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ESTADO DE DIREITO E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO - Julia Maurmann Ximenes

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Reflexões sobre o conteúdo do Estado Democrático de 
Direito
Julia Maurmann Ximenes 1
Resumo
No âmbito da Teoria do Estado, a problemática acerca do conteúdo 
do Estado Democrático de Direito tem sido uma constante nos 
debates. O Estado contemporâneo atual deve primar pelos direitos 
individuais e pelos direitos sociais e assim ser qualif icado como 
Democrático de Direito? Essa e outras questões são objeto de análise 
no presente artigo. 
1 Introdução
 Na disciplina Teoria Geral do Estado, ministrada normalmente 
nos primeiros semestres do Curso de Direito, emerge uma 
problemática que, na verdade, acompanha muitos alunos durante 
todo o curso e quiçá durante o exercício da nova profissão. Trata-se 
do conceito de Estado Democrático de Direito, expressão comumente 
apregoada de forma simplista e que não traduz seu verdadeiro 
conteúdo.
A expressão “Estado de Direito”, conhecida na vertente 
contemporânea, é atribuída à segunda metade do século XVII I e 
início do XIX, com o surgimento da doutrina l iberal e com as duas 
principais revoluções, a Americana e a Francesa, que consolidaram 
um processo iniciado anteriormente de l imitação do poder do Estado 
frente aos indivíduos, principalmente na Inglaterra. Os detentores 
do poder passam a ter seu arbítr io cerceado por princípios como o 
da legalidade, da l iberdade e da igualdade individuais. 
1 Doutoranda em Sociologia na Universidade de Brasília. Mestre em Direito pela Universidade Metodista de 
Piracicaba. Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília. Professora de Teoria Geral do Estado no IESB.
Contudo, é notório que, apesar dos anseios revolucionários, a 
s ituação do cidadão no seu dia-a-dia pouco se alterou com o 
surgimento do “Estado de Direito”. A Revolução Industrial do início 
do século XIX demonstrou as atrocidades cometidas por 
empregadores contra seus empregados, cuja jornada de trabalho era 
excessiva, as condições de trabalho eram sub-humanas, uma 
verdadeira exploração do trabalhador. Aparecem, então, vários t ipos 
de manifestações contrárias ao status quo, buscando dignidade da 
pessoa humana, um Estado que se responsabil izasse pelo social. 
Várias vertentes surgem dessas reações como o socialismo, o 
comunismo, o welfare-state (Estado de Bem-estar social). 
Desse rápido histórico da formação do Estado Moderno assoma 
uma questão: o famoso Estado Democrático de Direito seria, então, 
a soma do Estado Liberal e do Estado Social? O Estado 
contemporâneo, que observamos mundialmente, deve prezar direitos 
individuais e direitos sociais e, assim, ser qualif icado como 
Democrático de Direito? Não, essa não é a concepção que podemos 
verificar com a expressão. 
A expressão Estado Democrático de Direito vai além do 
somatório das duas abordagens verif icadas durante os séculos XVII I e 
XIX. Trata-se de um modelo que, obviamente, respeita os direitos 
proclamados pelos dois momentos históricos abordados, mas, mais 
do que isto, permite uma interpretação do Direito que ainda precisa 
de muito amadurecimento em uma sociedade como a brasileira, que 
continua buscando a democracia social. Isso porque a democracia 
polít ica, ou seja, a participação do cidadão na vida pública é apenas 
um dos aspectos do conceito de democracia hodiernamente. 
O presente artigo visa traçar alguns parâmetros doutrinários 
sobre a formação do Estado Democrático de Direito, seu conteúdo 
formal e material, apontar algumas problemáticas que sua inserção 
nas Constituições contemporâneas acarreta, em especial no tocante 
ao dogma da separação dos poderes e do próprio papel do Poder 
2
Judiciário, realçando ainda algumas questões de fundo no debate 
sobre o Estado Democrático de Direito no Brasil. 
2 O Estado Democrático de Direito e Sua Relação Com o Estado de 
Direito
Conforme já mencionado, o “Estado de Direito” emerge da 
formação que normalmente se chama de Estado Liberal e de uma 
necessidade básica: controlar o uso arbitrário do poder por parte do 
Estado. Nesse sentido, a concepção dos direitos fundamentais se 
baseava na fi losofia polít ica que imperou durante o século XVII I e 
início do século XIX: o l iberalismo 1. Esse l iberalismo é o l iberalismo 
polít ico, que visa firmar os direitos naturais: 
Esse era o direito de l iberdade num dos dois sentidos 
principais do termo, ou seja, como autodeterminação, 
como autonomia, como capacidade de legis lar para s i 
mesmo, como antítese de toda forma de poder paterno 
ou patriarcal, que caracterizara os governos 
despóticos tradic ionais” (BOBBIO, 1992, p. 86). 2
 John Locke (1632-1704), um dos principais f i lósofos polít icos 
do l iberalismo, desenvolveu toda uma teoria em que defendia os 
direitos naturais inalienáveis do homem, ou seja, direitos 
individuais acima de qualquer coisa, uma expropriação dos poderes 
privados, traço t ípico da organização polít ica durante a Renascença 
(Monarquia Absolutista). Ademais, Locke subordinava todos os 
poderes ao Poder Legis lativo, e, conseqüentemente, ao poder 
contido na lei. Trata-se do princípio da legalidade: não há nenhuma 
outra fonte de autoridade a não ser sob o manto da lei e do Poder 
Legis lativo. O objetivo era delimitar o poder do Estado. O Estado 
passa a ser visto como um Estado-Polícia, que vigia a aplicação das 
l iberdades e igualdades formais (posit ivadas). 3 
3
No Estado Social 4, o rol de direitos fundamentais se amplia, 
exigindo que as l iberdades e igualdades formais apregoadas pelo 
Estado Liberal t ivessem, inclusive, o amparo do Estado para que 
ocorressem. Assim, apesar de, durante o Estado Liberal, o 
empregado formalmente ter os mesmos direitos que o patrão, na 
realidade era este últ imo que t inha o controle da s ituação, 
determinando todos os deveres de seus subordinados, que não 
t inham direitos reais. A partir do Estado Social, o Estado se insere 
nessa relação, estabelecendo uma igualdade material, na medida 
que o empregado passa a ter direitos amparados pelo próprio 
Estado, como direito a férias, a l icença maternidade, a l icença 
médica e outros. 
Bobbio aponta que o Estado Moderno nasce justamente dessa 
inversão: 
Primeiro l iberal, no qual os indivíduos que reivindicam 
o poder soberano são apenas uma parte da sociedade; 
depois democrático, no qual são potencialmente todos 
a fazer tal reivindicação; e, f inalmente, social, no 
qual os indivíduos, todos transformados em soberanos 
sem dist inções de c lasse, reivindicam – além dos 
direitos de l iberdade – também os direitos sociais , que 
são igualmente direitos do indivíduo: o Estado dos 
cidadãos, que não são mais somente os burgueses, nem 
os cidadãos de que fala Aristóteles no início do Livro 
I I I da Polít ica, definidos como aqueles que podem ter 
acesso aos cargos públicos, e que, quando excluídos os 
escravos e estrangeiros, mesmo numa democracia, são 
uma minoria (BOBBIO, 1992, p. 100).
Nesse contexto, oEstado Democrático de Direito não 
representaria apenas o somatório dos direitos de cunho 
“individualista”, apregoados no Estado Liberal, e dos direitos 
sociais, do Estado de Bem-Estar Social. Isso porque, na verdade, o 
próprio conceito de “Estado de Direito” poderá caracterizar essa 
4
“somatória”, na medida que o “Estado de Direito”, como um status 
quo inst itucional provém, originariamente, da concepção 
individualista e racionalista do Direito, durante o século XVII I, mas 
que, na verdade, teve o rol dos direitos fundamentais, em especial, 
ampliados por ocasião da Revolução Industrial e do surgimento das 
polít icas do welfare state. Nosso objetivo, aqui, é destacar que o 
Estado Democrático de Direito implica, s im, uma interpretação 
diferenciada do Direito e não apenas elencar os direitos.
Dessa feita, hoje a fórmula do “Estado de Direito”, 
representada pela vinculação jurídica do poder do Estado submetido 
ao Direito, traduzido em institutos como The Rule of Law ( inglês) 5, 
always under law (americano) 6, Rechtsstaat (alemão) 7, tornou-se 
insuficiente diante dos Estados policêntricos e das sociedades 
plurais. O que faltava era a legit imação democrática do poder. O 
elemento democrático busca legit imar o poder: a soberania popular 
diz de onde vem o poder e sem ela o Estado se torna “a-polít ico” 
(CANOTILHO, 1998).
A concepção de Estado Democrático de Direito acarreta 
controvérsias que se baseiam na forma de se ver a questão da 
l iberdade na busca pela legit imidade do poder: no “Estado de 
Direito”, a l iberdade é negativa, de defesa ou de distanciamento do 
Estado; no Estado Democrático, a l iberdade é posit iva, pois 
representa o exercício democrático do poder, que o legit ima. Os 
crít icos dessa forma de Estado dizem que essa concepção de 
l iberdade representa o l iberalismo polít ico: o homem civil precede o 
homem polít ico. Assim, o l iberalismo consagrou uma concepção 
estática de Constituição, eliminando o problema dos pressupostos 
ideológicos e sócio-econômicos, indispensáveis à compreensão do 
conteúdo constitucional (BONAVIDES, 1999, p. 216). 
Nesse sentido, o Estado Democrático de Direito, dentre outras 
questões passíveis de serem levantadas, acrescenta aos conceitos 
referentes à própria formulação do Estado Moderno um novo espaço: 
um espaço necessário para interpretações construtivistas. Trata-se 
5
de discutir o papel da Constituição e do próprio Poder Judiciário, 
como últ ima instância de interpretação desse documento essencial 
para a caracterização de um “Estado de Direito”.
Na verdade, uti l izando Habermas, o Estado Democrático de 
Direito visa buscar uma nova forma de legit imação: 
É que o Direito não somente exige aceitação; não 
apenas sol icita dos seus endereçados reconhecimento 
de fato, mas também pleiteia merecer 
reconhecimento. Para a legit imação de um 
ordenamento estatal, constituído na forma da lei , 
requerem-se, por i sso, todas as fundamentações e 
construções públicas que resgatarão esse pleito como 
digno de ser reconhecido (HABERMAS, 2003, p. 68).
A preocupação com a legit imidade é a tônica do Estado 
Democrático de Direito já que um dos seus pressupostos é a 
eliminação da rigidez formal, ou seja, não existe uma forma 
preestabelecida, que deva ser s implesmente adotada 
independentemente das circunstâncias históricas e culturais dos 
diferentes Estados. 
Oportuno salientar que tal concepção de legit imidade e, 
conseqüentemente, legit imidade da própria Constituição, no caso 
específico do Brasil, exige um olhar mais crít ico. Isso porque o 
peculiar processo histórico da polít ica brasileira possibil ita a 
percepção de que a Constituição não é realmente legít ima vontade 
nacional e popular. A sociedade brasileira é carente, 
historicamente, de mentalidade cívica e de cultura polít ica 
democrática. Ainda que se defenda a existência de valores e 
princípios de uma Constituição, o seu aspecto substancial, eles, no 
caso brasileiro, constituem mais uma recepção do patrimônio 
polít ico-cultural de posit ivações constitucionais estrangeiras. Urge, 
portanto, assegurar, à maioria da população que não “participa”, a 
6
possibil idade de conquistar uma democracia de cidadãos. Disso se 
retira a percepção de duas democracias da Constituição – a da 
representação e a da participação, esta últ ima mais dependente da 
mediação do Direito (VIANNA, 1999, p. 38-44)
O atual momento histórico brasileiro representa o processo de 
consolidação democrática, no qual a sociedade tenta efetivar os 
direitos adquir idos na Constituição de forma substantiva, realmente 
exercendo a cidadania. Nesse contexto, o Poder Judiciário adquire 
uma concepção polít ica de proteção ao ideal democrático, não só de 
representação via procedimentos eleitorais, mas de efetiva 
participação, em uma espécie de “ativismo judicial”. Esse pode ser 
analisado de diversas formas, mas aqui salientamos justamente a 
“emergência de discursos acadêmicos e doutrinários, vinculados à 
cultura jurídica, que defendem uma relação de compromisso entre 
Poder Judiciário e soberania popular” (CITTADINO, 2000). 
Desta feita, o elemento democrático cunhado na expressão ora 
trabalhada não se restr inge ao voto, ao exercício dos direitos 
polít icos, como possa aparentemente transparecer. O que se propõe 
é uma nova forma de interpretar as funções do Estado e do próprio 
conceito de democracia.
Zimmermman (2002, p. 64-5) aponta as seguintes 
característ icas básicas do Estado Democrático de Direito, tendo em 
vista a correlação entre os ideais de democracia e a l imitação do 
poder estatal:
a) soberania popular, manifestada por meio de representantes 
polít icos;
b) sociedade polít ica baseada numa Constituição escrita, 
refletidora do contrato social estabelecido entre todos os 
membros da coletividade;
c) respeito ao princípio da separação dos poderes, como 
instrumento de l imitação do poder governamental;
d) reconhecimento dos direitos fundamentais, que devem ser 
tratados como inalienáveis da pessoa humana;
7
e) preocupação com o respeito aos direitos das minorias;
f) igualdade de todos perante a lei, no que implica completa 
ausência de privi légios de qualquer espécie;
g) responsabil idade do governante, bem como temporalidade e 
eletividade desse cargo público;
h) garantia de pluralidade partidária;
i) “império da lei”, no sentido da legalidade que se sobrepõe à 
própria vontade governamental.
Percebe-se, portanto, que a visão predominante nessas 
característ icas implica as característ icas que embasaram a formação 
do “Estado de Direito”, ou seja, a preocupação com a l imitação do 
poder do Estado. Essa visão é a que estamos colocando em discussão 
no presente artigo.
Por intermédio do conceito formal e do conceito material de 
“Estado de Direito”, é possível cr iar o vínculo entre “Estado de 
Direito” e democracia e, dessa forma, explicitar melhor o conteúdoda expressão Estado Democrático de Direito. O conceito formal 
implica o s istema jurídico e constitucional efetivo e o conceito 
material envolve um sistema em aplicação da justiça da ordem 
jurídico-posit iva. O “Estado de Direito” material pressupõe o 
formal, contudo avança para alcançar os padrões exigíveis 
minimamente de democracia ocidental.
O pressuposto originário dessa análise é a fragil idade dos 
mecanismos de controle da ação administrativa: a cidadania não se 
esgota na escolha dos candidatos. Dessa feita, novos campos de 
ação, em que o direito não tem como atuar, são propostos. O Estado 
não é ente isolado no quadro social: ele age e interage mediante a 
atuação social, a atuação popular, a atuação de grupos, etc. Esses 
novos mecanismos públicos ou privados (“público” não é s inônimo de 
“estatal”) de encaminhamento de reclamações, queixas, soluções, 
sugestões é que caracterizam o Estado Democrático de Direito.
Alguns exemplos: direito às informações (art. 5º, XXXII I, 
CF/88), direito de petição (art. 5º, XXXIV, a, CF/88), direito à 
8
publicidade, a hábeas corpus (art. 5º, LXVII I, CF/88), a ação popular 
(art. 5º, LXXII I, CF/88), a mandado de segurança individual (art. 5º, 
LXIX, CF/88) e coletivo (art. 5º,LXX, CF/88), a hábeas data (art. 5º, 
LXXII, CF/88), à iniciativa popular (art. 61, § 2º), a mandado de 
injunção (art. 5º, LXXI, CF/88), a controle judicial (art. 5º, XXXV, 
CF/88), a controle da constitucionalidade das leis, direta ou 
indiretamente (na indireta, são partes legít imas o Conselho Federal 
da Ordem dos Advogados do Brasil, os partidos polít icos 
representados no Congresso, as confederações s indicais – art. 103, 
CF/88). São exemplos da defesa de uma participação efetiva, direta 
e indireta, na vida “pública” e não só na “polít ica” (sentido 
partidário). 
Afinal, ainda que o ativismo judicial transforme em questão 
problemática os princípios da separação dos poderes e da 
neutralidade polít ica do Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, 
inaugure um tipo inédito de espaço público, desvinculado das 
clássicas inst ituições polít ico-representativas, isso não s ignifica que 
os processos deliberativos democráticos devam conduzir as 
inst ituições judiciais, transformando os tr ibunais em regentes 
republicanos das l iberdades posit ivas dos cidadãos (CITTADINO, 
2000).
Infere-se, portanto, que esta percepção do conteúdo do Estado 
Democrático de Direito demanda um novo papel, não apenas por 
parte dos Poderes Executivo e Legis lativo, que deverão ter a 
preocupação com a legit imidade de seus atos, mas do próprio Poder 
Judiciário. 
Aqui inserimos um exemplo particular, o brasileiro. A 
Constituição Federal de 1988, ao inserir a expressão “Estado 
Democrático de Direito”, incluiu algumas alterações que afetam 
diretamente o papel do Poder Judiciário. Inst itutos, como o 
mandado de injunção, colocam em xeque o dogma da separação dos 
poderes, na medida que o Poder Judiciário pode defrontar-se, em 
qualquer instância, não com um pedido de resolução de conflito 
9
direto, mas sim de pedido de “criar” o direito, quando o Poder 
Legis lativo foi omisso.
Essa nova visão ultrapassa a concepção de direitos subjetivos 
para dar lugar às l iberdades posit ivas: l imita-se e condiciona-se, em 
prol do coletivo, a esfera da autonomia individual, ou seja, os 
direitos fundamentais não mais podem ser pensados apenas do ponto 
de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que eles 
são t itulares.
3 Considerações Finais – Constituição e Democracia
Diante do exposto, podemos refletir sobre algumas questões 
inferidas da abordagem ora proposta sobre o conteúdo da expressão 
Estado Democrático de Direito.
A primeira delas diz respeito ao próprio conceito de 
Constituição. Considerando o Estado como referência máxima da lei 
fundamental, um conceito seria:
[...] a organização de seus elementos essenciais : um 
sistema de normas jurídicas, escr itas ou costumeiras, 
que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, 
o modo de aquis ição e o exercício do poder, o 
estabelecimento de seus órgãos e os l imites de sua 
ação. Em s íntese, a constituição é o conjunto de 
normas que organiza os elementos constitutivos do 
Estado (S ILVA, 1991, p. 37-8).
Poderíamos atribuir a uma suposta concepção posit ivista a 
definição de Constituição, em seu sentido formal: norma máxima do 
ordenamento jurídico, “situada no topo da pirâmide jurídica, fonte 
primária de todos os direitos, deveres e garantias”, conferindo 
fundamento de validade às leis e atos normativos, no sistema lógico 
de normas que forma a ordem jurídica.
10
O que propomos é analisar a Constituição à luz de seu conteúdo 
e, nesse sentido, destacar o importante papel do Judiciário em sua 
interpretação. No tocante à interpretação constitucional, Häberle 
(1996) afirma que as influências, expectativas, pressões sociais, a 
que o juiz está exposto, contêm um fragmento de legit imação e 
impedem a arbitrariedade da interpretação. Isto porque o povo não 
é apenas fonte de legit imidade democrática no dia das eleições, mas 
também consiste em fonte de legit imação como partido polít ico, 
como opinião pública, como grupo de interesses, como cidadãos. 
Trata-se de visualizar a democracia como democracia dos cidadãos e 
não como democracia popular, no sentido rousseauniano, que seria 
mais restr ito, pois coloca o povo em últ imo lugar, por intermédio 
dos direitos fundamentais. Na concepção da democracia dos 
cidadãos, o povo atua em todas as partes, universalmente, em 
muitos níveis, por muitos motivos e de muitas formas.
Infere-se, portanto, que, mais uma vez, a questão da 
legit imidade não se reduz à questão do poder legít imo, mas sim que, 
por intermédio das leis jurídicas que este proclama e impõe, se 
exerça a Justiça e não o mero poder (MAIHOFER, 1996). Inclusive 
porque, como já salientado anteriormente, a concepção de lei como 
estatuto da “vontade geral”, corporizada na representação 
parlamentar composta por deputados l ivres de qualquer 
dependência, não condiz com a realidade do Estado moderno, em 
que a lei expressa a vontade do partido ou coligação majoritária, e 
o governo dita à maioria parlamentar o programa legis lativo e o 
conteúdo das leis (MOREIRA, 1995). Torna-se claro, portanto, o 
grande papel da Constituição e a sua contribuição substancial no 
tocante ao controle que exerce justamente nestas leis que nem 
sempre representam a Justiça. 
Trata-se de ressaltar a importância da Constituição, não 
somente sob o aspecto de lei fundamental de todo o ordenamento 
jurídico, mas sob o aspecto substancial, inclusive de seu papel na 
consolidação do Estado Democrático de Direito. 
11
Ao inserir a expressão Estado Democrático de Direito na 
Constituição de 1988, o constituinte se orientou por uma visão 
menos individualista de Estado, provocando maior participaçãodos 
componentes individuais, em uma perspectiva ascendente de baixo 
para cima (ZIMMERMANN, 2002, p. 109). Vários mecanismos 
processuais são instituídos no sentido de buscar dar eficácia a seus 
princípios e essa tarefa é responsabil idade de uma cidadania 
juridicamente participativa que depende, é verdade, da atuação do 
Poder Judiciário, mas, sobretudo, do nível de pressão e mobil ização 
polít ica que, sobre eles, se fizer (CITTADINO, 2000). 
É este o novo desafio do Poder Judiciário na proposta ora 
apresentada: perceber a relação entre Estado e sociedade a partir 
da perspectiva de um conceito de cidadania que ultrapasse o 
conceito clássico de exercício dos direitos polít icos. Esse novo 
conceito implica também a flexibil ização do dogma da separação dos 
poderes, haja vista que o Poder Judiciário representa o mecanismo 
de defesa do cidadão não apenas contra o uso arbitrário do poder 
por parte do Estado, mas também de exigir-se sua atuação 
prospectiva. 
12
Referências Bibliográficas
BITTAR, E.C.B. Doutrinas e fi losofias políticas . São Paulo: Atlas, 
2002.
BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, P. Teoria do Estado. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
CANOTILHO , J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da 
constituição. 2. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1998
CITTADINO, G. Pluralismo, direito e justiça distributiva. 2. ed. Rio 
de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
______ . Poder judiciário, ativismo judicial e democracia . Encontro 
da ANPOCS, 21., 2001,. Caxambu, Anais do XXI Encontro da ANPOCS. 
[s.e: s.n.], 2002.
DALLARI, D. A. Elementos de teoria geral do Estado . 23 ed. São 
Paulo: Saraiva, 2002.
HÄBERLE, P. Retos actuales de Estado Constitucional . Oñati: [s.n.], 
1996.
______ . Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos 
intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação 
pluralista e “procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sergio 
Antonio Fabris Editor, 1997.
HABERMAS, J.; HÄBERLE, P. Sobre a legitimação pelos direitos 
humanos. In: MERLE, J.; MOREIRA, L.(Org). Direito e legitimidade. 
São Paulo: Landy, 2003, p. 67-82.
13
MAIHOFER, W. Princípios de una democracia en libertad. In: BENDA, 
E. et al. Manual de derecho constitucional. Madrid: Marcial Pons 
Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A., 1996, p. 217-323.
MOREIRA, V. Principio da maioria e princípio da 
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TRIBUNAL CONSTITUCIONAL. Legitimidade e legitimação da justiça 
constitucional. Coimbra: Coimbra, 1995, p. 177-198.
SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 7. ed. São 
Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
VIANNA, L. W. et al. A judicialização da política e das relações 
sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Renavan, 1999.
ZIMMERMANN, A. Curso de direito constitucional. 2 ed. Rio de 
Janeiro: Lumen Juris, 2002.
Notas
1 Cumpre salientar que na Inglaterra esse processo de delimitação do 
poder do Estado se inicia muito antes: a Magna Carta de 1215, 
apesar do cunho aristocrático, na medida que apenas delimitou a 
atuação do então monarca perante a nobreza, é tida como um 
exemplo da preocupação com a problemática do poder concentrado e 
de formação da consciência l iberal posteriormente aprofundada 
pelos fi lósofos do I luminismo. Ademais, o Bil l of Rights inglês, de 
1689 é outro exemplo. 
2 Apesar do destaque dado ao século XVII I para a formação do 
“Estado de Direito”, a Inglaterra é, na verdade, a fonte de 
inspiração para os fi lósofos polít icos do I luminismo. Montesquieu 
(1689-1755), por exemplo, retira a teoria da separação dos poderes 
14
de fontes inglesas, com a proibição da confusão das mesmas pessoas 
no exercício das funções executiva, legis lativa e judicante e a 
l iberdade definida como possibil idade de fazer tudo que a lei não 
proíbe. 
3 Na verdade, é justamente esta abordagem de cunho mais 
“individualista” das duas Revoluções do século XVII I, a Americana e 
a Francesa, que será responsável pela própria crise do Estado 
Liberal: “...a concepção da sociedade que está na base das duas 
Declarações [Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e 
Declaração de Independência Americana] é aquela que, no século 
seguinte, será chamada (quase sempre com uma conotação negativa) 
de individualista. ... Ambas as Declarações partem dos homens 
considerados singularmente; os direitos que elas proclamam 
pertencem aos indivíduos considerados um a um, que os possuem 
antes de ingressarem em qualquer sociedade” (BOBBIO, 1992, p. 90).
4 Denominamos de Estado Social, para fins didático-pedagógicos, a 
reação à visão individualista mencionada anteriormente, ou seja, 
uma nova percepção do papel do Estado, que deverá ser mais 
intervencionista.
5 Cujas quatro dimensões básicas são: observância de um processo 
justo legalmente regulado quando se julgar e punir cidadãos com 
privação de l iberdade e propriedade; proeminência das leis e 
costumes do país perante a discricionariedade do poder real; 
sujeição dos atos do Executivo à soberania do parlamento; igualdade 
de acesso aos tr ibunais por parte dos cidadãos (CANOTILHO, 1998, p. 
74-76). 
6 Império do Direito, com três tópicos: lei superior, juridicidade do 
poder à justif icação do governo – razões do governo devem ser 
públicas – e tr ibunais que exercem a Justiça em nome do povo.
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7 “Estado de Direito” do século XIX, que se l imita à defesa da ordem 
e segurança públicas, remetendo os domínios econômicos e sociais 
para os mecanismos da l iberdade individual e da l iberdade de 
concorrência.
8 Dalmo de Abreu Dallari, autor de um dos mais importantes l ivros de 
Teoria Geral do Estado, aponta quatro pressupostos para o Estado 
Democrático de Direito, a saber: eliminação da r igidez formal (não 
existe forma preestabelecida, ela deve se adaptar à concepção dos 
valores fundamentais de certo povo numa determinada época); 
supremacia da vontade do povo, desde que seja l ivremente formada 
e amparada na igualdade substancial de todos os indivíduos; 
preservação da l iberdade (tendo em vista a qualidade da l iberdade e 
não a quantidade) e preservação da igualdade (converter o direito 
em possibil idade). Retomaremos esses pressupostos posteriormente 
(2002, p. 304-307).
9 A partir do século XIX a teoria da separação dos poderes passou a 
ser encarada também com o objetivo de aumentar e eficiência do 
próprio Estado, pela distr ibuição de suas atr ibuições entre órgãos 
especializados. Assim, um mesmo poder pode realizar funções 
diversas, como uma mesma função pode ser levada a cabo por 
poderes dist intos: o poder legis lativo legis la, administra e julga; o 
poder executivo administra, emana preceitos normativos, com força 
de lei (medidas provisórias) na conformidade do disposto na 
Constituição, ou decretos administrativos e regulamentares; o poder 
judiciário julga, administra e expede normas internas, dentro do 
âmbito de suareconhecida competência (aptidão jurídica para agir). 
Na verdade, é importante salientar que, para a efetiva garantia da 
l iberdade e atuação democrática do Estado, é preciso maior 
dinamismo e presença constante na vida social, o que é incompatível 
com o tradicional dogma da separação dos poderes. 
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1 0 O Mandado de Injunção implica amplo debate sobre o conceito de 
“jurisdição”, ou seja, de dizer o Direito. Nosso propósito no 
momento é apenas apontar um exemplo de nova demanda imposta ao 
Poder Judiciário pela Constituição de 1988. 
1 1 Essa é a abordagem adotada pelo constitucionalismo comunitário, 
expressa principalmente na obra de Peter Haberle (1997).
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