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Maias Apogeu e Ruina de um povo

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América 1
Maria Cristina
Maias Apogeu e Ruina de um povo
O esplendor dos maias teve como cenário as florestas tropicais do sul do México e da América Central. Foi ali que a civilização alcançou seu ápice no chamado período clássico [séculos II – x dC] . 
O conquistador
Emissário de Teotihuacan, a poderosa cidade a oeste, o chefe Fogo Novo instaurou novas dinastias que conferiram um esplendor inigualável ao mundo maia.
O FORASTEIRO CHEGOU assim que o término da estação das chuvas começou a firmar os caminhos através da floresta, permitindo a passagem das tropas. À frente de um grupo de guerreiros, ele entrou na cidade maia de Waka, passando diante dos templos e mercados e cruzando as praças amplas. Os moradores locais devem ter ficado atônitos, impressionados não só pela demonstração de força, mas também pelo cocares de penas, lanças e escudos recobertos de espelhos – os sinais de que aqueles homens eram originários de uma remota cidade imperial.
 As inscrições antigas datam esse evento de 8 de janeiro de 378 e atribuem ao forasteiro do nome de Fogo Novo. Ele chegou em Waka, situada na atual Guatemala, como enviado de um potentado dos altiplanos no centro do México. Nas décadas seguintes, esse mesmo nome reapareceria em monumentos dispersos por todo o território doas maias, cuja civilização se estendia pelas florestas da Mesoamérica. Sob o impulso desse forasteiro, os maias alcançaram um apogeu que se prolongaria por cinco séculos. 
Os estranhos adereços de Fogo Novo, como os óculos protetores e o arremessador de lanças, foram adotados pelos soberanos maias como forma de indicar seus laços com o lendário líder.
	Os maias sempre foram um enigma. Décadas atrás, as glórias de suas cidades em ruínas, e de sua bela mas incompreensível escritura, haviam levado muitos pesquisadores a imaginar uma pacifica sociedade de sacerdotes e escribas. Mas quando os especialistas em epigrafia decifraram os hieróglifos maias, descortinou-se um quadro de dinastias em guerra, rivalidades violentas e palácios incendiados.
	Ainda hoje, contudo, continuam obscuras questões fundamentais, entre as quais o motivo do salto que levou a civilização maia ao seu apogeu. Na mesma época em que se difundia a fama de Fogo Novo, uma onda de mudanças varria o mundo maia. O que antes não passara de um grupo de cidades-estados voltadas para seus próprios interesses, tornou-se uma coleção de centros urbanos empenhados em ampliar vínculos com os povoados vizinhos e com outras culturas, e umas das consequências dessa explosão de atividade foram as realizações artísticas que marcaram o chamado período clássico dos maias.
	Agora, novas pistas, exumadas em ruinas tomadas pela vegetação e vislumbradas em textos recém-decifrados, sugerem que Fogo Novo foi um personagem crucial em toda essa transformação. Ainda que fragmentários, os indícios acumulados no decorrer da última década revelam que esse misterioso forasteiro reorganizou a liderança politica do mundo maia. Recorrendo tanto à diplomacia como à força, ele forjou alianças, instalou novas dinastias e estendeu a influência da distante cidade-Estado da qual era representante, a grande metrópole de Teotihuacan, situada nas cercanias da atual Cidade do México.
	Não há consenso entre os estudiosos a respeito da natureza de seu legado – ou seja, se foi o iniciador de uma prolongada era de dominação externa ou se serviu de catalisador para mudanças que vinham sendo preparadas pelos maias. Também é possível que estes já estivessem no caminho da grandeza. Mas não há dúvida de que a intervenção de Fogo Novo coincidiu com uma virada histórica.
	Mesmo antes de Fogo Novo, os maias haviam alcançado resultados surpreendentes em uma terra tão agreste. Atualmente, as terras baixas do sul do México e da região guatemalteca de Petén proporcionam pouco mais do que a mera subsistência aos seus habitantes. “Uma nova civilização avançada”, diz o especialista Arthur Demarest, “era a última coisa que se esperaria ver naquela região.”
	O local da antiga Waka, hoje conhecido como El Perú, provavelmente não é hoje muito diferente do que na época em que ali chegou o primeiro maia, por volta de 1000 a.C. – uma densa floresta onde araras-vermelhas, tucanos e urubus aninham-se em árvores imensas. É uma terra de facões e lama, de serpentes e suor, de grandes felinos – dos quais o mais notável é o balam, o jaguar, senhor da selva.
	Os primeiros a mudar-se para lá provavelmente não tinham outra opção - é bem possível que a superpopulação em outras regiões os tenha empurrado para esse ambiente inóspito. Mas, uma vez instalados, enfrentaram os desafios. Estabelecendo-se às margens de rios, lagos e manguezais, aprenderam a aproveitar ao máximo a escassa fecundidade do solo. Por meio de queimadas, desmataram a floresta para cultivar milho, abóbora e outras plantas, e depois alternavam as plantações e faziam a rotação dos campos.
	À medida que crescia a população, acabaram por adotar métodos de cultivo mais intensivos - recorrendo à adubação, ao uso de terraços e à irrigação. Também drenaram os mangues para abrir novas áreas de cultivos e usaram os sedimentos e a lama das terras baixas como fertilizantes em campos murados. Lagos artificiais permitiam a criação de peixes, e currais abrigavam veados e outros animais capturados na floresta. No fim, os antigos maias conseguiram extrair da terra pobre o suficiente para manter milhões de pessoas, uma população várias vezes maior que aquela que hoje viva na mesma região.
	Ao longo dos séculos, à medida que aprendiam a prosperar na floresta tropical, seus povoados transformaram-se em cidades-Estado, e sua cultura tornou-se requintada. Os maias construíram palácios e templos que se elevavam por quase 100 metros na direção do céu. Cerâmicas, murais e esculturas exibiam um estilo artístico intrincado e colorido. Embora não conhecessem a roda nem as ferramentas de metal, foram capazes de elaborar um completo sistema de escrita hieroglífica e entendiam o conceito de zero, empregando-o em cálculos corriqueiros. Tinham um ano com 365 dias e eram sofisticados o bastante para fazer ajustes semelhantes ao nosso ano bissexto. Faziam observações regulares das estrelas, podiam prever eclipses solares e construíram seus edifícios cerimoniais de modo que ficassem voltados para o nascer ou pôr-do-sol em determinadas épocas do ano.
	Servindo como mediadores entre o céu e a terra, estavam os soberanos maias – os Kuhul ajaw, senhores sagrados, cujo poder era garantido pelas divindades. Eles atuavam quer como xamãs, decidindo sobre questões religiosas e ideológicas, quer como governantes, liderando seus súditos na guerra e na paz.
	Sob o manto do ritual, as cidades maias atuavam como Estados por toda a parte, forjando alianças, travando guerras e mantendo relações comerciais ao longo de um território que chegou a abranger desde o atual sul do México até o litoral caribenho de Honduras. Caminhos pavimentados com estuque cruzavam a floresta em todas as direções, enquanto canoas percorriam os rios. No entanto, até o aparecimento de Fogo Novo, os maias seguiam politicamente fragmentados, com cada cidade-Estado preocupada apenas com sua própria existência.
	Por volta de 378, Waka era um centro de prestigio, orgulhoso de suas quatro praças principais, centenas de edifícios, templos com até 90 metros de atura, palácios cerimoniais, pátios ornamentados com altares e monumentos de calcário. Potência mercantil, a cidade ocupava posição estratégica no rio San Pedro, que seguia para oeste desde o âmago da região de Péten. Seu mercado era repleto de produtos alimentícios, como milho, feijão, pimenta e abacate, além do chicle extraído dos sapotizeiros e que serviam de cola, e de látex das seringueiras para fazer as bolas usadas em jogos cerimoniais. Itens mais exóticos também acabavam em Waka. Das montanhas ao sul vinha o jade para as esculturas e joias; a obsidiana do altiplano mexicano a oeste, os domínios de Teotihuacan.
	Uma espraiada metrópole com mais de 100 mil habitantes - talveza maior cidade do mundo naquela época -, a cultura de Teotihuacan não deixou nenhum registro que os especialistas em epigrafia pudessem decifrar. Mas parecem claros os motivos que levaram seus governantes a enviar Fogo Novo aquela remota região maias. A cidade de Waka situava-se no promontório que dava para um afluente do rio San Pedro e dispunha de porto seguro, excelente para abrigar canoas maiores. “Era uma área perfeita de onde lançar um ataque militar”, comenta o arqueólogo David Freidel, co-diretor das escavações em Waka. E talvez fosse isso que Fogo Novo tinha em mente.
	Aparentemente Waka era crucial para que o enviado pudesse cumprir sua missão: atrair toda a região central de Petén para a órbita de Teotihuacan, por meios pacíficos, se possível, ou pela força, se necessário. Seu alvo principal era Tikal, reino a 80 quilômetros a lesta de Waka. Tikal era a mais importante cidade-Estado na região central de Péten. Se atraísse Tikal, as outras cidades viriam atrás.
	Fogo Novo estava acompanhado de uma tropa de elite, mas a função desta era sobretudo demonstrar a sinceridade de suas intenções e comprovar sua boa-fé. Era evidente que precisava de reforços e este fora o motivo de sua passagem por Waka. O governante local, Jaguar de Rosto Solar, aparentemente recebeu bem o forasteiro. Com base nas indicações em textos encontrados em Waka e em outros locais, David Freidel - com o co-diretor do projeto, Héctor Escobedo, e o especialista em epigrafia Stanley Guenter – sugeriu que os dois governantes cimentaram a aliança por meio da construção de um altar para abrigar a chama sagrada de Teotihuacan.
	Além do apoio moral, Fogo Novo provavelmente contribuiu com sua pequena força expedicionária. Esses homens deviam carregar os arremessadores de lanças e dardos típicos de Teotihuacan, e também os escudos com a parte traseira recoberta de pirita reluzente, talvez destinados a ofuscar o inimigo quando os soldados giravam o corpo para lançar seus projéteis. Os guerreiros de Péten, munidos de machados de pedra e lanças, engrossaram as fileiras da tropa de assalto. Como proteção, muitos usavam coletes de algodão recheados de sal grosso. Onze séculos depois, quando se viram na abafada e úmida floresta tropical, os conquistadores espanhóis logo substituíram suas armaduras de metal por esses coletes protetores maias.
	É quase certo que a expedição militar partiu rumo a Tikal em canoas de guerra, seguindo no rumo leste, rio San Pedro acima. Quando se aproximaram da nascente, os soldados desembarcaram e marcharam seja pela margem, seja pela borda do cânion onde corria o rio.
	Essa rota estava pontilhada de guarnições defensivas. Noticias da coluna que se aproximava devem ter alcançado Tikal. Em algum ponto no trecho de margem de rio e caminho pela selva, o exercito de Tikal tentou interromper o avanço de Fogo Novo. Blocos de pedra com inscrições, chamados estelas, mais tarde erguidos em Tikal, mencionam que os defensores foram desbaratados. As forças de Fogo Novo continuaram em direção à cidade. Em 16 de janeiro de 378 – mais de uma semana após sua chegada a Waka – o conquistador tomou Tikal.
	A data está registrada na famosa Estela 31 de Tikal, que nos proporcionou os primeiros indícios da importância de Fogo Novo, ao ser decifrada, em 2000, por David Stuart. O segundo trecho da estela conta o que aconteceu após a queda da cidade: o soberano de Tikal, Grande Pata de Jaguar, morreu no mesmo dia, provavelmente pelas mãos dos vencedores. Em seguida, Fogo Novo abandonou qualquer pretensão de fazer-se passar por um pacifico emissário. As tropas sob seu comando destruíram os monumentos de Tikal – as estelas erguidas pelos 14 governantes anteriores da cidade. Uma nova era havia começado, e mais tarde outros monumentos iriam celebrar os responsáveis pela mudança. A estela 31 descreve Fogo Novo como Ochkin Kaloomte, Senhor do Ocidente, provavelmente em referencia a suas origens em Teotihuacan. Especialistas sugeriam outro significado: o de que Fogo Novo representava uma facção que fugira para o oeste – para Teotihuacan – após golpe de Estado promovido antes pelo pai de Grande Pata de Jaguar, e agora retomava o poder.
	Fogo Novo levou algum tempo para pacificar Tikal e a região circundante. Um ano após sua chegada, contudo, os monumentos em Tikal registram que ele garantiu a ascensão de novo soberano estrangeiro. As inscrições identificam este como o filho da Coruja Arremessadora de Lanças, o patrono de Fogo Novo em Teotihuacan. De acordo com a Estela 31, o novo rei tinha menos de 20 anos, e por isso é provável que Fogo Novo se tenha tornado regente de Tikal. Não há a menor dúvida, porém, de que ele era o governante de fato da cidade
	Nos anos seguintes à conquista, a própria Tikal passou à ofensiva, ampliando seus domínios por toda a região maia. Fogo Novo parece ter siso responsável por essa campanha expansionista. Referências a ele foram encontradas em cidades tão distantes quanto Palenque, situada a mais de 250 quilômetros a noroeste. Mas o testemunho mais claro desse ímpeto imperialista vem da cidade de Uaxactún, apenas 20 quilômetros distante de Tikal. Ali um mural mostra um nobre maia prestando homenagem a um guerreiro envergando os trajes típicos de Teotihuacan - talvez um dos soldados de Fogo Novo. Uma estela, representando um guerreiro, encontra-se ao lado de uma sepultura onde arqueólogos acharam os restos mortais de duas mulheres, uma criança e um bebê. David Friedel e outros estudiosos concluíram que eram os restos da família real de Uaxactún, assassinada pelas forças de Tikal. O rei fora levado a Tikal e ali sacrificado.
	Em 426, Tikal conquistou Copán, 270 quilometros mais ao sul, no território da atual Honduras, e colocou no trono local seu escolhido, Kinich Yax Kuk Mo, que se tornou o fundador de nova dinastia. Um retrato póstumo mostra-o vestido com traje típico da região central do México – uma referência a Teotihuacan – e tal, como Fogo Novo, portador do título de Senhor do Ocidente.
	Para alguns especialistas, Tikal atuava como um estado vassalo de Teotihuacan, estendendo os domínios dessa cidade por todas as terras baixas maias, com Fogo Novo desempenhando o papel de uma espécie de governador militar. Outros o veem como um catalisador que levou Tikal a ampliar seu poder e sua área de influência.
	Nada sabemos de seu destino. Não há registro de sua morte, ou indícios de que tenha governado um reino maia. Mas seu prestigio perdurou - os maias nunca mais foram os mesmos depois dele. Tanto campo da religião como no da arte, os mais do período clássico começara a adotar motivos e temas estrangeiros, conferindo requinte e exuberância cosmopolita a uma cultura já bastante vigorosa.
	Logo outro desenvolvimento político passou a fomentar esse florescimento cultural. No século 6, os senhores de Calakmul, ao norte de Petén, deram inicio à sua própria expansão. Com o tempo, Calakmul passou a desafiar Tikal, e a rivalidade entro os dois impérios dividiu o mundo maia. Tal como a Guerra Fria entro o Ocidente e o Leste Europeu, no século 20, esse conflito levou a realizações cada vez maiores, ao mesmo tempo que disseminava tensões e atrito. Ao contrário da nossa, a Guerra Fria dos maias acabou em catástrofe. 
Para desespero de sua mulher, o falecido
rei Kinich Yax Kuk Mo (Arara Quetzal
Reluzente) jaz entre oferendas na sua
sepultura em Copán, na atual Honduras.
Com o apoio de Teotihuacan, em 426 ele fundou
uma dinastia que durou quase quatro séculos.
Marco de uma era
Monumento de pedra da metrópole
maia de Tikal comemora a chegada de Fogo Novo, em 378. 
A forma lembra a dos marcadores emplumados
do jogo de bola típicos da região central do México, a 
terra natal do chefe guerreiro.
A escritura na haste o cita como enviado de do soberano
chamado Coruja Arremessadora de Lanças, representado
no medalhão do topo por uma coruja com um atlat, um arremessador
de lança. Outras fontes revelam que Fogo Novo fez do filho
daquele o soberano de Tikal.
Monumento revelador
Encomendado por um governantede Tikal, Céu tempestuoso,
uma coluna de pedra, a Estela 31, foi entalhada
com inscrições que narram a história
da chegada de Fogo Novo à cidade 60 anos antes – e
menciona a morte do rei Tikal no mesmo dia, certamente por 
ordem do invasor.
Quando a coluna foi achada, na década de 1960, a escrita
maia começava a ser decifrada, por isso o hieróglifo referente
ao nome de Fogo Novo foi inicialmente lido como sendo Sapo Fumando,
mera descrição do desenho. Desde então, avançou-se
bem na compreensão da língua maia.
Fatal Rivalidade
Os confrontos militares somaram-se a outros problemas - superpopulação, danos ambientais, gastos excessivos – 
que provocaram o declínio e o colapso da 
civilização maia do período clássico.
Certo dia no ano 800, a pacifica cidade maia de Cancuén, na atual Guatemala, foi tomada pelo caos e pela violência. O soberano, Kan Maax, certamente tinha alguma ideia do que teria que enfrentar, pois tentara erguer uma improvisada fortificação em torno de seu imenso palácio com 200 cômodos. Mas não pôde termina-la a tempo.
	Os atacantes avançaram rapidamente pelas defesas em volta da cidade a fluíram para o centro cerimonial de Cancuén. Mesmo hoje é evidente a velocidade com que se deu o ataque. Obras civis inconclusas jaziam em ruínas. Panelas e vasilhas estavam jogadas pelo chão da cozinha do palácio.
	A fúria dos invasores concentrou-se em 31 reféns. Pelas joias e adereços encontrados com seus restos mortais, sabemos que eram nobres, talvez da extensa família de Kan Maax, ou então membros de outras famílias reais, ali refugiados após a derrocada de suas cidades.
	Todos foram levados ao pátio cerimonial do palácio e ali executados de maneira sistemática. Usando lanças e machados, os forasteiros empalaram ou decapitaram suas vitimas. Em seguida, os corpos foram colocados na cisterna do palácio. Kan Maax e sua rainha não foram poupados. Ambos acabaram sepultados a 90 metros, sob 60 centímetros de entulho, que seria usado na reforma do palácio. O rei ainda usava requintado cocar e um colar de madrepérola que o identificava como o Sagrado Senhor de Cancuén.
	Ninguém sabe quem eram os matadores ou o que pretendiam. Não pareciam interessados em saquear a cidade. Cerca de 3 mil peças de jade, incluindo vários blocos enormes, permaneceram intocados, assim como os objetos do palácio e os utensílios de cerâmica da gigantesca cozinha de Cancuén. Todavia, para os pesquisadores que vêm exumando indícios ao longo dos últimos anos, a mensagem dos invasores é clara. Ao lançar corpos na cisterna, “eles envenenaram o poço”, conta o arqueólogo Arthur Demarest. Também rasparam os traços de todas as fisionomias esculpidas nos monumentos de pedra de Cancuén e os derrubaram, com o rosto voltado para o chão. “O local”, comenta Demarest, “foi ritualmente morto”.
	Cancuén foi um dos últimos centros importantes a cair, no vale do rio Pasión, localizado no antigo território maia, nos limites da atual Guatemala. A civilização que dominara a região por cinco séculos começava seu prolongado e inelutável declínio.
	Enquanto ataques militares ocasionaram a destruição de algumas cidades-Estado, outras apenas foram minguando. Os Kuhul Ajaw, senhores sagrados, que haviam celebrado suas façanhas em murais, esculturas e edifícios, deixaram de encomendar obras. As exibições publicas da escrita hieroglífica tornaram-se escassas, e quase sumiram dos monumentos as datas referentes ao calendário chamado de Contagem Longa. A população sofreu drástica redução. Os nobres deixaram os palácios, ocupados por gente comum. Depois, mesmo esses ocupantes foram embora, e a selva retomou o resto.
	Em outros pontos das terras baixas do Petén, na Guatemala e no sul do México, o colapso prolongou-se por mais tempo. Mesmo por ocasião da queda de Cancuén, os soberanos da grande cidade-Estado de Tikal, na região norte de Petén, erguiam edifícios cerimoniais. No entanto, 30 anos depois, também a população de Tikal começou a minguar rapidamente. O derradeiro monumento ali erguido data de 869. E no ano 1000 chegou ao fim do período clássico dos maias.
Altos custos – A ampliação da elite da 
sociedade maia aumentou a demanda
 por objetos de luxo e rituais complexos.
 Os nobres, no México, usavam roupas
 com plumas, jade, conchas e cocares. 
O jogo de bola maia, às vezes praticado como
 uma guerra ritualizada, requeria o uso de protetores - 
e podia terminar com a decapitação dos perdedores.
 	Há uma questão que fascina os estudiosos e o publico desde que os exploradores do século 19 descobriram as primeiras “cidades perdidas”, na região de Petén: como é possível que uma das grandes civilizações do mundo antigo acabou simplesmente desaparecendo?
	As primeiras especulações revolviam em torno de alguma catástrofe repentina, como explosão vulcânica, terremoto ou furacão. Ou talvez uma doença misteriosa, de impossível identificação hoje – algo como a peste negra na Europa medieval ou a varíola que dizimou as populações indígenas logo após a chegada dos europeus ao Novo Mundo. Os estudiosos, contudo, descartam essas hipóteses baseadas em um único acontecimento, pois, afinal, o colapso estendeu-se por pelo menos dois séculos. Em vez disso, passaram a considerar conjuntos de problemas que afligiam diversas regiões do mundo maia, entre os quais superpopulação, danos ambientais, fome e seca.
	Eles também concentraram-se no único fator que parece ter estado presente durante todo o longo declínio: à medida que os recursos se tornavam escassos, os kahul ajaw perderam seu prestigio divino e, com isso, a confiança dos súditos, tanto das camadas nobres como das populares. A instabilidade e o desespero, por sua vez, levaram a conflitos cada vez mais destrutivos.
	Por mais de um milênio, os maias haviam confiado seu bem-estar temporal e religioso aos soberanos divinizados. Estes exibiam seu poder e sua majestade em cerimônias e rituais ostentatórios, em arte e arquitetura opulentas, e em registros escritos de seus triunfos, inscritos em pedra, murais ou objetos de cerâmica.
Tais luxos como beber chocolate temperado
em comemorações luxuosas, podem ter impedido a elite
maia de reconhecer a aproximação das calamidades.
	O sistema prosperou – e, na verdade, seus excessos propiciaram as realizações artísticas e os conhecimentos que fizeram dos maias uma das grandes culturas do mundo antigo - enquanto a terra conseguia atender às necessidades básicas da população. No inicio isso era fácil, pois as cidades eram pequenas e os recursos relativamente abundantes, mas, com o passar do tempo, o crescimento demográfico, a ampliação da nobreza e a rivalidade entre as cidades-Estado passaram a exercer uma pressão cada vez maior sobre o meio ambiente.
	Hoje, a região de Petén, a maior província da Guatemala em termos geográficos, possui 367 mil habitantes, que vivem em vilarejos isolados e dispersos pela densa mata. No século 8, segundo algumas estimativas, nada menos que 10 milhões de pessoas habitavam as terras baixas maias. Então, a paisagem era uma sequencia quase ininterrupta de áreas intensamente cultivadas, jardins e vilarejos, unidos por uma rede de trilhas e caminhos pavimentados que interligavam as monumentais cidades-Estado.
	Os agricultores maias conheciam bem as refinadas técnicas para aproveitar ao máximo a capacidade dos frágeis solos tropicais. Mas, a partir do século 9, como se comprova pela análise dos sedimentos em leitos de lagos, uma série de prolongadas secas abateu-se sobre o mundo maia, prejudicando sobretudo cidades como Tikal, que dependiam da chuva tanto para suas reservas de água potável, como para revigorar os terrenos pantanosos nos quais eram cultivados alimentos. Possivelmente a escassez de água não afetou tanto os portos fluviais como Cancuén, mas em grande parte da região maia os sedimentos lacustres também revelam antigas camas de solo erodido, uma consequência do desmatamento e do uso excessivo da terra.
	Quando se desencadeou a crise, os kuhul ajaw pouco puderam fazer em beneficio da população.A monocultura – o cultivo intensivo de um tipo básico de alimento, que pudesse ser acumulado e guardado para as épocas de escassez ou para trocas – não era viável na floresta tropical. Em vez disso, cada cidade-Estado produzia em pouca quantidade grande variedade de alimentos, como milho, feijão, abóbora e cacau. Havia o suficiente, pelo menos no inicio, para alimentar a população, mas não sobrava nada.
	Ao mesmo tempo, a sociedade maia testemunhava o perigoso crescimento de sua camada dirigente. Com o tempo, a poligamia da elite e o casamento entre famílias reais incharam as fileiras do grupo dominante. Com isso cresceu a demanda por jade, conchas, plumas da exótica ave quetzal, requintados objetos de cerâmica e outros dispendiosos adereços cerimoniais essenciais para que os senhores afirmassem sua posição no cosmo maia.
	A tradicional rivalidade entre as cidades-Estado só piorou essa situação. Os kuhul ajaw esforçavam-se para superar seus vizinhos, erguendo templos cada vez mais altos, palácios cada vez mais luxuosos e encenando cerimoniais publicas cada vez mais complexas. Tudo isso requeria mais mão de obra, que por sua vez dependia do crescimento demográfico e, talvez, de guerras por meio das quais cobrar, dos inimigos vencidos, tributos sob a forma de trabalhadores cativos. Sob tantas pressões, o sistema político maia começou a ratear.
	A maior rivalidade de todas ajudou a levar ao seu auge os maias do período clássico - mas em seguida dilacerou o mundo que haviam criado. A partir do século 5, a cidade-Estado de Tikal, provavelmente estimulada por uma aliança com a poderosa cidade Teotihuacan, no planalto mexicano, ampliou sua influência, arregimentando aliados e Estados vassalos em um território que, mais ao sul, ia do vale do rio Pasión até Copán, na atual Honduras. Um século depois surgiu outra potência: a cidade-Estado setentrional de Calakmul, situada nas planícies da atual região mexicana de Campeche, articulou uma aliança de cidades ao longo de toda a região de Petén, ao norte da península de Yacután, e a leste, até a atual Belize. Os dois grandes blocos defrontaram-se em um conflito que durou mais de 130 anos.
	Esse período assinalou a época dourada do período clássico da civilização maia. Os kuhul ajaw estavam em pleno florescimento nesse dois grandes blocos, competindo em termos de objetos artísticos e monumentos, assim como em guerras frequentes mas limitadas. Em uma importante batalha em 562, Calakmul derrotou Tikal, mas não destruiu a cidade vencida nem massacrou sua população. Com o tempo Tikal recuperou-se e venceu Calakmul, construindo em seguida muitos de seus monumentos mais espetaculares.
	Simon Martin - com Nikolai Grube, da universidade de Bonn – compara a rivalidade entre Tikal e Calakmul à disputa entre Estados Unidos e União Soviética no século 20, quando tentavam superar-se em áreas que iam dos armamentos à corrida espacial. Uma vez que nenhum dos lados jamais seria capaz de alcançar uma posição de superioridade, pode-se argumentar que a Guerra Fria resultou em uma espécie de estabilidade - e o mesmo ocorreu no mundo maia. “Havia destruição em razão dessa rivalidade”, diz o arqueólogo guatemalteco Héctor Escobedo. “Mas também havia certo equilíbrio.”
	Mas isso não durou muito. Para Martin, é possível que o equilíbrio fosse intrinsecamente instável. Ou talvez um ambiente muito tenso tornou-se afinal insustentável pelas orgulhosas potências maias, desencadeando uma irremediável explosão de hostilidade. Seja como for, o colapso começou na pequena cidade-Estado de Dos Pilas, nas proximidades do rio Pasión, ao sul de Cancuén.
	Em 630, na tentativa de reforçar sua presença ao longo das rotas mercantis do rio Pasión, rotas cada vez mais dominadas por Calakmul, Tikal reforçou um posto avançado que havia nas cercanias de duas nascentes de água – pilas, em espanhol. Além dessas fontes de água, pouco mais havia no local. Em Dos Pilas não se cultivava nem se vendia nada. Para os estudiosos trata-se de um “estado predador”, pois dependia dos tributos pagos pelas áreas circundantes. Ali a guerra não era apenas um ritual para glorificar os soberanos e aplacar os deuses. A guerra era o meio de sobrevivência dos moradores de Dos Pilas.
	A história de violência e duplicidade do reino começou quando, em 635, Tikal instalou um de seus príncipes, Balaj Chan Kawill, no governo de Dos Pilas. As tropas ergueram uma capital de aparência opulenta para o jovem príncipe, usando fachadas esculpidas para disfarçar estruturas frágeis. Em 658, no entanto, Calakmul invadiu Dos Pilas e Balaj Cahan Kawiil foi obrigado a exilar-se.
	Sabemos o que houve em seguida graças a um raio que, durante uma tempestade, há seis anos, derrubou uma árvore em Dos Pilas, revelando a existência de uma escadaria esculpida sob suas raízes. As inscrições na escada revelam que Balaj Chan Kawiil retornou dois anos após ter sido exilado - dessa vez como representante de Calakmul. No decorrer das duas décadas seguintes, o soberano vira-casaca de Dos Pilas ajudaria Calakmul a consolidar seu controle do vale do rio Pasión. Em seguida, Calakmul enviou-lhe a conta de sua sobrevida política: Balaj Chan Kawiil recebeu ordens para investir contra seu próprio irmão, soberano em Tikal.
	Em 679, ele atacou sua cidade natal. “Os crânios empilhados formaram montanhas e correram rios de sangue”, relatam os hieróglifos da escada. Balaj Chan Kawiil saiu vencedor, e seu irmão morreu. A vitória marcou o apogeu do poderia de Calakmul e conferiu a Dos Pilas o domínio do Petexbatiún, a parte meridional de Petén.
	Tikal sobreviveu, recuperou-se e menos de 20 anos depois atacou e derrotou Calakmul. Esculturas de estuque na acrópole central de Tikal mostram um nobre de Calakmul prestes a ser sacrificado. Essa foi a derrota da qual Calakmul jamais se recuperou, mas Tikal também nunca mais recobrou seu vigor quando cressaram as guerras.
	O que ocorreu em seguida não é muito claro. Embora Calakmul tenha sido vencida, os aliados da cidade, entre os quais Dos Pilas, continuaram a fustigar Tikal. E Dos Pilas consolidou sua hegemonia na área de Petexbatún por meio de alianças e guerras. Seus governantes encomendaram monumentos e construíram uma segunda capital.
	Todavia, em 761 acabou a onda de sorte para Dos Pilas. Antigos aliados e vassalos conquistaram a cidade e expulsaram seu governante. Dos Pilas jamais voltaria a ser recompor e, com seu fim, o mundo maia cruzou uma linha crucial. Dali em diante, em vez de restabelecer a ordem, as guerras só iriam gerar mais desordem; em vez de um único governante emergir em triunfo de uma batalha decisiva, cada conflito criava mais pretendentes ao poder.
	As derrotas levavam os moradores desesperados a demolir os edifícios cerimoniais, a fim de aproveitar as pedras no erguimento de barreiras para conter futuros invasores. Já não mais se reconstruíam e recuperavam as cidade: elas simplesmente deixavam de existir.
	Os Estados menores tentavam em vão se distinguir em meio ao caos generalizado. Em vez disso, tudo o que essas cidades em conflito conseguiam era obter vantagens temporárias em uma região cada vez mais desprovida de recursos. A população comum provavelmente escondia-se, fugia ou perecia.
	Por algum tempo, os nobres em fuga ainda encontraram refúgio em Cancuén, um tranquilo porto junto à nascente do rio Pasión. Mesmo quando outras cidades rio abaixo mergulhavam no caos durante o século 8, Cancuén prosperava com o comércio de objetos de luxo e alojamentos suntuosos para visitantes especiais. O arquiteto dessa era dourada foi o rei Taj Chan Ahk, que ascendeu ao trono em 757, com 15 anos. Cancuén tinha longa história como posto mercantil estratégico, mas Taj Chan Ahk transformou-a em espantoso centro cerimonial. Havia, no centro da cidade, um palácio real de 25 mil metros quadrados – com três andares, tetos abobadados e 11 pátios internos - , construído com pedra calcária em um promontório à beira do rio. Era cenário digno de um rei divino, e Taj Chan Ahk desempenhou com perfeição tal papel,mesmo que este estivesse desaparecendo em outras partes do mundo maia.
	Não há nenhum indício de que Taj Chan Ahk tenha alguma vez travado uma guerra ou mesmo vencido uma batalha. Em vez disso, conseguiu dominar a região superior do vale do rio Pasión durante quase quatro décadas por meio de apoios e alianças. 
	Taj Chan Ahk morreu em 795 e foi sucedido por seu filho, Kan Maax, que tentou superar o pai por meio da ampliação do palácio. Mas a pompa e o ritual – os antigos adereços da realeza – não mais eram capazes de manter coesão do universo maia. Bastaram cindo anos para que o caos afinal alcançasse os portões da cidade. E então, em um único e terrível dia, sua glória extinguiu-se, mais uma luz apagou-se no mundo clássico dos maias.
El Pochó, uma festa antes da quaresma, 
no México, mescla as crenças 
católicas dos conquistadores 
espanhóis com os duradouros costumes 
dos antigos maias.
Fatal Rivalidade
Os confrontos militares somaram-se a outros problemas - superpopulação, danos ambientais, gastos excessivos – 
que provocaram o declínio e o colapso da 
civilização maia do período clássico.
Certo dia no ano 800, a pacifica cidade maia de Cancuén, na atual Guatemala, foi tomada pelo caos e pela violência. O soberano, Kan Maax, certamente tinha alguma ideia do que teria que enfrentar, pois tentara erguer uma improvisada fortificação em torno de seu imenso palácio com 200 cômodos. Mas não pôde termina-la a tempo.
	Os atacantes avançaram rapidamente pelas defesas em volta da cidade a fluíram para o centro cerimonial de Cancuén. Mesmo hoje é evidente a velocidade com que se deu o ataque. Obras civis inconclusas jaziam em ruínas. Panelas e vasilhas estavam jogadas pelo chão da cozinha do palácio.
	A fúria dos invasores concentrou-se em 31 reféns. Pelas joias e adereços encontrados com seus restos mortais, sabemos que eram nobres, talvez da extensa família de Kan Maax, ou então membros de outras famílias reais, ali refugiados após a derrocada de suas cidades.
	Todos foram levados ao pátio cerimonial do palácio e ali executados de maneira sistemática. Usando lanças e machados, os forasteiros empalaram ou decapitaram suas vitimas. Em seguida, os corpos foram colocados na cisterna do palácio. Kan Maax e sua rainha não foram poupados. Ambos acabaram sepultados a 90 metros, sob 60 centímetros de entulho, que seria usado na reforma do palácio. O rei ainda usava requintado cocar e um colar de madrepérola que o identificava como o Sagrado Senhor de Cancuén.
	Ninguém sabe quem eram os matadores ou o que pretendiam. Não pareciam interessados em saquear a cidade. Cerca de 3 mil peças de jade, incluindo vários blocos enormes, permaneceram intocados, assim como os objetos do palácio e os utensílios de cerâmica da gigantesca cozinha de Cancuén. Todavia, para os pesquisadores que vêm exumando indícios ao longo dos últimos anos, a mensagem dos invasores é clara. Ao lançar corpos na cisterna, “eles envenenaram o poço”, conta o arqueólogo Arthur Demarest. Também rasparam os traços de todas as fisionomias esculpidas nos monumentos de pedra de Cancuén e os derrubaram, com o rosto voltado para o chão. “O local”, comenta Demarest, “foi ritualmente morto”.
	Cancuén foi um dos últimos centros importantes a cair, no vale do rio Pasión, localizado no antigo território maia, nos limites da atual Guatemala. A civilização que dominara a região por cinco séculos começava seu prolongado e inelutável declínio.
	Enquanto ataques militares ocasionaram a destruição de algumas cidades-Estado, outras apenas foram minguando. Os Kuhul Ajaw, senhores sagrados, que haviam celebrado suas façanhas em murais, esculturas e edifícios, deixaram de encomendar obras. As exibições publicas da escrita hieroglífica tornaram-se escassas, e quase sumiram dos monumentos as datas referentes ao calendário chamado de Contagem Longa. A população sofreu drástica redução. Os nobres deixaram os palácios, ocupados por gente comum. Depois, mesmo esses ocupantes foram embora, e a selva retomou o resto.
	Em outros pontos das terras baixas do Petén, na Guatemala e no sul do México, o colapso prolongou-se por mais tempo. Mesmo por ocasião da queda de Cancuén, os soberanos da grande cidade-Estado de Tikal, na região norte de Petén, erguiam edifícios cerimoniais. No entanto, 30 anos depois, também a população de Tikal começou a minguar rapidamente. O derradeiro monumento ali erguido data de 869. E no ano 1000 chegou ao fim do período clássico dos maias.
Altos custos – A ampliação da elite da 
sociedade maia aumentou a demanda
 por objetos de luxo e rituais complexos.
 Os nobres, no México, usavam roupas
 com plumas, jade, conchas e cocares. 
O jogo de bola maia, às vezes praticado como
 uma guerra ritualizada, requeria o uso de protetores - 
e podia terminar com a decapitação dos perdedores.
 	Há uma questão que fascina os estudiosos e o publico desde que os exploradores do século 19 descobriram as primeiras “cidades perdidas”, na região de Petén: como é possível que uma das grandes civilizações do mundo antigo acabou simplesmente desaparecendo?
	As primeiras especulações revolviam em torno de alguma catástrofe repentina, como explosão vulcânica, terremoto ou furacão. Ou talvez uma doença misteriosa, de impossível identificação hoje – algo como a peste negra na Europa medieval ou a varíola que dizimou as populações indígenas logo após a chegada dos europeus ao Novo Mundo. Os estudiosos, contudo, descartam essas hipóteses baseadas em um único acontecimento, pois, afinal, o colapso estendeu-se por pelo menos dois séculos. Em vez disso, passaram a considerar conjuntos de problemas que afligiam diversas regiões do mundo maia, entre os quais superpopulação, danos ambientais, fome e seca.
	Eles também concentraram-se no único fator que parece ter estado presente durante todo o longo declínio: à medida que os recursos se tornavam escassos, os kahul ajaw perderam seu prestigio divino e, com isso, a confiança dos súditos, tanto das camadas nobres como das populares. A instabilidade e o desespero, por sua vez, levaram a conflitos cada vez mais destrutivos.
	Por mais de um milênio, os maias haviam confiado seu bem-estar temporal e religioso aos soberanos divinizados. Estes exibiam seu poder e sua majestade em cerimônias e rituais ostentatórios, em arte e arquitetura opulentas, e em registros escritos de seus triunfos, inscritos em pedra, murais ou objetos de cerâmica.
Tais luxos como beber chocolate temperado
em comemorações luxuosas, podem ter impedido a elite
maia de reconhecer a aproximação das calamidades.
	O sistema prosperou – e, na verdade, seus excessos propiciaram as realizações artísticas e os conhecimentos que fizeram dos maias uma das grandes culturas do mundo antigo - enquanto a terra conseguia atender às necessidades básicas da população. No inicio isso era fácil, pois as cidades eram pequenas e os recursos relativamente abundantes, mas, com o passar do tempo, o crescimento demográfico, a ampliação da nobreza e a rivalidade entre as cidades-Estado passaram a exercer uma pressão cada vez maior sobre o meio ambiente.
	Hoje, a região de Petén, a maior província da Guatemala em termos geográficos, possui 367 mil habitantes, que vivem em vilarejos isolados e dispersos pela densa mata. No século 8, segundo algumas estimativas, nada menos que 10 milhões de pessoas habitavam as terras baixas maias. Então, a paisagem era uma sequencia quase ininterrupta de áreas intensamente cultivadas, jardins e vilarejos, unidos por uma rede de trilhas e caminhos pavimentados que interligavam as monumentais cidades-Estado.
	Os agricultores maias conheciam bem as refinadas técnicas para aproveitar ao máximo a capacidade dos frágeis solos tropicais. Mas, a partir do século 9, como se comprova pela análise dos sedimentos em leitos de lagos, uma série de prolongadas secas abateu-se sobre o mundo maia, prejudicando sobretudo cidades como Tikal, que dependiam da chuva tanto para suas reservas de água potável, como para revigorar os terrenospantanosos nos quais eram cultivados alimentos. Possivelmente a escassez de água não afetou tanto os portos fluviais como Cancuén, mas em grande parte da região maia os sedimentos lacustres também revelam antigas camas de solo erodido, uma consequência do desmatamento e do uso excessivo da terra.
	Quando se desencadeou a crise, os kuhul ajaw pouco puderam fazer em beneficio da população. A monocultura – o cultivo intensivo de um tipo básico de alimento, que pudesse ser acumulado e guardado para as épocas de escassez ou para trocas – não era viável na floresta tropical. Em vez disso, cada cidade-Estado produzia em pouca quantidade grande variedade de alimentos, como milho, feijão, abóbora e cacau. Havia o suficiente, pelo menos no inicio, para alimentar a população, mas não sobrava nada.
	Ao mesmo tempo, a sociedade maia testemunhava o perigoso crescimento de sua camada dirigente. Com o tempo, a poligamia da elite e o casamento entre famílias reais incharam as fileiras do grupo dominante. Com isso cresceu a demanda por jade, conchas, plumas da exótica ave quetzal, requintados objetos de cerâmica e outros dispendiosos adereços cerimoniais essenciais para que os senhores afirmassem sua posição no cosmo maia.
	A tradicional rivalidade entre as cidades-Estado só piorou essa situação. Os kuhul ajaw esforçavam-se para superar seus vizinhos, erguendo templos cada vez mais altos, palácios cada vez mais luxuosos e encenando cerimoniais publicas cada vez mais complexas. Tudo isso requeria mais mão de obra, que por sua vez dependia do crescimento demográfico e, talvez, de guerras por meio das quais cobrar, dos inimigos vencidos, tributos sob a forma de trabalhadores cativos. Sob tantas pressões, o sistema político maia começou a ratear.
	A maior rivalidade de todas ajudou a levar ao seu auge os maias do período clássico - mas em seguida dilacerou o mundo que haviam criado. A partir do século 5, a cidade-Estado de Tikal, provavelmente estimulada por uma aliança com a poderosa cidade Teotihuacan, no planalto mexicano, ampliou sua influência, arregimentando aliados e Estados vassalos em um território que, mais ao sul, ia do vale do rio Pasión até Copán, na atual Honduras. Um século depois surgiu outra potência: a cidade-Estado setentrional de Calakmul, situada nas planícies da atual região mexicana de Campeche, articulou uma aliança de cidades ao longo de toda a região de Petén, ao norte da península de Yacután, e a leste, até a atual Belize. Os dois grandes blocos defrontaram-se em um conflito que durou mais de 130 anos.
	Esse período assinalou a época dourada do período clássico da civilização maia. Os kuhul ajaw estavam em pleno florescimento nesse dois grandes blocos, competindo em termos de objetos artísticos e monumentos, assim como em guerras frequentes mas limitadas. Em uma importante batalha em 562, Calakmul derrotou Tikal, mas não destruiu a cidade vencida nem massacrou sua população. Com o tempo Tikal recuperou-se e venceu Calakmul, construindo em seguida muitos de seus monumentos mais espetaculares.
	Simon Martin - com Nikolai Grube, da universidade de Bonn – compara a rivalidade entre Tikal e Calakmul à disputa entre Estados Unidos e União Soviética no século 20, quando tentavam superar-se em áreas que iam dos armamentos à corrida espacial. Uma vez que nenhum dos lados jamais seria capaz de alcançar uma posição de superioridade, pode-se argumentar que a Guerra Fria resultou em uma espécie de estabilidade - e o mesmo ocorreu no mundo maia. “Havia destruição em razão dessa rivalidade”, diz o arqueólogo guatemalteco Héctor Escobedo. “Mas também havia certo equilíbrio.”
	Mas isso não durou muito. Para Martin, é possível que o equilíbrio fosse intrinsecamente instável. Ou talvez um ambiente muito tenso tornou-se afinal insustentável pelas orgulhosas potências maias, desencadeando uma irremediável explosão de hostilidade. Seja como for, o colapso começou na pequena cidade-Estado de Dos Pilas, nas proximidades do rio Pasión, ao sul de Cancuén.
	Em 630, na tentativa de reforçar sua presença ao longo das rotas mercantis do rio Pasión, rotas cada vez mais dominadas por Calakmul, Tikal reforçou um posto avançado que havia nas cercanias de duas nascentes de água – pilas, em espanhol. Além dessas fontes de água, pouco mais havia no local. Em Dos Pilas não se cultivava nem se vendia nada. Para os estudiosos trata-se de um “estado predador”, pois dependia dos tributos pagos pelas áreas circundantes. Ali a guerra não era apenas um ritual para glorificar os soberanos e aplacar os deuses. A guerra era o meio de sobrevivência dos moradores de Dos Pilas.
	A história de violência e duplicidade do reino começou quando, em 635, Tikal instalou um de seus príncipes, Balaj Chan Kawill, no governo de Dos Pilas. As tropas ergueram uma capital de aparência opulenta para o jovem príncipe, usando fachadas esculpidas para disfarçar estruturas frágeis. Em 658, no entanto, Calakmul invadiu Dos Pilas e Balaj Cahan Kawiil foi obrigado a exilar-se.
	Sabemos o que houve em seguida graças a um raio que, durante uma tempestade, há seis anos, derrubou uma árvore em Dos Pilas, revelando a existência de uma escadaria esculpida sob suas raízes. As inscrições na escada revelam que Balaj Chan Kawiil retornou dois anos após ter sido exilado - dessa vez como representante de Calakmul. No decorrer das duas décadas seguintes, o soberano vira-casaca de Dos Pilas ajudaria Calakmul a consolidar seu controle do vale do rio Pasión. Em seguida, Calakmul enviou-lhe a conta de sua sobrevida política: Balaj Chan Kawiil recebeu ordens para investir contra seu próprio irmão, soberano em Tikal.
	Em 679, ele atacou sua cidade natal. “Os crânios empilhados formaram montanhas e correram rios de sangue”, relatam os hieróglifos da escada. Balaj Chan Kawiil saiu vencedor, e seu irmão morreu. A vitória marcou o apogeu do poderia de Calakmul e conferiu a Dos Pilas o domínio do Petexbatiún, a parte meridional de Petén.
	Tikal sobreviveu, recuperou-se e menos de 20 anos depois atacou e derrotou Calakmul. Esculturas de estuque na acrópole central de Tikal mostram um nobre de Calakmul prestes a ser sacrificado. Essa foi a derrota da qual Calakmul jamais se recuperou, mas Tikal também nunca mais recobrou seu vigor quando cessaram as guerras.
	O que ocorreu em seguida não é muito claro. Embora Calakmul tenha sido vencida, os aliados da cidade, entre os quais Dos Pilas, continuaram a fustigar Tikal. E Dos Pilas consolidou sua hegemonia na área de Petexbatún por meio de alianças e guerras. Seus governantes encomendaram monumentos e construíram uma segunda capital.
	Todavia, em 761 acabou a onda de sorte para Dos Pilas. Antigos aliados e vassalos conquistaram a cidade e expulsaram seu governante. Dos Pilas jamais voltaria a ser recompor e, com seu fim, o mundo maia cruzou uma linha crucial. Dali em diante, em vez de restabelecer a ordem, as guerras só iriam gerar mais desordem; em vez de um único governante emergir em triunfo de uma batalha decisiva, cada conflito criava mais pretendentes ao poder.
	As derrotas levavam os moradores desesperados a demolir os edifícios cerimoniais, a fim de aproveitar as pedras no erguimento de barreiras para conter futuros invasores. Já não mais se reconstruíam e recuperavam as cidade: elas simplesmente deixavam de existir.
	Os Estados menores tentavam em vão se distinguir em meio ao caos generalizado. Em vez disso, tudo o que essas cidades em conflito conseguiam era obter vantagens temporárias em uma região cada vez mais desprovida de recursos. A população comum provavelmente escondia-se, fugia ou perecia.
	Por algum tempo, os nobres em fuga ainda encontraram refúgio em Cancuén, um tranquilo porto junto à nascente do rio Pasión. Mesmo quando outras cidades rio abaixo mergulhavam no caos durante o século 8, Cancuén prosperava com o comércio de objetos de luxo e alojamentos suntuosos para visitantes especiais. O arquiteto dessa era dourada foi o rei Taj Chan Ahk, que ascendeu ao trono em 757, com 15 anos. Cancuén tinhalonga história como posto mercantil estratégico, mas Taj Chan Ahk transformou-a em espantoso centro cerimonial. Havia, no centro da cidade, um palácio real de 25 mil metros quadrados – com três andares, tetos abobadados e 11 pátios internos - , construído com pedra calcária em um promontório à beira do rio. Era cenário digno de um rei divino, e Taj Chan Ahk desempenhou com perfeição tal papel, mesmo que este estivesse desaparecendo em outras partes do mundo maia.
	Não há nenhum indício de que Taj Chan Ahk tenha alguma vez travado uma guerra ou mesmo vencido uma batalha. Em vez disso, conseguiu dominar a região superior do vale do rio Pasión durante quase quatro décadas por meio de apoios e alianças. 
	Taj Chan Ahk morreu em 795 e foi sucedido por seu filho, Kan Maax, que tentou superar o pai por meio da ampliação do palácio. Mas a pompa e o ritual – os antigos adereços da realeza – não mais eram capazes de manter coesão do universo maia. Bastaram cindo anos para que o caos afinal alcançasse os portões da cidade. E então, em um único e terrível dia, sua glória extinguiu-se, mais uma luz apagou-se no mundo clássico dos maias.
El Pochó, uma festa antes da quaresma, 
no México, mescla as crenças 
católicas dos conquistadores 
espanhóis com os duradouros costumes 
dos antigos maias.
GUGLIOTTA, Guy. Maias Apogeu e Ruina de um povo. pp. 38 á 75
Revista National Geographic – Brasil – Agosto de 2007.

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