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Filosofia como Cultura

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Universidade Metodista de São Paulo
Universidade Metodista de São Paulo
Conselho Diretor: Luis Antonio Aparício Callaú (presidente), Joel Lemes da Silveira
(vice-presidente), Rosilena Gomes da Silva Rodrigues (secretária), André
Fernandes Ribeiro Maia, Graciela Duarte Rito Rodrigues Aço, Nelson Custódio Fer
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Metodista de São Paulo)
Coordenadora do Curso de
Ciências Sociais - EAD
Luci Praun
Organizadora
Luci Praun
Professores Autores
Frederico Pieper
Luci Praun
Marcelo Carvalho
Paulo Barrera Rivera
Suze Oliveira Piza
Verónica Aravena Cortes
Wesley Adriano Martins Dourado
Assessoria Pedagógica
Adriana Azevedo
Alessandra Domeniquelli
Patricia Brecht
Coordenação Editorial
Ricardo Scantamburlo
Editoração Eletrônica
Aline Aragao Cincerre
Bruno Farias Silva
Bruno Tonhetti Galasse
Natália Casanova
Nathália B. de Souza Santos
Ricardo Scantamburlo
Capa
Nathália B. de Souza Santos
Revisão
Eliane Viza Bastos Barreto
Impressão
Bartira Gráfica e Editora
Data desta edição
Janeiro/2009
 Universidade Metodista de São Paulo
As Ciências Sociais e o Estudo da Sociedade / Universidade
Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo : Ed. do Autor
128, 2009.
 128 p. (Cadernos didáticos Metodista - Campus EAD)
 Bibliografia
 ISBN: 978-85-7814-058-8
 1.Ciência e sociedade 2. ciências sociais
CDD300
Reitor: Marcio de Moraes
Vice-Reitor: Clovis Pinto de Castro
Pró-Reitoria de Educação a Distância: Luciano Sathler Rosa Guimarães
Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários: Paulo Bessa da Silva
Pró-Reitoria de Graduação: Vera Lúcia Gouvêa Stivaletti
Pró-Reitoria de Infra-Estrutura e Gestão de Pessoas: Elaine Lima de Oliveira
Pró-Reitoria de Pós- Graduação e Pesquisa: Lauri Emílio Wirth
Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito: Claudio de Oliveira Ribeiro
ex
pe
di
en
te
deve deixar claro para outros os termos da licença desta obra.
UNIVERSIDUNIVERSIDUNIVERSIDUNIVERSIDUNIVERSIDADE METODISTADE METODISTADE METODISTADE METODISTADE METODISTA DE SÃO PA DE SÃO PA DE SÃO PA DE SÃO PA DE SÃO PAAAAAULOULOULOULOULO
Rua do Sacramento, 230 - Rudge Ramos
09640-000 São Bernardo do Campo - SP
Tel.: (11) 4366-5570 - www.metodista.br/ead
É permitido copiar, distribuir, exibir e executar a obra para uso não-comercial,
desde que dado crédito ao autor original e à Universidade Metodista de São Paulo.
É vedada a criação de obras derivadas. Para cada novo uso ou distribuição, você
Educação Sem Distância - www.metodista.br
Palavra do Reitor
A tecnologia se integra cada vez mais às práticas didático-pedagógicas das Instituições de
Ensino Superior no Brasil e no mundo. O Ministério da Educação reconhece que o desenvolvimento
com maior equidade pede mudanças profundas nos paradigmas com os quais educadores e
gestores educacionais têm trabalhado nas últimas décadas, sendo a Educação a Distância (EAD)
parte das inovações adotadas para fazer frente aos desafios que os novos tempos impõem.
Mais de 2,5 milhões de brasileiros estudaram em cursos com metodologias a distância no
ano de 2007, segundo a edição 2008 do Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a
Distância, sendo que destes cerca de 1 milhão o fizeram em cursos formalmente autorizadoscursos formalmente autorizadoscursos formalmente autorizadoscursos formalmente autorizadoscursos formalmente autorizados
pelo respectivo Sistema de Ensino. pelo respectivo Sistema de Ensino. pelo respectivo Sistema de Ensino. pelo respectivo Sistema de Ensino. pelo respectivo Sistema de Ensino. Eram 109 instituições credenciadas, das quais 11
comunitárias ou confessionais, 49 particulares e 49 públicas, entre universidades e centros federais
de educação profissional e tecnológica (Cefets). A democratização do acesso à Educação Superior
é possível e necessária no país, cabendo à EAD um papel preponderante nessa tarefa.
As pessoas aprendem sempre e as suas necessidades de formação permanente exigem
combinar de forma eficaz as diversas possibilidades de interação pelas Novas Tecnologias de
Informação e Comunicação. A Metodista investe na qualidade e acredita que se alcança excelência
a partir do compromisso entre todos os participantes do processo educacional, o que inclui a
equipe docente, funcionários técnico-administrativos, alunos e alunas na busca de objetivos
convergentes.
Nosso desejo é de que o I Semestre de 2009 seja pleno de realizações para todos os alunos
e alunas do Campus EAD Metodista, mantendo-se a dedicação necessária para que o sucesso nos
estudos se some à alegria de mais uma etapa vencida.
Um abraço,
ProfProfProfProfProf. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Marcio de Moraes. Marcio de Moraes. Marcio de Moraes. Marcio de Moraes. Marcio de Moraes
ReitorReitorReitorReitorReitor
Universidade Metodista de São Paulo
Educação Sem Distância - www.metodista.br
Palavra do Reitor
A tecnologia se integra cada vez mais às práticas didático-pedagógicas das Instituições de
Ensino Superior no Brasil e no mundo. O Ministério da Educação reconhece que o desenvolvimento
com maior equidade pede mudanças profundas nos paradigmas com os quais educadores e
gestores educacionais têm trabalhado nas últimas décadas, sendo a Educação a Distância (EAD)
parte das inovações adotadas para fazer frente aos desafios que os novos tempos impõem.
Mais de 2,5 milhões de brasileiros estudaram em cursos com metodologias a distância no
ano de 2007, segundo a edição 2008 do Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a
Distância, sendo que destes cerca de 1 milhão o fizeram em cursos formalmente autorizadoscursos formalmente autorizadoscursos formalmente autorizadoscursos formalmente autorizadoscursos formalmente autorizados
pelo respectivo Sistema de Ensino. pelo respectivo Sistema de Ensino. pelo respectivo Sistema de Ensino. pelo respectivo Sistema de Ensino. pelo respectivo Sistema de Ensino. Eram 109 instituições credenciadas, das quais 11
comunitárias ou confessionais, 49 particulares e 49 públicas, entre universidades e centros federais
de educação profissional e tecnológica (Cefets). A democratização do acesso à Educação Superior
é possível e necessária no país, cabendo à EAD um papel preponderante nessa tarefa.
As pessoas aprendem sempre e as suas necessidades de formação permanente exigem
combinar de forma eficaz as diversas possibilidades de interação pelas Novas Tecnologias de
Informação e Comunicação. A Metodista investe na qualidade e acredita que se alcança excelência
a partir do compromisso entre todos os participantes do processo educacional, o que inclui a
equipe docente, funcionários técnico-administrativos, alunos e alunas na busca de objetivos
convergentes.
Nosso desejo é de que o I Semestre de 2009 seja pleno de realizações para todos os alunos
e alunas do Campus EAD Metodista, mantendo-se a dedicação necessária para que o sucesso nos
estudos se some à alegria de mais uma etapa vencida.
Um abraço,
ProfProfProfProfProf. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Marcio de Moraes. Marcio de Moraes. Marcio de Moraes. Marcio de Moraes. Marcio de Moraes
ReitorReitorReitorReitorReitor
Ciências Sociais
9
MÓDULO – O SER HUMANO E SEU MUNDO
O ser humano como produtor de sua história
Da escravidão antiga ao surgimento da burguesia
Fundamentos da reflexão sociológica e o surgimento do
positivismo
O pensamento de Augusto Comte
Filosofia: espaço de crítica e criatividade
Filosofia, corpo e conhecimento
A formação do Estado moderno e o pensamento de Maquiavel
MÓDULO – CIÊNCIA E SOCIEDADE
Durkheim e o objeto da sociologia
Durkheim e o método sociológico
O outro e o surgimento da antropologia
Para entender o conceito de cultura
Pensamento político em Hobbes, Locke e Rousseau
MÓDULO- CLASSES SOCIAIS E FUNCIONAMEN-TO SOCIAL
A sociologia compreensiva. Max Weber: a fundação de uma
grande tradição sociológica
Smith e o início da economia política clássica
Ricardo e a distribuição da riqueza
Marx e a crítica da economia política
Marx e Engels e a história das sociedades
Marx, Engels e o Estado capitalista
15
21
25
29
35
41
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65
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83
89
95
101
107
Módulo 1
Módulo 2
Módulo 3
www.metodista.br
O ser humano
como produtor
da sua história
Objetivos:
Abordar questões de método em
história;
Apresentar principais correntes da
historiografia dos séculos XIX e XX.
Palavras-chave:
Historiografia, positivismo, escola
dos Annales, marxismo.
 Prof. Dr. Frederico Pieper*
*Bacharel em Filosofia (USP), História (USP) e Filosofia (ICSP). Especialização na Harvard University - Cambridge (MA).
Mestre e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Doutorando em Filosofia pela USP.
Universidade Metodista de São Paulo
10
Quem, de três milênios,
Não é capaz de se dar conta
Vive na ignorância, na sombra,
À mercê dos dias e do tempo.
Goethe
O objeto de estudo do historiador é o fato histórico. Entretanto, não
temos mais os fatos. Resta-nos apenas rastros. Ora, rastros são marcas deixadas
por alguém ou algo que já passou e não está mais lá. É por meio destes rastros que
temos acesso ao passado. Estes rastros são os documentos. O que chamamos
aqui de documento envolve variedade de coisas: textos, obras de arte, moedas,
ícones, músicas e, mais recentemente, testemunhos de pessoas ainda vivas que
vivenciaram determinado período histórico mais recente (história oral). Todos
os vestígios materiais se configuram como objeto de estudo do historiador.
Como o historiador lida com o passado, outro conceito-chave é o de
tempo. Pode-se abordar o passado a partir de três compreensões do tempo. O
mais evidente para nós é o tempo breve (ou curta duração). Esta dimensão do
tempo é veloz. Os fatos se substituem rapidamente. Basta abrir os jornais para se
constatar isso. Em segundo lugar, há o tempo conjuntural, que abarca um período
maior de anos, procurando compreender determinado fato histórico a partir da
conjuntura em que está inserido. A conjuntura pode variar de 30 a 50 anos. Por
fim, temos a longa duração, que destaca as estruturas econômicas, políticas e
culturais que permanecem durante séculos. Esse tempo pode ser caracterizado
como imóvel. Passam-se as gerações e não se é capaz de perceber as mudanças
que se processam nessas grandes estruturas. Nessa dimensão, as mudanças são
tão lentas, que facilmente se perde a dimensão da historicidade da existência.
Cada forma de temporalidade pode nos revelar aspectos diferenciados do
mesmo fato histórico. Um exemplo: quando Dom Pedro I entra em São Paulo e
proclama a independência do Brasil, para as pessoas que viviam aquela época,
esse ato significou a ruptura com a colônia: finalmente o Brasil era independente
(tempo breve). Entretanto, analisando a conjuntura da época, podemos perceber
que a independência tinha outras motivações. A elite brasileira queria
independência política de Portugal para continuar dependente economicamente
da Inglaterra (tempo conjuntural). Analisando a partir da longa duração, podemos
conceber a independência como mais uma das articulações da elite brasileira
para defender seus interesses (tempo estrutural). Fernando Braudel foi o
historiador que estabeleceu estas distinções. Segundo ele ( 1978, p.12), o que
diferencia a história das ciências sociais é esta relação com o tempo. Para ele, as
outras ciências humanas se ocupam apenas do tempo breve, ao passo que a
história transita por outras temporalidades.
Algumas correntes historiográficas
Especialmente a partir do século XIX, começaram a ser desenvolvidas
metodologias de abordagem dos documentos históricos. A partir de então,
podemos perceber várias maneiras de se compreender temas cruciais para a
Imagem 1
Fernando Fraudel
“Cada
forma de
temporalidade
pode nos
revelar
aspectos
diferenciados
do mesmo
fato
histórico. ”
Educação Sem Distância - www.metodista.br
Notas
11
história. Os historiadores se perguntavam: qual a função do historiador? A história é ciência ou ficção? É possível
manter a objetividade? Há neutralidade na seleção e análise dos documentos históricos? Somente as fontes oficiais são
documentos históricos ou existem outras? Vamos, agora, observar algumas maneiras de se responder a estas questões.
A intenção é fazer uma história de como a ciência histórica foi compreendida. O termo técnico para esta atividade é
historiografia.
1)1)1)1)1)Positivismo.Positivismo.Positivismo.Positivismo.Positivismo. A história, como disciplina acadêmica, surge no século XIX. Nesse contexto, a ciência
histórica era vista como conhecimento do passado, distinto do mito e da ficção. O historiador procurava
prover a realidade dos fatos, a “verdade” sobre o passado. Esta visão lhe conferia status superior ao mundo
fantasioso do mito e da ficção. Nesse período, as ciências biológicas e exatas eram os grandes modelos da
ciência. A tendência filosófica, conhecida pelo nome de positivismo, influenciou grande parte das ciências
humanas, que, nesse período, iniciavam sua afirmação, como a sociologia e a história.
A grande parte dos historiadores desse período utilizava os conceitos positivistas para compreender a história.
O problema enfrentado pelos historiadores era: como a história pode se firmar como ciência? Esses problemas
passam a ocupar os historiadores, quando surge a sociologia, que, nesse período, já desenvolvia sua metodologia e
abordagem próprias. Diante desse desafio, o historiador teve de dar uma resposta. Naquele período, acreditava-se
que a diferença entre o historiador e o sociólogo era que ele se ocupava de documentos, no caso dos historiadores
positivistas, documentos oficiais. Esses documentos possuíam a verdade sobre o passado. Para manter a objetividade,
o historiador deveria interferir o mínimo possível nesses documentos. Ele era espécie de copista de documentos
antigos. Também, nesse período, havia a esperança de se construir certa história geral da civilização, que se mostraria
como a história definitiva da humanidade, tendo como eixo o progresso humano. Se a história é ciência por se basear
em documentos, era preciso analisar a veracidade dos documentos. O grande mérito dessa tendência historiográfica
foi reconhecer a autenticidade de certos documentos, legando análise cuidadosa das fontes (i.e., dos documentos
históricos). Por exemplo: o historiador se deparava com um documento em latim. Esse documento era do século XIII
ou do século IX? Quem seria o autor desse documento? Estas
eram as perguntas que norteavam a produção historiográfica
do período.
Em suma, os positivistas entendiam que história era
organizar certa narrativa de fatos a partir dos documentos
oficiais, destacando heróis do passado e datas mais relevantes.
Ainda hoje, no senso comum, este modo de compreender a
história é muito difundido. Para muitas pessoas, estudar
história é decorar datas, nome de grandes personagens e
conhecer os eventos mais importantes. Na época da ditadura
militar no Brasil, este era o método utilizado nas escolas, devi-
do à ausência de reflexão crítica que dele decorre.
2) 2) 2) 2) 2) A escola dos AnnalesA escola dos AnnalesA escola dos AnnalesA escola dos AnnalesA escola dos Annales : : : : : Em reação ao
positivismo, surgem várias correntes historiográficas. Entre
elas, a escola dos Annales. O nome se deve à revista
publicada a partir de 1929 com o mesmo nome. Eram
editores dessa revista: Marc Bloch e Lucien Lebvre. O
subtítulo da revista indica bem seu objetivo: econômica e
social. O interesse econômico se deve, provavelmente, à crise
de 29. A principal crítica desses historiadores ao positivismo
é a pretensão positivista de poder analisaro passado a
partir de um ponto de vista neutro. A impossibilidade de o
historiador ser neutro em relação ao passado pode ser
confirmada por alguns argumentos: 1)nós somente temos
acesso ao passado, por meio dos documentos, isto é,
somente observamos o passado de forma indireta. Os
Universidade Metodista de São Paulo
12
“A principal
crítica desses
historiadores
ao positivismo
é a pretensão
positivista de
poder analisar
o passado a
partir de um
ponto de vista
neutro.”
próprios documentos já revelam o ponto de vista de quem os escreveu. Se o
documento foi escrito por um aristocrata ou um proletário, com certeza teremos
concepções distintas do mesmo fato histórico; 2) os documentos retratam uma
parcela da história. Há fatos que os documentos não contemplam; 3) o
historiador está sujeito ao tempo em que vive. Ele não pode sair desta
temporalidade e observar a história de um ponto de vista neutro. A própria
escolha de alguns documentos em detrimento de outros mostra a parcialidade
do historiador. Em suma, se para os positivistas o documento histórico se sobrepõe
ao historiador, no século XX, ocorre justamente o contrário: é o historiador que
se sobrepõe ao documento. Tem início aqui o reconhecimento de que a história
também é interpretação.
A escola dos Annales não foi somente reação ao positivismo. Influenciados
pela idéia de inconsciente coletivo de Durkheim, esses historiadores concebiam as
normas, os costumes, a política, a arte, etc. como complexo cultural integrado.
Nenhuma dessas instâncias era autônoma. A cultura é um complexo de significados
que se expressa na linguagem e no simbolismo. Por este motivo, o método da
história deve ser interdisciplinar: sociologia, antropologia, psicologia social, estatística,
economia, etc. são boas companheiras. Esta concepção diferenciou a historiografia
francesa da alemã, que, nesse período, enfatizava o Estado, a administração e a
jurisprudência (como se pode perceber em trabalhos de Max Weber). Os annales
também ampliam os documentos a serem utilizados pelo historiador: não são mais
somente os escritos, mas toda a produção material é documento histórico. Com o
desenvolvimento da escola dos annales, surge a nova história. Conceitos como
imaginário e mentalidade pertencem a esta tendência historiográfica. A história das
mentalidades procura, no cotidiano, os elementos obscuros e inconscientes que
permanecem e são de lenta transformação.
MarMarMarMarMarxismo:xismo:xismo:xismo:xismo: A historiografia marxista enfatiza o econômico. A história é
compreendida a partir dos modos de produção. Nas palavras de Marx:
Em certa fase do seu desenvolvimento, as forças produtivas da
sociedade entram em contradição com as relações de produção
existentes (...). De formas evolutivas das forças produtivas que
eram convertem-se em seus entraves. Abre-se, então, uma era de
revolução social. A transformação que se produziu na base
econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a
colossal superestrutura. (1946,p 30-31)
 Ideologia é conceito-chave na historiografia marxista. A ideologia é a
representação que cada classe social tem necessidade de fazer de si mesma.
Entretanto, esta imagem nem sempre concorda com o real. A ideologia teria, assim,
a função de camuflar as relações sociais, fornecendo visão deturpada e invertida da
realidade. A ideologia tem início com a divisão entre trabalho material e intelectual.
Esta separação engendra e é engendrada pela desigualdade social. Além disto, leva à
percepção das idéias, como imediatas, como seres autônomos, e não como
conseqüências de processos históricos causados pelo próprio ser humano. A
ideologia dominante é permeada por lacunas. Antes de ser sinal de fraqueza, são
nessas lacunas que está a força da ideologia. A melhor forma para se combater a
ideologia não é criando discursos ideológicos opostos, mas apontando para
contradições internas e para as lacunas da ideologia dominante. Na historiografia
marxista, procura-se fazer a história de baixo para cima, isto é, a partir do ponto de
vista dos vencidos.
Educação Sem Distância - www.metodista.br
Notas
13
Referências de imagens:Referências de imagens:Referências de imagens:Referências de imagens:Referências de imagens:
Imagem 1Imagem 1Imagem 1Imagem 1Imagem 1
Disponível em:<http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/thumb/d/
d2/FernandBraudel.JPG/150px-FernandBraudel.JPG> Acesso em: 12
jan 2007.
Considerações finais
Com a escola dos annales e com o marxismo, a historiografia dá importante passo. Ela deixa os palácios
para caminhar nas feiras, habitar nos casebres e passear na periferia, entre os excluídos, lembrando-se desses
agentes históricos até então esquecidos. Além disso, toda história é sempre do presente. O passado somente nos
interessa em virtude do presente. A história é fundamental para respondermos a certa pergunta: quem somos
nós e o que queremos ser? Com certeza, a história pode nos auxiliar muito na tomada de consciência de quem
somos, tornando possível agir no presente, tendo em vista o que queremos ser no futuro. Nós fazemos a história
e somos feitos por ela. Por isso, o ser humano é também um ser histórico.
Bibliografia básica
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história.Escritos sobre a história.Escritos sobre a história.Escritos sobre a história.Escritos sobre a história. São
Paulo: Perspectiva, 1978.
BURKE, Peter. O que é história cultural?O que é história cultural?O que é história cultural?O que é história cultural?O que é história cultural? Rio de
Janeiro: Zahar, 2005.
GARDINER, Patrick (Org.). TTTTTeorias da históriaeorias da históriaeorias da históriaeorias da históriaeorias da história. 3.ed.
Lisboa: Clouste Gulbenkian, 1984.
MARX, K. Contribuição à crítica da economiaContribuição à crítica da economiaContribuição à crítica da economiaContribuição à crítica da economiaContribuição à crítica da economia
políticapolíticapolíticapolíticapolítica. São Paulo: Flama, 1946.
Universidade Metodista de São Paulo
Módulo 01
Módulo 02
Módulo 03
www.metodista.br
Da escravidão antiga
ao surgimento da
burguesia
Objetivos:
Abordar questões de método em
história;
Apresentar principais correntes da
historiografia dos séculos XIX e XX.
Palavras-chave:
Historiografia, positivismo, Escola
dos Annales, marxismo.
Prof. Dr. Frederico Pieper*
*Bacharel em Filosofia (USP), História (USP) e Filosofia (ICSP). Especialização na Harvard University - Cambridge (MA).
Mestre e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Doutorando em Filosofia pela USP.
Universidade Metodista de São Paulo
16
Introdução
No estudo da história, alguns momentos ocupam lugar singular ao indicar o fim de antigos modelos
econômicos, políticos e sociais e o início de novos. Neste curso, trataremos de abordar dois momentos
significativos. O primeiro é a decadência do sistema escravocrata no império romano e o surgimento do feudalismo.
O segundo momento, situado no século XIII, indica o início da classe burguesa.
1 - Em Roma, havia as Saturnais. Nestas festas, o senhor se tornava escravo e o
escravo senhor por um dia. Segundo Nardo “Os senhores participavam nas
Saturnais para mostrar sua apreciação pelos serviços do escravo que os levou a
perceber que tratando os escravos com respeito e carinho seria melhor para
seus interesses, assim como para os interesses do escravo”. NARDO, Don. Life
of a Roman Slave p. 26
2 - Escola filosófica fundada por Zenão de Cicio em 300a.C. A ética estóica
procurava o consolo por meio da aceitação da ordem moral do universo. Os
estóicos também defendiam que todas as pessoas são parte da razão universal
(do logos). Cada indivíduo é um mundo em miniatura, isto é, reflete o
macrocosmo. A partir disso, os estóicos defendiam certo direito com validade
universal, o chamado direito natural. Este direito se baseia na razão (logos)e,
por isso, não muda com o tempo;é sempre o mesmo em todos os tempos e
lugares. Como é universal, o direito natural vale também para os escravos.
O declínio da escravidão no Império Romano
Ao se falar em escravidão, logo vem à mente o modelo escravocrata
brasileiro. Entretanto, há diferenças enormes em relação à escravidão romana.
Sistematicamente, podemos definir escravidão como forma de organização
econômico-social, pautada em leis, na qual uma pessoa se torna propriedade de
outra. Ao analisarmos os documentos antigos, as coisas se tornam mais
complexas. O porqueiro Eumeu, o filósofo Epicteto e Paison (o gerente da
maior empresa bancária de Atenas no século IV ) eram todos escravos. O
tratamento dado aos escravos era mais humanizado do que na modernidade1,
e muitos deles ocupavam cargos importantes na administração pública romana.
Desta maneira o estatuto do escravo era ambíguo: era propriedade, mas também
reconhecido como pessoa. Havia também o peculium. O escravo podia juntar
dinheiro, comprar sua liberdade e, como liberto, ter seu próprio negócio.
Inclusive, poderia ele mesmo ter outros escravos. No período antigo,
encontramos os thes – homens sem terra que vendiam sua força de trabalho.
Estes eram considerados inferiores na escala social. O porqueiro escravo,Eumeu
era superior a eles, visto estar ligado a determinada oikos, isto é, uma casa de
príncipes. No quadro econômico antigo, os escravos eram fundamentais, de
maneira que os historiadores marxistas caracterizam esse período pelo modo
de produção escravista. Em grande parte, os escravos eram arregimentados em
povos estrangeiros derrotados nas guerras expansionistas romanas.
A escravidão antiga não chegou ao fim por meio de um decreto
abolicionista. A grande questão que ocupa os historiadores está relacionada
com as seguintes perguntas: Quais as causas do fim da escravidão em Roma?
Como se deu a transição do modelo escravocrata para o feudalismo? Como o
escravo da Antigüidade se tornou o servo medieval? O debate sobre este tema
está longe de algum consenso. Vamos analisar algumas propostas.
Para alguns autores, o cristianismo e o estoicismo2, com sua crítica ao
estatuto moral da escravidão, contribuíram para o seu fim, especialmente quando
o cristianismo se torna religião oficial com Constantino. O problema dessa
Imagem 3
Educação Sem Distância - www.metodista.br
Notas
17
hipótese é a falta de amparo documental. A crítica à escravi-
dão aparece raramente nos escritos dos filósofos estóicos.
Por outro lado, imperadores cristãos, como Justiniano, não
raramente incorporaram inúmeras leis escravistas, e o
cristianismo não era um movimento unificado. Havia
cristianismos e não o CCCCCristianismo. Para outros autores, a
escravidão chega ao fim devido à sua inviabilidade
econômica: não era produtiva. O limite dessa explicação se
encontra no seu dogmatismo. Algumas estradas construídas
por escravos eram, por exemplo, melhores do que outras
feitas pelas mãos de trabalhadores livres. Além do mais, os
escravos possuíam grau de instrução muito elevado.
Outra interpretação é a de que a escravidão acabara
devido à sua própria dinâmica interna. Em 14 d.C., a expansão
romana se estabilizou. Havia custos: ao conquistar outros
povos, os romanos cobravam impostos, mas deviam protegê-
los. Ao cessar o movimento expansionista, Roma perde a
mola propulsora de sua economia, fonte de seus escravos e
de impostos3. Os problemas dessa interpretação são: 1) As
conquistas cessam em 14 d.C, mas a diminuição no número
de escravos somente se fez sentir muito tempo depois; 2)
Havia a possibilidade de escravização interna; 3) Os filhos de
escravos não eram livres. Assim, o número de escravos seria
reposto pela reprodução.
Max Weber, ao tratar das causas do declínio da cultura
antiga, não se esquece da escravidão. Segundo ele, os escravos
viviam num regime de quartel, sem relação sexual
monogâmica. Com a interrupção da expansão romana, não
há formas de reposição dos escravos. Estes, então, passam a
constituir família e a ter propriedade pessoal. Nas palavras
de Weber:
A família e a propriedade privada foram
restituídas à grande massa dos servos e es-
tes se elevaram lentamente de uma situa-
ção de ‘instrumento falante’ à condição de
homem, e o cristianismo vitorioso cercou
sua vida familiar de fortes garantias mo-
rais. Já as leis de proteção ao camponês, dita-
das em fins do Império, reconheciam a coesão
da família em escala não vista até então4.
3 - ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao
feudalismo, p.63ss. No seu texto, Anderson pretende mostrar
que a decadência do império romano não se deveu a causas
naturais e nem somente às forças externas. Por meio da sua
análise de longa duração, procura demonstrar que foram
causas internas do modo de produção escravista que levaram
ao fim do império romano e à instalação do feudalismo.
4 - WEBER, Max. As causas sociais do declínio da cultura
antiga. p.56. 5 FINLEY, M. I. A economia antiga.p.129.
Universidade Metodista de São Paulo
18
No limite, para Weber, a escravidão declina com o surgimento da organização familiar entre os escravos.
Por fim, M. Finley tem proposta explicativa bastante plausível. Devido a vários problemas internos ao
império (defesa das fronteiras dos bárbaros e dos persas, aumento dos gastos públicos, devido ao aumento do
número de pessoas que viviam às custas do império) houve aumento dos impostos. Estes impostos incidiam
sobre os camponeses. Estes, por sua vez, acabaram se endividando e caindo na mão dos grandes proprietários,
astutos na obtenção de isenção de impostos. Com mão-de-obra sobrando, acabaram trocando os escravos por
esses camponeses. Nas palavras de Finley:
O declínio da escravatura, por outras palavras, representou uma inversão do processo
através do qual ela tinha surgido. Em tempos, aqueles que empregavam trabalho importa-
vam escravos para fazer face às suas necessidades. Agora que podiam dispor das suas
próprias classes inferiores, ao contrário do que acontecia anteriormente, através da
compulsão e não da escolha, não havia razões para manter o fornecimento de escravos
nem para introduzir o trabalho assalariado.5
Esses seriam os servos da Idade Média.
Feudalismo e o surgimento da burguesia
Durante muito tempo, a Idade Média (500 d.C. – 1500 d.C.) foi considerada a idade das trevas. O termo
Média indica intermediário, e foi dado pelo renascentista Pablo Biondo (morto em 1453).
Havia, no Renascimento, profundo interesse pelo mundo antigo com intuito de recuperá-lo, de maneira
que esses mil anos nada mais eram do que aquilo que ficava entre o Renascimento e o mundo antigo. Para os
renascentistas, esse período foi marcado pelo atraso e retrocesso em relação aos antigos. No período do
romantismo (século XVIII), forjou-se outra imagem da Idade Média. É a idade das princesas presas em calabouços,
dos cavaleiros, do trovador e de Hobyn Wood. O interesse do romantismo era estabelecer a origem das nações
européias (França, Inglaterra, Alemanha, etc.), e a Idade Média foi considerada o momento da constituição
desses países como Estado-nação.
Em termos econômicos, o feudalismo marcou esse período. Não há consenso dos historiadores sobre a
definição do termo. Para muitos, o feudalismo nunca existiu. A definição mais clássica de feudalismo articula três
elementos: suseranos, vassalos e feudo. O suserano era um nobre dono de terras que “arrendava” sua terra (o
feudo) aos vassalos. Em troca da terra, o vassalo fornecia proteção militar. O feudo era a porção de terra
autonôma cultivada por servos (não mais por escravos). O servos recebiam certa porção de terra para ser
cultivada e protegida. Em troca, deveriam cumprir certas responsabilidades com os donos dessa terra: trabalhar
alguns dias para ele, pagar taxas, etc. Com o sistema feudal, o comércio praticamente desapareceu e os feudos
produziam praticamente tudo o que necessitavam.Quando ocorria, as trocas eram feitas com produtos e não
em dinheiro. O sistema social do feudalismo era hierarquicamente rígido: clero, nobreza e servos. Havia pouca
ou nenhuma mobilidade social. A igreja foi se tornando a grande proprietária de terras. No final da Idade Média,
dois terços da Europa estavam nas mãos da Igreja. No campo político, houve, nesse período, intensas disputas
entre a Igreja e o governo secular (na figura dos reis).
Essas relações entre suserano, vassalo e feudo caracterizam o feudalismo. Os historiadores marxistas
consideram o feudalismo em sentido estritamente econômico, como modo de produção anterior ao capitalismo.
Marc Bloch ( 1982), por sua vez, procurou entender o feudalismo do ponto de vista social, rompendo com a
5 - FINLEY, M. I. A economia antiga. p.129.
autonomia econômica que Marx havia conferido ao
termo.
É importante, assim, analisar o feudalismo a
partir do ponto de vista econômico, mas sem
esquecer das relações sociais engendradas por ele
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Notas
19
nesse período.
A partir do século XII, com as cruzadas para
reconquistar a Terra Santa, ocorreu forte mobilização na
Europa. As cidades desse período já contavam com número
expressivo de habitantes, em grande parte desocupados. As
profissões (ferreiro, por exemplo) exigiam conhecimento não
dominado por essa massa. Lutar pela fé foi atrativo,
especialmente pela promessa feita pelo Papa Urbano II na
convocação das cruzadas:
“Lembrem-se das palavras de Nosso Salvador,
“Aquele que abandonar sua morada, família, ri-
queza, títulos, pai ou mãe pelo meu nome, recebe-
rá mil vezes mais e herdará a vida eterna”. Se os
Macabeus dos tempos de outrora conquistaram
glória pela sua luta de fé, da mesma forma a
chance é ofertada a vocês. Resgatem a Cruz, o San-
gue e a Tumba. Resgatem o Gólgota e santifiquem o
local. (THATCHER; MCNEAL, 1905, p.513)”
As cidades assistem ao surgimento de uma nova clas-
se: a burguesia. O termo burguesia vem de “burgos” (cida-
de). O dinheiro advindo do comércio fortalece essa classe
social no decorrer da Idade Média. Entretanto, havia um pro-
blema: as relações sociais medievais eram marcadas pelas
relações de parentesco. O título de nobreza era hereditário,
sendo preciso pertencer a uma linhagem nobre para ser re-
conhecido. Durante o período medieval, a burguesia sonhava
em se tornar nobreza. Entretanto, o caminho lhe era vetado
devido à origem não nobre de seus membros. Ela passou a
deter a riqueza, mas não tinham ascendência nobre.
A burguesia, nem de longe, possuía consciência de clas-
se. E assim seria durante séculos. A burguesia somente
implementa seu projeto político e econômico com a revolu-
ção francesa e com a ascensão do capitalismo. Na fase final
da Idade Média, observa-se o fortalecimento das monarquias
nacionais, que se aproximam da burguesia, enfraquecendo o
sistema feudal e implementando o Estado-nação: modelo
político do início da modernidade.
“Durante o período
medieval, a burguesia
sonhava em se tornar
nobreza. Entretanto,
o caminho lhe era
vetado devido à
origem não nobre de
seus membros.”.
Universidade Metodista de São Paulo
20
Bibliografia básica
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jan 2007.
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Fundamentos da
reflexão sociológica
e o surgimento do
positivismo
Objetivos:
Conhecer o contexto social e eco-
nômico no qual surge a sociologia.
Conhecer os principais fundamen-
tos da investigação sociológica se-
gundo o positivismo.
Palavras-chave:
Sociologia, sociedade industrial.Prof. Ms. Francisco Henrique da Costa*
* Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Ciências da Religião. Professor
de Filosofia, Ética e Cidadania e Sociologia da UMESP
Universidade Metodista de São Paulo
22
Introdução
O estudo sistemático do comportamento social do homem é o objeto de
pesquisa das Ciências Sociais. As Ciências Sociais investigam, pesquisam e estudam
o comportamento humano e suas várias formas de organização. Cabe à
Sociologia, como disciplina científica, a investigação teórica e empírica das
sociedades históricas com o objetivo de responder a questões, como: O que são
as coletividades humanas, por que existem e como o indivíduo se relaciona com
elas? Como se organizam e se estruturam os grupos sociais? E as mudanças e
evoluções das sociedades, como explicá-las? (ROCHER, 1971. vol. 1 p.84).
Portanto, a sociologia investiga as relações sociais e as formas de
associações e interações que ocorrem na sociedade. Interessa ao estudo da
sociologia os grupos sociais; a divisão da sociedade em camadas ou classes; a
mobilidade social e os mecanismos de cooperação, competição e conflitos na
sociedade. Por isso, para alguns, a sociologia pode se transformar em uma
poderosa arma a serviços dos interesses das classes dominantes, enquanto que,
para outros, ela pode ser utilizada como expressão teórica dos movimentos
libertadores e revolucionários da sociedade.
O contexto do seu surgimento
Devemos situar o surgimento da sociologia no contexto histórico do
século XIX. A Revolução Industrial havia destruído a velha ordem feudal fazendo
surgir uma nova sociedade estruturada sobre a indústria: a sociedade capitalista.
Para um segmento considerável da sociedade do fim século XVIII e início
do XIX, a Revolução Industrial significou mais do que a introdução da máquina
a vapor e os novos métodos de produção em escala industrial. O predomínio da
indústria capitalista contribuiu para o surgimento da classe operária
(proletariado). Os artesãos e pequenos proprietários de terras migraram para
as cidades, sendo submetidos a novas formas de conduta e de relações com o
trabalho antes desconhecido. Homens, mulheres e crianças formam a massa
trabalhadora explorada pelo empresário capitalista, que os obriga a trabalharem
até 14 horas em troca de um salário que mal dava para sua subsistência.
As transformações ocorridas na sociedadeexigiam análise e observação
crítica, pois um problema estava colocado e exigia investigação e explicação
científica. Novas condições de existência e subsistência foram criadas pela
Revolução Industrial e careciam de respostas. A sociologia surgiu como ciência
“As Ciências
Sociais
investigam,
pesquisam e
estudam o
comportamento
humano e suas
várias formas
de organiza-
ção”.
nesse contexto para responder aos diversos
questionamentos e dar sentido a essa nova realidade
social.
O positivismo
O Positivismo foi a primeira corrente de
pensamento teórico que obteve êxito na
sistematização do pensamento sociológico. Os
positivistas definiram seu objeto de estudos,
Imagem 5
Máquina a vapor
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Notas
23
estabeleceram conceitos e criaram sua metodologia de investigação. Dessa for-
ma, o positivismo definiu a especificidade do estudo científico da sociedade,
conseguiu distinguir-se de outras ciências e estabeleceu um espaço próprio à
ciência da sociedade (COSTA, 2004, p.46).
Não seria exagero considerar o positivismcomo conseqüência do
cientificismo.
O cientificismo pregava a crença no poder da razão humana em conhecer
a realidade e transformá-las em leis que, conseqüentemente, se tornaria os
princípios reguladores da vida humana, da natureza e do universo. Essa será a
bandeira do pensamento positivista. A partir do surgimento do positivismo, as
explicações da realidade não são mais baseadas em conhecimento teológico,
filosófico ou senso comum.
Filosofia social e sociologia
O positivismo pode ser visto como um esforço legítimo e concreto de
análise científica da sociedade. Em certa medida, ele procurou resolver os conflitos
sociais a partir da coesão, do bem estar social e harmonia entre os indivíduos,
formulando as primeiras questões objetivas a respeito da sociabilidade humana
(COSTA, 2004, p.52).
Vimos, rapidamente, um pouco da história do surgimento da sociologia e
do positivismo e seus fundamentos básicos. A discussão a respeito da importância
da sociologia e do pensamento de Augusto Comte, fundador da sociologia, e sua
influência histórica será tratado no próximo ensaio.
“O
positivismo
pode ser
visto como
um esforço
legítimo e
concreto de
análise
científica da
sociedade.”
Bibliografia básica
ARON, Raymond. As etapas do pensamentoAs etapas do pensamentoAs etapas do pensamentoAs etapas do pensamentoAs etapas do pensamento
sociológicosociológicosociológicosociológicosociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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2007.
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O pensamento de
Augusto Comte
Prof. Ms. Francisco Henrique da Costa*
Objetivos :
Conhecer parcialmente as principais
idéias do pensamento de Augusto
Comte e sua influência para a sociolo-
gia.
Conhecer alguns dos princípios bási-
cos do positivismo e a Lei dos Três
Estados.
Palavras-chave:
Sociologia, lei dos estados, positi-
vismo.
* Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Ciências da Religião. Professor
de Filosofia, Ética e Cidadania e Sociologia da UMESP
Universidade Metodista de São Paulo
26
Desde que a subordinação constante da imaginação à observação foi unani-
memente reconhecida como a primeira condição fundamental de toda espe-
culação científica sadia, uma viciosa interpretação muitas vezes levou a
abusar muito desse grande princípio lógico, fazendo degenerar a ciência
real numa espécie de estéril acumulação de fatos incoerentes, que não pode-
ria oferecer outro mérito essencial além da exatidão parcial [...]. Nas leis dos
fenômenos consiste realmente a ciência, à qual os fatos propriamente ditos,
em que pese a sua exatidão e seu número, não fornecem mais do que os
materiais indispensáveis [...]. Assim, o verdadeiro espírito positivo consiste,
sobretudo em ver para prever, em estudar o que é, a fim de concluir disso o
que será, segundo o dogma geral da inviabilidade das leis naturais (COMTE,
Augusto. Discurso sobre o espírito positivoDiscurso sobre o espírito positivoDiscurso sobre o espírito positivoDiscurso sobre o espírito positivoDiscurso sobre o espírito positivo.1978. p.50).
Augusto Comte (1798-1857) é geralmente
considerado o fundador do positivismo francês e
pai da sociologia, porque foi o primeiro a designá-
la com este nome, depois de tê-la chamado de “fí-
sica social”.
Princípios básicos do pensamento Comteano
Existem três princípios básicos do pensamento de Comte que vão permear
toda sua obra, como veremos a seguir. São eles:
····· Primeiro: Primeiro: Primeiro: Primeiro: Primeiro: Prioridade do todo sobre as partes: para que possamos
compreender e explicar um fenômeno social particular, devemos analisá-lo no
contexto global e a que pertence. A sociologia estática é responsável pelo estudo
da ordem das sociedades em determinado momento histórico; e a sociologia
dinâmica estuda a evolução das sociedades no tempo. A análise da sociedade de
uma determinada época é correlacionada à sua história e à historia da
humanidade.
····· Segundo: Segundo: Segundo: Segundo: Segundo: O progresso dos conhecimentos é característico da
sociedade humana: o conhecimento das diversas gerações permite uma
acumulação de experiência e conhecimento que se constitui em um patrimônio
espiritual objetivo e ligas as gerações entre si; existe uma coerência entre o
estágio dos conhecimentos e a organização social.
····· TTTTTerceiro: erceiro: erceiro: erceiro: erceiro: O homem é o mesmo por toda parte e em todos os tempos,
ou seja, independente do momento histórico, todos os seres humanos possuem
constituição biológica e sistema cerebral idêntico (LAKATOS. 1992, p. 42-43).
Comte estava convencido de que as sociedades evoluem na mesma
proporção e em toda parte. A partir daí ele concluiu que a humanidade cami-
nhava para o mesmo tipo de sociedade, evoluindo de um estado de conhecimen-
to para outro mais avançado. Este é o principio básico da Lei dos Três Estados.
“As
sociedades
evoluem
na mesma
proporção
e em toda
parte.”
Comte.
Imagem 6
Augusto Comte
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Notas
27
A Lei dos Três Estados
Estudando, assim, o desenvolvimento total da inteligência humana em suas diversas esferas de
atividade, desde seu primeiro vôo mais simples até nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei
fundamental, a que se sujeita por uma necessidade invariável, e que me parece poder ser solida-
mente estabelecida, quer na base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento de nossa orga-
nização, quer na base de verificações históricas resultantes dum exame atento passado. Essa lei
consiste em que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos,
passa sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estadometafísico
ou abstrato, estado científico ou positivo. Em outros termos, o espírito humano, por sua natureza,
emprega sucessivamente, em cada uma de suas investigações, três métodos filosofar, cujo caráter é
essencialmente diferente e mesmo radicalmente oposto: primeiro o método teológico, em seguida, o
método metafísico, finalmente, o método positivo (COMTE, Augusto. Curso de filosofia positivaCurso de filosofia positivaCurso de filosofia positivaCurso de filosofia positivaCurso de filosofia positiva.
1978. p 3-4).
Para Comte, o progresso do conhecimento humano passou por três estados: estado teológico ou fictí-
cio, o estado metafísico ou abstrato e o estado positivo ou científico. A lei dos três estados é o conceito-chave,
ou a principal fundamentação teórica do pensamento filosófico e sociológico de Augusto Comte.
Estado teológico
ou fictício
Na fase inicial desse estado, o homem procura explicar as causas primeiras do
universo. Os fenômenos são vistos como produtos da ação direta e contínua de
agentes sobrenaturais e invisííveis (fetichismo). Para Comte “o espírito humano,
dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos seres,
as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para
os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela
ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos,
cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo”.
Estado metafísico
ou abstrato
No estado metafísico, os fenômenos naturais e suas causas são explicados a partir
da idéia da existência de forças abstratas. O homem demonstra preocupação com
as causas mais gerais, substituindo as causas primeiras; e busca nas idéias abstratas
explicações para os fenômenos da natureza. O estado metafísico “nada mais é do
que simples modificações gerais do primeiro, os agentes sobrenaturais são
substituídos por forças abstratas [...] e concebidas como capazes de engendrar
por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste em
determinar para cada um uma entidade correspondente”.
Estado positivo
ou científico
Esse estado proporciona ao espírito humano o conhecimento necessário para
reconhecer que não é possível se obter conhecimentos absolutos. Assim sendo,
ele não considera mais prioridade a descoberta da origem das coisas, o destino
do universo ou as causa últimas dos fenômenos. O homem se transforma num
observador das leis da natureza através do uso de sua capacidade racional. Por
meio da observação científica e do raciocínio, ele descobre as relações entre os
fenômenos, cria leis e assegura o seu domínio e controle do universo. “A explicação
dos fatos, reduzida então em termos reais, se resume de agora em diante na
ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos
gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir”.
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28
Como justificativa de sua teoria, Comte
compara a leis dos três estados ao progresso ou
desenvolvimento da inteligência humana.
Ora, cada um de nós, contemplando
sua própria história, não se lembra
que foi sucessivamente, no que
concerne às noções mais
importantes, teólogo em sua
infância, metafísico em sua
juventude e físico em sua virilidade?
Hoje é fácil esta verificação para
todos os homens que estão ao nível
de seu século (COMTE, 1978, p.5).
Na elaboração da Lei dos Três Estados, Comte,
como homem do seu tempo, sofreu influência da
teoria de Charles Darwin a respeito da evolução
biológica das espécies animais. Ele transferiu as idéias
de Darwin para seu método de investigação social e
propôs um darwinismo social, ou seja, as sociedades
se modificam e se desenvolvem passando de um
estágio inferior para outro superior. O estágio positivo
seria o mais evoluído da humanidade, caracterizado
pelo avanço da ciência. A partir de Comte, a sociedade
industrial européia assumiu a “missão” de colonizar
e socializar os demais povos do planeta.
Referências de imagens:Referências de imagens:Referências de imagens:Referências de imagens:Referências de imagens:
Imagem 6Imagem 6Imagem 6Imagem 6Imagem 6
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/
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e positivismo na sociologia do conhecimento. São
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Filosofia: espaço de
crítica e criatividade
Prof. Ms. Wesley Adriano Martins Dourado*
Objetivos :
Incentivar a postura críticapostura críticapostura críticapostura críticapostura crítica
diante do conhecimento, da cul-
tura e da sociedade. Em particu-
lar, pretende-se que o discente
compreenda a filosofiafilosofiafilosofiafilosofiafilosofia como
exercício da críticaexercício da críticaexercício da críticaexercício da críticaexercício da crítica do co-
nhecimento e como “espaço”“espaço”“espaço”“espaço”“espaço”
privilegiado da criatividade.da criatividade.da criatividade.da criatividade.da criatividade.
Palavras-chave:
Pensamento europeu; ideologia;
filosofia espaço crítico-criativo.
* Graduado em Filosofia pela Universidade Metodista de São Paulo (2000) e em Teologia pela Faculdade de
Teologia da Igreja Metodista (1997). Mestre em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (2003).
Universidade Metodista de São Paulo
30
São muitos os modos de dizer o que é a filosofia. Abster-me-ei deste
debate para apresentar um modo de ver a filosofia, sem a pretensão de construir
uma definição, e apresentar motivos que realcem a sua importância.
Geralmente, os manuais de filosofia a apresentam num certo
desenvolvimento histórico. Traçando uma linha imaginária, são “pendurados”
nela os filósofos e suas idéias. Esse procedimento procura demonstrar as relações
e rupturas – talvez apenas um desvio – entre as idéias filosóficas.
Dessa perspectiva, a filosofia tem uma origem. Teria surgido da admiração
e do espanto de alguns gregos1 com a realidade, e da insatisfação com as explicações
da tradição (CHAUÍ, 2003, p.25). Desenvolve-se, assim, a busca por respostas que
demonstra “que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais e as
coisas da natureza, os acontecimentos humanos e as ações dos seres humanos
podem ser conhecidos pela razão humana (...)” (p.25). Os mitos não eram mais
suficientes para a explicação do mundo. Descobre-se “que a verdade do mundo
e dos humanos não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por
divindades a alguns escolhidos (...)” (p. 25). O raciocínio descortina o mundo ao
seres humanos. Na origem da filosofia, portanto, desenvolve-se um conhecimento
racional do mundo chamado cosmologia (p.32). Tudo isto se dá “no final do
século VII a. C. e início do século VI a. C., nas colônias gregas da Ásia Menor”
(p.32).
Além do encantamento e da admiração diante do mundo que tornou o
“grego” perguntador e um investigador da realidade, outros fatores colaboraram
para o surgimento da filosofia, que apontam umadívida desta com o mito
(ARANHA E MARTINS, 2003, p. 80), com a história que a precedeu. São eles: as
viagens marítimas (que permitiu o desencantamento e a desmistificação do
mundo); a invenção do calendário (percepção do tempo como algo natural);
invenção da moeda (troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas
diferentes); o surgimento da vida urbana; a invenção da escrita alfabética2 e a
invenção da política (CHAUÍ, 2003, p.37).
01. Filosofia como pensamento europeu
A filosofia, portanto, tem uma história, uma origem geográfica, uma
“a Filosofia é
uma instituição
cultural tipica-
mente grega
que, por razões
históricas e
 políticas, veio
a tornar-se, no
correr dos
séculos, o modo
de pensar e de
se exprimir
predominante
da chamada
cultura
européia
ocidental”.
 Marilena
Chauí
1 - Com freqüência se diz que a filosofia é grega, e isto está correto. Todavia, na sua
origem, “os filósofos são estrangeiros” (DELEUZE e GUATTARI, 2000, p. 115)
Fugindo dos imperialismos que estavam na “borda” do mundo grego, artesãos e
mercadores – estrangeiros – encontram, na Grécia, uma liberdade inexistente nos
impérios (p.115.) Despatriados que encontram na Grécia antiga, em particular em
Atenas, condições favoráveis para a construção de um novo modo de pensar. No
seguimento da reflexão, Deleuze e Guattari dirão que “a filosofia foi uma coisa
grega, embora trazida por migrantes” (p.122). E são três os fatores para o surgimento
da filosofia: a imanência (adesão a um lugar), o prazer de se associar, ou seja, a
amizade e “um gosto pela opinião, inconcebível num império, um gosto pela troca
de opiniões, pela conversação” (p.116). Estas anotações nos conduzem para a
percepção de que a filosofia é contingente, contra toda a sua pretensão de
universalidade, e culturalmente situada.
2 - A escrita, entre outras coisas, permitiu uma legislação escrita que escaparia “da
interpretação da vontade divina ou da arbitrariedade dos reis” (ARANHA e
MARTINS, 2003, p. 82.
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Notas
31
herança cultural, um modo de pensar característico3. Diz Marilena Chauí que “a Filosofia é uma instituição
cultural tipicamente grega que, por razões históricas e políticas, veio a tornar-se, no correr dos séculos, o modomodomodomodomodo
de pensar de pensar de pensar de pensar de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura européiacultura européiacultura européiacultura européiacultura européia ocidental (...)” (2003, p. 26).
E aqui está o primeiro elemento que conduzirá a nossa reflexão para longe de uma visão histórica. A
herdeira legítima da filosofia é a Europa. Por isso, pode dizer-se que a filosofia é o modo de pensar europeu.
Trata-se de um modo particular “de pensar e de exprimir os pensamentos” (p.26), de conceber a realidade, a
razão, a linguagem, a ação, entre outras coisas (p.26). É o modo europeu de ver o mundo, de compreender-se,
de se relacionar com o outro.
A questão que se põe é a que segue: como este modo de pensar se espalhou pelo mundo e, em particular
chegou até nós?
A resposta é rápida: “(...) em decorrência da colonização européia das Américas (...)” (CHAUÍ, 2003, p.
26). Vindo para cá, arrastaram consigo os elementos da sua cultura, da sua história, o seu modo de pensar: a
filosofia.
02. Filosofia, teologia e a violência da colonização
E quais os motivos da colonização?
Num primeiro olhar, poderíamos dizer que se pretendia apenas salvar os pecadores do “fogo do inferno”.
Um olhar paciente, todavia, perceberá os reais motivos: a exploração da terra e dos recursos naturais, já que não
se tinha aqui um mercado que permitisse a troca e, portanto, a criação de riqueza, como acontecia nas colônias
orientais e africanas (SODRÉ, 1996, p. 05). Foi-se embora o “pau-brasil”, o ouro de aluvião; o índio foi
sistematicamente escravizado4, e a sua cultura negada pela violência e pela catequese – certamente, uma outra
forma de violência. Construiu-se aqui uma colonização de exploração e não um povoamento.
A violência da colonização veio travestida de teolo-
gia5 e filosofia.
2.1. A servidão natural
Na obra de Aristóteles, em particular em “A Política”,
a organização da cidade, diga-se, das pessoas que nela vivem,
é posta em termos da “natureza”. A relação “macho-fêmea”;
“inteligência-trabalho corporal”; “senhor-escravo” é
anunciada como natural. Diz: “Esta maneira de se perpetuar
não é arbitrária e não pode, na espécie humana assim como
entre os animais e as plantas, efetuar-se senão naturalmen-
3 - “(...) conhecimento racional, lógico, demonstrativo
e sistemático da realidade natural e humana (...).”
(CHAUÍ, 2003, p. 26)
4 - Apesar do suposto esforço dos jesuítas
em defendê-los, alegando que tinham alma, o que faltava
aos africanos arrastados para cá.
5 - “Outro fator de unidade cultural é a religião, pois à
“colonização” junta-se a catequese, completando-a,
reforçando-a, multiplicando seus efeitos e
possibilidades” (SODRÉ, 1996, p. 12)
Universidade Metodista de São Paulo
32
te” (Aristóteles, 1998, p.02). Isto está posto no início
da reflexão. A formação da sociedade é uma inevitá-
vel necessidade imposta pela natureza6. É desta for-
ma que defende que “os gregos tinham, de direito,
poder sobre os bárbaros, como se, na natureza,
bárbaros e escravos se confundissem” (p.03).
A teoria da servidão natural na obra de
Aristóteles alimenta as reflexões ao redor do conceito
de “guerra justa”7, muito discutido no interior do
cristianismo.
Este tema foi largamente discutido por Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino. Este último tem
como referência, entre outros, a obra de Aristóteles
(REALE e ANTISERI, 1990, p.569). Para Tomás de
Aquino a lei humana é derivada da lei natural, e aquela
não pode ser justa se contradiz a última (p.568-569).
Embora a lei seja natural, é preciso constituir
uma lei humana, derivada daquela, posto que parte
do pressuposto que os homens são imperfeitos e,
portanto, propensos ao mal, aos vícios, à guerra. Só
por meio da coerção da lei humana é que os homens
tornam-se virtuosos, tendo a lei, assim, uma dimensão
pedagógica (p.568).
Por meio da lei natural o homem participa,
por causa de sua natureza racional, da lei eterna que
“é o plano racional de Deus, a ordem do universo
inteiro, através do qual a sabedoria divina dirige todas
as coisas para o seu fim” (p. 567).
A observância da lei natural nos põe em
sintonia com a lei eterna que nos permite alcançar o
bem supremo: Deus.
Não foi sem razão que, segundo a “história”
que nos contaram, a primeira coisa que os
portugueses fizeram quando aqui “invadiram” foi
rezar uma missa. Aparentemente, não se tratava de
uma invasão, mas de uma “ação evangelística” para
conduzir a Deus os desviados, os viciados pela au-
sência da razão. Um outro modo de ocultar a explo-
ração e o projeto de dominação.
Enquanto em Aristóteles o “senhor” é
sinônimo de grego, em Tomás de Aquino, arrisco
dizer, o homem racional, “eleito” por Deus para
evangelizar os perdidos, é o europeu.
03. Para resguardar o espaço da
filosofia
A esta altura, outra pergunta surge: por que,
sendo latino americano, devo aprender filosofia? E
ainda: quem vai colaborar para o desenvolvimento
histórico da filosofia que construiu conosco, desde o
início, uma relação de exploração e violência?8
Constatada a relação da filosofia com os
projetos de dominação do passado9, cabe-nos
perguntar pelos motivos que justificariam resguardar
o espaço da filosofia.
O primeiro motivo é que, provavelmente, a
filosofia é uma das poucas áreas do conhecimento
onde a crítica é uma preciosa ferramenta de trabalho.
Não é que a crítica seja privilégio da filosofia, mas
que ela é uma necessidade interna do próprio fazer
filosófico. Enquanto as diversas disciplinas técnicas
e tecnológicas se ocupam muito mais com o “saber
fazer”, a filosofia freqüentemente perguntapelos
fundamentos e motivos.
O segundo motivo decorre do primeiro: a
criatividade. A análise permanente do outro e de si
mesma abre caminho para a inventividade, para a
construção de novos modos de ver, de ser o mundo
e as pessoas. Apesar de todo o peso da tradição,
sempre há a possibilidade de dizer a sua palavra, de
inscrever uma outra compreensão da realidade.
6 - E quem poderia se opor aos reclames da natureza? Quem se aventuraria a conter indefinidamente as
necessidades fisiológicas básicas?
7 - Cf.<http://www.misacor.org/newsite/espanol/News/news7.htm>, último acesso: out/06 (em espanhol).
Algumas informações sobre o conceito de guerra justa.
8 - Sobre a violência e a exploração desencadeada aqui pelo estrangeiro, cf. LAS CASAS, Bartolome de.
Brevíssima relação da destruição das índias: o paraíso destruído. Porto Alegre L&PM Editores, 1995.
9 - Hoje o dominador não precisa mais da teologia e da filosofia para justificar, para não dizer falsear as
suas práticas.
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Notas
33
O terceiro motivo tem origem no significado etimológico da palavra filosofia. Composta de duas pala-
vras “philo” e “sophia”, filosofia significa “amizade pela sabedoria” ou “amor e respeito pelo saber” (CHAUÍ,
2003, p. 25).
 A “filosofia indica a disposição de quem estima o saber, ou o estado de espírito da pessoa que deseja o
conhecimento, o procura e o respeita” (p.25).
A palavra saber tem a mesma raiz da palavra “sabor”10. E aqui se descortina um modo de ver a filosofia:
um espaço para saborear o conhecimento.
Saboreamos o conhecimento porque temos fome, mas não queremos comer qualquer coisa que aplaque
a fome e comprometa a vida. Queremos comer alimentos-conhecimentos saudáveis para que o corpo se
fortaleça.
Todavia, querermos fruir, comer o que nos agrada, mesmo que não seja tão recomendável à saúde.
Queremos satisfazer a nossa vontade de alimento-conhecimento. Queremos também, não querer, embora se
comprove, por meio da tradição, a importância, até mesmo a necessidade, de alguns alimentos-conhecimentos.
Rejeitá-lo-emos quando não agradarem ao nosso paladar ou fizerem mal ao nosso corpo.
Filosofia, portanto, como um exercício de saborear, que ingere porque, naquele instante, faz bem para a
vida; que cospe porque desagrada ao paladar; que rejeita porque “desanda” com o bem-estar corporal. Filosofia,
nestes termos, constitui-se num exercício permanente de crítica do conhecimento, de si e do mundo com vista
a encontrar aqueles conhecimentos que colaboram para a reinvenção da vida.
Filosofia como postura crítica. Filosofia como um lugar onde nos reunimos para refletir sobre a vida. Sob
o pretexto de tratar dos conceitos filosóficos, reunimo-nos para ponderar sobre os conhecimentos que fortalecem
o projeto de construção de uma outra sociedade.
10 - Cf. Roland Barthes, Aula: aula inaugural da cadeira de
semiologia literária do colégio de França, São Paulo: Cultrix,
1992 e Leyla Perrone-Moisés, Roland Barthes: o saber com
sabor, São Paulo: Brasiliense, 1985. (Coleção Encanto
radical; 23).
04. Filosofia e realidade brasileira
Neste sentido não se quer pensar a construção de
uma “filosofia brasileira”.
Aceitando que a filosofia é apenas um modo de pensar,
entre outros, assumimos este espaço para exercitar o nosso
pensar, a partir dos conteúdos, dados, experiências próprias
do Brasil. Mesmo que se diga que os conceitos filosóficos
estejam aí, queremos pensar sem a imposição de tê-lo como
referência.
Pensamos a partir da nossa contingência, dos nossos
corpos, e em “diálogo” com os diferentes modos de ver que
constituem a sociedade brasileira, entre eles, o pensamento
europeu.
Porque o pensar é uma prerrogativa de todo homem
e mulher. Pensar à moda européia é uma escolha, um gosto
ou uma imposição.
Universidade Metodista de São Paulo
34
Bibliografia básica
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS,ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS,ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS,ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS,ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS,
Maria Helena Pires. Maria Helena Pires. Maria Helena Pires. Maria Helena Pires. Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à: introdução à: introdução à: introdução à: introdução à
filosofiafilosofiafilosofiafilosofiafilosofia. São Paulo: Moderna, 2003.. São Paulo: Moderna, 2003.. São Paulo: Moderna, 2003.. São Paulo: Moderna, 2003.. São Paulo: Moderna, 2003.
CHAUÍ, Marilena.CHAUÍ, Marilena.CHAUÍ, Marilena.CHAUÍ, Marilena.CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São. São. São. São. São
PPPPPaulo: Ática, 2003.aulo: Ática, 2003.aulo: Ática, 2003.aulo: Ática, 2003.aulo: Ática, 2003.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que éO que éO que éO que éO que é
filosofia?filosofia?filosofia?filosofia?filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História daHistória daHistória daHistória daHistória da
filosofiafilosofiafilosofiafilosofiafilosofia: Antiguidade e Idade Média. 1 v. São Paulo:
Paulinas, 1990.
SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história daSíntese de história daSíntese de história daSíntese de história daSíntese de história da
cultura brasileiracultura brasileiracultura brasileiracultura brasileiracultura brasileira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1996.
Módulo 01
Módulo 02
Módulo 03
www.metodista.br
Filosofia, corpo e
conhecimento
Prof. Ms. Wesley Adriano Martins Dourado*
Objetivos:
Destacar que o corpo é a possibilida-
de de todo conhecimento. Em parti-
cular, pretende-se que o discente com-
preenda que o pensarpensarpensarpensarpensar só cumprirá
os seus papéis crítico, criativo, social,
se for feito com e para os corpos corpos corpos corpos corpos
Palavras-chave:
Corpo-conhecimento; pensar a servi-
ço dos corpos; fingimento corporal.
* Graduado em Filosofia pela Universidade Metodista de São Paulo (2000) e em Teologia pela Faculdade de
Teologia da Igreja Metodista (1997). Mestre em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (2003).
Universidade Metodista de São Paulo
36
Se aceitarmos tratar a filosofia como “espaço” de exercício da crítica e da
criatividade1, somos obrigados a mudar a nossa postura diante dos conteúdos
filosóficos e do próprio procedimento de “filosofar”.
Esta postura rejeita que seja natural o pensar filosófico, e inferior o pensar
latino americano; que sejamos diferentes – o que explicaria o nosso modo de
pensar – o que justificaria a nossa “incapacidade filosófica”. A referida postura
rejeita, por conseqüência, que precisamos convencer o “filósofo” da especificidade
do nosso pensar.
A postura se relaciona diretamente com o nosso posicionamento diante
do conhecimento e do mundo: sem subserviência, mas dialogicamente. A partir
do nosso lugar, da situação corporal do latino americano é que dialogamos com
o europeu, que dizemos a nossa palavra sobre o mundo.
Inevitavelmente, rejeita, também, como falsa a afirmação de que
pensamos a partir do instrumental teórico do europeu. Trata-se de uma “ditadura”
da linguagem. O significado das palavras é nelas depositado pelos homens e
mulheres que dela se utilizam para se comunicar e expressar-se. É o processo
ideológico de dominação que violenta a construção do significado, atribuindo a
cada palavra um único e eterno significado.
Nestes termos, portanto, entenderemos a filosofia: pensamento europeu
que pretende submeter o corpo – dos outros – ao conhecimento – europeu,
filosófico.
Bastará alguns trechos da obra de Nietzsche para que notemos a prática
filosófica de submeter a vida à razão; o corpo ao conhecimento.
01. Conhecimento e corpo
No texto “Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral”, Nietzsche2
faz suas reflexões sobre o conhecimento, anunciando-o como invenção humana
que manifesta a arrogância humana quando pretende explicar a natureza. Ela é,
antes mesmo do conhecimento e nunca precisou da racionalidadehumana para
ser (Nietzsche, 1996, p.53).
Continua dizendo que a intelectualidade, o conhecimento, constituem-
se em instrumentos de sobrevivência do ser humano na natureza, o que evidencia
a sua fragilidade, bem como do seu discurso sobre o valor da vida. Trata-se de
um engano, de um disfarce: a natureza é misteriosa demais, indecifrável, de
modo que o ser humano é incapaz de conhecê-la e mesmo a si (p.53-54). Diz:
“(...) repousa o homem, na indiferença de seu não-saber (...)” (p.54).
“O significado
das palavras é
nelas
depositado
pelos homens e
mulheres que
dela se
utilizam para
se comunicar e
expressar-se.”
1 - Rever o item 03 “Para resguardar o espaço da filosofia” no texto “Filosofia: espaço de crítica e criatividade”
neste guia de estudos.
2 - O que, também, nos interessa perceber aqui é a postura crítica do filósofo, o seu exercício de “desvelar”
as ideologias filosóficas. Trata-se, portanto, de um exemplo do exercício de um pensar crítico. Muito mais do
que saber com exatidão o pensamento do filósofo, interessa realçar o seu procedimento, a sua postura.
Assim, esta breve apresentação de algumas idéias deste filósofo não quer cumprir o papel de comentar,
interpretar a sua obra, mas ressaltar que a sua postura crítica, a sua perspectiva desconfiada diante da
“razão” se sustenta na afirmação, na defesa da vida, instintiva e desejante. Isto abre caminho para que
compreendamos que o conhecimento é obra dos corpos, assim como o filósofo aponta que a vida é a
possibilidade do conhecimento.
Imagem 7
Friedrich Wilhelm Nietzsche
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Notas
37
1.1. Verdade como esquecimento
No seguimento da reflexão, propõe que a “verdade” é esquecimento de que o ser humano não pode saber
o que é a vida e a natureza. A verdade é uma ilusão de que se sabe. A verdade é linguagem, palavra. A linguagem
é incapaz de captar “as coisas em si”, ou seja, o que de fato as coisas são. A linguagem é incapaz de expressar o
que, de fato, a natureza é. Ela fala apenas do que as coisas são a partir da relação que o ser humano estabelece
com as coisas. A linguagem é metáfora para falar das experiências humanas com as coisas (p.55-56).
1.2. O homem indigente e o intuitivo
O homem indigente é o que precisa dos conceitos, das metáforas. Para o homem que se tornou livre, o
conhecimento é um artifício que não lhe serve de guia, posto que é conduzido pelas intuições (p.59-60). O
indigente é o racional que pretende conhecer o mundo pelo conceito, pela abstração, esperando encontrar nela
a felicidade. O homem intuitivo é o que segue os seus instintos, que em vez de definir a vida, experimenta-a, não
a teme (p.60).
1.3. O valor da vida
Esta critica a defesa de uma vida regida pela razão, pelo conceito; é combatida, também, no texto
“Crepúsculo dos Ídolos ou como filosofar com o martelo”.
Neste texto, o filósofo denuncia que o esforço filosófico de explicar a vida, de dizer o que ela é, de
discorrer sobre o valor da vida, indica que os “grandes sábios”, entre eles Sócrates, são, de fato, modelos de
declínio, de decadência (p.373).
Esta sabedoria seria resultado de um acordo, de um
consenso que estabelece um ponto comum que os identifica
como sábios, e que esconde a negação que orquestram contra
a vida. “Ver no valor da vida um problema” (p.373) aponta
para a falta de sabedoria, posto que um ser vivente, que
“fala” do meio da vida, não tem como dizer qual o valor da
vida em termos universais (p.373).
1.4. Razão contra os instintos: decadência
Sócrates é um exemplo da decadência ateniense. Os
instintos, em profunda anarquia, nos limites do excesso,
exigiam um remédio – o que Sócrates julga ser – , um outro
tirano que vença a tirania dos instintos. É preciso algo que
controle os apetites que dominam as pessoas: a razão (p.373
– 374).
Isto é sinal de decadência, posto que quem não
controla os seus instintos não é mais dono de si. A
racionalidade é testemunha da necessidade de um elemento
externo de controle (p.374).
A defesa da razão como remédio contra os apetites,
além de ser expressão da decadência, contrapõe-se à vida, à
saúde, à felicidade. “Ter de combater os instintos – eis a
fórmula para a décandece: enquanto a vida se intensifica,
felicidade é igual a instinto” (p.375).
Universidade Metodista de São Paulo
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Na continuação do seu combate à razão,
afirma que a linguagem, a racionalidade, o conceito
são resultados da separação, da abstração da vida. O
ser, a existência é “pensada-junto”; o ser é a experiência
própria da vida. É o conceito que separa “eu” do “ser”
(p.375).
Para aceitar estes conceitos é preciso que
tenhamos aprendido tais conceitos em um outro
mundo: o mundo das idéias, como defendia Platão. A
sensibilidade deve ser negada como fonte segura de
conhecimento. Isto implica dizer que a vida
(sensibilidade) deve ser negada em nome da razão
(p.376).
Poderíamos continuar acompanhando as
idéias do filósofo, mas já é suficiente para notar, de
um lado, que as reflexões de Nietzsche são resultado
do seu olhar crítico aos conteúdos da própria filosofia
e, de outro, que é equivocada a idéia de que se possa
captar, no conceito, o que é a vida.
O conhecimento, portanto, que se opõe à vida,
que nega as suas manifestações instintivas e intuitivas,
é expressão da decadência. A vida e o corpo não estão
submetidos à ditadura da racionalidade.
Esta crítica nos ajuda a pensar o nosso
momento, no qual o conhecimento é afirmado como
“capital” indispensável para a reprodução do dinheiro,
para o sucesso profissional, etc. Nem sempre o
conhecimento está a serviço dos corpos3, da
construção de uma vida melhor. Por vezes a busca
pelo conhecimento implica no sacrifício4 do corpo.
Corpo e conhecimento
Esta situação nos põe o desafio de imaginar
uma outra relação onde o corpo seja o critério de
julgamento do conhecimento. A nossa estratégia será
a hipocrisia.5
2.1. Hipocrisia política
Retomando, por um instante, a obra “A
Política”, de Aristóteles, encontramos a hipocrisia
política desse filósofo que afirma que o homem é
um animal político (ALMEIDA, 2002, p. 156), e que a
cidade é uma comunidade constituída para algum
bem (p.155), mas quando, de fato, apenas alguns
são animais políticos (p.156). A formação da cidade,
bem como das relações dentro dela são decorrentes
da natureza.6 Se a separação senhor – escravo/
mulher/estrangeiro é natural, e se por isto são
instrumentos animados “destinado ao uso do senhor”
(ARISTÓTELES, 1998, p. 11), é forçoso concluir que
nem todos são cidadãos, nem todos participam
efetivamente da vida da cidade. Escravo não é
“gente”, apenas instrumento, motivo pelo qual não
delibera, não pensa, não constrói teorias (ALMEIDA,
2002, p. 157).
Esta é a hipocrisia política: o corpo fica
submetido à política, obra de alguns corpos para si
mesmos, sustentada na negação do corpo de muitos:
os escravos e as mulheres (p.152).
3 - Pelo menos não de todos os corpos. Os dados do IBGE apontam que ainda somos aproximadamente 42
milhões de pobres. Se observarmos os crimes cometidos pelos seres humanos, por exemplo, nas guerras,
constataremos que eles foram conduzidos por um elevadíssimo conhecimento científico e tecnológico.
Em nome de alguns corpos, muitos são massacrados com o auxílio do conhecimento.
4 - Os que ocupam um lugar no mercado de trabalho sabem do apelo para que o trabalhador mantenha-se
atualizado. Se isto pode conduzir a um aperfeiçoamento profissional, por outro lado, gera uma sobrecarga
ao trabalhador que tem de custear a sua atualização fora do horário semanal de trabalho. Quase sempre,
isto significa prejuízo para as relações afetivas (família, amigos) e para a sua saúde, posto que o excesso
de atividade e a precariedade do descanso o que?.
5 - “Hypo” – fraco, sob; “crise” – julgamento (ALMEIDA, 2002, p. 152).
6 - Rever o item que trata da “filosofia, teologia e a

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