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Universidade Federal de Viçosa Centro de Ciências Humanas Letras e Artes Departamento de Educação EDU 155 - Didática As relações entre a constituição docente e o contexto histórico Raphael Henrique Dias Barroso (História), raphael.barroso@ufv.br 67956 Viçosa, 2013 O objetivo desse trabalho é fazer uma analise crítica do filme A Língua das Mariposas, assim como também fazer comparações e/ou contraposições com relatos de professores de diferentes escolas e realidades educacionais e históricas diferentes, tendo como foco central: a relação entre a constituição do docente e o contexto histórico. Para tanto salientamos que a realidade do filme se situa em princípios dos conflitos ocorrentes da Guerra Civil espanhola. Nesse conflito de um lado estavam posicionadas as forças nacionalistas e fascistas aliadas a instituições tradicionais da Espanha, dentre elas o Exército, a Igreja e os Latifundiários (grandes proprietários de terra). Do outro lado da moeda estava contido a Frente Popular que era a base do Governo Republicano Espanhol, representados pelos sindicatos, partidos de esquerda e os partidários da democracia.1 Sendo que essa divisão social acarreta também implicações ao ensino escolar, como será apresentado. Analise e debate do filme A Língua das Mariposas O filme A Língua das Mariposas (La Lengua de las Mariposas) é dirigido por José Luis Cuerda em 1999 e é baseado em histórias do livro "Qué me Quieres, Amor?" de Manuel Rivas, ao qual destacamos como objetivo principal do filme, proporcionar uma análise das mudanças sociais e políticas ocorridas na Espanha em princípios da eclosão da Guerra Civil em 1936. Para isso, destacam-se a atuação de personagens caracterizados em um ambiente escolar de forte oposição entre os chamados monarquistas franquistas (influenciados pelo General Francisco Franco) de tendências ao fascismo italiano e os republicanos rebeldes com tendências ao comunismo. O professor Don Gregório (Fernán Gómez) e seu aluno Moncho (Manuel Lozano) representam a trama principal do filme, onde se observa que as atitudes de Don Gregório são diferentes dos demais professores da Espanha na década de 1930, pois sua relação com os alunos é pautada no respeito e não na aplicação da violência nos processo de ensino-aprendizagem. A postura do professor em sala de aula se mostra contra a tradicional hierarquia de bater em seus alunos, sempre fala com clareza e olhando fixamente para eles (a turma é composta exclusivamente de meninos) para que não percam a atenção. Reveza atitudes posturais em frente de seus alunos: hora estar em pé e dirige-se ao meio de seus 1 Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/guerra-civil-espanhola/>. Acesso em 27 out. 2013 alunos, outra estar sentado em sua mesa de frente a eles. Sua linguagem é de forma coloquial, tanto que trata seus alunos sempre por senhores (embora tenham pouca idade), mostrando igualdade de condições e relações na turma, para alunos e para também com o professor. Do mesmo modo, permite que os alunos sejam tratados seriamente, como se fossem adultos, dando responsabilidades aos seus alunos como forma de amadurecimento. Para resolver problemas de desinteresse da turma, ou de conversas paralelas, quando não respeitam o pedido de Don Gregório para fazerem silêncio, sua resposta é: “Certo se vocês não se calarem, eu terei que me calar”. Don Gregório também utiliza de sua experiência de vida nos ensinamentos a classe, como por exemplo, os leva a terem uma “aula de campo de história natural” possibilitando terem contato com a natureza além de ter conhecimento em primeiros socorros, o que acaba sendo fundamental no auxílio à Moncho que passou por uma crise respiratória pelo passeio. O professor demonstra não partilhar de muitos preceitos cristãos. Don Gregório se mostra a favor do cientificismo, dando a entender ser ateísta, assim como estar filiado ao partido republicano espanhol, fazendo-se sempre de um discurso que exalte a importância da liberdade, em um período em que monarquistas e republicanos, guardadas as diferenças, de alguma forma (sobre)viviam em equilíbrio, porém quando a República é derrotada e os franquistas instalam-se no poder, já não há mais esse ambiente de harmonia. No filme, a canção entoada demonstra a rivalidade entre republicanos e monarquistas: ♫ O rei perdeu sua coroa ela virou papel, o ouro foi levado levado por Berenguer. O rei já não tem coroa ela é só papelão. A coroa espanhola, não será usada por ladrões. ♫ A postura dos alunos, assim como a de Moncho também pode ser alvo de nossas avaliações. A turma parece ter uma profusão de faixas etárias, em alguns momentos se dispersam ou se comportam educadamente como pede Don Gregório. Eles se mostram sempre atentos aos ensinamentos do professor, não costumam fazer anotações, mas sempre demonstram estar atentos a qualquer ação do professor, se dirigindo a ele e aos seus colegas sempre de maneira respeitosa, levantando de sua carteira e falando com a voz alta. A organização das carteiras possibilita que as fileiras sejam organizadas por duas carteiras justapostas umas as outras, possibilitando que os alunos que ali estão sentados, formem suas amizades, como a de Moncho e Roque. Em uma cena interessante, no momento em que Don Gregório se cala e se posiciona em frente à janela da sala mostrando imparcialidade perante as conversas paralelas dos alunos, esses o repetem e fazem silencio em seu respeito. Quando Moncho vai relatar o ocorrido a seu irmão Andrés (Alexis de los Santos), o garoto demonstra enraizado princípios da sociedade patriarcalista espanhola da década de 1930: Moncho: - Hoje o professor deveria nos ter batido. Andrés: - Por que? Moncho: - Estávamos gritando e ignorando o que ele dizia. Em vez de nos bater ele ficou calado. Andrés: - E então? Moncho: - Então, pouco a pouco fomos ficando calados. Andrés: - Ele não disse nada? Moncho: - Disse “obrigado”. Nessa passagem percebemos a demonstração de uma sociedade patriarcalista e hierárquica na Espanha no inicio do século XX. Aos professores era permitido socialmente que disciplinassem seus alunos por meio das agressões físicas (uso da força), inclusive em outras cenas do filme A Língua das Mariposas Moncho desaparece da aula por ter medo das aulas de Don Gregório, provavelmente por imaginar ser ele aquilo que não é. A aproximação de Moncho com Don Gregório cerne princípios das metodologias atuais de ensino e aprendizagem na qual o professor deve respeitar sempre as diferenças de seus alunos saber tratá-las como forma de aprendizado entre eles e que os mesmo aprendam a respeitar essas diferenças, em certo momento Moncho se demonstra desinteresse pelos ensinamentos bíblicos (algo comum no ensino da época) se preocupando mais com os saberes escolares por influencia de Don Gregório, que se demonstra conhecer dos mesmos ensinamentos bíblicos quando conversa com o padre em latim, sendo também possível que o possa ensinar a seus alunos. A esse respeito, também podemos apontar, como o conteúdo é apresentado nas aulas de Don Gregório. Em alguns momentos ele faz desenhos no quadro, como para representar a língua das mariposas, faz aulas de campo com seus alunos para que aproximem a teoria da prática por conta própria, assim como sempre se mantêm disposto a criar novas discussões,por meio de suas aulas expositivas, dando liberdade que seus alunos apontem suas duvidas e sugestões. Não são apresentadas no filme suas formas de avaliação como provas e/ou seminários, mas pede que um aluno faça leitura de uma poesia para que se acostume à prática e para que melhorem seu vocabulário. Relações com relatos de professores Por seguinte, apontamos relatos de professores em suas escolas como forma de estabelecer relações, comparações e contraposições entre o filme A Língua das Mariposas, a qual primeiramente, apontam-se que há outra temporalidade em questão, os relatos dos professores Miriam Zeltzer Fialkow nas escolas do Brasil nas décadas de 60 e 70 e do americano Peter McLaren em escolas do Canadá provavelmente também em fins dos anos 60 do século XX. A professora Miriam Zeltzer Fialkow demonstra que sua educação em um contexto familiar era muito deficitária, tanto que permitia-se que formava professores para trabalhar na educação básica já ao fim da 5ª série principalmente nas escolas públicas, assim como também havia perseguição aos judeus principalmente nas colônias alemãs dos sul do Brasil. Em seus relatos fica claro que ela tinha prazer pelo que fazia e buscava da melhor maneira possível ser bem sucedida em sua prática docente. Nas palavras da professora: “sempre tive uma preocupação de ensinar a estudar, mostrar como é que se estuda. Acho que essa é a missão do professor” (FONSECA. 1997, p. 149). Porém estar sempre a mercê das políticas governamentais que a impedem muitas vezes de aprimorar seu ensino. Embora a mesma professora diga que em tempos da ditadura militar (1964- 1985) ela não esteve limitada a ensinar aos seus alunos o conteúdo das aulas de história. Ao fim de seus relatos ela aponta que “a perda da qualidade de ensino no Brasil se deve ao caos que desse fato surgiu: diminuição violenta da carga horária da escola pública e, pelos custos decorrentes, também na escolar particular” (FONSECA. 1997, p. 153). Não aponta soluções imediatas, mas deixa claro o que sua experiência de vida como professora de história e também no ensino superior a proporcionou: Num país que se caracteriza pela desigualdade de oportunidades, queimar cabeças pela ausência de titulação é até leviano, senão burro: a experiência profissional e pessoal adquirida ao longo de uma vida de dedicação precisa ser aproveitada. Num país de tantos analfabetos, dispensar cabeças pensantes é um desperdício; sem duvida, é uma agressão, porque impede o equilíbrio natural entre a experiência e o conhecimento, entre o passado e o presente, falando de história... Que bom ser outra coisa e poder continuar realizando-me em outra área da educação. Não vou deixar de dar minha contribuição para a construção de uma nova proposta educacional que pode ser uma alternativa para a vida do cidadão brasileiro. (FONSECA. 1997, p. 155) Em outro relato de experiência docente, temos o professor norte americano Peter McLaren e seus inúmeros incidentes ocorridos na escolar elementar de um dos subúrbios da periferia de Toronto, no Canadá. De início, podemos apontar que os relatos de Peter McLaren se aproximam mais da realidade educacional brasileira do que os de Miriam Zeltzer Fialkow, embora esteja em outro país com dimensões culturais e estruturação do ensino escolar diferentes do brasileiro, as semelhanças são mais percebidas, Mclaren já diz: “e aqui, como em qualquer outro lugar, as escolas estão mal equipadas para satisfazer as necessidades”. (MCLAREN. 1977, p. 49, grifos meus) McLaren começa descrevendo o subúrbio onde esta situada a escola em que trabalha. Demonstra ser de baixar renda comparando com outras regiões de Toronto e que compartilha muitas características demográficas com outras cidades, inclusive com as quais ele já havia trabalhado nos Estados Unidos. Destacam-se os principais problemas sociais: grandes números de famílias com um único genitor, baixas rendas, alta taxa de delinqüência juvenil, constante renovação da população, habitação subsidiada pelo Governo, edifícios altos e compactos. Além de haver conflitos entre etnias residentes no subúrbio, como caribenhos, indianos, italianos, asiáticos e caucasianos. As dificuldades que ele vai apresentando em seus relatos como o desinteresse de seus alunos ou mesmo andarem drogados e cometerem crimes consequentemente o levam a questionar seu verdadeiro valor como professor, até conhecer Zeke que como ele diz: “educou seus sentidos causando um turbilhão em sua confortável anestesia emocional”. Zeke torna-se o principal amigo de McLaren e o ajuda a revigorar sua prática docente, de certa forma, pode-se comparar a influencia de Zeke ao movimento de contracultura que florescia naquele período da década 60. McLaren se mostra inspirado pelas ideologias dos movimentos da chamada “juventude alienada” da época e os leva para a sala de aula. Assim, McLaren busca quebrar antigas doutrinas que pareciam imutáveis como o “mito” da classe média nas escolas como espaço diferente do habitual sempre disposto a ajudar seus alunos inclusive fora do ambiente escolar. Ao escrever suas memórias sobre os eventos nos subúrbios de Toronto, ele nos diz: É doloroso para mim ler muitas destas histórias, porque reconheço que não estava imune das críticas que eu agora faço às praticas injustas da escolarização e as ações de uma formação social racista, sexista e culturalmente imperialista. Reconheço que, em muitas das histórias do diário, os discursos liberal- humanista, anglo-saxões e patriarcais e o zelo missionário que agora crítico duramente na verdade marcaram minhas próprias práticas educacionais anteriores. [sic] (MCLAREN. 1977, p. 49) Considerações Finais As conclusões que tiramos entre a relação da constituição do docente e o contexto histórico nas diversas experiências didáticas aqui apresentadas nos possibilitam inferir que a relação é sincrônica, pois é necessário que haja harmonia entre as mesmas, tanto para que o aluno adéque ao conteúdo a sua vivencia como também para que o professor possa ter o melhor espaço para a prática docente. A realidade que o filme A Língua das Mariposas nos mostra é que o professor mesmo estando contra os princípios que o governo, ou mesma os que a sociedade entende como aceitáveis, corre o risco de não mais ser aceito para trabalhar nas escolas. Visto que, a educação é entendida como meio seguro de formação social e profissional e um meio de coesão social, estar contra esses princípios infringe no descontentamento da população. Simbolizando a importância da educação na formação do ser humano. Os relatos dos professores Miriam Zeltzer Fialkow e Peter McLaren demonstram que mesmo em diferentes regiões do globo ou mesmo entre países que se dizem industrializados e outros não, as deficiências escolares são similares. O governo sempre influencia diretamente no sistema de ensino escolar e cabe ao professor adequar seu método pedagógico (dependendo de sua formação) a realidade de seus alunos, mesmo esse não se mostrando imparcial como no caso de Don Gregório, as propostas curriculares. Referências: <http://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/a-lingua-das-mariposas-espanha- 1930.htm>. Acesso em 23 out. 2013 <http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2001/not20011220p2944.htm>. Acesso em: 25 out. 2013 <http://www.infoescola.com/historia/guerra-civil-espanhola/>. Acesso em 27 out. 2013 CUERDA, J. L.; AZCONA, R.; RIVAS, M. A Língua das Mariposas. [Filme-vídeo]. Roteiro de Rafael Azcona, Manuel Rivas e Jose Luis Cuerda, direção de Jose Luis Cuerda. Espanha: Canal + España, 1999.1 DVD / NTSC, 95 min, widescreen, color, legendado. GUIMARÃES, Selva. Ser professor no Brasil. 2ª edição. Campinas: Papirus, 1997 MCLAREN, Peter. A vida nas escolas. 2ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas, 1977
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