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13. RETALHOS.pdf

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RRRREEEETTTTAAAALLLLHHHHOOOOSSSS 
 
 
Colagem de textos de diversos autores 
 
 
 
Texto de: 
JULIO CARRARA 
 
 
Escrita em 2002 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 1111 
 
 
 
PERSONAGENS: 
AMIGA 1 
AMIGA 2 
ATOR 
GAROTO 
HAMLET 
CAMILA 
KLEBER 
MÃE 
PAI 
MAÍRA 
BRUNO 
BETÃO 
AMIGO 1 
AMIGO 2 
SENHORA 
MENINO 
GARÇOM 
MENDIGO 1 
MENDIGO 2 
MENINA 
DENTISTA 
SECRETÁRIA 
PACIENTE 
JOVEM 
MENINOS E MENINAS 
 
CENÁRIO: Palco nu. Apenas alguns elementos de cenografia como cadeiras e 
mesas com rodinhas e que deverão entrar e sair conforme indicação do texto. 
 
 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 2222 
 
 
 
PRÓLOGO 
(Os atores entram em cena e sentam-se nas cadeiras. Olham para frente. No áudio 
ouvimos o bater de bola de um jogo de tênis ou pingue-pongue. Coreograficamente, 
olham para os movimentos da bola: direita, esquerda, direita, esquerda. Os gestos são 
mecânicos, precisos e a expressão facial neutra. Pausa. Novo ruído de sonoplastia, 
desta vez um filme de terror. Os atores, agora como plateia de cinema, pegam 
saquinhos de pipocas. Fazem expressões de espanto, pânico, etc. Pausa. Filme 
dramático. Atores puxam um lenço da camisa e choram. Pausa. Muda o filme e desta 
vez é uma comédia maluca. Atores riem histericamente até perderem o fôlego. Luz vai 
descendo em resistência. A cena fica na penumbra. Os atores saem de cena, levando 
cada um a sua cadeira para a coxia. Enquanto monta-se a cena seguinte, ouve-se no 
áudio, um “Aforismo” de Oscar Wilde.) 
 
GRAVAÇÃO 
Que sorte tem os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de 
uma tragédia ou uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou 
derramar lágrimas; isso não acontece na vida real. Quase todos os homens e 
mulheres são forçados a desempenhar papeis pelos quais não se tem a menor 
propensão. O mundo é um palco, mas os papeis foram mal distribuídos. Oscar 
Wilde. 
 
CENA 1 
(Concepção de Julio Carrara.) 
 
(Duas amigas conversam.) 
 
AMIGA 1 
Sou tão sem graça que não consigo um namorado. 
 
 
 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 3333 
 
 
AMIGA 2 
Por que você não vai a um bom salão de beleza e manda que lhe façam 
um penteado diferente? 
 
AMIGA 1 
Sim, mas isso custa muito dinheiro. 
 
AMIGA 2 
Bem, então que tal a ideia de comprar uma revista que tenha sugestões 
para diferentes penteados que possam ser feitos por você mesma? 
 
AMIGA 1 
Sim, mas eu já tentei isso – e meu cabelo é fino demais. Não para 
penteado. Fazendo um coque, ele pelo menos parece normal. 
 
AMIGA 2 
Que tal então mudar a maquiagem para melhor realçar as suas feições? 
 
AMIGA 1 
Sim, mas a minha pele é alérgica. Tentei uma vez e não deu certo. 
 
AMIGA 2 
Bem, já existem muitos produtos não alérgicos. De qualquer forma, por 
que você não vai a um dermatologista? 
 
AMIGA 1 
Sim, mas eu sei o que ele dirá. Vai dizer que não como direito. Sei que 
como muita coisa que não presta e que minhas refeições não são equilibradas. 
É o que acontece quando se mora sozinha. E... bem, a beleza está na saúde 
interna. 
 
 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 4444 
 
 
AMIGA 2 
Bem, isso é verdade. Talvez ajudasse se você entrasse em algum curso 
de educação de adultos. Conhecer um pouco de arte, ou saber o que se passa 
pelo mundo ajuda a pessoa a conversar bem. 
 
AMIGA 1 
Sim, mas esses cursos são todos à noite. E depois do trabalho eu me 
sinto completamente exausta. 
 
AMIGA 2 
Bem, faça então um curso por correspondência. 
 
AMIGA 1 
Sim, mas não tenho tempo nem de escrever para os meus pais. Como é 
que poderia encontrar tempo para fazer um curso por correspondência? 
 
AMIGA 2 
Você acharia tempo, se achasse que era algo importante. 
 
AMIGA 1 
Sim, mas pra você, isso é fácil dizer, por que tem tanta energia. Eu não. 
Vivo morta de cansada. 
 
AMIGA 2 
Por que você não dorme de noite? Não é de se admirar que viva 
cansada, assistindo todas as noites ao último filme da TV. 
 
AMIGA 1 
Sim, mas eu tenho que me divertir. E só resta uma coisa dessas, quando 
a pessoa é tão sem graça como eu! 
 
(Saem.) 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 5555 
 
 
CENA 2 
(Poema “Solidão”, de Federico García Lorca.) 
 
(Entra um ator e declama a poesia.) 
 
ATOR 
Solidão pensativa 
Sobre pedra e roseira, morte e desvelo 
Onde livre e cativa 
Fixa em seu branco vôo, 
Canta a luz ferida pelo gelo 
 
Solidão com estilo 
De silêncio sem fim e arquitetura, 
Onde a planta suspensa 
Da ave na espessura 
Não consegue cravar-te a carne escura 
Em ti deixo esquecida 
A frenética chuva de minhas veias 
Minha cintura coalhada 
E rompendo cadeias, 
Rosa débil serei pelas areias 
 
Rosa de minha nudez 
Sobre panos de cal e surdo fogo, 
Quando já roto o nó, 
Limpo de lua e cego 
Cruze tuas finas ondas de sossego. 
 
Na curva do rio 
O duplo cisne sua brancura canta 
Úmida voz sem frio 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 6666 
 
 
Flui de sua garganta, 
E pelos juncos roda e se levanta. 
 
Com sua rosa de farinha 
Menino despido mede a ribeira, 
Enquanto o bosque afina 
Sua música primeira 
Em rumor de cristais e madeira. 
 
Coros de sempre-vivas, 
Giram loucos pedindo eternidades. 
Seus sinais expressivos 
Ferem as duas metades 
Do mapa que ressuma solidões 
 
A harpa e seu lamento 
Preso em nervos de metal dourado, 
Tão doce instrumento 
Ressonante ou delgado 
Busca, ó solidão, teu reino gelado. 
No entanto, tu, inacessível 
À verde lepra do som, 
Não há altura possível 
Nem lábio conhecido 
Por onde chegue a ti nosso gemido. 
 
Federico García Lorca. 
 
 
 
 
 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 7777 
 
 
CENA 3 
(Extraído da cena “Meu time só perde...”, do livro “Teatro Vivo na Escola”, de Ana 
Lúcia Cavalieri.) 
 
(Garoto sentado à escrivaninha. À sua volta, livros, cadernos, material escolar. Ele 
abre um livro, tira uma fotografia e conversa com ela.) 
 
GAROTO 
Isso é que é viver? Estar aqui, sentado numa cadeira, lendo, escrevendo, 
estudando, me preparando pras provas, provas, provas e provas?! 
Conhecendo coisas do mundo, da vida, mas vendo tudo acontecer longe de 
mim... Minha vida continua a mesma chatice. Estou cansado de fazer sempre 
as mesmas coisas, conversar com as mesmas pessoas... Fico deprimido quando 
paro e penso que a vida tá passando e nunca me aconteceu nada de muito 
importante ou alguma coisa que me marcasse... Que adianta gostar de você, 
Marília? Você nem olha pra mim, nunca fala comigo, nem sabe que eu existo! 
Há três anos caímos na mesma classe e, quando fazemos parte da mesma 
equipe, penso em me aproximar de você e até me declarar. Mas como? Se sou 
tímido... feio e atrapalhado?! Só sei que você nunca vai me querer. Meu time 
só perde; não jogo futebol, não sei dançar, não consigo “ficar”... Lá na classe 
eles ficam rindo de mim. Tô sempre por fora... Às vezes penso que sou apenas 
um ponto de tangência, entre uma retaqualquer e o planeta. 
 
(Guarda a foto no livro e sai de cena.) 
 
 
CENA 4 
(Extraído de “Hamlet”, de William Shakespeare. Ato III, 
Cena I.) 
 
 
 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 8888 
 
 
HAMLET 
Ser ou não ser, eis a questão! O que será mais justo para a consciência: 
sofrer os golpes e as pontadas de um destino injusto, ou enfrentar de armas 
nas mãos esse mar de desgraças, e lutando acabar com elas? Morrer. Dormir, 
nada mais. E dizer que esse sono põe termo a todas as angústias do coração, e 
às mil ofensas naturais que a carne traz em si própria! Eis um final que todos 
deveríamos desejar intensamente: morrer... dormir... Sonhar, talvez... Sim, essa 
é a dúvida! Que sonho vamos ter nesse sono de morte, depois de cortado o fio 
da existência? Eis um pensamento que nos faz parar; eis a causa da nossa 
paciência diante de anos e anos tão amargos. Se assim não fosse, quem 
suportaria os insultos e as burlas dos tempos, os crimes das ditaduras, a 
empáfia dos poderosos, a tristeza de amar sem ser correspondido, a lentidão 
da justiça, os arbítrios da autoridade, o escárnio dos indignos à modéstia dos 
sábios?... Quem suportaria isso, sabendo que pode encontrar o descanso na 
ponta de uma faca? Quem carregaria esse fardo, gemendo e suando sob o peso 
da vida, se não fosse o receio de alguma coisa depois da morte que confunde a 
nossa vontade, e que nos faz preferir os males presentes aos futuros e 
desconhecidos? De cada um de nós a consciência faz um covarde. A cor viva 
do instinto empalidece à luz do pensamento. E, desta forma, 
empreendimentos de grande energia e importância mudam de rumo e se 
tornam indignos até do nome de ação. “Hamlet” – William Shakespeare. 
 
(Sai.) 
 
CENA 5 
(Concepção de Julio Carrara.) 
 
(UMA RUA. NO CENTRO DO PALCO ESTÁ UM CARRINHO DE 
BRINQUEDO. ENTRA UM GAROTO. SE APROXIMA DO CENTRO COM O 
OBJETIVO DE “RAPTAR” O BRINQUEDO. QUANDO VAI PEGÁ-LO, 
APARECE UMA MULHER EMPURRANDO UM CARRINHO DE BEBÊ. ELE 
DISFARÇA. A MULHER SAI DE CENA. O GAROTO TENTA NOVAMENTE, 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 9999 
 
 
MAS DISFARÇA, POIS VÊ UM MENINO PASSEANDO COM O 
CACHORRINHO. CADA VEZ QUE O GAROTO SE APROXIMA DO 
BRINQUEDO, APARECE ALGUÉM SUSPEITO. FICA A CARGO DA 
DIREÇÃO OS PERSONAGENS QUE APARECERÃO EM CENA. QUANDO O 
GAROTO PERCEBE QUE ESTÁ SÓ, FINGE NÃO ESTAR SE IMPORTANDO 
COM O BRINQUEDO E VIRA DE COSTAS PARA ELE. NESSE MEIO TEMPO, 
APARECE UM 2º GAROTO, QUE PEGA O BRINQUEDO E SAI CORRENDO. 
O GAROTO VIRA-SE DE COSTAS PARA PEGAR O CARRINHO E QUANDO 
VÊ QUE O BRINQUEDO NÃO ESTÁ MAIS LÁ, FICA COM CARA DE TACHO 
E SAI DE CENA, FRUSTRADO) 
 
CENA 6 
 
(Extraído da cena “Nenhum filho meu é viciado em drogas!”, do livro “Drogas e 
Prevenção – A Cena e a Reflexão” 
de Ana Lúcia Cavalieri e Antonio Carlos Egypto.) 
 
(Mãe entra, puxando pelo braço Bruno, o caçula de seus quatro filhos. Desabafa, 
dirigindo-se a Maíra, outra filha.) 
 
MÃE 
Será possível? Meus filhos, um bando de alienados? O Marco não sai da 
internet e ainda deu pra contar mentiras! Hoje, se fez passar por um 
empresário de 40 anos; ontem foi uma perua, uma loura oxigenada! E você, 
Bruno, segue o mesmo caminho. (Solta o braço do filho.) Não desgruda um 
minuto do videogame, aliás, desgruda sim, só pra tomar refrigerante. 
 
BRUNO 
Refri, não, mãe! Coca ou Pepsi-Cola! Por mim eu colocava litros dentro 
do filtro e não tomava mais água. 
 
 
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MÃE 
Não fale isso, menino! Tá ficando louco? Ninguém vive sem água. 
 
MAÍRA 
O Bruno quer provar o contrário. O negócio dele é a cola! Imagine, 
refrigerante no filtro... Viva a celulite! Meu Deus, quantas calorias! Milhares, o 
dia inteiro. 
 
BRUNO 
Você é louca! Só vê calorias, calorias, calorias! 
 
MAÍRA 
Olha aqui, pirralho, eu cuido da minha estética, não quero ficar “balofa” 
como alguns... 
 
MÃE 
Maíra, olha o respeito com o seu irmão. 
 
BRUNO 
Há, há, há... estética! Estética da fome, como disse o tio Pedro. Você tá 
parecendo um bicho magro, esfomeado! 
 
MAÍRA 
Gordo! 
 
BRUNO 
Tribufu! Não tem mais nada pra emagrecer, parece um esqueleto 
ambulante! 
 
MAÍRA 
Mãe, eu vou arrebentar esse menino! 
 
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BRUNO 
(Provocando.) Com que força? 
 
MÃE 
(Nervosa.) Chega! Parem já com essa discussão! Dois irmãos brigando 
desse jeito! Não existe mais respeito entre vocês? Hein?! 
 
BRUNO 
Foi ela que começou a provocar. Implica comigo agora, mas antes era 
louca por chocolate, comia sem parar, não ficava um dia sem comer! 
 
MAÍRA 
Isso é passado. Minha vida agora é outra! 
 
MÃE 
Eu não sei, não! Deixou o chocolate, mas agora não vive sem os 
comprimidos para emagrecer! A sua bolsa parece uma farmácia, anda 
obcecada com a idéia de ficar magra. Isso faz mal, minha filha... Não é desse 
jeito que você vai manter a forma. É preciso ter uma alimentação balanceada, 
saudável, comer verduras... 
 
MAÍRA 
Não, mãe! Já vai começar? Você deveria ficar feliz com o meu regime 
pra emagrecer. Lá no colégio tem uma menina que emagreceu todos os quilos 
que queria, fazendo uma dieta diferente: cheirando cocaína! 
 
MÃE 
O quê? Que absurdo! A direção da escola sabe disso? Não, Maíra, não é 
possível uma loucura dessas. Deve ser história de adolescente. 
 
MAÍRA 
Cai na real, mãe! 
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MÃE 
Olhem aqui, meus filhos, vocês podem fazer muitas coisas com as quais 
eu não concordo, mas graças a Deus nenhum filho meu é viciado em drogas! 
Deus nos livre de uma desgraça dessas! 
 
(Entra Betão, o filho mais velho, frequentador de academias, musculoso, quase um 
halterofilista.) 
 
BETÃO 
Oi, mãe! (Olha para os irmãos.) Os dois já estão brigando de novo? É falta 
do que fazer! 
 
MAÍRA 
Olha quem fala! 
 
BRUNO 
O rascunho do Rambo! 
 
BETÃO 
O galinho de briga já está com o peito estufado! 
 
BRUNO 
Estufado tá você, e inteiro! Parece um boneco de plástico! (rindo) O Betão 
vai estufar até explodir e ficar parecendo um balão murcho, empapuçado! 
 
(Bruno e Maíra se olham, segurando o riso.) 
 
MÃE 
(À parte.) Segundo tempo! Vai começar tudo de novo... 
 
 
 
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BETÃO 
Ô bundão, eu tenho saúde, cuido do meu corpo, malho o dia inteiro 
numa academia! Não pareço um pão de queijo, nem um palito de dentes! (Ri.) 
 
MAÍRA 
(Irônica.) O Rambo plastificado tem saúde! Vive a poder de energéticos e 
anabolizantes! Não é só o seu coração que vai pifar, não, mas tem mais alguma 
coisa... 
 
MÃE 
Vamos parar! Pelo amor de Deus! É melhor cada um ir para o seu 
quarto! Meu Deus, o que eu fiz pra merecer isto? Onde foi que eu errei? (Os 
filhos vão saindo; a mãe fica só.) É por isso que não durmo! Esses filhos não me 
dão sossego! A minha insônia é eterna... (Lembra-se.) Nossa! Meus 
comprimidos acabaram! Tomei o último a noite passada... É preciso comprar 
outros, urgente! 
 
(Entra em cena o pai.) 
 
PAI 
A luta terminou? Nossa, que cara é essa? 
 
MÃE 
Amor, meu remédio pra dormir, acabou! Por favor,você precisa sair pra 
comprar... 
 
PAI 
O quê? Agora? É tarde! Por que não viu isso antes? Querida, você 
precisa parar com essa mania... (Procura alguma coisa nos bolsos da calça e da 
camisa. Fica nervoso.) Onde estão meus cigarros? Como? Já acabaram? Será que 
tem mais gente fumando nesta casa?! Não posso ficar sem cigarros! Vou ter 
que sair pra comprar... 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 14141414 
 
 
MÃE 
Então aproveite para comprar meu remédio. Aqui está a receita. 
 
(Entrega a receita para o pai. Ambos saem de cena.) 
 
 
CENA 7 
(Concepção de Julio Carrara.) 
 
(Consultório de dentista. O dentista está de costas para o público mexendo nos seus 
apetrechos. Na sala de estar, está a secretária. Entra em cena um paciente. Está com 
uma faixa enrolada no maxilar e resmunga de dor. Secretária confere na agenda o 
horário do paciente e o faz entrar. O paciente senta-se na cadeira do dentista e aguarda 
ansioso. O dentista vira-se de frente e põe-se a examinar a boca do paciente. Vai até o 
fundo e vem com uma enorme chave de fenda. Coloca a chave na boca do paciente, que 
berra de dor. Quando o doutor percebe que não aconteceu nada, pega uma furadeira e 
coloca-a na boca do cliente, que urra. O cliente está desesperado. O doutor, sem atingir 
êxito, pega uma banana de dinamite e enfia na boca do paciente. Este geme, mexe os 
braços. O doutor acende a dinamite e, tapa os ouvidos para não ouvir a explosão. A 
dinamite explode – o cliente cospe a banana, mas continua com dor de dente. Tempo. 
O doutor não sabe mais o que fazer. O paciente, sente alguma coisa estranha na boca. 
Põe os dedos em um dos dentes e arranca-o com a maior naturalidade. Levanta-se da 
cadeira meio grogue e entrega um dente podre gigante para o dentista e sai de cena.) 
 
 
CENA 8 
(Cena escrita por Julio Carrara.) 
 
(Entra em cena Camila com uma pilha de livros nas mãos. Senta-se no chão e começa e 
estudar. Entra Kleber, todo animado.) 
 
 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 15151515 
 
 
KLEBER 
Ô Camila, tenho uma proposta pra te fazer... 
 
CAMILA 
(Sem olhar pra ele.) Fala. 
 
KLEBER 
Vamos descer pra praia? A turma toda tá esperando a gente lá no 
Jabaquara... 
 
CAMILA 
Ah, Kleber. Não tô a fim. 
 
KLEBER 
Mas, por quê? Vai toda a galera da classe... 
 
CAMILA 
Semana que vem é o vestibular, Kleber. Cada minuto que passa agora é 
sagrado. Não posso perder tempo com coisas supérfluas, que eu posso fazer 
depois... Se eu não passar no vestibular, meus pais me matam! 
 
KLEBER 
Eu também vou prestar o vestibular e nem por isso tô nessa obsessão 
toda. 
 
CAMILA 
Por que seus pais não pegam no seu pé. E você também não tá 
interessado em fazer uma faculdade! 
 
KLEBER 
Como, não? Claro que quero fazer faculdade. Mas pra tudo tem o seu 
tempo... Ainda tem uma semana pra primeira fase... E só vamos ficar dois dias 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 16161616 
 
 
na praia... Nesse tempo a gente pode relaxar, dar uns mergulhos no mar, rolar 
na areia, tomar muita água de coco... 
 
CAMILA 
Vai sozinho, Kleber. Não conte comigo... 
 
KLEBER 
Você é ou não é a minha namorada?! Não tem como eu ir sozinho, 
Camila. 
 
CAMILA 
(Folheando os livros.) “O quadrado da hipotenusa é igual a soma dos 
quadrados dos catetos”. “A mentira é uma verdade que se esqueceu de 
acontecer. Mário Quintana”. “Ilha é uma porção de terra cercada de água por 
todos os lados”... “Eduquem as crianças para não castigar os homens. 
Pitágoras”... Como é mesmo o teorema de Pitágoras? 
 
KLEBER 
Quer prestar atenção em mim, Camila?! 
 
CAMILA 
Não enche! 
 
KLEBER 
(Explodindo.) Tá bem. Eu vou sozinho pra praia... E pode esquecer que 
eu existo. Sua fanática (Vai saindo.) 
 
CAMILA 
(Larga os livros e corre até Kleber.) Peraí... Desculpa, é que eu tô nervosa. É 
muita pressão em cima da gente. Dos pais, da escola... Aos 17 anos você é 
obrigada a escolher por uma profissão que você vai trabalhar o resto da vida!!! 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 17171717 
 
 
E se eu não gostar do curso que escolhi? E se eu não passar? Não vejo a hora 
de tudo isso terminar... Não aguento mais tanta pressão... (Berra.) Droga!!! 
 
KLEBER 
Calma... O que você precisa é de um tempo pra descansar a cabeça. Há 
quase seis meses você fica enfiada neste quarto, rodeada por livros e cadernos. 
Não come, não dorme, não sai... O que você precisa agora é esfriar a cabeça 
pra poder enfrentar a prova com tranquilidade... 
 
CAMILA 
Você tem razão. Tô precisando cuidar um pouco de mim... O que eu 
tinha que estudar, já estudei. (Começa a colocar roupas numa mala.) Ok. Você 
venceu. Vamos pra praia curtir o fim de semana. 
 
KLEBER 
E sem pensar na prova... 
 
CAMILA 
Ainda bem que eu tenho alguém do meu lado que me compreenda... Eu 
te amo! 
 
KLEBER 
Eu também... 
 
(Beijam-se e saem felizes.) 
 
 
CENA 9 
(Carta de adeus de um jovem de 19 anos, cujo nome 
foi omitido. O caso é verídico e aconteceu num hospital de São Paulo.) 
 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 18181818 
 
 
(Enfermeiros trazem uma cama de hospital até o centro do palco. Saem. Um jovem está 
deitado no leito, em estado terminal. Fala para a plateia como fosse o seu pai. Ouvimos 
no áudio o som de um cardiógrafo.) 
 
JOVEM 
Acho que neste mundo ninguém procurou descrever o seu próprio 
cemitério. Não sei como você, pai vai receber este relato, mas preciso de todas 
as forças enquanto é tempo. Sinto muito, acho que essa conversa é a última 
que tenho com o senhor. Sinto muito, mesmo... Está em tempo de o senhor 
saber a verdade, verdade esta que nunca desconfiou. Vou ser breve e claro, 
bastante objetivo... O tóxico me matou. Travei conhecimento com meu 
assassino aos 15 anos de idade. Sabe como conheci essa desgraça? Por meio de 
um cidadão elegantemente vestido, bem-elegante mesmo e bem falante, que 
me apresentou o meu futuro assassino: a droga. Eu tentei recusar, tentei 
mesmo, mas o cidadão mexeu com os meus brios, dizendo que eu não era 
homem... Não é preciso dizer mais nada, né? Ingressei no mundo do vício. No 
começo, foi o devaneio; depois as torturas, a escuridão. Não fazia nada sem 
que o tóxico tivesse presente. Em seguida, veio a falta de ar, o medo, as 
alucinações. E logo após a euforia do pico novamente, eu me sentia mais gente 
que outras pessoas, e o tóxico, meu amigo inseparável, sorria... sorria... sorria... 
Quando a gente começa, acha tudo ridículo e engraçado. Eu só estou com 19 
anos e sei que não tenho a menor chance de viver. É muito tarde pra mim. Mas 
ao senhor, tenho um último pedido a fazer: mostre isso a todos os jovens que o 
senhor conhece. Diga-lhes que em cada porta da escola, em cada cursinho de 
Faculdade, em qualquer lugar, há sempre um homem elegantemente vestido e 
bem falante que irá mostrar o futuro assassino e destruidor de vidas, que os 
levarão à loucura e à morte, como aconteceu comigo. Por favor, atenda ao meu 
último pedido, antes que seja tarde demais para eles... Perdão, pai. Já sofri 
demais. Perdoe-me também, por fazê-lo padecer pelas minhas loucuras. 
Adeus!!! 
 
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(O jovemmorre. Ouve-se no áudio o ruído intermitente de um cardiógrafo. Entram 
enfermeiros e retiram a maca com o paciente.) 
 
 
CENA 10 
(Adaptação da crônica “O Troco”, de Tatiana Belinky.) 
 
(Tatiana está sentada numa mesa tomando um café. Aparece um menino, por volta dos 
doze anos com uma roupa maltrapilha. Aproxima-se lentamente da senhora e pede 
baixinho.) 
 
MENINO 
A senhora podia me comprar um sanduíche? 
 
TATIANA 
Sinto muito, aqui não vendem sanduíches, menino. 
 
MENINO 
Eu sei. Mas tem uma lanchonete ali na frente, do outro lado da rua! 
(Indica a lanchonete.) 
 
TATIANA 
Espere um momento! (Procura o dinheiro na bolsa, mas acha apenas uma 
nota alta, muito mais do que necessário para comprar apenas um sanduíche. Entrega 
ao garoto, que sai correndo.) Bem, ele bem que precisa, isso lhe dará para muitos 
sanduíches. Bom proveito! 
 
(Tatiana toma o café tranquilamente. de repente volta o garoto com um sanduíche 
numa mão e com o dinheiro na outra.) 
 
 
 
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MENINO 
(Sério.) O seu troco, dona! (Tatiana fica parada, sem reagir. O garoto coloca o 
troco na mão dela, resoluto e depois sorri.) Muito obrigado! 
 
(Sai correndo.) 
 
TATIANA 
Fique com o troco. (Mas o garoto já estava longe. Para a plateia.) Eu poderia 
ter ido atrás dele, ou deveria chamá-lo, mas algo me disse, lá no meu íntimo, 
que eu não devia fazer isso. Deveria mais aceitar a dignidade com que essa 
criança pobre não abusou do meu gesto, que, evidentemente, não entendeu 
não como uma esmola, mas como uma prova de confiança na sua correção. 
 
(Termina de tomar café e sai.) 
 
 
CENA 11 
(Baseado em “A Última Crônica”, de Fernando Sabino) 
 
(Um garçom arruma as mesas e cadeiras, como se fosse fechar o local. Nesse momento, 
aparece um casal de mendigos com uma menina pequena. O homem traz um saco de 
estopa nas costas e a mulher segura na mão da menina. O garçom caminha até ele com 
um gesto de mandá-los embora. O homem educadamente pede para usar uma das 
mesas. O garçom, a contragosto, autoriza. Os três sentam-se à mesa. A menina no 
centro e os pais nas laterais. O homem tira do saco um único pedaço de bolo, enrolado 
num papel-toalha. Coloca o bolo no centro da mesa. A mãe pega uma velinha de 5 anos 
que estava guardada no bolso e põe no bolo. O pai pega uma caixa de fósforos, risca 
um palito e acende a velinha. Os dois se levantam e começam a cantar “parabéns pra 
você”, batendo palmas, mas sem nenhum ruído. A menina sente-se a criatura mais 
feliz do mundo, enquanto o garçom, que observava atentamente a cena, engole em 
seco. A menina assopra a velinha, tira a velinha do bolo, lambe o glacê da base e 
começa a comer o pedaço do bolo. Olha para o garçom e oferece um pedaço para ele, 
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que recusa. A menina come o bolo com imenso prazer. Quando termina, o pai limpa 
as migalhas da mesa, colocando-as no saco, mas esquecem a vela ali. o pai chega para 
o garçom, limpa a mão na calça e ergue a mão em sinal de agradecimento. O garçom 
aperta a mão do mendigo e fica olhando para a saída deles. Antes de sair, a menina 
acena a mão para ele, se despedindo. Saem. O garçom, sozinho, olha para a mesa, vê a 
velinha, pega-a e fica olhando para ela, profundamente emocionado.) 
 
 
CENA 12 
(Extraído da crônica “Papos” de Luís Fernando Veríssimo.) 
 
(Dois amigos se encontram.) 
 
AMIGO 1 
Me disseram... 
 
AMIGO 2 
Disseram-me. 
 
AMIGO 1 
Hein? 
 
AMIGO 2 
O correto é “disseram-me”. Não, “me disseram”. 
 
AMIGO 1 
Eu falo como quero. E te digo mais... Ou é “digo-te”? 
 
AMIGO 2 
O quê? 
 
 
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AMIGO 1 
Digo-te que você... 
 
AMIGO 2 
O “te” e o “você” não combinam 
 
AMIGO 1 
Lhe digo? 
 
AMIGO 2 
Também não. O que você ia me dizer? 
 
AMIGO 1 
Que você está sendo grosseiro, pedante e chato. E que eu vou lhe partir 
a sua cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz? 
 
AMIGO 2 
Partir-te a cara. 
 
AMIGO 1 
Pois é. Parti-la-ei-de, se você não parar de me corrigir. Ou corrigir-me? 
 
AMIGO 2 
É para o seu bem. 
 
AMIGO 1 
Dispenso as suas correções. Vê se esquece-me. Falo como bem entender. 
Mais uma correção e eu... 
 
AMIGO 2 
O quê? 
 
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AMIGO 1 
O mato. 
 
AMIGO 2 
Que mato? 
 
AMIGO 1 
Mato-o. Mato-lhe. Mato você. Matar-lhe-ei-te. Ouviu bem? 
 
AMIGO 2 
Eu só estava querendo... 
 
AMIGO 1 
Pois esqueça-o e pára-te. Pronome no lugar certo é elitismo. 
 
AMIGO 2 
Se você prefere falar errado. 
 
AMIGO 1 
Falo como todo mundo fala. O importante é que me entenderem. Ou 
entenderem-me? 
 
AMIGO 2 
No caso... não sei. 
 
AMIGO 1 
Ah, não sabe? Não o sabes? Sabe-lo não? 
 
AMIGO 2 
Esquece. 
 
 
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AMIGO 1 
Não. Como “esquece”? Você prefere falar errado? E o certo é “esquece” 
ou “esqueça”? Ilumine-me. Me diga. Ensines-lo-me, vamos. 
 
AMIGO 2 
Depende. 
 
AMIGO 1 
Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar-me-lo-ias se o soubesses, mas 
não sabe-os. 
 
AMIGO 2 
Está bem, está bem. Desculpe. Fale como quiser. 
 
AMIGO 1 
Agradeço-lhe a permissão para falar errado que mas dás. Mas não posso 
mais dize-lo-te o que dizer-te-ia. 
 
AMIGO 2 
Por quê? 
 
AMIGO 1 
Porque, com todo este papo, esqueci-lo. 
 
(Saem.) 
 
 
CENA 13 
(Cena de Julio Carrara) 
 
(Entra em cena um rapaz maltrapilho. Traz nas mãos dezenas de folhetinhos.) 
 
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RAPAZ 
E aí, rapaziada? Tamos aí. Tô aqui fazendo meus biscates. A vida é dura, 
né? A gente tem que ganhar dinheiro, não importa como, não é mesmo? Olha 
só... tá vendo isso aqui... esse monte de papel na mão? É o meu sustento. Vou 
lá, entro no ônibus, pulo a catraca e entrego esse papel pros trouxas, me 
fingindo de deficiente e desempregado. Querem ver só? 
 
(Outros atores entram e ficam como se estivessem dentro de um ônibus em movimento. 
Entra o rapaz, fingindo ter um problema físico. Com toda a dificuldade do mundo, pula 
a catraca e começa a entregar os papeis. Alguns não aceitam, outros pegam a 
contragosto, etc. Quando termina de entregar, faz seu discurso decorado.) 
 
RAPAZ 
Atenção senhores passageiros, eu tô desempregado, passando por 
necessidade e com oito filhos pra criar. Eu peço pra vocês qualquer tipo de 
ajuda: pode ser qualquer trocado, vale transporte, ticket refeição. O importante 
é que seja de coração. Eu sou deficiente físico e neste estado não arrumo 
emprego e não posso comprar leite para os meus oito filhos. Por favor, me 
ajude. Que Deus dê tudo isso em dobro pra vocês; que Deus abençoe a quem 
me ajudar e a quem não ajudar também... Obrigado. 
 
(Vai passando e pegando o papel de volta. Alguns dão passe de metrô ou ônibus para 
ele. De repente, um conhecido deste rapaz, olha pra ele, reconhecendo-o.) 
 
HOMEM 
Januário! Salafrário. Você não é deficiente coisíssima nenhuma. E nem 
tem filho.Não tem vergonha, não? (Pausa. Todos olham furiosos para ele.) Ficar 
roubando gente honesta e trabalhadora? (Grita.) Pau nele!!! 
 
(A multidão corre atrás do rapaz, que imediatamente esquece sua deficiência física e 
foge desesperadamente sob os gritos de protestos.) 
 
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CENA 14 
 
(Montar uma cena utilizando as palavras abaixo. pode ser um rap, com diversos 
andamentos, tonalidades, volume e intensidade.) 
 
– Meu time só perde. 
– Me sinto só. 
– Preciso passar no Vestibular! 
– Amizade. 
– Generosidade. 
– Como vai minha gramática? 
– Oi . Tudo bem? 
– Nenhum filho meu é viciado em drogas! 
– Tô com dor de dente. 
– Parabéns pra você. 
– Ser ou não ser, eis a questão. 
– O mundo é um palco 
– Sabotagem 
 
(A cena a seguir começa a ter outro ritmo e andamento. As frases são desconexas, sem, 
aparentemente, nenhum sentido. Por exemplo:) 
 
- Os ratos tem pulgas, as pulgas não tem ratos 
- O céu está em cima, o chão está embaixo 
- Quais os dias da semana? 
- Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado, Domingo, Segunda... 
- Posso descer lá em cima? 
 
(Inventar outras frases. De repente, não se entende mais nada. Uma verdadeira 
poluição sonora. Os atores se comportam como robôs enlouquecidos, agindo como se 
estivessem contaminados por um vírus de computador até desaparecerem de cena.) 
 
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EPÍLOGO 
(Enquanto a cena anterior está sendo executada, os atores pegam as cadeiras e colocam 
na mesma marcação do prólogo. Sentam-se nas cadeiras e ficam olhando para frente. 
Ouve-se no áudio um texto de Plínio Marcos.) 
 
GRAVAÇÃO 
Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um 
homem duro ou cínico o suficiente para ele permanecer indiferente às 
desgraças ou alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo 
que seja, um recanto suave onde ele guarda ecos dos sons de alguns 
momentos de amor que viveu na sua vida. Bendito seja quem souber dirigir-se 
a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingí-lo no pequeno 
núcleo macio de sua sensibilidade e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa 
grotesca forma de autodestruição que por desencanto ou medo se sujeita, e 
inquietá-lo, comovê-lo para as lutas comuns da libertação. Os atores tem esse 
dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos onde não existe 
defesa. Os atores, eles e mais ninguém, tem esse dom. O ator é o Cristo da 
Humanidade e seu talento é muito mais uma condenação que uma dádiva. O 
ator tem que saber que para ser ator de verdade vai ter que fazer mil e uma 
renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, 
muita humildade e sobretudo, um transbordamento de amor fraterno para 
abdicar da própria personalidade em favor das personalidades de suas 
personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser 
humano não tem instinto e sensibilidade padronizados como os hipócritas, 
com seus códigos e ética, pretendem. Eu amo os atores nas suas alucinantes 
variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no 
desespero de sua insegurança quando ele, sem a bússola da fé ou da ideologia, 
é obrigado a vagar por labirintos de sua mente, procurando no seu mais 
secreto íntimo afinidades com as distorções de caráter que seu personagem 
tem. Eu amo muito mais o ator quando, depois de tantos martírios surge no 
palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua alma, sua 
sensibilidade para expor sem nenhuma reserva, toda a fragilidade do ser 
Julio CarrarJulio CarrarJulio CarrarJulio Carraraaaa RetalhosRetalhosRetalhosRetalhos 28282828 
 
 
humano reprimido, violentado. Eu amo o ator que se empresta inteiro para 
expor para a platéia os aleijões da alma humana, com a única finalidade de 
que seu público entenda, se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de 
um mundo melhor. Amo os atores e por eles amo o teatro, e sei que é por eles 
que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha 
que se valer da técnica mecânica. Plínio Marcos. 
 
(Repetição da cena inicial. O espetáculo deverá terminar num alto astral enorme, com 
as gargalhadas histéricas dos atores tornando assistir à comédia maluca do início. 
Black-out.) 
 
FIM 
 
 
Abril/2002

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