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A Multiplicidade de Rita Rezende marilia beatriz

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A Multiplicidade de Rita Rezende
Quando no texto passado revelei que a artista apreendia  com seu olhar e realizava com seus pincéis a alquimia nos objetos é porque alguma coisa de novo ocorreu em sua vida. Depois de alguns anos passeando e parando em locais diversos de nosso Brasil, com certeza ela carregou marcas além de realizar inúmeras tarefas. Não apenas pintou, mas deu aulas, foi apresentadora de programa, fez pesquisas, trabalhou em várias frentes, especialmente quando esteve no Pará e em Rondônia.
Estas atividades indicam como Rita já estava aliando a arte com a vontade de empreender. Nestas direções, o seu olhar, ao apreender as diferenças, circula e mostra com atenção as diversidades da realidade. Mas nenhuma realidade se desenvolve plenamente, não alcança a plenitude de seu próprio surgir e impõe-se por si mesma, no universo, sem a força da arte numa obra. E a artista, saturada em sua visão pelo todo absorvido, lança com qualidade em suas telas os elementos da saturação e da absorção. E, na medida em que surgem suas imagens, seus temas,vai sendo desenredada a história de uma vida. E esta história apresenta uma circularidade que ora mostra o real da obra ou, de outro modo, demonstra a provocação e o esforço do exercício da criação e da originalidade. Nas telas de Rita Rezende a obra mostra como é ser o centro de forças e ponto de tal circularidade. São imagens de indígenas, aves ou objetos que, ouvindo o real, ficam encantadas nas mãos, nos traços e nas cores da artista. Não é apenas a figura da índia, mas é preciso que a criadora mostre a expressão carinhosa desta indígena amamentando. Não é um retrato, é muito mais uma emoção! Se existem imagens da natureza estão  colocadas no quadro, não  apenas por sua beleza, mas antes pelo que vale no universo. É como se fosse um alerta.   Uma vez realizada esta apreensão, a artista tem que suportar a ascese de residir no interior das pressões da arte e da realidade da obra. As telas de Rita  denotam  as pressões e esta realidade. Mas, ao contrário do que se pensa, esta luta presente em sua obra não aponta para o lado sombrio, antes para a alegria de viver. É que o rigor da Arte desta criadora está ligado ao prazer de fazer, de dar-se  por inteira à criação. Nesta medida ela busca viver tão somente do produto daquilo que realiza. E com muito esforço e inteligência vai construindo  outro mundo: o de designer de objetos.  Não posso dizer que é uma artesã. E não afirmo isto porque vejo outras qualidades nos objetos que ela cria e que são colocados à nossa disposição e desfrute. Porque creio piamente que toda esta mescla de atividades é decorrente da influência do lugar onde ela mora. Sua paixão por Cuiabá, por sua gente e por sua cultura determinam um outro fabricar. Agora se une à beleza o gosto pelo gesto, a manipulação de matérias que desembocam em objetos expressivos. Objetos que irão significar o amor de produzir revelando a riqueza da cultura cuiabana.
    Marília Beatriz, em madrugada de março 
 
Miolo
Liceu Cuiabano: espaço ou lugar?
Daniela Freire
Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUC/SP
Professora do Departamento de Psicologia/UFMT
Professora do Programa de Pós-graduação em Educação/PPGE/UFMT
Grupo de Pesquisa Educação e Psicologia/GPEP
freire.d@terra.com.br
“A cidade e a memória” - este é o título do artigo de uma grande psicóloga francesa chamada Denise Jodelet, que estudou o significado que os parisienses atribuem à cidade de Paris. O encontrei em um belíssimo livro chamado Projeto do Lugar - publicação que divulga uma das mais novas áreas de estudo da Psicologia: a Psicologia Ambiental.
De maneira simples e sintética posso dizer que a Psicologia Ambiental afirma a importância de se pensar o espaço para além de suas características físicas. O espaço possui uma dimensão simbólica e afetiva que deve ser levada em consideração. O espaço possui o potencial de gerar identidades! E, quando falado e significado, o espaço se transforma em lugar.
Podemos pensar o complexo do Liceu Cuiabano, como uma edificação emblemática da cidade de Cuiabá, transformando-o em lugar de expressividade de um povo criativo e peculiar que, ao longo da história, vem construindo maneiras de ser, viver e estar. Ou simplesmente, podemos negar o seu valor histórico e o seu potencial identitário, remetendo-o à sombra do esquecimento, classificando-o como edificação em ruínas, apagada da memória do seu povo, local onde abriga mais uma dentre tantas escolas públicas.  Aliás, essa forma de administrar os símbolos da nossa história também revela quem somos.
Nada a se destacar, nada a se diferenciar, nada além da massa homogeinizadora que assombra a nossa sociedade do consumo global. 
Trata-se de uma escolha que revelará o projeto que temos para Cuiabá e sua gente, para a escola e seus alunos. 
Como educadora assumo a seguinte posição: um projeto educacional com responsabilidade civil não pode fazer vistas grossas ao complexo do Liceu Cuiabano, ele é em si, uma aula a céu aberto, cujo aluno é o transeunte, o cuiabano nato, o cuiabano por opção, o turista. 
É um patrimônio cultural que pode ser transformado em um cenário aberto às narrativas variadas, isto porque o ser humano tem sede de se expressar, é assim que interpretamos e mesmo inventamos a realidade e a nós mesmos. 
Quando falamos sobre Cuiabá, sejamos nós cuiabanos ou não, falamos da nossa vida em um lugar cujas características físicas e subjetivas revelam um pouco de quem somos. Não foi assim quando da visita da comissão da FIFA, recentemente? Gritamos nas ruas: Somos um povo hospitaleiro! Cuiabá é quente porque tem calor humano! 
Falamos de nós ou do espaço? Ou falamos do lugar e, ao falar dele, falamos de nós mesmos?
Pois bem, além de sermos hospitaleiros e vivermos a 40º, o que mais podemos dizer de nós mesmos através da cidade? Afinal qual é a narrativa que nos diferencia de outros povos?

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