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Moderna – Resumo aula 09 – Sociedade de ordens e sociedade de classes O conceito de classe social foi difundido a partir da historiografia marxista, pelo qual tanto o método de análise quanto o modelo explicativo das sociedades está referenciado ao modo de produção. O conceito de modo de produção foi muitas vezes desvirtuado em sua aplicação vulgarizada. O primeiro problema estava relacionado a uma aplicação mecanicista do método e, o segundo problema, na utilização automática dos contextos europeus ocidentais. Quanto ao mecanicismo em sua aplicação, o conceito de trabalho foi substituído pelo conceito de economia, e o conceito de elemento determinante pelo conceito de elemento exclusivo. Isso significou que as sociedades, independentemente de suas temporalidades e especificidades, e em todas as suas manifestações políticas, culturais e sociais, eram determinadas exclusivamente pela economia. A economia “engessava” a sociedade e dominava “de cima para baixo” todas as instâncias do social. As sociedades de ordens, tanto quanto as sociedades de classes, podem ser estudadas pela organização e valor dado ao trabalho. A classe social é composta por indivíduos que possuem em comum: a liberdade em relação aos laços de subordinação pessoal e as suas origens sociais; parâmetros de vida material semelhantes (moradia, fortuna, trabalho) e de consciência social dada por elementos econômicos, cujos valores tornaram-se predominantes para o entendimento da sociedade, geradores de determinada consciência política. Percebe-se de imediato, que um sistema de classes só pode existir em sociedades onde não existam ou não predominem relações pessoais de subordinação. Em segundo lugar, a formação de classes sociais também depende da existência da valoração do indivíduo ou do valor da individualidade de cada ser humano. Por isso, a situação social do nascimento não deve ter importância: ela pode ser melhorada e ultrapassada pelo esforço e trabalho de cada um. Aqui temos a gestação de marcas da ideologia capitalista: o individualismo e o valor do trabalho como meios de ascensão social. Em um sistema de classes sociais, a consciência sociopolítica deriva do elemento mais valorizado, com tendência a ser determinante na dinâmica social: o econômico. A identidade de classe torna-se visível pelos elementos materiais conseguidos na esfera do econômico (os bens materiais): salário, fortuna, moradia, condições materiais de trabalho. A ordem social era um grupo da sociedade caracterizado pelos laços de subordinação a outras pessoas ou a outros grupos sociais, definida desde o nascimento. A linhagem, isto é, a longa cadeia de pertencimento familiar e social predeterminavam a posição social. O valor individual era subordinado ao valor da linhagem na sociedade. Os parâmetros de vida material semelhantes para cada ordem da sociedade não foram possíveis pelos bens materiais que a fortuna ou o trabalho podiam comprar, mas, pelo que era permitido ter, de acordo com o valor dado à ordem social à qual a pessoa pertencia. O valor que legitimava a ordem social não era econômico, como nas sociedades de classes. No mundo moderno, a esfera determinante é política/cultural: o cristianismo. Foram os valores cristãos que legitimavam a organização das sociedades em ordens, cada qual com seus direitos, suas obrigações, seus estilos de vida bem determinados e, com o enquadramento de suas funções e de sua importância. O conceito de ordem social sofreu abusos, tanto por ter sido substituído indevidamente pelo conceito de classe social quanto pela eliminação de seus elementos formadores. As nuances estratificadoras das ordens sociais sofreram, também, com eliminações e simplificações grosseiras, assim como as possibilidades de movimentos e ideias libertadoras. A dinâmica da Sociedade de Ordens no mundo moderno A Europa ocidental moderna foi uma sociedade de ordens. Por isso, é preciso entender que os valores, o pensamento, as crenças e as práticas sociais foram específicas daquele tempo histórico totalmente diferente do nosso. No período moderno a Europa era o “mundo cristão”. A legitimidade da manutenção e a reprodução daquela determinada ordem social e a justificativa de sua existência foram dadas pelos códigos que configuravam a Europa como uma comunidade cristã. Esses códigos eram: 1. O princípio da similitude: atenção: similitude não quer dizer igualdade! Segundo esse princípio, tudo o que existe no mundo – os Homens e sua diversas culturas, a flora, a fauna, as pedras, os minerais enfim, tudo – teve um único criador, daí existiram graus de semelhança entre todas as coisas. O princípio da similitude criou essa visão sobre o mundo natural e foi também aplicado ao mundo social: a posição e a “função” de cada ordem da sociedade foram dadas pelos graus de semelhança, mais próximos ou mais distantes, com o seu criador. Isso significou que a ordem da nobreza era superior devido ao seu grau de proximidade com o grande arquétipo da cristandade: o seu deus criador. Todas as outras ordens sociais posicionavam-se em função desse princípio, e a sua reprodução só seria possível pela linha de sangue: a linhagem direta que garantia o grau de pureza e similitude cristãs. São de enorme importância as implicações na crença e nos usos do princípio da similitude. Em primeiro lugar, destacamos a questão do conhecimento sobre a natureza e a sociedade: tudo pode ser adicionado ao conhecimento, outras terras, climas, faunas, floras, sem romper com a dominação intelectual da cristandade. O não europeu, que era “não cristão”, apresentaria, por essa distância, visível em seus costumes tão diferentes, uma extrema inferioridade. A diferença tornou-se sinônimo de inferioridade. Folha 02 –Moderna aula 09 2. O princípio do universalismo: as implicações desse segundo princípio foram bastante graves também. Para “os novos mundos descobertos” são conhecidas as trágicas consequências. Na Europa, tal princípio reforçava a reprodução dos laços de subordinação àqueles considerados superiores, a restrição do indivíduo às normas de sua ordem social e a inserção obrigatória ou mesmo ao extermínio dos não cristãos europeus. Cada ordem social, mesmo as mais inferiores na ordem social europeia, dava a cada um de seus membros a consciência do seu “estar no mundo”, dos direitos de sua posição, de sua função social e, mais ainda de sua superioridade como parte grei (linhagem) cristã. O reforço do sistema de ordens sociais, como modelo cristão universal, garantia também a subordinação da ideia de individualidade ao sistema, mas criando uma identidade pelo pertencimento. Um indivíduo fora do sistema, considerado universal, não teria laços de subordinação, mas também não teria os sistemas de apoio, de identidade e mesmo de função. Era visto com muita desconfiança, suspeito como “pouco cristão” um “vagabundo” sem função reconhecida na ordem social. 3. O princípio da univocidade: Nesse princípio repousava a autoridade, a norma social, o ordenamento do mundo e da sociedade. Qualquer reivindicação que pude alterar a ordem do mundo e da sociedade era mais que um crime, era um pecado. A univocidade garantia, ou pretendia garantir, a suprema autoridade dos representantes da ordem cristã: papas, reis e sua nobreza, clero – enfim, das ordens sociais superiores – seguindo o espiral das similitudes. Esse princípio tinha como substancial impacto a garantia do controle sobre o conhecimento, a manutenção da ortodoxia cristã e sobre a ordem social. Podemos então perceber que o ordenamento social no mundo moderno possuía como elemento determinado/determinante a cultura cristã. Até mesmo as práticas do mundo econômico deviam ser a ela subordinadas.
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