiciário, exército, tribunais, sistema carcerário, polícia, dentre outras; e
	2) as leis e normas jurídicas vigentes
Todo este aparato jurídico-político teria por finalidade prática servir de instrumento para garantir a apropriação do excedente de forma "suave", "consentida", "natural". O nível jurídico-político compõe o que conhecemos por ESTADO.
	Do ponto de vista ideológico:
	Neste nível é criado um aparato com a finalidade precípua de transmitir para o conjunto da sociedade, principalmente às classes trabalhadoras, que as condições materiais e sociais sob as quais se desenvolve o trabalho são desígnios naturais, no sentido de que uns foram dotados para a condição de controladores (exploradores) e outros para a condição de controlados (explorados). Neste nível podemos situar os meios de comunicação, a universidade, a indústria cultural, dentre outros.
3-O Modo de Produção Capitalista
	A passagem de um modo de produção para outro se deu de maneira lenta. Os elementos da transição vão se desenvolvendo dentro das antigas formas de organização da produção e pode ocorrer que, durante algum tempo, coexistam a nova com a antiga modalidade. Aqui serão apenas tratados os traços gerais e fundamentais do modo de produção capitalista quando já dominante.
	3.1-O produto do trabalho é convertido em mercadoria
	Se a finalidade primeira da atividade produtiva for o atendimento de necessidades do produtor imediato, não se pode falar em produção capitalista, mesmo que uma parte da produção seja levada para o mercado. Nesta circunstância o que interessa é apenas o valor-de-uso, ou seja, a capacidade do produto de satisfazer necessidades individuais e coletivas, direta ou indiretamente. Quando, sob determinadas condições, o produto do trabalho humano contém, ao mesmo tempo, utilidade e é destinado à venda, assume a condição de mercadoria.
	Os produtos do trabalho humano são transformados em mercadorias a partir de duas condições essenciais:
a) aumentos de produtividade com a geração de crescentes excedentes; e
b) ampliação da divisão do trabalho social.
	Ambas as condições permitirão o desenvolvimento e a generalização das trocas dos produtos do trabalho humano que por sua vez estimularão ainda mais a elevação da produtividade e a divisão do trabalho, tanto do ponto de vista técnico e como do ponto de vista social. A partir de certo grau de desenvolvimento, as trocas adquirem regularidade e regulação próprias.
	Nos seus momentos iniciais a troca erafortuita e se caracterizava pela necessidade dos vários grupamentos humanos adquirirem bens para satisfação de suas necessidades. As trocas eram diretas e envolviam produtos do trabalho de cada grupamento: produtos do trabalho de um grupo são trocado por outros produtos pertencentes a outros grupos. Observa-se que o surgimento das trocas, tendo em vista o consumo, colocava os produtos como elementos fundamentais para o relacionamento entre pessoas de diferentes grupamentos. Pode-se dizer que as relações sociais entre produtores eram delimitadas pelas relações de troca de produtos.
	A generalização das trocas passa a provocar transformações no seu caráter. Sua universalização leva a afirmação dos indivíduos como sujeitos das trocas. Nessas circunstâncias a forma de organização da produção pode ser denominada de Modo de Produção Mercantil Simples-MPMS, espécie de embrião do capital mercantil.
As características técnicas do MPMS são as seguintes:
a) os meios de produção são manipulados pelos trabalhadores que dominam tecnicamente o processo de trabalho em sua totalidade;
b) os produtores, por serem independentes, por regularem seu processo de trabalho, são os apropriadores do excedente que é encaminhado para o mercado e trocado por outros produtos (excedentes);
c) as trocas se efetivam no mercado de acordo com as proporções estabelecidas pelos sujeitos envolvidos com base no trabalho aplicado na produção.
	Para estabelecer os termos da troca há um elemento objetivo que é básico: os produtos trocados têm em comum o trabalho humano neles materializados, na sua produção. Se um metro de tecido incorpora o triplo do trabalho correspondente à produção de uma dúzia de ovos, então a relação de troca é um metro de tecido para três dúzias de ovos. A prática, a experiência adquirida com a generalização das trocas, termina por ensinar que os produtos são trocados com base no tempo de trabalho neles incorporado.
	Sob o MPMS os produtos do trabalho apresentam um duplo aspecto: além de serem úteis, apresentam um valor de troca em função do tempo de trabalho neles cristalizados. Nesse momento adquirem o caráter de mercadoria. Inaugura-se, então, um regime no qual a imensa maioria dos produtos do trabalho transforma-se em mercadorias, sendo, portanto, produzidos para a troca (venda).
	3.2-A conversão do trabalho em valor
	Do que foi apresentado deduz-se que a troca obedece ao seguinte princípio: as mercadorias trocadas têm o mesmo tempo de trabalho incorporado. Por outras palavras: a relação de troca fica definida pela proporção dos tempos de trabalho incorporados em cada mercadoria. Esse princípio é conhecido como a Lei do Valor.
	Qual é o tempo de trabalho incorporado numa mercadoria? Trata-se da soma de todos os tempos envolvidos nas várias etapas da produção, incluindo-se o tempo de trabalho embutido nos meios de produção. Pode-se dizer que, quanto mais demorada for a produção de uma certa mercadoria, maior o valor da mesma? A isso cabe responder que sim e que não. É evidente que, quanto maior for o tempo de trabalho para produzir determinada mercadoria, maior o valor desta. Porém, o que interessa do ponto de vista do mercado é o tempo de trabalho socialmente necessário, o qual reflete a técnica, a destreza e habilidade dos produtores em uma dada sociedade e em certo momento. O que a lei do valor indicará para os vários produtores é que o tempo de trabalho para produzir uma determinada mercadoria deve estar próximo do tempo socialmente necessário, que funciona como um termo médio para o ramo da produção considerado.
	3.3-A mercadoria dinheiro
	No início, as trocas ocorriam na base de mercadoria por mercadoria. É a fase do escambo. Facilmente foram percebidas as dificuldades em função, por exemplo, da impossibilidade de alguns produtos serem fracionados. Na medida em que as trocas se ampliavam, as dificuldades aumentavam.
	A prática vai mostrando a necessidade de uma mercadoria que sirva de padrão de comparação, um instrumento de medida do valor de todas as demais e que possa ser fracionada sem perder a substância. (Nesse sentido poderíamos pensar, por exemplo, o trigo como uma mercadoria com essas características.) Porém, é importante que tal mercadoria seja durável, de fácil manejo que não sofra tanto desgaste com o passar do tempo. (Nesse caso o trigo não seria um bom padrão de comparação.)
	Daí observou-se que poucas mercadorias preenchiam as condições referidas - divisibilidade e de fácil conservação. Destacaram-se, então, o ouro, a prata e o cobre, todas produzidas de acordo com os respectivos tempos de trabalho socialmente necessários. Além de serem úteis e terem um valor de troca, acabaram assumindo um novo papel: o de servir de espelho para as demais mercadorias, o que facilitou enormemente as trocas. Esse novo papel é o que se denomina de equivalente geral de troca ou dinheiro. É interessante notar que, com o aparecimento do dinheiro, a troca que antes era direta, tornou-se indireta. Produtos eram trocados por equivalente geral para em seguida, na medida das necessidades, o equivalente geral (o dinheiro) obtido ser utilizado para a aquisição de outros produtos.
	O que se constatou de imediato foi que acumular ouro (dinheiro) significava acumular muitas horas de trabalho e capacidade de adquirir (poder de compra) muitos outros produtos. Portanto, o aparecimento do dinheiro, além de facilitar as trocas, permitia, para quem conseguisse acumulá-lo, comando sobre coisas (produtos do trabalho) e, por via de conseqüência, sobre pessoas.
	3.4-A conversão da força-de-trabalho em mercadoria
	Por força-de-trabalho entende-se a capacidade física e mental que possibilita ao homem operar transformações no meio físico que o rodeia. O uso dessa capacidade é que distingue o trabalho humano das atividades desenvolvidas por outros animais, pois traz implícita a intencionalidade da ação. Percebe-se que essas faculdades ao serem inerentes ao ser humano acabam por colocar um problema para as classes dominantes. Sob a escravatura, a forma de utilização desse conjunto de faculdades se dava pela apropriação do indivíduo por completo; o senhor feudal seguia outro procedimento: fixava o servo numa pequena parcela de terra, da qual retirava o sustento, e o obrigava a trabalhar numa parcela maior de onde eram gerados excedentes para seu consumo e enriquecimento. Observa-se que em ambos os casos os indivíduos não eram politicamente livres para dispor de sua força-de-trabalho: havia uma coerção extraeconômica que os obrigava a trabalhar. Na sequência da evolução histórica, no modo de produção capitalista, o trabalhador torna-se politicamente livre e a força de trabalho converte-se em mercadoria: nada o obriga a trabalhar, a não ser suas necessidades de sobrevivência.
	No capitalismo, o que interessa é apenas a utilização do conjunto de faculdades físicas e intelectuais inerentes ao trabalhador. O interesse que existe com relação à pessoa do trabalhador é essencialmente econômico. Daí não serem a mesma coisa a pessoa do trabalhador e sua força de trabalho. Contudo, para que a força de trabalho seja produzida é necessário manter viva a pessoa do trabalhador. Assim, a pessoa do trabalhador só interessa ao capitalista na medida em que encerra a mercadoria da qual faz uso durante determinado tempo, mercadoria que é a força de trabalho.
	A força de trabalho torna-se uma mercadoria como outra qualquer porque reúne todas as características para tal:
	a) é um produto da atividade humana;
	b) tem valor de uso; e
	c) encerra um valor.
	A produção da força de trabalho envolve todo um conjunto de atividades que vão desde a gestação, nascimento, crescimento e conservação daquilo que constitui sua base material (seu corpo). Ela é útil (tem valor-de-uso), porque seu uso permite obter objetos úteis que irão satisfazer necessidades. Por fim, encerra um valor, porque pressupõe um tempo de trabalho necessário à sua produção, expresso no conjunto de mercadorias consumidas – alimentos, medicamentos,vestuário, educação, habitação, cursos e treinamentos profissionais etc. Para que força de trabalho seja reproduzida é preciso que seu possuidor recupere a energia física e mental despendida no processo de produção.
	A transformação de força de trabalho em mercadoria pressupõe, antes de tudo, a separação da pessoa do trabalhador de suas condições materiais de produção. Tal processo resume-se no seguinte: uns poucos (os capitalistas) acumulam uma grande massa de meios de produção (dinheiro, terras, máquinas, ferramentas, matérias-primas etc.); e no outro extremo um conjunto maior de pessoas acumula uma grande massa de força de trabalho. A partir dessa separação estabelece-se uma enorme força de atração entre os dois polos de tal modo que a situação seja mantida. A separação renova-se sistematicamente. É preciso separar para unir, e unir para manter a separação entre produtores e meios de produção.
	O modo de produção capitalista concretiza a separação entre os produtores e seus meios de produção. O processo de produção capitalista concretiza a combinação de força de trabalho com os meios de produção para em seguida voltar a separá-los, no momento da apropriação do excedente pelos capitalistas – o que impossibilita a volta dos trabalhadores à condição de produtores independentes. Há, portanto, uma constante reprodução das condições sociais existentes no início do processo.
4-A Mais-Valia
4.1-O valor da força-de-trabalho como núcleo central do conceito de mais-valia
	O capitalista sendo proprietário dos meios de produção, compra força de trabalho e promove uma combinação técnica entre estes elementos. O que é claramente percebido nessa combinação é que, durante o desenrolar da ação de produzir, os meios de produção vão perdendo seu valor de uso e, consequentemente, transferindo seu valor para a mercadoria. Essa transferência vai ocorrendo na medida do desgaste e do consumo dos elementos que constituem os meios de produção, que aparecem transfigurados no produto, na maioria dos casos de forma imperceptível. Como um resultado, o produto encerra a soma dos valores das matérias-primas, bem como partes proporcionais ao tempo de uso dos demais elementos (ferramentas, maquinarias, edifícios etc.) que, ao final das respectivas vidas úteis, terão cedido seu valor completo ao conjunto de produtos elaborados. O valor dos meios de produção apenas reaparece na mercadoria; os meios de produção não criam valor novo.
	Para o capitalista é fundamental vender um produto que encerre um valor superior ao contido nos meios de produção utilizados. Na verdade, um valor superior ao contido no conjunto dos elementos utilizados na sua produção, que representa os chamados gastos de produção. Em primeiro lugar, cabe observar, o valor contido nos meios de produção é um trabalho morto e, por este motivo, é preciso que ocorra alguma ação sobre os mesmos de modo que dela surja uma agregação de valor. É por aí que se origina o lucro. Como, então, isso ocorre?
	O segredo fica resolvido com a utilização da mercadoria força de trabalho. Esta ao movimentar o processo de trabalho durante certo tempo, proporciona a criação de um valor novo superior ao que ela própria encerra. Feitas as contas percebe-se que o produto incorpora o tempo de trabalho contido nos meios de produção, mais o tempo de trabalho presente (trabalho vivo) que o trabalhador vai aplicando durante sua elaboração. Assim, o valor do produto corresponde à soma (em termos de tempo) do "trabalho morto" mais o "trabalho vivo". É o contato do trabalho vivo com o trabalho morto que vivifica este último: apenas a força de trabalho cria (é fonte de) valor e a diferença entre o valor novo criado e o valor da força-de-trabalho denomina-se mais-valia.
	Dizer que a fonte do valor é a força de trabalho, é a mesma coisa que dizer que esta mercadoria gera um valor superior ao seu próprio, que é a mais-valia. Deve-se, então, perguntar: qual é o valor da força-de-trabalho? Quanto custa produzir tal mercadoria?
	Como se sabe, a força de trabalho não se encontra separada da pessoa do trabalhador. Isso significa que o custo de produzir uma é o mesmo que para produzir a outra. Por um lado, quando o trabalhador vende sua força de trabalho, deve obter em troca meios necessários para recuperar as energias despendidas ao longo de uma jornada de trabalho. Isso apenas refere-se ao custo de reprodução. Ocorre, porém, que o desgaste diário a que é submetido o trabalhador acelera seu processo biológico de deterioração, e consequentemente de sua força de trabalho. Ao perder utilidade, esta mercadoria perde valor. Portanto, além da necessidade de ser reproduzida, a força-de-trabalho tem que ser produzida periodicamente. Com isso, o conjunto das mercadorias consumidas deve ser tal que permita a subsistência do trabalhador e de sua família de modo a garantir para os capitalistas produção e reprodução da força de trabalho de que necessita para extrair o excedente pretendido, ou seja, a mais-valia (ou lucro).
4.2-Geração e extração da mais-valia
	O capitalista dirige-se ao mercado com uma soma de dinheiro (D) para adquirir um conjunto de mercadorias (M) de que necessita para montar uma atividade produtiva. O conjunto M é constituído de meios de produção e de força de trabalho. Como cada uma dessas mercadorias foi produzida em determinado tempo de trabalho socialmente necessário (tem um valor), admitamos que a soma de dinheiro paga por elas representa as horas de trabalho nelas encerradas. Em particular, pela força de trabalho é pago justamente o equivalente ao conjunto de mercadorias necessárias à sua produção e reprodução. Subentende-se, portanto, que a lei de valor funcione na sua plenitude: na chamada esfera da circulação, todas as mercadorias são compradas e vendidas pelos respectivos valores. Assim, esquematicamente:
D (dinheiro) 		M (mercadorias: meios de produção e força de trabalho)
			
	Em seguida, as mercadorias adquiridas para a montagem do processo de produção são combinadas tecnicamente o que permite ao capitalista, na medida em que o produto vai sendo elaborado, recuperar o valor dos meios de produção de modo a repô-los a cada período subsequente de produção.
	Ocorre, contudo, que no processo de elaboração do produto a força de trabalho cumpre duas funções, simultaneamente:
1) possibilita a transferência para o produto dos valores contidos nas matérias-primas e demais meios de produção; e
2) sua ação durante a jornada de trabalho vai criando um valor novo – vai dando forma a uma nova mercadoria e agregando valor ao "trabalho passado".
O resultado desta última ação é o que mais interessa ao capitalista.
	Suponha-se que, numa jornada diária de trabalho de 8 horas, a produção de 4 horas corresponda justamente ao custo de produção e reprodução da força-de-trabalho. Ou seja, que no final deste período seja produzida uma quantidade tal do produto, equivalente aos meios de subsistência necessários ao trabalhador e a sua família. Se a atividade cessasse ao final dessas 4 horas, nenhum excedente seria gerado e apenas seriam reproduzidas as condições iniciais do processo de produção: a soma de dinheiro obtida da venda daquela quantidade corresponderia justamente às despesas com as mercadorias utilizadas na produção (os meios de produção consumidos e a força de trabalho). Ocorre que, para o capitalista só faz sentido destinar dinheiro para a compra dessas mercadorias se a produção e venda de uma nova mercadoria proporcionar um montante de dinheiro superior àquele inicial despendido.
	Esquematicamente:
D (dinheiro) M(mercadorias) M+(nova mercadoria) D+(dinheiro)
O objetivo do capitalista é tornar a diferença D+- D (o lucro) maior possível. A obtenção dessa diferença só é possível na medida em que o consumo de força de trabalho se estenda além do tempo necessário a uma produção equivalente ao valor desta mercadoria.
	Denomina-se trabalho necessário aquele cujo volume de produção corresponde ao valor da força-de-trabalho. Ou seja, um volume deprodução tal que permite ao capitalista reiniciar o processo sem ter obtido nenhum "prêmio". Denomina-se trabalho excedente o volume de produção correspondente ao "prêmio" do capitalista, que é justamente a mais-valia. Trata-se de um trabalho gratuito, inteiramente apropriado pelo capitalista. Em termos de tempo, o trabalho necessário corresponde ao tempo de trabalho necessário, enquanto que o trabalho excedente, ao tempo de trabalho excedente.
	Quando o processo termina, o produto já elaborado é levado ao mercado para ser vendido. Nesse momento entra na esfera da circulação para ser trocado por dinheiro (o equivalente geral). Em termos de valor, o produto encerra trabalho morto (contido nos meios de produção) e trabalho vivo (incorporado pela força-de-trabalho), este correspondente ao total de horas da jornada diária. O montante do equivalente geral conseguido deverá corresponder ao tempo de trabalho incorporado no produto, que corresponde ao tempo necessário (valor da força-de-trabalho) mais o tempo excedente (mais-valia), além do tempo de trabalho contido nos meios de produção consumidos.
	Como se pode observar, a mais-valia é realizada no mercado. Porém, é na esfera da produção que ela é gerada e extraída. Assim, o segredo do lucro fica desvendado. E o segredo do lucro é o segredo da exploração capitalista; da produção do excedente sob o capitalismo.
	4.3-Mais-valia absoluta e mais-valia relativa
	Como se pode perceber, para obter a mais-valia basta "obrigar" o trabalhador a continuar em ação além do tempo de trabalho necessário. Como uma decorrência, quanto maior for a jornada de trabalho, maior a mais-valia obtida. A prática rapidamente ensinará aos capitalistas que o caminho mais simples para aumentar a diferença entre o dinheiro aplicado no início e aquele obtido no final do processo é ampliar a jornada de trabalho. O aumento de mais-valia assim obtido denomina-se mais-valia absoluta. Esta prática apenas exigirá do capitalista que ele encontre formas de obrigar os trabalhadores a cumprirem mais e mais horas de trabalho. Uma questão que logo aparecerá é que esses caminhos têm seus limites, e estes se devem às próprias condições físicas dos trabalhadores, por um lado, e à sua luta constante pela redução da jornada de trabalho, por outro. Para os capitalistas vai ficando cada vez mais difícil obter mais-valia pela simples ampliação da jornada de trabalho.
Os capitalistas se veem obrigados a encontrar novas formas de exploração. Mais uma vez procurarão atuar sobre a fonte de criação de valor, sobre a força de trabalho. Esta tarefa fica facilitada pelo progresso técnico, pela introdução de maquinarias mais modernas ou novas formas de organização do trabalho, que proporcionam aumentos consideráveis de produtividade. É o acúmulo do conhecimento humano sendo apropriado privadamente; é a privatização da ciência e da tecnologia. Como um resultado imediato, tomando o exemplo anterior, durante as mesmas 4 horas de trabalho que antes haveria, à disposição do capitalista, um volume de produção superior àquele que correspondia ao pagamento pela força-de-trabalho utilizada. Desse modo, ocorreria uma "desvalorização" da força de trabalho, pois o que lhe será pago em equivalente geral corresponderá a um menor tempo de trabalho necessário. No final, para uma jornada de trabalho fixa, a diferença entre o dinheiro adiantado e o obtido será aumentada. A este aumento de mais-valia dá-se o nome de mais-valia relativa.

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