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O Dogma da Completude. In: Teoria do Ordenamento Jurídico O dogma da completude é o princípio de que o ordenamento jurídico seja completo, fornecendo ao juiz uma solução sem recorrer a equidade. Foi (e é em parte) dominante na teoria jurídica de origem romana, sendo considerado algo notável do positivismo jurídico. Esse dogma nasce com a tradição românica medieval, quando se considerava o direito por excelência, um sistema potencialmente completo, uma mina inesgotável de sabedoria jurídica, no qual a jurisprudência desenvolveu um método extensivo (aplicável a vários casos) em prejuízo ao da equidade, ?inspirando-se no princípio de autoridade em vez de no princípio de natureza das coisas?. Na modernidade, o dogma da completude tornou-se parte integrante da concepção estatal de Direito, na qual a produção jurídica é monopólio do Estado. Assim, o direito emanado do Estado (do soberano) era onipotente, e por isso regulava todos os casos. Afinal, admitir que houvesse lacunas no ordenamento jurídico significava introduzir um direito concorrente, que quebra o monopólio da produção jurídica estatal. Então, para manter o monopólio, o direito deve servir para todo uso. A miragem da codificação é a completude. A cada grande codificação, desenvolvia a tendência de ater- se escrupulosamente aos códigos, atitude que ficou conhecida como o fetichismo da lei. Após a codificação, foi se impondo a escola jurídica de exegese, que se contrapõe a escola científica. A escola de exegese tinha admiração pela codificação, confiança cega na suficiência da lei, ou seja, é o dogma da completude. Até poderia ser dito, que a escola de exegese e a codificação são fenômenos estreitamente conexos. O jurista alemão Eugen Ehrlich, em seu livro, A Lógica dos Juristas, é o representante da reação ao fetichismo da lei e, consequentemente, ao dogma da completude. Para tanto, criticou o raciocínio do jurista tradicional, afirmando que este se baseava em três pressupostos: a preposição maior de cada raciocínio jurídico deve ser a norma (jurídica); esta (normas) deve ser sempre lei de Estado; e a norma deve formar no seu conjunto uma unidade. Ele acreditava que o conformismo diante do estadismo havia gerado na jurisprudência o dogma da completude. A Analogia. In: Teoria do Ordenamento Jurídico Sobre a questão do ordenamento jurídico, o método de auto-integração utiliza-se de dois procedimentos: o da analogia e dos princípios gerais do direito. Com esses procedimentos, o legislador presume que em caso de incompletude a regra deve ser encontrada no âmbito das leis vigentes, e não em outro ordenamento ou fontes diversas da lei. Analogia é a atribuição a um caso não regulamentado da mesma disciplina de um regulamentado semelhante, é a tendência de expansão do ordenamento jurídico além dos casos expressamente regulamentado. Encontramos analogia quando falamos de norma geral inclusiva. A forma do raciocínio por analogia é a seguinte: M é P, então, S é semelhante a M e consequentemente S é P. Este esquema apresenta-se como um silogismo em que a proposição menor exprime uma relação de semelhança em vez de identidade, na verdade ele esconde um vício (quaternio terminorum), no qual os termos são aparentemente três, como no silogismo, mas na realidade são quatro. Em outras palavras, há a presença de um quarto elemento denominado semelhança relevante (localizado na premissa menor) que transforma o raciocínio analógico em um silogismo (raciocínio lógico). Então, para que o raciocínio por analogia seja lícito no Direito, é necessário que o caso regulamentado e não regulamentado tenham em comum a ratio legis (razão suficiente de uma lei). Costuma-se distinguir a analogia legis (analogia propriamente dita) da analogia iuris e da interpretação extensiva. No entanto, apesar do nome, a analogia iuris não tem nada a ver com o raciocínio por analogia, enquanto a interpretação extensiva tem. Analogia iuris é um procedimento no qual se tira uma nova regra para um caso imprevisto de todo o sistema ou de uma parte dele, isto é; não é diferente dos princípios gerais do direito. Onde não se permite o uso da analogia propriamente dita, pode-se usar a interpretação extensiva. E onde não é admitida a extensão analógica funciona a norma geral exclusiva. Segundo Bobbio, ?não há uma zona intermédia entre o caso singular expressamente regulado e os casos não- regulamentados.? A diferença entre extensão análoga e a interpretação extensiva está nos efeitos que cada uma produz; o efeito da primeira é a criação de uma nova norma jurídica (passa-se de uma norma a outra), já o efeito da segunda é a extensão de uma norma para os casos imprevistos, pois limitamos a redefinição de um termo, mas a norma aplicada é sempre a mesma. Cap. I Os Pressupostos históricos. In: O Positivismo jurídico Cap. I - Os Pressupostos históricos. In: O Positivismo jurídico Norberto Bobbio Relação entre direito natural e direito positivo Segundo Norberto Bobbio, ao longo do final do século XVIII o direito foi-se definindo em duas espécies de direito postas em planos diferentes. Diz Bobbio que na Idade Clássica o direito positivo prevalecia sobre o direito natural. Já na Idade Média essas posições se invertem, o direito natural é tomado como a Lei escrita por Deus no coração dos homens, como escreveu São Paulo. O pensamento jusnaturalista fundamenta-se no pensamento cristão para justificar o direito natural. Para Bobbio, a passagem da concepção jusnaturalista à concepção positivista deu-se com a formação do Estado Moderno que surge com a dissolução da sociedade medieval. A partir daí dá- se a monopolização da produção jurídica por parte do Estado. Segundo Bobbio, o direito só é possível quando surgindo um conflito entre dois indivíduos requer a intervenção de um terceiro (juiz). Sem este, pode-se falar que a sociedade vive segundo costumes. Para Kant, o direito privado já existe no estado de natureza. A constituição do Estado determina apenas o direito público. Da codificação inicia-se a história do positivismo jurídico. O Estado possui o poder de pôr normas regulamentadoras das relações sociais, e somente as normas posta pelo Estado são normas jurídicas, porque são as únicas que são respeitadas graças a coação do Estado. Para Hobbes, o direito é uma expressão ou instrumento do poder. O direito é o que aquele ou aqueles que detém o poder soberano ordenam aos seus súditos, proclamando em público e em claras palavras que coisas eles podem fazer e quais não podem?. Segundo Bobbio, para impedir as arbitrariedades do legislador o pensamento liberal pensou alguns expedientes constitucionais. O principal deles foi a separação dos Três Poderes. O Poder Legislativo não é atribuído ao príncipe/governante, mas a um colegiado que age junto com ele, com a consequência de que o governante fica subordinado à lei. Um segundo fator é a representatividade, pela qual o Poder Legislativo não é mais expressão de uma restrita oligarquia, mas da nação inteira mediante técnica de representação política. Para Montesquieu o juiz não deve legislar somente aplicar a lei. A decisão do juiz deve ser uma reprodução fiel da lei. A completude do ordenamento jurídico.In:Teoria do ordenamento jurídico Os Princípios Gerais do Direito Segundo Norberto Bobbio, quando se trata do ordenamento jurídico, outro método de auto-integração é a recorrência aos princípios gerais do Direito (analogia iuris). Essa expressão causava equívocos (se eram princípios do Direito natural ou positivo), para eliminá-lo iniciou-se o uso do termo princípios gerais do ordenamento jurídico do Estado. Para Bobbio, neste, o termo ordenamento torna-se compreensivono seu amplo significado, para além das normas, institutos, orientação político estatal e da tradição científica da nação; este ordenamento dará os interprete todos os elementos necessários para a pesquisa da norma reguladora. Com essas características temos expressado o dogma da completude, e de outra parte, quando se fala tradição cientifica da Nação pode haver a idéia de uma evasão para a heterointegração. Esta teoria (que diz que é um procedimento de heterointegração, e ainda, aos lados dos juízos de equidade) foi defendida por Betti, mas Bobbio não é convencido com esses argumentos, pois Betti sustenta uma contradição: de um lado os princípios gerais do Direito são considerados imanentes à ordem jurídica, e pode outro, excedentes. Para Bobbio, os princípios gerais são normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. E para sustentar esta idéia faz uso de dois argumentos: 1) se são normas aquelas das quais os princípios gerais do direito são extraídos, através da generalização sucessiva, os princípios gerais também são normas. 2) a função para qual são extraídos é a mesma cumprida pelas normas, isto é, a função de regular um caso. A completude do ordenamento jurídico, defendida pelos positivistas, no propósito de ter respostas para todas as problemáticas humanas num único ordenamento, que necessariamente tem vigência espacial e temporal limitada, é um ideal que não pode ser alcançado. A estupenda e maravilhosa dinâmica da convivência humana, ao criar realidades a cada momento e ao apresentar nuances sempre novas em velhos fenômenos que se encontram sob cobertura do Direito, impede o alcance daquele ideal. Assim, ao finalizar-se a análise do Capítulo IV do livro Teoria do Ordenamento Jurídico, as considerações finais são no sentido de que todo e qualquer ordenamento jurídico positivo é lacunoso, deixando parcela importante de sua integração ao jurista-intérprete. A completude é uma ilusão. E ainda, do estudo da Teoria do Ordenamento pudemos apreender e compreender a complexa formação dos ordenamentos jurídicos. Pudemos também perceber a valiosa contribuição de Norberto Bobbio no que diz respeito a um processo de purificação na linguagem legislativa, de auxílio à complementação dos enunciados estabelecidos e de organização e sistematização da Ciência do Direito. As Lacunas Ideológicas. In: Teoria do Ordenamento Jurídico Entende-se, por lacuna não só a falta de uma solução (qualquer que seja ela), mas a de uma solução satisfatória, ou seja, a falta de uma norma justa. Esta lacuna surge da comparação entre ordenamento jurídico como ele é e como deveria ser, por isso, chamaremos de lacunas ideológicas (de direito a ser estabelecido) para diferenciá-las das lacunas reais (do direito já estabelecido). Temos que, todo ordenamento jurídico positivo possui lacunas ideológicas, porém um ordenamento jurídico natural não deveria ter, pois ele já é aquilo que deve ser (mas ninguém nunca formulou um sistema de Direito natural). Para Bobbio, quando um jurista sustenta, sem razão, que um ordenamento é completo, ou seja, não tem lacunas, ele se refere as lacunas reais e não ideológicas. Segundo Brunetti, para se falar de imcompletude e completude de uma coisa qualquer, é necessário não considerar a coisa em si mesma, mas compará-la com alguma outra coisa, pois isso há dois casos típicos para se falar de completude: quando compara uma determinada coisa com seu tipo ideal, e quando comparo a representação com o representado. Para Brunetti, o problema das lacunas tem três faces: 1) ser completo ou incompleto o ordenamento jurídico considerado em si próprio, o que não faz sentido; 2) ser completo ou incompleto o ordenamento jurídico (tal como ele é), comparado com o ordenamento jurídico ideal, esse problema tem sentido, mas como são lacunas ideológicas, não interessam aos juristas; 3) ser completo ou incompleto o ordenamento legislativo, como parte do ordenamento jurídico, esse problema faz sentido, e aqui se pode falar de lacunas no sentido próprio da palavra. Na realidade este terceiro, também se refere às lacunas ideológicas. Nas palavras de Bobbio: para Brunetti, o problema da completude é um problema sem sentido, e, lá onde tem sentido, as únicas lacunas, das quais se pode mostrar a existência, são lacunas ideológicas; e é um sentido, como dizíamos, tão obvio que, se a isso se reduz o problema, não se justificam todos os rios de tintas gastas com ele. (BOBBIO, 1995, p. 143). O Problema das Lacunas. In: Teoria do Ordenamento Jurídico A completude seria a presença, no ordenamento, de normas capazes de regular qualquer conduta humana. A falta de uma norma que regule determinado comportamento é considerada uma lacuna no ordenamento. Se não houver norma tirada do sistema que diga que determinado comportamento é proibido ou se ele é permitido, temos a incompletude, ou seja, o ordenamento jurídico possui uma lacuna. Assim, entende-se melhor o nexo entre completude e coerência, no qual, um sistema é incoerente quando existe tanto a norma que proíbe quanto a que permite determinado comportamento; já a incompletude é quando em um sistema não existe nem norma que permite, nem a que proíbe certa conduta. Está questão foi sempre deixada de lado, mas temos literaturas jurídicas que fazem alusões ao seu estudo comum, como é o caso do Sistema de Savigny, o qual diz que devem ser oferecidas soluções a todas as questões surgidas no campo do direito, e que para isso, o sistema deve conter unidade e completude, ou seja, se falta unidade, tem-se uma contradição, se há uma lacuna, tem-se incompletude. O que se pretende na verdade é sempre formar a unidade (unidade negativa, eliminando as contradições, e a unidade positiva, eliminando as lacunas). Temos, também, a Teoria geral do Direito de Carnelutti, que trata conjuntamente dos dois problemas: incompletude por exuberância (antinomias? oposição entre duas leis), cujo remédio seria a purificação (suprir aquilo que está a mais), e incompletude por deficiência cuja solução seria a integração (acrescentar aquilo que falta). O problema teórico geral do Direito é em que medida um ordenamento jurídico é completo e coerente. Vimos que a coerência é uma exigência, mas não uma necessidade. Já a completude, em ordenamentos caracterizados pelo princípio de que o juiz deve julgar todas as controvérsias que a ele se apresente, e ainda, de acordo com uma norma pertencente ao sistema, a completude é necessária, e sem ela o sistema não funcionaria. Caso um das duas regras perca seu efeito, a completude deixaria de ser requisito do ordenamento. Alguns vêem que o ordenamento internacional é do tipo que o juiz, em alguns casos, tem faculdade de não culpar nem desculpar nenhum dos contendores. Já no sistema inglês, por exemplo, o juiz não é obrigado a julgar um caso baseado em uma norma do sistema, ele faz uso da equidade, atuando como legislador; em um ordenamento assim, não tem grande importância o direito ser completo ou não, pois a cada momento ele é completável. A Norma Geral Exclusiva. In: Teoria do Ordenamento Jurídico Segundo Norberto Bobbio, se não existe espaço jurídico vazio, então só existe espaço jurídico pleno; e foi nessa concepção que se baseou a segunda teoria contra a escola livre de Direito. Foi um jurista alemão (E. Zitelmann) e um italiano (Donato Donati) que sustentaram essa teoria. O raciocínio desses autores baseia-se no fato de que uma norma que regula um comportamento não só limita a regulação, mas ao mesmo tempo exclui daquela regulamentação todos os outros comportamentos. Todos os comportamentos não compreendidos na norma particular são regulados pela norma geral (todos oscomportamentos) exclusiva (regra que exclui). Com isso, temos que uma norma nunca nasce sozinha: toda norma particular (inclusiva) esta acompanhada pela norma geral exclusiva. Para esta teoria, toda atividade humana está regulada pelas normas jurídicas, pois se ela não cai sobre a norma particular cai sob a exclusiva. Porém, esta teoria também possui um ponto fraco, pois num ordenamento além de normas particulares inclusivas e norma geral exclusiva (maneira oposta a regulamentada), tem-se a norma geral inclusiva (maneira idêntica a regulamentada); nesta, no caso de lacunas, o juiz deve recorrer a normas que regulam casos parecidos ou matérias análogas. Como se vê, a aplicação de uma ou outra norma geral se dá de maneira oposta, e a decisão sobre semelhança ou não dos casos cabe os interprete, pois o ordenamento, por si só, não dá base para essa decisão. A norma geral inclusiva que se interprete um caso de aparente lacuna no ordenamento como similar a um regulamentado no ordenamento e, desta forma, uma resolução de acordo com uma norma geral inclusiva é contrária a uma solução de acordo com a norma geral exclusiva. A lacuna aqui não se dá mais pela falta de normas, mas sim pela falta de critério em que norma utilizar; se a norma geral exclusiva, se a norma geral inclusiva. Temos aqui não mais uma insuficiência, mas uma exuberância da norma. (Salvo o Direito penal, onde a extensão analógica não é admitida). Um ordenamento, apesar da norma geral exclusiva pode ser incompleto, afinal, não se pode tirar do sistema nem uma solução nem sua oposta, isso revela uma lacuna, ou seja, revela a incompletude do ordenamento jurídico.
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