Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PENSAMENTO SISTEMATICO E CONCEITO DE SISTE1\![A A NA CIENCIA DO DIREITO Introdução e tradução de A. MENEZES CORDEIRO tema móvel, um papel especialmente importante uma vez que ele, como se disse, dá, de modo muito feliz, um meio termo entre as previsões normativas firmes e as cláusulas gerais e confere uma margem quer à tendência generalizadora da justiça, quer à individua- lizadora. É, porém, apenas uma das várias possibilida- des formulativas a considerar não devendo, por outro lado, sobreestimar-se a sua capacidade. Com esta limitação pode-se, no entanto, dizer que a ideia de um sistema móvel, tal como foi desenvolvida por WILBURG, constitui um enriquecimento decisivo do instrumentário quer legislativo quer metodológico (45) devendo, por isso, incluir-se sem dúvida entre as «descobertas» jurídicas significativas (46). o conceito e as qualidades do sistema jurídico estão suficientemente esclarecidas para se poder pas- SHr à questão que, em última análise, é decisiva para () significado do pensamento sistemático na Ciência do Direito: a da relevância «prática» do sistema. De facto, uma pesquisa sobre a problemática do «pensa- mento sistemático e conceito de sistema», tornar-se-ia pouco significativa se não implicasse tomadas de posição que assumissem, também, importância «prá- tica»; de facto, a Ciência do Direito é, como poucas outras Ciências, imediatamente dirigi da e preparada para efeitos «práticos»; a questão do seu «valor na vida», para utilizar a linguagem da jurisprudência dos interesses, coloca-se, assim, no meio da discussão do sistema. Neste sentido, a «praxis» é a aplicação do Direito aos factos concretos; o problema reside, então, no explicitar de modo preciso, se cabe ao sistema um qualquer significado no tocante à obtenção das pro- posições jurídicas convenientes. Esta possibilidade é negada, com convicção, por lllna opinião muito difundida. Segundo ela, o sistema n{io possui qualquer «valor na vida» e, em especial, sobre a extensão conveniente do seu âmbito de aplicação; cf., sobre isso, por todos, HEDEMANN, Die Flucht in die Gene- ralklauseln, 1933; F. V. HIPPEL, Richtlinien und Kasuistik im Aufbau von Rechtsordnung, 1942;mais recentemente, sobretudo HENKEL, ob. cit., p. 357 ss. e 360 ss. (45) Metodologicamente, deve-se distinguir, quanto ao significado, as partes móveis do sistema das cláusulas gerais e, nessa linha, interpretá-Ias restritivamente, admitindo, por exemplo, no § 254 BGB, apenas pontos de vista específicos de imputação; por outro lado, deve-se conferir à ideia de sistema móvel também um papel particular na própria concretização das cláusulas gerais; cf., quanto a isso, infra, p. 152 ss. Nota do tradutor: recorde-se que o § 254 do BGB se reporta à culpa do lesado. (46) O conceito de «descoberta jurídica» provém de DOLLE que, no entanto, o exemplificou em dimensões dogmá- ticas; cf. a intervenção perante o 42. deutschen Juristentag, voI. 11das «Verhandlungem>,Tübingen, 1959. qualquer «valor de conhecimento» e>, nem qualquer valor para a obtenção do Direito; apenas valor de «representação ou de ordenação». Este entendimento do sistema remonta à jurisprudência dos interesses mais antiga e) , podendo, contudo, ainda hoje contar com apoio predominante. Como representativa cite-se, desde logo, a tomada de posição do KRIELE. Ele pre- tende que hoje «as tentativas de obtenção do Direito, a partir de um sistema, através da dedução, desem- penham na prática, apenas um papel relativamente pequeno» (3) e que, de facto, «a obtenção do Direito Iliio poderia ganhar qualquer alento ao aceitar um sis- tema pré-elaborado» (i); pois: «O sentido de um tal sistema poderia ser múltiplo: ele serve objectivos didácticos, serve a repartição exterior e, com isso, a orientação àcerca da ordem jurídica, serve, na polí- (ica legislativa, a elaboração apurada das leis... e coisas semelhantes. Só não serve a interpretação (ü)>>. Também neste ponto, a discussão é confundida pelas obscuridades quanto ao conceito de sistema subjacente. Tudo o que é alegado pelos adversários do pensamento sistemático respeita, designadamente, a apenas dois tipos bem determinados de sistema: ao sistema «externo» ou ao sistema axiomático-dedutivo. Assim, a polémica de HECK contra a «construção sis- temática» (6) prende-se, imediatamente, com a luta da jurisprudência dos interesses contra o «método da inversão», utilizado pelos partidários da jurisprudên- cia dos conceitos e só pode, por consequência, visar o sistema lógico-dedutivo que subjaz àqueles (7). E também KRIELE deveria ter em vista um conceito de sistema muito semelhante, pois ele fala, expres- (1) No sentido de conhecimento do que seja o Direito vigente; em compensação, não se nega, em geral, ao sistema, um valor didáctico no sentido da facilitação do entendimento da lei. (2) Cf., principalmente, M. V. RÜMELIN, Bernhard Wind- scheid und sein Einfluss auf Privatrecht und Privatrechtswis- senschaft, 1907, p. 40 ss. e Zur Lehre von der Juristischen Konstruktion, ArchRWirtschph. XVI (1922/23), p. 343 ss. (349 ss.); HECK, Das Problem der Rechtsgewinnnung, 1912, 2." ed. 1932, p. 9 ss. e Begriffsbildung und Interessenjurispru- denz, 1932, p. 66 S8., 84 8S., 91 S8. e 188 ss.; STOLL, Begriff und Konstruktion in der Lehre von der Interessenjurisprudenz, Festgabe für Heck, Rümelin und Schmidt, 1931, p. 60 ss. (p. 68 s., 76 ss. e 112 ss.). A óptima justificação do pensamento sistemático, perante os ataques da jurisprudência dos interesses, feita por KRETsCHMAR,Über die Methode der Privatrechtswis- senschaft, 1914, p. 42 ss. e Jher. Jb. 67, 264 sS., 273 ss. e 285 ss., nunca obteve, infelizmente, uma atenção bastante. Cf., mais por- menozidamente, também BAUMGARTEN,Juristische Konstruktion und Konstruktionsjurisprudenz em: Festgabe für Speiser, 1926, p. 105 ss. ('3) Cf. Theorie der Rechtsgewinnung, 1967, p. 97. (1) Ob. cit., p. 97. (li) Ob. cit., p. 98 (os itálicos foram acrescentados). (n) Cf., principalmente, Begriffsbildung, p. 66 ss. (69 s.) (~ 188 ss. (7) Com isso, HECK equipara-o também, simplesmente, 110 si:;tema «externo», o que torna a sua polémica ainda menos I'xada; d., por exemplo, ab. cit., p. 196 (refere-se, aí, aliás, o r:i,:t<'lila externo da Ciência e não o da lei). samente, de «dedução» a partir de um sistema (8) e refere-se ao sistema «axiomático)} (9). Finalmente, ainda hoje, o pensamento sistemático é, na maioria dos casos, equiparado sem mais e de forma totalmente acrítica, à «jurisprudência dos conceitos»; reside aí uma das objecções mais preferidas para afastar um argumento sistemático considerando-o, sem discussão de maior, como «conceptual» e, por isso, ultrapas- sado:-- num processo que gosta de passar por moderno, mas que no estado actual da doutrina, antes surge antiquado. Como se viu no parágrafo segundo, existe uma multiplicidade de conceitos diferentes de sistema e não se pode, de modo algum, afirmar de antemão, que a crítica feita, com razão, à possibili- dade de obtenção do Direito a partir de um sistema lógico ou axiomático-dedutivo proceda, sem mais, em relação aos restantes tipos de sistema. Pelo contrário! O significado do sistema para a obtenção do Direito torna-se evidente quando se subscreva a opinião, aqui defendida, do sistema «interno» de uma ordem jurídica como axiológico ou lelcológico (10); o· argumento sistemático é, então, apenas uma forma especial de fundamentação teleoló- I:íca e, como tal, deve, desde logo, ser admissível e n.'lcvante. Pode-se, nessa linha, falar de uma «capaci- dade de derivação teleológica ou valorativa» do sis- lema, desde que se enfoque que a «derivação» não NU deve entender no sentido de dedução lógica mas HiITIno de ordenação valorativa. Isto não se deve reconhecer apenas para o sistema, acima proposto, de princípios gerais de Direito, mas sim para qualquer sistema teleológico, em especial paraos dos corres- pondentes conceitos ou valores, nos quais os resul- tados práticos, perante uma correcta configuração Histemática que corresponda à articulação dos dife- rentes sistemas teleológicos entre si (11) devem ser sempre os mesmos (12). Com isto, apenas se evidenciou a possibilidade fundamental de aproveitar o sistema para a obtenção do Direito; trata-se, agora, de elaborar o seu signifi- cado particular nesse domínio, bem como em especial ns cspecificidades do pensamento sistemático perante outras formas de argumentação teleológica. Também nqui se pode, de novo, trabalhar com os dois elemen- (8) Cf. ob. cit., p. 97. (9) Cf. ob. cit., nota 1. No entanto, os exemplos dados por KRIELE, na nota 2, depõem em sentido contrário, uma vez que os seguidores das opiniões ai citadas não podem partir de um sistema axiomático dedutivo. Infelizmente, KRIELE não debateu, em pormenor, as teorias por ele citadas e assim não se reconhece, com clareza, onde vê as fraquezas delas. As objecções por ele inseridas no texto procedem apenas contra um sistema axiomático-dedutivo; por isso, é de respeitar que também KRIELE incorra no mal-entendido de, quando se trate de um sistema jurídico, apenas referenciar uma realidade daquele tipo. ('0) Cf. supra, § 2 II 1. (l') Cf., quanto a isso, supra § 2 II 2 a. (' ,,) Ê evidente que o mesmo argumento sistemático tanto 111' pode obter, por exemplo, a partir do conceito de negócio iurfdico teleologicamente entendido, como do princípio da auto- ',"mia privada. tos do conceito de sistema: o da ordenação teleoló- gica e o da defesa da unidade valorativa e da ade- quação do Direito. l'Ill' sem significado prático, para a jurisprudência dos conceitos, a discussão sobre a qualificação de um determinado acto das partes como negócio jurídico; pelo contrário, quando se pergunta pela natureza dos ('sponsais, pergunta-se se estes se devem considerar como um contrato, como uma pura relação de facto ou como uma relação obrigacional «legal» especial, baseada na confiança e se, em consequência, o rom- pimento dos esponsais representa uma violação con- tratual, um delito ou uma quebra na confiança (Ir5). Outro tanto acontece na célebre querela entre a I(~oria da criação e a teoria contratual (entre outras (17» àcerca da «natureza» do acto de forma- <';üode um título de crédito. No entanto, este processo de «determinação da essência» não é, por assim dizer, um processo de s(~ntido único, pelo qual o objecto seja, primeiro, lota!mente desconhecido e, depois, de repente, atra- V(~S da ordenação sistemática, se tornasse compreen- 1- ORDENAÇÃO SISTEMÁTICA E DETERMINAÇÃO DO CON- TEÚDO TELEOLóGICO Quando se «ordena sistematicamente», de certa forma, um fenómeno jurídico, está-se, em regra, com isso, a fazer uma afirmação sobre o seu conteúdo teleológico. Por exemplo, quando se qualifica um pre- ceito como uma previsão de responsabilidade pelo risco, de responsabilidade pela aparência jurídica ou de responsabilidade por facto lícito ou quando se caracteriza uma pretensão como pretensão sub-roga- tória, não se servem, apenas, «escopos de represen- tação ou de ordenação» (13). Pelo contrário: com isso, solicitam-se de imediato os valores e, em especial, os princípios gerais da ordem jurídica que estejam por detrás das normas questionadas. Uma querela sobre uma ordenação sistemática é, por isso, em regra, também uma querela sobre a «essência» de um fenómeno jurídico (14), isto é, predominantemente àcerca do seu conteúdo valorativo dentro do Direito vigente (15). Por exemplo, não seria falacioso conside- ('n) Cf., também BEITZKE, Festschrift für Ficker, 1967, p. R4, que, com razão, pergunta qual das teorias pode «dar lima melhor explicação da essência dos esponsais e das suas ('ollscquências jurídicas». Não se deve entender aqui a «expli- C;]I;i:íO»como uma derivação causal a partir da teoria - um 11Ial·cntendido no qual caiu, em especial, a velha jurisprudência do:; interesses - mas antes como descoberta do sentido inte- rior do instituto e da adequação (valorativa) das consequências illrídicas singulares. (I 'I) Trata-se, além disso, da defesa da unidade do nosso Diwito (cf. já supra p. 39 s.), o que não pode ser rigidamente ::('parad~ da determinação da natureza (cf., mais pormenori- /'adamcnte, infra II (1». (13) Cf., na sequência, vários exemplos. (14) Assim, com razão, ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957), p. 188 S. (15) Não se trata, pois, em regra, de uma consideração a priori. sível. Existe, antes, um efeito mútuo entre o conhe- cimento do objecto em causa e a sua qualificação sistemática (18). Deve-se, por exemplo, conhecer pri- meiro a ratio legis do § 833/1 BGB antes de poder ordenar esse preceito na responsabilidade pelo risco. Mas por outro lado, a descoberta dessa ratio seria bem mais difícil se a categoria sistemática da res- ponsabilidade pelo risco não estivesse já disponível. Além disso - o que é ainda mais importante - só a ordenação sistemática permite entender a norma questionada não apenas como fenómeno isolado, mas como parte de um todo. O § 833/1 do BGB, por exem- plo, entende-se mais cabalmente e melhor quando se veja como uma previsão de responsabilidade pelo risco, entre outras, do que quando se reconheça a sua ratio legis - o dever de indemnizar pelos riscos pro- vocados por um animal. Inversamente, o sistema sofre, através da ordenação de uma nova previsão normativa, em certas circunstâncias, um enriqueci- mento ou uma modificação interiores, pois o especial não é, aqui, uma mera sub-espécie, antes surgindo como elemento constitutivo do geral (19). Existe por- tanto, um processo dialéctico de esclarecimento duplo. Não se pode negar que, desse modo, não ameace o perigo de um círculo fechado; no entanto, trata-se apenas de um caso especial do círculo entre o geral e o especial, também bem conhecido na Hermenêu- tica ("0); ele é próprio de todas as ciências do espírito c nunca se deixa excluir de antemão. Com isto, não se pode duvidar do «valor para o conhecimento» da ordenação sistemática; daí resulta, também o seu significado para a obtenção do Direito; como se trata aqui do esclarecimento do conteúdo teleológico, ela não pode, perante a jurisprudência preponderantemente virada, hoje, para a argumenta- ção teleológica, surgir sem influência na interpreta- (;ão e no aperfeiçoamento do Direito. As ordenações sistemáticas desempenham, de facto, um papel con- siderável, em todos os níveis da obtenção do Direito. A «interpretação sistemática» ocupa assim um lugar firme entre os «cânones da interpretação» jurí- (18) Cf. ENGI5CH, ob. cit., p. 189; concordante, também DIEDERICH5EN, NJW 66, 701. (19) O geral não se deve aqui entender como «geral- -abstractQ», mas sim como «geral-concreto», no sentido de HEGEL. ("0) Quanto a esta problemática cf., principalmente, SCIILEIERMACHER, Werke I 7, 1838, p. 37 e 143 ss.; DILTHEY, (;{'I/wnmelte Schriften VII, p. 212 S.; COlNG, Die juristischen IlIIsl('[;ungsmethoden und die Lehren der allgemeinen Herme- 1i"/lIi!?, 1959, p. 14; BETTl, Zur Grundlegung einer allgemeinen i\IlHlegungslehre, Festschrift für Rabel, 1954, vaI. 11, p. 102 ss. " IIlll:elneine Auslegungslehre ais Methodik der Geisteswissen- ,"'1/(/)1('11, 1967, p. 219 5S. O círculo referido no texto não é ic!(\nlicn ao «círculo hermenêutico» no sentido de HElDEGGER e .I•. (;AIJAMElt (noutro sentido, este próprio, ob. cit., p. 275 5S.), 'iJl(' n·sl)(~il.aü relação do «pré-entendimento» do interpretando 111111 " I'l'::ultado da interpretação. dica (21). A tal propósito pensa-se, normalmente, na interpretação a partir do sistema exterior da lei, por- tanto nas conclusões retiradas da localização de um preceito em determinado livro, secção ou conexão de parágrafos, da sua configuração como proposição autónoma ou como mera parte de uma proposi- ção, etc., etc. No entanto, apenas haveriaaqui um ponto de apoio relativamente estreito e, além disso, não poucas vezes a localização de um preceito surge materialmente errada; pense-se, por exemplo, para referir apenas dois casos, na inclusão do § 833/1 do BGB na sequência dos delitos ou na remissão para o § 278 do BGB, feita no § 254/lI, 2 (em vez de no número III) (*). No entanto, não se nega que a argu- l11entação retirada do sistema externo tenha um certo valor. Assim, por exemplo, não é totalmente inadmis- sível retirar conclusões da colocação de um preceito nu parte geral ou na parte especial de uma lei, no tocante ao seu âmbito de aplicação; também se deve esquecer que a divisão de uma lei é, muitas vezes, influenciada pela «natureza das coisas» e que, por isso, a natureza de um preceito como por exemplo, norma de Direito de família ou de Direito comercial, pode tornar-se frutuosa para o seu entendimento. Tais argumentos só são, porém, efectivamente efica- zes quando os valores resultantes da inserção siste- mática sejam extrapolados; trata-se, então, porém, já de uma argumentação retirada do sistema interno. E esta é, de facto, do maior significado. Enquanto a interpretação a partir do sistema externo apenas tra- duz, em certa medida, o prolongamento da interpre- tação gramatical, a argumentação baseada no sistema interno, exprime o prolongamento da interpretação tcIeológica (22) ou, melhor, apenas um grau mais ele- vado dentro desta, - um grau no qual se progrida da «ratio legis» à «ratio iuris», e tal como a inter- pretação teleológica (22) em geral a argumentação a partir do sistema interno da lei coloca-se, com isso, no mais alto nível entre os meios da interpreta- <:;10 e:\). (21) Cf., por todos, BAUMGARTEN,Die Wissenshaft vom Recht und ihre Methode, 1920-22, voI. I, p. 295 ss. e lI, p. 617 ss. e Grundzüge der juristischen Methodenlehre, 1939, p. 35 ss.; ENGISCH, Einführung cit., p. 77 ss.; LARENZ,Methodenlehre cit., p. 244 ss. (*) Nota do tradutor: de facto, o § 833/1 do BGB, refe- rente à responsabilidade do detentor de animais, surge na sequência dos §§ 823 e ss., relativos à responsabilidade por actos ilícitos; o § 278 estabelece a responsabilidade dos repre- sentantes e dos auxiliares no domínio obrigacional, corres- pondendo, pois, ao artigo 800.°/1 do Código Civil português. Por seu turno, o § 254/1 do BGB estabelece a regra da redução da indemnização por culpa do lesado, enquanto o § 254/II alarga essa regra às hipóteses em que tal culpa se restrinja ao facto de o lesado não ter prevenido o devedor do perigo de um dano excessivamente elevado, perigo esse que este não conhecesse; nessa sequência, o § 254/II, 2 vem remeter para o § 278, não havendo qualquer n.O III no § 254. Assim se compreende a ilustração feita, no texto, por CANARIS. (22) Teleológica no sentido mais amplo; cf. supra p. 41. e:l) A opinião frequente de que não existe qualquer llier<lrquia firme entre os diversos meios de interpretação não 11H'rece qualquer concordância. Deve-se, antes, conferir à inter- pl'('laç[ío tcleológica a primazia e isso é, hoje, quase sempre Alguns exemplos práticos tornam perceptível o significado da interpretação sistemática para a obten- ção do Direito. Assim, por exemplo, a interpretação do § 833/1 do BGB é consideravelmente solicitada pela sua qualificação como previsão da responsabili- dade pelo risco. Resulta dela, entre outros aspectos, que, como sempre sucede na responsabilidade pelo risco, apenas se responde pelas consequências de um «comportamento arbitrário tipicamente animal» e não, por exemplo, por uma fractura duma perna sofrida por alguém que tropece num gato adormecido ou pelos danos que um cão açulado cause a uma pessoa. Também para a delimitação do conceito de detenção (do animal) se conseguem indícios essen- ciais quando se tente concretizá-lo em conexão com outras previsões da responsabilidade pelo risco, por- tanto de modo conforme com o sistema. É certo que os mesmos resultados se podem obter apenas com a interpretação teleológica do § 833/1; no entanto, não se deve duvidar de que eles, através de uma argumentação baseada nos princípios gerais da res- ponsabilidade pelo risco, não só se tornam mais ráceis de fundamentar mas, também, mais convin- centes ("'1). Há, também questões para cuja solução reconhecido, no seu resultado prático. No que toca, primeiro, à relação entre a interpretação teleológica e a gramatical, é geralmente aceite a proposição de que «o sentido e o escopo da lei estão mais altos do que o seu teor»; quanto ao «sentido literal possivel» constituir, segundo a doutrina dominante, os limites da interpretação e, nessa medida, suplantar o escopo da lei é apenas - descontando proibições de analogia ou fenó- menos similares - um problema puramente terminológico, pois perante um ultrapassar do sentido literal, apenas se transitou da interpretação em sentido estrito para o grau seguinte, o da analogia e da restrição e, com isso, o escopo da lei é, de qualquer modo, erguido à frente do teor literal - demasiado estreito ou demasiado lato. No que respeita, agora, à relação entre a interpretação teleológica e a sistemática, deve-se colo- car a interpretação efectuada a partir do sistema externo, por causa da sua grande insegurança (cf. precisamente, o texto), em qualquer caso, atrás da interpretação teleológica, enquanto a própria interpretação a partir do sistema interno, como se diz no texto, é apenas uma forma de interpretação teleológica. No que, finalmente, se prenda com a relação entre a interpre- tação teleológica e a histórica, também aqui é de conceder o primado à teleológica. Para a teoria objectiva, isso não carece de qualquer justificação; mas também não é duvidoso para a subjectiva, pois também esta não realiza as representações do legislador histórico em todas as singularidades, mas antes pre- tende promover a prossecução dos seus objectivos; a interpre- tação processa-se, portanto, aqui, de modo subjectivo-teleoló- gico e passa inteiramente por cima das representações visíveis do legislador, quando estas sejam inadequadas para a obtenção dos escopos por ele pretendidos, - um processo que um par- tidário tão decidido da teoria subjectiva da interpretação, como HECK, verteu na conhecida máxima da «obediência pensante». (24) Não há qualquer objecção em que as regras sobre o perigo de animais e o conceito de detenção se devam aplicar, segundo a doutrina dominante, também ao n." 2, apesar deste 11,10ser uma previsão de responsabilidade pelo risco, mas sim lima previsão de culpa presumida. Pois por um lado, não é, de modo algum, fatal antes carecendo, apesar da estreita ligação .'xterior das duas prescrições e por força do princípio da rela- Iividade dos conceitos jurídicos, de uma fundamentação autó- 110ma,adequada ao escopo especial do n." 2. Por outro lado, os pontos de vista do risco desempenham um papel essencial apenas resta o recurso ao instituto articulado da res- ponsabilidade pelo risco. Assim, por exemplo, em casos como os do comodato de um animal ou da sua entrega a um treinador ou a um veterinário, não se deve tentar resolver a problemática com ficções como a da construção de uma exclusão contratual de res- ponsabilidade ou da aceitação de um concurso de culpas (25), mas antes apoiar a exclusão da responsa- bilidade no ponto de vista da «livre exposição de interesses» (26), imanente ao sistema e desenvolvido na doutrina geral da responsabilidade pelo risco (27). Da mesma forma, o significado da ordenação sis- temática torna-se patente na questão discutível de se o § 281 do BGB tem aplicação à pretensão do ~ 985 do BGB (*). De novo a argumentação retirada do sistema externo designadamente da inserção do ~ 281 no Direito das Obrigações é pouco convincente. Pelo contrário, a interpretação feita com base no sis- tema interno alcança logo o objectivo. O § 281 com- preende, reconhecidamente, uma pretensão desub- -rogação e, portanto, só pode actuar, existindo os pressupostos do princípio da sub-rogação, desde que a pretensão do § 985 esteja prejudicada. Esta, porém, não desaparece com frequência, dada a sua natureza real, antes se dirigindo contra o novo possuidor; portambém para o n.O2; a simples inversão do ónus da prova compreende um elemento do risco do qual se pode, de facto, retirar uma consonância ampla entre o conceito de detenção e o surgimento de deveres especiais de comportamento, como os que subjazem ao § 83312, ligando-se à particular perigosi- dade do animal: caso o animal provoque um dano sem ser pelo «comportamento arbitrário tipicamente animal», a ocor- rência prejudicial verifica-se, em qualquer caso, fora do escopo de protecção da norma, e já não se trata, então, da eventual prova da ausência de culpa. Aliás, ESSERfaz notar, com razão, que o preceito do n.O 2 está hoje ultrapassado, em termos materiais e que, em consequência, a prática o considera quase como uma previsão da responsabilidade pelo risco (cf. Schuld- recht, 2." ed., 1960, § 203, 4 a). (25) Para essa problemática cf., principalmente, ENNECCE- Rus-LEHMANN,15." ed., 1958, § 253 V. (25) Fundamental, MÜLLER-ERZBACH,AcP 106, p. 351 ss., 396 ss. e 409 ss.; quanto ao assunto, também ESSER,Grundlagen und Entwicklung der Geführdungshaftung, 1941, p. 109 s.; LARENZ,Schuldrecht A. T., § 15 I C. (27) A rejeição de uma responsabilidade pelo risco segundo o § 833/1 do BGB não significa necessariamente que () titular do animal não possa responder, do mesmo modo, independentemente de culpa. Só que isto não é um problema de responsabilidade pelo risco, mas sim uma ordenação do risco contratual, que se deve distinguir dele quer dogmática quer praticamente (fundamental quanto à diferença, WILBURG, Die Elemente des Schadensrechts, 1941, p. 157 ss.); este remete, por exemplo, no comodato, o risco para o comodatário, de tal modo que a atribuição de uma responsabilidade ao titular do animal só ocorre havendo culpa, enquanto que no mandato ou na gestão de negócios, pelo contrário, o titular do animal suporta o risco, com base nos princípios desenvolvidos pela opinião dominante em analogia com o § 670 do BGB. [Nota do tradutor: o § 670 do BGB estabelece a responsabilidade do mandante pelas despesas necessárias do mandatário]. (*) Nota do tradutor: O § 281 do BGB estabelece o commodum da representação, em termos semelhantes aos do artigo 794.° do Código Civil português; o § 985 do BGB, por !H)U turno, determina que o proprietário possa reclamar do I)()ssuidor a restituição da coisa. consequência, em todos estes casos fica excluída a aplicação do § 281. Cessando, pelo contrário, a pre- tensão do § 985 através da perda da posse, já não há qualquer obstáculo contra a aplicação do § 281. Quando a supressão derive de um terceiro de boa fé ter adquirido a propriedade, deve-se, então, conferir a primazia ao § 816 I 1 BGB como lex specialis (apesar da aceitação de um concurso de pretensões parecer defendível) (*). Quando a supressão, pelo contrário, se deva a outros fundamentos - isto é, no essencial, ao próprio perecimento da coisa - então a aplicação do § 281 surge como inteiramente justifi- cada; porque razão não poderá, por exemplo, o pro- prietário pretender o montante do seguro ou a even- tual indemnização (28), quando o § 281 já a concede, perante a mera existência de uma pretensão obriga- donal à coisa e não em face da ordenação real mais rorte?! Quando se parta da ordenação do § 281 no I>istema interno da nossa ordem jurídica, chega-se rapidamente a uma solução convincente: só quando - mas, também, sempre que - caiba uma sub-roga- <;ão, isto é, a substituição de um direito extinto por um novo direito surgido no seu lugar e, portanto, tenha desaparecido a pretensão do § 985, tem apli- cação o § 281. Com isso, tanto se evitam as dificul- dades, receadas pela doutrina dominante, que possam surgir através da co-existência de pretensões do pro- prietário contra o novo possuidor, com base no § 985 e contra o antigo, por força do § 281 (29), bem como as iniquidades a que leva, por seu turno, a doutrina dominante (30), com a sua recusa geral de aplicação do § 281 (31). (28) Baseada, por exemplo, no contrato, em ligação com o § 278 do BGB, desde que, acessoriamente, jogue também a problemátíca da liquidação do dano a terceiro. - Na entrega da prestação indemnizatória ao possuidor - em vez de ao verdadeiro proprietário - aplica-se, em certas circunstâncias o § 816/II BGB, em conexão com o § 851. (*) Nota do tradutor: O § 816 lIdo BGB dispõe: «Quando um não-titular pratique, em relação à coisa, um acto de disposição que seja eficaz perante o próprio titular, fica o não-titular obrigado a restituir ao titular o que tenha obtido através de disposição.» A possibilidade de um não-titular pra- ticar, em relação à coisa, actos eficazes perante o titular liga-se, em primeira linha, ao princípio «posse vale título» o qual, como já foi dito, embora comum na generalidade dos ordenamentos continentais, não vigora no Direito português. Neste, o caso poderia ser posto perante uma aquisição pelo registo. (29) Em compensação, não se mostra que a aplicação do * 281 BGB possa atingir iniquamente o possuidor de boa fé, por ele, porventura, já ter utilizado o sucedâneo para os seus próprios fins, na crença de que ele lhe competia. Ele ficaria, <mtão, normalmente, liberado, nos termos do § 275 BGB. INota do tradutor: o § 275 do BGB estabelece a regra da liberação do devedor pela impossibilidade superveniente da prestação, que lhe seja imputável]. (lO) Quanto a esta cf. principalmente, WESTERMANN, Sachenrecht, 5.a ed., 1966, § 31, IV 4. (:n) Através do § 818 I/2 também nem sempre se deixa obter um resultado satisfatório, quando se aplicam os preceitos ~obre o enriquecimento junto dos §§ 987 ss. do BGB (o que, de I'acto, não levanta problemas a propósito da sub-rogação). .Junto da pretensão baseada no § 985 não necessita de estar a do § 812; segundo o § 819 I, também só o conhecimento posi- Iivo prejudica (no entanto, poder-se-ia pensar em alargar o I I I I1 I L !J!.I;1Jj,,,mrrm 7 Refira-se ainda um terceiro exemplo. Quando se ordenem os § § 171)1 e 172/1 do BGB na responsabili- dade pela aparência jurídica (*), segue-se, daí, que apenas será protegido o terceiro de boa fé e que este deve ter tid() conhecimento da previsão aparente, isto é, da declaração questionável - resultado que não poderia convincentemente ser retirado apenas dos §§ 171/1 e 173, por causa da sua redacção pouco feliz (e que, por consequência, também são discutíveis). Só a ordenação dos § § 171 e 172 numa conexão sistemática geral (32) permite assim captar plenamente o seu conteúdo teleológico e determinar, em cada caso, as consequências jurídicas; joga aqui, ao contrário do último exemplo e em medida mais larga do que no primeiro, ainda um segundo ele- mento, ao qual se irá, em breve regressar: o da pre- servação da unidade valorativa com as restantes previsões normativas de responsabilidade pela apa- rência jurídica (*) (33). o que foi concluído para a interpretação em sen- tido estrito, isto é, para a interpretação das normas no quadro do seu sentido literal vale, mutatis mutan- dis, para a integração de lacunas. A afirmação da jurisprudência dos interesses de que a integração das lacunas não seria possível através duma argumenta- ção a partir do sistema é improcedente para um sis- tema teleológico (34) e, do mesmo modo, também para (33) Como exemplo, cf. ainda a esse propósito, a inter- pretação conforme com o sistema dos § § 370 e 405 do BGB, infra p. 117 s. (34) Isso não quer naturalmente dizer, de forma alguma, que a integração de lacunas a partir do sistema seja sempre possível. A jurisprudência dos interesses tinha toda a razão quanto à rejeição da tese de que a compleitude da ordem jurí- dica sepodia basear no sistema; cf. mais pormenorizadamente infra IV, 4 e § 6 III 1. (*) Nota do tradutor: Os §§ 171/II e 172/II do BGB determinam, respectivamente, que os poderes de representação estabelecidos nesses preceitos subsistam até que a indicação do procurador seja revogada pela mesma forma por que se realizou ou até que o documento seja retirado ao terceiro ou dnclarado sem vigor. Nessa sequência, o § 173 do BGB vem c~;tabelecerque os preceitos referidos não se apliquem quando () terceiro conheça ou deva conhecer, aquando da celebração do negócio, a cessação dos poderes de representação. Todos § 819, para garantir a unidade de valoração com as restantes previsões, de modo correspondente: cf., também, o problema análogo no § 281 e, sobre isso, vide a antepenúltima nota). (32) Coloca-se, nesta, de novo um problema circular. Para o minorar, é necessário um critério que não esteja em conexão com a questão da relevância de má fé; desde que este se encontre, resolve-se o problema. (*) Nota do tradutor: O § 171/1 do BGBconfere poderes de representação perante um terceiro ou perante a generali- dade das pessoas, respectivamente, àquele que, por notificação especial dirigida a esse terceiro ou por anúncio público, seja havido como procurador do declarante; o § 172/1 do BGB,por seu turno, assimila à notificação especial de concessão de poderes de representação a entrega, ao representante, por documento adequado, seguida da apresentação desse documento a terceiro. este não faz sentido a contraposição tão apreciada entre a «construção apreensora» e a «construção integradora de lacunas» (35). Pois, quando no desen- volvimento do sistema interior de uma ordem jurídica, se trate da descoberta dos valores fundamentais constitutivos, surgem aqueles elementos, com cujo auxílio não só a determinação (35a) mas também a integração de lacunas é possível numa série de casos: os princípios gerais. Os exemplos confirmam, de novo, essa afirmação. Quando, por exemplo (com a doutrina ainda plena- mente dominante (36» se qualifica o § 904/2 do BGB como uma previsão normativa de uma responsabili- dade por intervenção (31), obtém-se desde logo, a par- tir daí, a solução para o preenchimento da lacuna contida nesse preceito e, designadamente, para a ques- tão do obrigado a pretensões: o interventor é res- ponsável. Se, pelo contrário, se vir no § 904/2 (de acordo com a opinião mais convincente (38» um caso de responsabilidade pelo sacrifício, a correspondente Incuna, em concordância com as regras gerais e com u consequência interna do princípio do sacrifício, deve integrar-se no sentido de o beneficiário ser o obri- gado (*). Outro tanto vale no tocante à necessidade de imputabilidade do responsável: caso se trate de responsabilidade pela intervenção, ela é exigível, por analogia com os § § 827 s. do BGB; se se tratar de responsabilidade pelo sacrifício, ela é irrelevante (39). Assim, com exemplo no § 904/2 do BGB, não só resulta claro como os pontos de vista decisivos para 1\ integração de uma lacuna provêm, directamente, de uma ordenação sistemática, mas também como o resultado se modifica igualmente, com a qualificação sistemática, - o que não admira quando se repara que na diversa ordenação do § 904/2 se exprimem opiniões opostas sobre o seu conteúdo material. (39) Cf., ainda CANARIS,N. J. W. 64, 1963. (*) Nota do tradutor: Segundo o § 904/1 do BGB, o pro- pt'ietário de uma coisa não pode proibir a actuação, sobre ela, de outrem, quando tal actuação seja necessária para obstar a 11 III perigo actual e quando, com isso, se provoquem, ao pro- prietário danos relativamente pequenos; trata-se, pois, duma previsão de estado de necessidade objectivo. Nessa sequência, Cl ~ 904/1I vem declarar que o proprietário pode exigir uma indcmnização pelo dano que lhe tenha sido infligido. Com- pmende-se, assim, a lacuna de que fala CANARIS:a lei não diz quem deve indemnizar: se o interventor ou se a pessoa lJl'neficiada pela sua actuação. Perante a lei portuguesa, H(~gllndoo artigo 339.°/2 do Código Civil, qualquer deles poderá ~i('1' chamado a indemnizar, de acordo com a decisão do tribunal. estes esquemas visam a tutela da confiança de terceiros, em termos semelhantes aos determinados no artigo 266.°do Código Civil português. (35) Esta terminologia pode ser reconduzida a TRIEPEL; cf. Staatsrecht und Politik, discurso do Reitor em Berlim, 1927, p. 22 s. (35a) Quanto a este cf. de seguida, o texto, infra II2. (36) Cf. a explicação e as indicações em HORN,JZ 1960, p. 350 ss. (37) Este conceito é, no entanto, dogmaticamente, ainda um tanto difuso. (38) Cf., principalmente, LARENZ,Schuldrecht/B. T., 8." ed. 1967, § 72, 1. Do mesmo modo, das teorias da criação, do con- trato, ou da aparência jurídica resultam, no Direito cambiário, consequências práticas, a propósito de uma série de problemas singulares (40). Não procede, pois, a afirmação de HECK de que a decisão por uma ou por outra destas teorias não contém «qualquer juízo de valor» e não deveria ser tomada «antes da integração da lacuna, mas só depois» (41). Existe antes aqui, precisamente, aquele efeito mútuo que foi acima (41a) descrito: procura-se, primeiro, entender as determina- ções da lei com o auxílio de uma das teorias e ordená-Ias nos valores fundamentais do nosso Direito privado; de seguida, retiram-se, da teoria, as conclu- sões para os casos não regulados; pondera-se a con- vincibilidade dos resultados assim obtidos (42); modi- fica-se, disso sendo o caso, a teoria, numa ou noutra direcção, ou renovam-se as suas consequências, e assim por diante. Portanto, não se integra primeiro a lacuna e, então, se confecciona a teoria; a lacuna é antes integrada aquando da formação da teoria e a teoria é elaborada aquando da integração da lacuna. Este processo não é apenas confirmado pela pesquisa fenomenológica (4:\) da formação das teorias jurídicas; ele nem poderia, de antemão, apresentar-se de outra forma, pois só assim a justeza e a unidade da ordem Jurídica poderiam ser garantidas: apenas um perma- nente «vai e vem» pode prevenir o perigo de se solucionar a multiplicidade de questões de que se trata numa problemática tão complicada como a das «teorias dos títulos de crédito», segundo pontos de vista contraditórios, assim como apenas teorias pro- visórias e modificáveis preservam a unidade interior. O referido efeito duplo existe apenas a propósito dos problemas mais importantes, enquanto que para ques- Iôos singulares pouco significativas em termos de formação de teorias, pode não assumir uma particular consideração; as lacunas podem ser desde logo inte- gradas a partir delas, isto é, do ou dos princípios constituintes básicos ou seja, sem que se ordenem os resultados obtidos nem o seu influxo para uma modi- ficação da teoria; para estes casos vale precisamente o contrário da citada proposição de HECK, remeten- do-se de novo para a justificação do princípio da (40) Quanto a estes cf., por exemplo, JACOBI,Ehrenbergs Handbuch IV 1, 1917, p. 304 ss., ENNECCERUS/LEHMANN,ob. cit., § 208 II=p. 844. (41) Cf. Begriffsbildung cit., p. 103; certo, LEHMANN,ob. e loco cito (41a) Cf. p. 89 S. (42) Como se faz tal ponderação é uma questão ainda pouco esclarecida. O sentimento jurídico joga aqui, por certo, um papel essencial; no entanto, e para além disso, dever-se-ia ainda tentar assentar a «justeza material» de um resultado em critérios objectivos tais como a «natureza das coisas», a praticabilidade, a consonância com valores expressos noutros lugares normativos, a confluência com princípios ou valores gerais de Direito tais como a tutela do tráfego ou simi- lares, etc. (I::) Psicologicamente o processo pode, evidentemente, ser divl'I'SO. adequação valorativa. Mas com isso acede-se já ao segundo elemento essencial que confere ao sistema a seu significado para a obtenção do Direito.vador, quer dinamizado r, travando, pois, ou acele- rando o aperfeiçoamento do Direito. No primeiro caso, uma determinada solução é censurada como «contrá- ria ao sistema»; no segundo, ela desenvolve-se, de novo, como determinada pelo sistema; no primeiro caso trata-se essencialmente da prevenção de contra- dições de valores, no segundo da determinação de lacunas. 11- O SIGNIFICADO DO SISTEMA PARA A DEFESA DA UNI- DADE VALORATIVA E DA ADEQUAÇÃO NA INTERPRETA- çÃO DO DIREITO Esse significado emerge da elaboração já efec- tuada neste trabalho a partir do papel acima (44) atri- buído ao conceito de sistema e da definição daí derivada (45). Esta função do sistema distingue-se fundamentalmente da descoberta do conteúdo valora- tivo de um preceito ou de um instituto, acima tratada, embora esteja, com ela, numa relação estreita. Pois enquanto naquela o centro de gravidade reside em entender o especial - ainda que como parte do geral-, trata-se, agora, predominantemente do inverso, isto é, de preservar o geral - ainda que na especialidade. Ambas as funções do sistema se arti- culam entre si, aquando da obtenção do Direito, num efeito mútuo dialéctico, remetendo uma para a outra, mas distinguindo-se, também, entre si. No que toca ao modo de eficácia do sistema na preservação da unidade e da adequação no processo da obtenção do Direito, pode ele ser quer conser- Esta primeira função do sistema é, antes de mais, frequentemente acentuada (45a). Assim, LARENZ con- sidera, com razão, como um «indicativo de uma inter- pretação judicial do Direito bem sucedida», o de que a nova proposição jurídica não entre em contradição com o sistema legal mas antes se deixe «incluir sem quebra no todo pré-existente da ordem jurídica) (4G). Como exemplo de uma interpretação criativa con- trária ao sistema e, por isso, infeliz, refere LARENZ a cessão de garantias (47). Um outro exemplo que se apresenta nesta sequência poderia ser o da «procura- (45a) Cf., por fim, principalmente, ESSER, Wertung, Kons- /Tuktion und Argument im Zivilurteil, 1965, p. 14 5S., que rl'metc expressamente para a «função de controle» das orde- naçfíes sistemáticas. ("I:) Cf. Kennzeichen geglückter richterlicher Rechtsfort- IJildungen, 1965, p. 6 5S., 13. ("') Cf. ob. cit., p. 6 S5. (44) Cf. sobretudo os §§ 1 II e 2 II 2. (45) Ele surge claramente em KRETSCHMAR, Methode der Privatrechtswissenschaft cit., p. 42 e Jher. Jb. 67, p. 273. ção aparente», quando se utilize, como hoje fazem a jurisprudência e a doutrina dominante, alargando-a, para além do Direito comercial, até ao Direito civil e considerando suficiente o desconhecimento descul- pável, do dono do negócio, do aparecimento do talsus procurator; pois então, segundo o regime do erro do BGB, existiria apenas, no caso de falta de consciência da declaração, uma responsabilidade pelo interesse negativo, segundo o § 122, e não uma responsabili- dade pelo cumprimento, como na responsabilidade pela aparência, nada se alterando também quando o erro ou o desconhecimento sejam culposos. O regime do erro do BGB coloca, assim, limites inultrapassáveis a uma interpretação criativa do Direito em tal direc- ção, e fenómenos como a procuração aparente ou as regras sobre a declaração comercial escrita devem ser tomadas de forma a aparecerem como excepções substancialmente justificadas e estritamente delimi- tadas de decisão fundamental do legislador, e não como quebras sistemáticas arbitrárias (48). De outra forma, não se consegue resolver a questão fundamen- tal de quando e em que circunstâncias se pode, em casos semelhantes, encetar uma interpretação cflativa do Direito, com a consequência inevitável de uma quantidade de decisões singulares desconectadas e contraditórias, ou seja, de injustiça e de insegurança no Direito. (18) Cf. CANARIS, Die Vertrauenshaftung im deutschen Privatrecht, 1971, p. 271 ss. o significado prático do sistema para a prevenção de contradições de valores não se mostra apenas na questão de saber se o Direito deve, de todo em todo, ser aperfeiçoado, mas também no problema de como deve ocorrer tal aperfeiçoamento (depois da sua admissibilidade já ter sido determinada). Pois tam- bém aquando da concretização da lei não bastam princfpios jurídicos formativos para a preservação da unidade interior de uma ordenação sistemática (4D). Assim, por exemplo, o princípio da ponderação dos hens só conduz a normas susceptíveis de subsunção através da sua inclusão dogmática na causa de justi- f'icação do estado de necessidade «supra legal» - no qual esta ordenação sistemática é de relevância prá- tica imediata, ou a propósito da possibilidade de legí- lillla defesa contra uma actuação em estado de neces- sidade ou da questão de uma pretensão delitual con- ITa o que agiu em estado de necessidade. Também eom referência a isso surge a concretização do prin- dpio da protecção da personalidade. Também aqui, ('omo já foi suficientemente salientado, o sistema do IlG 13, ou de modo mais exacto, o princípio da limita- <;{\nda tutela delitual a direitos absolutos, teria exi- gido que não se elaborasse um direito de personali- dade «geral» do tipo das cláusulas gerais, mas antes, t'l\1 vez dele, direitos de personalidade assentes em previsões firmes. (1!J) Cf. mais pormenorizadamente, CANARp, Die Fest- .·;ldlul1g von Lücken cito pp. 162 s., 164 ss. mas não escritas, e assim não é de admirar que, mui- tas vezes, a partir de previsões singulares aparente- mente limitadas como, por exemplo, os §§ 122, 179 (~ :·W7 do BGB ou os §§ 171, 172 e 405 BGB ou o ;~42 BGB (*), se tenham elaborado novos institutos pa ra o sistema: os valores corporizados naqueles pre- ceitos são «gerais» segundo o seu peso interior, não se podendo pois excluir que eles tenham influenciado ll1ais ou menos consideravelmente o sistema e o con- I. (~úd()do Direito vigente. Por isso é altamente contes- I. úvel que se censure à jurisprudência o ela procurar «apoios» na lei, para o aperfeiçoamento criativo do Direito. Isso não deveria ser considerado como um «resquício positivista», nem a aspiração de fidelidade :" lei, daí resultante, critica da como fundamentação aparente, antes se reconhecendo que, sob esse pro- cedimento, existe um conhecimento metodológico e filosófico correcto: é designadamente mais fácil demonstrar a mera adequação «formal» de um valor, do que comprovar a sua justiça e adstringibilidade «material» (de lege lata!); e em consequência já se Por outro lado, não se devem subestimar os impul- sos originados pela ideia de sistema, para a comple- mentação do Direito. A ideia da adequação e da unidade do Direito demonstra, designadamente, uma extraordinária força dinamizadora, desde que não se entenda, de modo resignado, o Direito como um conglomerado causal de decisões singulares histo- ricamente acumuladas. Pois o problema de saber se um determinado princípio de Direito é «constitutivo para o sistema» inclui a questão de indagar se ele é «significante» para o âmbito jurídico em causa e este é de novo equivalente à questão da «generalidade» de um princípio. Mas quando se tenha reconhecido uma vez um princípio como «geral», e, em especial, se tenha determinado o seu peso ético-jurídico e a sua hierarquia jurídico-positiva, ele pode conduzir, em ligação com a regra da adequação valorativa, a um aperfeiçoamento inesperado do Direito: não é outra coisa o que sucede com a determinação de uma lacuna com recurso a um princípio geral (50). Em consequência, a elaboração consequente do sistema tem, também neste ponto (50a) inflUência na comple- mentação de uma ordem jurídica. Pois quando um princípio «geral» é elaborado, o princípio da igualdade conduz, em muitos casos, ao reconhecimento de nor- (*) Retorde-se que os § § 122, 179 e 307 do BGB estabe- i"cem, respectivamente, os deveres de indemnizar do decla- rante quando a declaração seja declarada nulaou anulada, do rt'qucrente que não prove os seus poderes quando o represen- I'Ido recuse a ratificação e daquele que conheça a impossibilidade duma obrigação assumida; os §§ 171, 172 e 405 têm, por seu turno, a ver com a tutela de terceiros perante a procuração (lU perante documentos que atestem um débito; o § 242 firma, por fim, o princípio da boa fé. (50) Cf., quanto a isso, CANARIS, ob. cit., p. 93 SS. (50a) Cf., também supra, I 2. conseguiu muito quando se apurou, num preceito, certo princípio jurídico, mantendo-se apenas em aberto a questão de porque não vale ele como «geral». Esta questão implica com frequência ainda o pro- blema espinhoso da valoração (51) e fica-se, aqui, sem- pre no perigo de se perder no círculo entre o geral e o especial: tais dificuldades são, em regra, mais estrei- tas do que as de derivar a adstringibilidade de um princípio de Direito apenas a partir da sua justiça material (52). Assim surge junto à primeira e de algum modo negativa função do sistema, de prevenir o apareci- mento de contradições de valores, a função, em certa medida positiva, de desenvolver o Direito de acordo com o peso interior dos seus princípios constitutivos ou «gerais»; em ambos os casos trata-se da defesa da unidade valorativa, que constata, também, numa lacuna não integrada contra a regra da igualdade, uma contradição de valor, em sentido amplo. «construções» do legislador (5:l). Tê-Io desconhecido foi um dos erros mais pesados de HECK e da juris- prudência dos interesses na sua crítica ao sistema; pois a consideração de que o juiz não está vinculado às construções do legislador, devendo considerá-Ias como um modo de redacção (!) (54), contradiz, numa (5:1) Em consequência, é altamente contestável a afirma- (;fio divulgada de que o legislador não poderia «prescrever directrizes dogmáticas, mas apenas consequências jurídicas». Na verdade, é de concordar em que o legislador não pode eslatuir a justeza de determinada teoria como tal, mas pode decidir-se por ela através das consequências jurídicas. Por isso, w, formulações dogmáticas que o legislador tenha utilizado, bem como as suas tomadas de posição cognoscíveis a favor ou contra determinada teoria não são, por si, vinculativas para 11 Ciência; no entanto, esta está-Ihes vinculada, quando as l'Onsequências jurídicas em causa se deixem esclarecer com Iluxilio das referidas teorias ou quando elas as contradigam. Igualmente problemática é a prevenção ao legislador de que de deveria evitar tomadas de posição em polémicas científicas. De facto, ele deveria guardar-se de «desenvolvimentos de nível doutrinador» e não intervir perante diferenciações materiais que ainda não tenham sido teorética ou sistematicamente «uclaradas»; no entanto não é, por outro lado, tão perigoso com um «inoperante» compromisso entre várias teorias; pois este vai necessariamente conduzir a contradições de valores () à perturbação da unidade interior da ordem jurídica e, com isso a injustiças; assim, e a tal propósito, também se deve acentuar expressamente que o legislador também está ligado ii ideia de sistema (até em sentido constitucional!) - cf. mais pormenorizadamente infra § 6 I 4. (54) Cf. HECK, ob. cit., p. 86 s. e para o exemplo depois referenciado, Sachenrecht, § 78 IV 2; também STüLL, Jher. Jb. 75, p. 171, nota 2, com indicações; mas diferentemente e com razão, RÜMELIN, ob. cit., p. 351 ss. A ordenação sistemática inclui valores em si. Isso não vale apenas para a formação do sistema através da Ciência e da jurisprudência, mas também para as (51) Que se alarga bem para lá do problema de uma mera analogia singular. (52) Quanto à relação entre sistema e justiça material d. também infra IV 3. questão importante, o princípio da lealdade à lei, tam- bém assegurado pela jmisprudência dos interesses. Também isso, como era de esperar, conduziu, em questões práticas, a decisões falaciosas. Um dos mais conhecidos exemplos, que o próprio HECK, sintomaticamente, considerou característico para a sua concepção metodológica (55) é a sua dou- trina da «comunidade de escopo» entre o crédito e a garantia real. Ele polemisa contra o «dogma da imita- ção», segundo o qual o direito de garantia é acessório perante o crédito e preconiza, em sua substituição, a teoria da comunidade de escopo, pela qual o crédito e a garantia, porquanto igualmente dirigidos, em ter- mos económicos, à satisfação do interesse do credor, também formam, para o Direito, uma comunidade «paritária»; ao contrário da construção legal, a rela- ção entre crédito e garantia real não deve, por conse- quência, ser considerada como a do crédito e da fiança, mas antes como a de múltiplos créditos con- juntos entre si (56). Esta opinião não se divulgou e bem. Na verdade, não se trata aqui, de forma alguma, de uma «construção conceptual privada de valora- ção» (57), mas sim de uma valoração nas vestes de uma construção. Diz acertadamente WESTERMANN que «a letra e o sistema da lei» teriam «colocado univoca- mente o crédito e a hipoteca numa relação de direito determinante e determinado» ficando, a tanto, vin- l'uludu ti aJllica(~üo jurfdica; e, com razão, ele acres- (~(1ntaque esta rc1a(~fio corresponde também «à pro- Jt1C~çt\oeconômica que, ao contrário do pretendido por 1111:C1<, n:ío se deixa apenas determinar através da Rurantia, mas sim, segundo o caso normal que cor- responde ao decurso usual das coisas, isto é, ao paga- IlHmto do crédito» ("8). A construção não é, pois, aqui «contrária à vida» - e mesmo nesse caso ela seria villculativa, pois a lei pode também valorar os fenó- IW'Il0S da vida contrariamente à substância, isto é, /) na l:urcza das coisas sem, só por isso, perder a sua 1I(lIüringibilidade - abstraindo de casos de puro arbí- Irio no sentido do artigo 3 GG (59). Por isso, é tam- b('1I1 totalmente inexacto que HECK aplique a sua tcoria até à dívida fundiária e daí derive de uma comunidade de escopo económico uma comunidade de destino jurídico cOm o crédito garantido (60) com a consequência de as modificações na existência de um dos direitos actuarem, sem mais, de igual modo, tUl1lbém no outro. Ora a lei, pelo contrário, pôs à disposição, na hipoteca e na dívida fundiária dois tipos diferentes e quando as partes se tenham deci- dido pela dívida fundiária - portanto pelo tipo que (55) Cf. Sachenrecht, Preâmbulo, p. 111,nota l. (56) Cf. Sachenrecht, § 78; cf. também § 82 e § 101,6. (57) Assim HECK, ob. cit., § 78 IV 2 a. (58) Cf. Sachenrecht, 5." ed. 1966, § 93 II 4 c; cf. também ~ 114 11 1 c (para a dívida fundiária) e § 12 6 I 3 (para o penhor). (ti9) Cf. também infra § 6 I 4 b. (60) Cf. ob. cito § 100, 5 a; pelo contrário, com razão por exemplo WOLFF/RAISER, Sachenrecht, 10." ed. 1957, § 132 I 2 com nota 7; WESTERMANN, ob. cit., § 116 11 1 a. confere ao credor uma poslçao mais forte - elas escolheram, com isso, ao mesmo tempo, também uma ponderação de interesses diversa, mais favorável ao credor. A questão de saber se a aquisição, de boa fé, de um penhor na verdade não existente '- portanto da segunda, terceira ou quarta aquisição de um penho- rante aparente - é possível, oferece um segundo exemplo igualmente sugestivo. A doutrina domi- nante (61) nega-o com referência à construção da transferência do penhor, no § 1250 I 1 BGB: o penhor transmite-se ipso iure, independentemente da tradição da coisa com a cessão do crédito ao novo credor, faltando por isso um dos pressupostos típicos da aquisição de boa fé no Direito dos móveis, em conexão com o princípio da tradição. HECK preconiza, com apelo às necessidades de vida, a opinião contrá- ria e defende «a dignidade de protecção do adqui- rente» não poderia «ceder à construção jurídica injusta do caso anterior» (62). WESTERMANN segue-o, por não ser evidente que a lei não queira tratar o penhor como objecto de comércio (63). Deve seguir-se a doutrina dominante. WESTERMANNelaborou na ver- lindo o ponto de vista correcto mas a resposta deve sor exactamente a inversa: a lei, ao tratar o penhor, a propósito da transmissão, como anexo não autó- I,omo (!) do crédito (<;4), o qual, por seu turno, não é configurado como objecto do tráfego, deixa justa- lItonte entender (66) que ele também não surge como ohjecto de tráfego; pois só assim se pode entender plenamente o §1250, prevenindo-se uma contradição de valores: a colocação, entre as regras do Direito, da cessão vale igual e consequentemente para um lItero «anexo», também a propósito da exclusão fun- damental da aquisição de boa fé, tal como ela é pró- pria deste sector jurídico (66), (67). A construção con- ("1) Para o carácter de anexo, portanto para a renúncia n uma eficácia constitutiva da tradição não é decisivo o facto do se tratar de uma aquisição por força da lei; este último ponto de vista poderia ser contraditado com a objecção de que o § 1250 I apenas exprimiria a vontade presumível das pnrtes, havendo, por isso, uma forma de transmissão negocial IOI',almentetipificada, de tal modo que se possa afirmar uma rwcessidade de protecção do tráfego diferente do caso normal dll aquisição por lei. ("6) Isso vale igualmente pelo prisma da teoria objectiva! Aliús a exclusão da aquisição de boa fé; da parte dos autores da lei, propositada (cf. Mot. llI, p. 837, 2), de tal modo que os partidários da teoria subjectiva devem reconhecer a decisão como vinculativa. (liO) Quanto à hipoteca, o BGBsujeitou consequentemente li cessão do crédito às regras do Direito imobiliário! (li7) Mesmo quando a tradição fosse constitutiva e a Iransferência de penhor seguisse, portanto as regras do Direito mohiliário, a admissibilidade da aquisição de boa fé seria extremamente questionáveI. A posse confere, na verdade, (61) Cf. por todos WOLFF/RArsER,ob. cit., § 170 II 1 com nota 4; BAUR,Sachenrecht, 4." ed. 1968, § 55 B V 3. [Nota do tradutor: segundo o § 1250/1 do BGB,«o penhor transmite-se para o novo credor, através da cessão de créditos. O penhor não pode ser cedido sem o crédito}}.] (62) Cf. ob. cit., § 105 V. (63) Cf. ob. cit., § 132 I 1b. tém pois, de novo, a valoração (68); declará-Ia irrele- vante significa assim desconsiderar a valoração em causa. Deve-se aliás ter em conta, também na interpre- tação criativa do Direito, que as construções legais incluem, em si, valores. Este ponto de vista ganha significado prático, por exemplo, a propósito da trans- ferência de uma pré-notação. Esta não está expres- samente regulada na lei e a doutrina inteiramente dominante resolve, por isso, o problema através de segundo o BGB, a propriedade, mas de modo algum, sem mais, o penhor; é, de facto, muito provável que o possuidor seja, igualmente, proprietário; mas nenhuma verosimilhança comparável joga a favor de que o possuidor não proprietá- rio - o terceiro conhece pois aqui a falta da propriedade!- seja credor pignoraticio: ele pode igualmente ser comodatário, locatário, comissionário, etc. No exacto reconhecimento desta situação, a lei negou a protecção da boa fé perante o poder de disposição e seria uma contradição de valores proteger a boa fé na existência de um direito de penhor, a propósito do qual a mera posse não oferece nenhum fundamento mais seguro do que a propósito do poder de disposição. A partir destas considerações não se poderá, aliás, aplicar também o § 1006 para além do 1227. (68) Que WESTERMANN,ob. cit., o negue, seguindo HECK, não parece consequente perante a sua tomada de posição con- trária (cf. em geral § 93 II4 a e para o penhor, § 126 I 3) à polémica de HECKcontra o «dogma da acessoriedade»; pois também para a configuração do § 1250 I 1, a opção funda- mental do legislador a favor da acessoriedade das garantias reais jogou, indubitavelmente, um papel considerável e assim o relaciona HECK,ob. cit., também expressamente à sua recusa geral do «dogma da acessoriedade». lima aplicação analógica do § 401 BGB, de tal modo qllo a pré-notação se transmita ipso iure com a cessão du crMito garantido (69). Mas com isso decide-se IHuuhnente - o que não é suficientemente enfo- cado - sobre a questão de saber se é possível uma l.Jügunda, terceira ou quarta aquisição de boa fé de uma pré-notação constituída por quem não tenha poderes para isso. Vale, então, exactamente, o que t'ni dito para o correspondente problema quanto ao penhor: porque se trata de uma aquisição exterior ao rogisto O), portanto segundo as regras da cessão de c•.(-ditos e não de acordo com o Direito imobiliário (70), fica excluída uma aquisição de boa fé (71). A coloca- (;flo da transmissão da pré-notação sob o § 401 em vez de sob o § 873 BGB (*) só pode ter o sentido de, ('"1) Cf. por todos RGZ 142, 331 (333); BAUR,ob. cit., Il 20 V 1 a; WESTERMANN,ob. cit., § 84 V 1. Nota do tradutor: (l ~ -101 BGBdispõe a transmissão das garantias, com a cessão do eréditos; corresponde ao artigo 582.° do Código Civil. ('10) Em compensação, é irrelevante que se trate de uma Ilquisição por força da lei; vale aqui a nota 64. (71) Muito duvidoso; quanto à problemática cf., sobre- tudo, BGHZ 25, 16 (23); MEDIcus, AcP 163, 1 ss. (8 ss.); IÜ:INICKE, NJW 64, p. 2373 ss. (2376 ss.); BAUR,ob. cit., \l 20 V 1 a; WESTERMANN,ob. cit., § 85 IV 4, onde, noutra posição, se toma expressamente posição também quanto à problemática metodológica e, contra as considerações do texto, N(' nega o conteúdo valorativo da construção (mas cf. quanto 11 isso supra, nota 68). (*) Nota do tradutor: o § 873 BGB exige a inscrição no I'('gisto predial para a transmissão ou oneração de direitos ~;obr() imóveis; o regime português é, sabidamente, diverso. nela, não se ver um direito de tráfego imobiliário, mas antes, apenas, um meio de garantia independente perante o crédito, ou um anexo do mesmo e assim, tão pouco como em face deste poderá, a propósito daquele, haver uma aquisição de boa fé (72). Com a primeira questão fica pois decidida a segunda; sobre a solução da primeira pode discutir-se; a da segunda está, porém, traçada e aquela divergência deve con- duzir a uma contradição perante a valoração firmada na primeira questão, - por onde se verifica, de novo, o elevado significado assumido pelo sistema para a garantia da adequação valorativa. IV - OS LIMITES DA OBTENÇÃO DO DIREITO A PARTIR DO SISTEMA Urn primeiro limite resulta da natureza teleológica do todos os argumentos sistemáticos bem entendidos. IkV(l nomeadamente ter-se em conta que o sistema lIilo formula de modo adequado o valor em questão e que, por isso, seja sempre necessário um controlo Ideológico - pelo menos implícito - quanto a saber se a premissa maior ou o conceito mais vasto toma- dos ao sistema comunicam plena e acertadamente o conteúdo valor ativo significado. Assim, por exemplo, n proposição muito utilizada como argumento siste- IlIÚ tico, de que na aquisição por força de lei não é d(~ considerar a tutela da boa fé só muito condicio- nalmente é utilizável. Na verdade, ela prende-se com a cOllsideração acertada de que ela se relaciona com a uquisição ex lege independente da vontade das partes (~que, por isso, falta nela, em regra, a necessidade de protecção do tráfego indispensável para a aquisi- (;1\0 de boa fé; não obstante, ela vai, na sua formula- (:fio, para além desta sua ratio. Mas isso é peri- goso porque, desse modo, não se atingem todas as formas de aquisição legal (74), uma vez que uma trans- fer0ncia ex lege pode, em cer~os casos, ser apenas o As considerações produzidas até este momento acentuam o significado do sistema para a obtenção do Direito mais do que o habitual; no entanto, não se deve sobrestimar este, desconhecendo em especial os limites que se põem à obtenção sistemática do Direito (73). Cabe, a tal propósito, distinguir vários aspectos. (72) Para a objecção de que no § 401 esteja também referenciada a hipoteca e de que,quanto a esta, não procedem as considerações do texto cf. supra, nota 66. (73) Cf. quanto a isso HERSCHEL, BB 66, p. 761 S8., que tem contudo em mente, sobretudo, a argumentação baseada no sistema «externo». (71) Assim a hipoteca conforme com o § 1153 I BGB transmite-se, por força da lei (!) com a transferência do crédito ", simultaneamente, não se duvida que, segundo o § 892 BGB, Jlossa ser adquirida de boa fé. A proposição criticada também niw se harmoniza, na sua generalidade, com o § 366 lU HGB. revestimento técnico de uma transmissão (mediata- mente) negocial (75). Assim por exemplo o direito «legal» de penhor do empreiteiro, segundo o § 647 BGB poderia ser, na verdade, apenas um penhor «negocial» tipificado na lei, para que se pudesse afir- mar a possibilidade de uma aquisição de boa fé (76) ; o § 647 apenas ordena o que as próprias partes de forma típica e razoável teriam acordado (77). A pro- posição arvorada a argumento sistemático, sobre a recusa de protecção da boa fé na aquisição por força de lei só pode, por isso, ser utilizada quando, em princípio, se lhe veja, por detrás, o seu princípio jurídico constituinte e, sendo o caso (através de uma espécie de «redução teleológica»), ele seja conse- quentemente limitado. Ilislemu (desenvolvidamente discutida no antepenúl- liIIIo parágrafo). Desta resulta, designadamente que IIflo se deva tomar como resultado final a determina- (;flo de que o sistema (até então existente) exige ou contradita uma determinada solução, mas antes ape- 1111M como a possibilidade de um aperfeiçoamento do .'lÍs/,ema; o que pareça, ou, até, seja, em certa altura, como contrário ao sistema, pode, pouco mais tarde, liurgir ultrapassado. Do mesmo modo deve-se evitar, perante a obtenção do Direito a partir do sistema, () mal-entendido de que o sistema é sempre dado, de antemão, como pronto e, desde logo, faculta as solu- l:i)es para os problemas. Antes vale também para o sistema o que ENGISCH (78) averiguou para a ideia de «unidade da ordem jurídica» - a este subjacente: não (. apenas axioma mas, também, postulado, não apenas pré-dado mas, também, a elaborar e significa, para as l'l~lações entre formação do sistema e obtenção do Direito, que entre estes não existe uma dependência unilateral mas sim uma relação mútua (79); tal como o sistema influencia a obtenção do Direito, assim se desenvolve, de modo inverso, a formação plena do sistema apenas no processo de obtenção do Direito. /'ura além de sob a prevenção do «controlo teleoló- Um segundo limite essencial à obtenção do Direito a partir do sistema resulta da abertura do (75) Tal é, por certo, o caso com o § 1153 I BGB, mas deveria, por exemplo proceder também perante os § 401 e § 1250 do BGB; nos dois últimos casos não é contudo igual- mente possível qualquer aquisição de boa fé; cf. supra, m. (76) Quanto à discutida questão cf. principalmente, por um lado, BGHZ 34, 122 e 153 e, por outro, WESTERMANN, ob. cit., § 133 I, com extensas indicações. (77) Caso não houvesse § 647 BGB, a jurisprudência cau- telar já teria há muito retirado a inclusão de um direito de penhor nas cláusulas contratuais gerais do empreiteiro e o § 1207 BGB seria, então, imediatamente aplicável! C''') Cf. Die Einheit der Rechtsordnung, p. 69 s. (cf. tam- IJt"1ll p. 83 s.); concorde, LARENZ, Methodenlehre, p. 135 s. ('") Esta só se pode entender inteiramente como dia- It"dica. gico», cada argumento sistemático coloca-se assim ainda sob a da possibilidade de um desenvolvimento ou modificação do sistema (80) . IIrgumentos slstemãticos, por definição, nada mais I'l'presentam do que os valores fundamentais da lei Jl('nsados, até ao fim, em termos de igualdade e que /I sua legitimidade e a sua força reguladora resultam, n\ll simultâneo, da autoridade do Direito positivo e da dignidade do princípio da justiça. Num exemplo particularmente característico do I)ireito do trabalho, torna-se patente como é duvidosa " tentativa de, com recurso à justiça material, deter soluções sistematicamente alcançadas. Corresponde, reconhecidamente, à jurisprudência constante e à dou- Irina que um trabalhador, perante uma «actividade lendencialmente danosa» não seja, em certas circuns- ([meias, obrigado a indemnizar o empregador ou, pelo menos, não totalmente, apesar da presença dos pres- supostos de uma «violação positiva do crédito» ou de um facto ilícito. Isto é tão claro em princípio quanto obscuro nos aspectos singulares, havendo, aí, sobre- tudo discussão quanto à questão de saber as circuns- tâncias requeridas para a presença de uma indemni- zação e para calcular o seu montante em concreto; em especial, é duvidoso se, em tal sequência, também silo de ter em conta pontos de vista «sociais» tais como a idade, o estado familiar e as relações patri- rnoniais do trabalhador. Por fim, contraria claramente o sistema do Direito civil que tanto a respeito do fundamento do dever de indemnizar como a propósito do seu montante (§ 254 BGB!) se considerem apenas critérios de imputação e não, também, aspectos sociais do tipo citado. No entanto, é conforme ao sistema uma solução erguida apenas sobre critérios Recomenda-se cuidado quando se critique uma solução «justa perante o sistema» com recurso à «justiça material» (81). Pois a oposição que subjaz a uma tal argumentação não existe, fundamentalmente, de forma alguma; pelo contrãrio: o sistema, como conjunto de todos os valores fundamentais constitu- tivos para uma ordem jurídica, comporta justamente a justiça material, tal como esta se desenvolve e representa na ordem jurídica positiva; com razão caracterizou, por isso, COINGo sistema como a ten- tativa de «comportar o conjunto da justiça com refe- rência a uma determinada forma de vida social num conjunto de princípios racionais (82), e tendo mesmo LARENZequiparado-o a uma «ideia de Direito histori- camente concretizada» (83). Nesta sequência deve-se, por isso, acentuar ainda mais expressamente que os (80) Quanto aos aspectos singulares pode remeter-se para as considerações do § 3; cf. ai, em especial, o n: IV. (81) Ê típica a forma - em regra usada de modo total- mente irreflectido - de que a justeza sistemática ou a unidade do sistema não pode «singrar às custas da justiça material». (82) Cf. zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 28. (83) Cf. Festschrift für Nikisch, p. 304. de imputação e perante um ilícito culposo por parte do trabalhador ponha em campo o princípio da imputação pelo risco contra o empregador, em termos que minorem ou excluam a responsabilidade (84). A opinião contrária não considerou, de facto que ela seja «adequada ao sistema», mas tenta justificar a sua contrariedade ao sistema - expressa ou implici- tamente - através do apelo a pretensas exigências da justiça material (8:» que, aqui, com base na parti- cular natureza da relação de trabalho, deveriam tor- 1m!" necessano um desvio aos princlplOs gerais do IIOSSO Direito de responsabilidade civil. Mas poder- se-ú verdadeiramente afirmar que na relação de tra- balho, aquando da determinação de um dever de illdemnizar, apenas (86) a consideração das relações patrimoniais, do estado familiar, etc., corresponde li justiça material? Colocar a questão é negá-Ia. Pode-se, pelo contrário, considerar até como uma patente injustiça que, por exemplo, um trabalhador li L1C casualmente recebeu uma herança ou que é ainda solteiro, em restantes circunstâncias idênticas, deva Ilagar uma indemnização mais elevada do que o seu colega mais pobre ou casado? O que corresponda, aqui, à justiça material não se deixa determinar (/ priori, mas apenas se pode decidir perante o Direito positivo vigente na altura, no qual a justiça encontrou a sua realização concreta; esta opõe-se aqui, como foi dito, claramente à consideração daqueles pontos de vista sociais. (84) Quanto a esta consideração, cf., principalmente, GAMILLSCHEG/HANAU,DieHaftung des Arbeitnehmers, 1965, p. 34 ss.; LARENZ,Schuldrecht B. T., § 48 II d; CANARIS,RdA 66, p. 45 ss. (85) Característico, por último, WIEDEMANN,Das Arbeits- verhiiltnis aIs Austausch- und Gemeinschaftsverhaltnis, 1966, p. 20. Pode-se facilmente inverter a censura de que as exi- gências da justiça material contundem com a unidade do sis- tema, jogando-a contra o próprio WIEDEMANN;pois a ordena- ção sistemática por ele adoptada previamente leva-o a limitar as regras sobre trabalho tendencialmente perigoso à relação de trabalho e isso pode, como o deixou claro sobretudo o «caso da ultrapassagem do automóveh>, decidido pelo BGH (AP Nr. 28 ao § 611 BGB Haftung des Arbeitnehmers com ano A. HUECK),provocar injustiças consideráveis. Finalmente, o próprio WIEDMANNparece subentender, que, com um «acordo táctico», poderia auxiliar, do seu ponto de partida, de caso em caso, uma repartição adaptada de riscos (cf. p. 19); a aceitação de convenções «tácitas» entre as partes é, por causa do seu carácter fictício, reconhecidamente, sempre um indício claro de que existe uma fundamentação aparente e que, em conse- quência, as premissas carecem de correcção. De resto, o prin- cipio do risco desempenha também em WIEDEMANNum papel 1<'10 considerável (cf. sobretudo as considerações da p. 18 S. que, no essencial, merecem total aplauso, enquanto também () caso da ultrapassagem do automóvel, na minha opinião, ((pveria ter sido decidido de outra forma, d. RdA 66, p. 48), que não é bem compreensível porque não o reconhece como fundamento jurídico da limitação da responsabilidade e assim :w possibilitando a reinclusão desse instituto no sistema do 110SS0 Direito de responsabilidade civil. (8U) Caso o ponto de vista contrário, conforme com o ::istema, pudesse ser reconhecido como materialmente justo, c:liria por terra a exigência de considerações de circunstân- cias sociais. o exemplo do trabalho tendencialmente danoso é ainda, nesta sequência, rico em doutrina, noutro propósito. Mesmo quando, de acordo com a opinião aqui sufragada, se derive a solução apenas a partir da confluência de específicos elementos de imputação de ambos os lados, não se trata ainda, precisamente, de um exemplo modelado de fidelidade ao sistema, pois o Direito escrito não compreende qualquer apoio para uma limitação da responsabilidade do trabalha- dor perante o empregador. Na verdade, não se pode negar que surgiram aqui exigências de justiça mate- rial contra o sistema (originário) do nosso Direito da responsabilidade civil e que conduziram à forma- ção de um novo e não escrito fundamento de imputa- ção. Tão-pouco se deve negar que em casos especiais possa ocorrer um conflito entre justeza sistemática e justiça material e que, em certas circunstâncias, ele possa ser decidido a favor da última; pois como se apresentou desenvolvidamente no § 3, o sistema é «aberto», portanto permeável a uma modificação; um tal aperfeiçoamento pode resultar também de exi- gências da justiça material (87). Sob que circunstân- cias cabe a estas a primazia não é, contudo, nenhuma questão específica da problemática do sistema, mas antes pertence ao tema da admissibilidade da inter- pretação judicial criativa, em especial, à obtenção do Direito com recurso à «ordem jurídica extra-legal», Illio podendo, por isso, ser aqui mais discutida (88). I)('qualquer modo, resulta do que se disse - e ape- IlUS isso é, aqui, decisivo - que os pontos de vista da Justiça material não podem, sem mais, ser contrapos- tos a argumentos do sistema, mas sim que aqui é nntes necessária uma justificação especial (e normal- mente muito difícil) de que carece qualquer interpre- ta(:[(o criativa e, em particular, aquela que se apoie em critérios extra-legais (89). No que toca ao insti- tut.o do trabalho tendencialmente danoso, verifica-se de imediato que essa justificação reside na intenção de restringir a responsabilidade do trabalhador (90) e, accssoriamente, na ideia de considerar, contra o sis- t.ema do nosso Direito de responsabilidade civil, cir- (88) Na minha opinião, um semelhante aperfeiçoamento juridico - descontando crassos vassos de «injustiça legal» - é admissivel sob a dupla pressuposição de que, por um lado, nfio se oponham aos valores do Direito positivo e que, por outro, um «princípio geral do Direito» a exija, residindo o rundamento da sua validade ou na «ideia de Direito» ou na «natureza das coisas»; cf., mais desenvolvidamente, CANARIS, Die Feststellung von Lücken, ob. cit., p. 95 s., 106 ss., 118 ss. e supra, p. 69 s. (89) Cf., quanto a isso, a nota anterior. (90) Onde fica ela, de modo exacto, é uma questão de direito do trabalho que não se aprofunda, em particular, a este propósito. Decisiva, em último lugar, deveria, de facto, ser a natureza especial da relação de trabalho (e contratos apresen- tados) e a situação atípica de risco, perante os outros contratos (quanto à opinião própria, cf. RdA 66, p. 45 ss.); do ponto de vista metodológico trata-se, pois, de uma argumentação com auxílio de um princípio jurídico geral legitimado pela «natureza das coisas» (o do princípio do risco). (87) Cf. a tal propósito, sobretudo o § 3 II e IV 1, em especial p. 70 s. cunstâncias sociais como as relações patrimoniais, o estado familiar, etc., independentemente do facto de cada aperfeiçoamento ou modificação do sistema não poder prosseguir, como as circunstâncias o exigi- ram (91). Resumindo, deve dizer-se: a solução adequada ao sistema é, na dúvida, vinculativa, de lege lata e é, fundamentalmente de reconhecer como justa, no domínio de uma determinada ordem positiva; pontos de vista de justiça material contrários ao sistema só podem aspirar à primazia perante argumentos do sistema quando existam as especiais pressuposições nas quais é admissível uma complementação do Direito legislado com base em critérios extra jurídico- -positivos. ',',0111, no fundo, apenas a consequência evidente de ,Iolmminadas qualidades do sistema, que existem com lolal independência da problemática da obtenção do Direito: da sua natureza teleológica e da sua «aber- 1lira». Perante elas há contudo também casos nos quuis ocorrem autênticos - e altamente perturbado- I"'S - atentados à obtenção do Direito a partir do Ilistema. Não seria apenas ingénuo acreditar que ('(Ida questão jurídica se deixaria solucionar a partir do sistema, sucedendo ainda, além disso, que a deci- ~{l\l) consentânea com o sistema seja inconciliável com o Direito vigente: lacunas no sistema e quebras no .'Ii.o.;(,ema são um fenómeno familiar para o jurista. A obtenção do Direito a partir do sistema vê-se, em ('onsequência, confrontada com limites inultrapassá- vcis, que são os mesmos que se deparam à formação do sistema. Mas estes últimos colocam um círculo próprio de problemas, que assume o maior signifi- cudo para o papel do pensamento sistemático na jurisprudência e, por isso, deve ser discutido de seguida (92). 4. Os limites da formação do sistema como limites da obtenção do Direito a partir do sistema As prevenções até aqui realizadas quanto à obten- ção do Direito a partir do sistema não representam verdadeiras falhas nele mas, tão-só, como que limites imanentes; pois tanto a necessidade de controlo teleo- lógico como a possibilidade de um aperfeiçoamento do Direito - e na última devem-se também contar os poucos casos nos quais a justiça material pode prosseguir contra a adequação sistemática - tradu- (91) Já acima foi dito que não se trata aqui da conside- ração de pontos de vista sociais. § 6.° OS LIMITES DA FORMAÇÃO DO SISTEMA A referência aos limites de uma obtenção do Direito a partir do sistema, que constitui a conclusão tio último parágrafo, indicou logo os limites postos ao pensamento sistemático na Ciência do Direito. De facto a formação de um sistema completo numa determinada ordem jurídica permanece sempre um objectivo não totalmente
Compartilhar