Buscar

CANARIS Pensamento sistematico e conceito de sistema no Direito 2

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PENSAMENTO SISTEMATICO
E CONCEITO DE SISTE1\![A
A
NA CIENCIA DO DIREITO
Introdução e tradução de
A. MENEZES CORDEIRO
tema móvel, um papel especialmente importante uma
vez que ele, como se disse, dá, de modo muito feliz,
um meio termo entre as previsões normativas firmes
e as cláusulas gerais e confere uma margem quer à
tendência generalizadora da justiça, quer à individua-
lizadora. É, porém, apenas uma das várias possibilida-
des formulativas a considerar não devendo, por outro
lado, sobreestimar-se a sua capacidade. Com esta
limitação pode-se, no entanto, dizer que a ideia de
um sistema móvel, tal como foi desenvolvida por
WILBURG, constitui um enriquecimento decisivo do
instrumentário quer legislativo quer metodológico (45)
devendo, por isso, incluir-se sem dúvida entre as
«descobertas» jurídicas significativas (46).
o conceito e as qualidades do sistema jurídico
estão suficientemente esclarecidas para se poder pas-
SHr à questão que, em última análise, é decisiva para
() significado do pensamento sistemático na Ciência
do Direito: a da relevância «prática» do sistema. De
facto, uma pesquisa sobre a problemática do «pensa-
mento sistemático e conceito de sistema», tornar-se-ia
pouco significativa se não implicasse tomadas de
posição que assumissem, também, importância «prá-
tica»; de facto, a Ciência do Direito é, como poucas
outras Ciências, imediatamente dirigi da e preparada
para efeitos «práticos»; a questão do seu «valor na
vida», para utilizar a linguagem da jurisprudência dos
interesses, coloca-se, assim, no meio da discussão do
sistema. Neste sentido, a «praxis» é a aplicação do
Direito aos factos concretos; o problema reside, então,
no explicitar de modo preciso, se cabe ao sistema um
qualquer significado no tocante à obtenção das pro-
posições jurídicas convenientes.
Esta possibilidade é negada, com convicção, por
lllna opinião muito difundida. Segundo ela, o sistema
n{io possui qualquer «valor na vida» e, em especial,
sobre a extensão conveniente do seu âmbito de aplicação; cf.,
sobre isso, por todos, HEDEMANN, Die Flucht in die Gene-
ralklauseln, 1933; F. V. HIPPEL, Richtlinien und Kasuistik im
Aufbau von Rechtsordnung, 1942;mais recentemente, sobretudo
HENKEL, ob. cit., p. 357 ss. e 360 ss.
(45) Metodologicamente, deve-se distinguir, quanto ao
significado, as partes móveis do sistema das cláusulas gerais
e, nessa linha, interpretá-Ias restritivamente, admitindo, por
exemplo, no § 254 BGB, apenas pontos de vista específicos de
imputação; por outro lado, deve-se conferir à ideia de sistema
móvel também um papel particular na própria concretização
das cláusulas gerais; cf., quanto a isso, infra, p. 152 ss. Nota
do tradutor: recorde-se que o § 254 do BGB se reporta à culpa
do lesado.
(46) O conceito de «descoberta jurídica» provém de
DOLLE que, no entanto, o exemplificou em dimensões dogmá-
ticas; cf. a intervenção perante o 42. deutschen Juristentag,
voI. 11das «Verhandlungem>,Tübingen, 1959.
qualquer «valor de conhecimento» e>, nem qualquer
valor para a obtenção do Direito; apenas valor de
«representação ou de ordenação». Este entendimento
do sistema remonta à jurisprudência dos interesses
mais antiga e) , podendo, contudo, ainda hoje contar
com apoio predominante. Como representativa cite-se,
desde logo, a tomada de posição do KRIELE. Ele pre-
tende que hoje «as tentativas de obtenção do Direito,
a partir de um sistema, através da dedução, desem-
penham na prática, apenas um papel relativamente
pequeno» (3) e que, de facto, «a obtenção do Direito
Iliio poderia ganhar qualquer alento ao aceitar um sis-
tema pré-elaborado» (i); pois: «O sentido de um tal
sistema poderia ser múltiplo: ele serve objectivos
didácticos, serve a repartição exterior e, com isso,
a orientação àcerca da ordem jurídica, serve, na polí-
(ica legislativa, a elaboração apurada das leis... e
coisas semelhantes. Só não serve a interpretação (ü)>>.
Também neste ponto, a discussão é confundida
pelas obscuridades quanto ao conceito de sistema
subjacente. Tudo o que é alegado pelos adversários
do pensamento sistemático respeita, designadamente,
a apenas dois tipos bem determinados de sistema: ao
sistema «externo» ou ao sistema axiomático-dedutivo.
Assim, a polémica de HECK contra a «construção sis-
temática» (6) prende-se, imediatamente, com a luta da
jurisprudência dos interesses contra o «método da
inversão», utilizado pelos partidários da jurisprudên-
cia dos conceitos e só pode, por consequência, visar
o sistema lógico-dedutivo que subjaz àqueles (7).
E também KRIELE deveria ter em vista um conceito
de sistema muito semelhante, pois ele fala, expres-
(1) No sentido de conhecimento do que seja o Direito
vigente; em compensação, não se nega, em geral, ao sistema,
um valor didáctico no sentido da facilitação do entendimento
da lei.
(2) Cf., principalmente, M. V. RÜMELIN, Bernhard Wind-
scheid und sein Einfluss auf Privatrecht und Privatrechtswis-
senschaft, 1907, p. 40 ss. e Zur Lehre von der Juristischen
Konstruktion, ArchRWirtschph. XVI (1922/23), p. 343 ss.
(349 ss.); HECK, Das Problem der Rechtsgewinnnung, 1912,
2." ed. 1932, p. 9 ss. e Begriffsbildung und Interessenjurispru-
denz, 1932, p. 66 S8., 84 8S., 91 S8. e 188 ss.; STOLL, Begriff
und Konstruktion in der Lehre von der Interessenjurisprudenz,
Festgabe für Heck, Rümelin und Schmidt, 1931, p. 60 ss.
(p. 68 s., 76 ss. e 112 ss.). A óptima justificação do pensamento
sistemático, perante os ataques da jurisprudência dos interesses,
feita por KRETsCHMAR,Über die Methode der Privatrechtswis-
senschaft, 1914, p. 42 ss. e Jher. Jb. 67, 264 sS., 273 ss. e 285 ss.,
nunca obteve, infelizmente, uma atenção bastante. Cf., mais por-
menozidamente, também BAUMGARTEN,Juristische Konstruktion
und Konstruktionsjurisprudenz em: Festgabe für Speiser, 1926,
p. 105 ss.
('3) Cf. Theorie der Rechtsgewinnung, 1967, p. 97.
(1) Ob. cit., p. 97.
(li) Ob. cit., p. 98 (os itálicos foram acrescentados).
(n) Cf., principalmente, Begriffsbildung, p. 66 ss. (69 s.)
(~ 188 ss.
(7) Com isso, HECK equipara-o também, simplesmente,
110 si:;tema «externo», o que torna a sua polémica ainda menos
I'xada; d., por exemplo, ab. cit., p. 196 (refere-se, aí, aliás, o
r:i,:t<'lila externo da Ciência e não o da lei).
samente, de «dedução» a partir de um sistema (8) e
refere-se ao sistema «axiomático)} (9). Finalmente,
ainda hoje, o pensamento sistemático é, na maioria
dos casos, equiparado sem mais e de forma totalmente
acrítica, à «jurisprudência dos conceitos»; reside aí
uma das objecções mais preferidas para afastar um
argumento sistemático considerando-o, sem discussão
de maior, como «conceptual» e, por isso, ultrapas-
sado:-- num processo que gosta de passar por
moderno, mas que no estado actual da doutrina, antes
surge antiquado. Como se viu no parágrafo segundo,
existe uma multiplicidade de conceitos diferentes de
sistema e não se pode, de modo algum, afirmar de
antemão, que a crítica feita, com razão, à possibili-
dade de obtenção do Direito a partir de um sistema
lógico ou axiomático-dedutivo proceda, sem mais, em
relação aos restantes tipos de sistema.
Pelo contrário! O significado do sistema para a
obtenção do Direito torna-se evidente quando se
subscreva a opinião, aqui defendida, do sistema
«interno» de uma ordem jurídica como axiológico ou
lelcológico (10); o· argumento sistemático é, então,
apenas uma forma especial de fundamentação teleoló-
I:íca e, como tal, deve, desde logo, ser admissível e
n.'lcvante. Pode-se, nessa linha, falar de uma «capaci-
dade de derivação teleológica ou valorativa» do sis-
lema, desde que se enfoque que a «derivação» não
NU deve entender no sentido de dedução lógica mas
HiITIno de ordenação valorativa. Isto não se deve
reconhecer apenas para o sistema, acima proposto,
de princípios gerais de Direito, mas sim para qualquer
sistema teleológico, em especial paraos dos corres-
pondentes conceitos ou valores, nos quais os resul-
tados práticos, perante uma correcta configuração
Histemática que corresponda à articulação dos dife-
rentes sistemas teleológicos entre si (11) devem ser
sempre os mesmos (12).
Com isto, apenas se evidenciou a possibilidade
fundamental de aproveitar o sistema para a obtenção
do Direito; trata-se, agora, de elaborar o seu signifi-
cado particular nesse domínio, bem como em especial
ns cspecificidades do pensamento sistemático perante
outras formas de argumentação teleológica. Também
nqui se pode, de novo, trabalhar com os dois elemen-
(8) Cf. ob. cit., p. 97.
(9) Cf. ob. cit., nota 1. No entanto, os exemplos dados
por KRIELE, na nota 2, depõem em sentido contrário, uma vez
que os seguidores das opiniões ai citadas não podem partir de
um sistema axiomático dedutivo. Infelizmente, KRIELE não
debateu, em pormenor, as teorias por ele citadas e assim não
se reconhece, com clareza, onde vê as fraquezas delas. As
objecções por ele inseridas no texto procedem apenas contra
um sistema axiomático-dedutivo; por isso, é de respeitar que
também KRIELE incorra no mal-entendido de, quando se trate
de um sistema jurídico, apenas referenciar uma realidade
daquele tipo.
('0) Cf. supra, § 2 II 1.
(l') Cf., quanto a isso, supra § 2 II 2 a.
(' ,,) Ê evidente que o mesmo argumento sistemático tanto
111' pode obter, por exemplo, a partir do conceito de negócio
iurfdico teleologicamente entendido, como do princípio da auto-
',"mia privada.
tos do conceito de sistema: o da ordenação teleoló-
gica e o da defesa da unidade valorativa e da ade-
quação do Direito.
l'Ill' sem significado prático, para a jurisprudência dos
conceitos, a discussão sobre a qualificação de um
determinado acto das partes como negócio jurídico;
pelo contrário, quando se pergunta pela natureza dos
('sponsais, pergunta-se se estes se devem considerar
como um contrato, como uma pura relação de facto
ou como uma relação obrigacional «legal» especial,
baseada na confiança e se, em consequência, o rom-
pimento dos esponsais representa uma violação con-
tratual, um delito ou uma quebra na confiança (Ir5).
Outro tanto acontece na célebre querela entre a
I(~oria da criação e a teoria contratual (entre
outras (17» àcerca da «natureza» do acto de forma-
<';üode um título de crédito.
No entanto, este processo de «determinação da
essência» não é, por assim dizer, um processo de
s(~ntido único, pelo qual o objecto seja, primeiro,
lota!mente desconhecido e, depois, de repente, atra-
V(~S da ordenação sistemática, se tornasse compreen-
1- ORDENAÇÃO SISTEMÁTICA E DETERMINAÇÃO DO CON-
TEÚDO TELEOLóGICO
Quando se «ordena sistematicamente», de certa
forma, um fenómeno jurídico, está-se, em regra, com
isso, a fazer uma afirmação sobre o seu conteúdo
teleológico. Por exemplo, quando se qualifica um pre-
ceito como uma previsão de responsabilidade pelo
risco, de responsabilidade pela aparência jurídica ou
de responsabilidade por facto lícito ou quando se
caracteriza uma pretensão como pretensão sub-roga-
tória, não se servem, apenas, «escopos de represen-
tação ou de ordenação» (13). Pelo contrário: com isso,
solicitam-se de imediato os valores e, em especial,
os princípios gerais da ordem jurídica que estejam
por detrás das normas questionadas. Uma querela
sobre uma ordenação sistemática é, por isso, em
regra, também uma querela sobre a «essência» de
um fenómeno jurídico (14), isto é, predominantemente
àcerca do seu conteúdo valorativo dentro do Direito
vigente (15). Por exemplo, não seria falacioso conside-
('n) Cf., também BEITZKE, Festschrift für Ficker, 1967,
p. R4, que, com razão, pergunta qual das teorias pode «dar
lima melhor explicação da essência dos esponsais e das suas
('ollscquências jurídicas». Não se deve entender aqui a «expli-
C;]I;i:íO»como uma derivação causal a partir da teoria - um
11Ial·cntendido no qual caiu, em especial, a velha jurisprudência
do:; interesses - mas antes como descoberta do sentido inte-
rior do instituto e da adequação (valorativa) das consequências
illrídicas singulares.
(I 'I) Trata-se, além disso, da defesa da unidade do nosso
Diwito (cf. já supra p. 39 s.), o que não pode ser rigidamente
::('parad~ da determinação da natureza (cf., mais pormenori-
/'adamcnte, infra II (1».
(13) Cf., na sequência, vários exemplos.
(14) Assim, com razão, ENGISCH, Stud. Gen. 10 (1957),
p. 188 S.
(15) Não se trata, pois, em regra, de uma consideração
a priori.
sível. Existe, antes, um efeito mútuo entre o conhe-
cimento do objecto em causa e a sua qualificação
sistemática (18). Deve-se, por exemplo, conhecer pri-
meiro a ratio legis do § 833/1 BGB antes de poder
ordenar esse preceito na responsabilidade pelo risco.
Mas por outro lado, a descoberta dessa ratio seria
bem mais difícil se a categoria sistemática da res-
ponsabilidade pelo risco não estivesse já disponível.
Além disso - o que é ainda mais importante - só a
ordenação sistemática permite entender a norma
questionada não apenas como fenómeno isolado, mas
como parte de um todo. O § 833/1 do BGB, por exem-
plo, entende-se mais cabalmente e melhor quando se
veja como uma previsão de responsabilidade pelo
risco, entre outras, do que quando se reconheça a sua
ratio legis - o dever de indemnizar pelos riscos pro-
vocados por um animal. Inversamente, o sistema
sofre, através da ordenação de uma nova previsão
normativa, em certas circunstâncias, um enriqueci-
mento ou uma modificação interiores, pois o especial
não é, aqui, uma mera sub-espécie, antes surgindo
como elemento constitutivo do geral (19). Existe por-
tanto, um processo dialéctico de esclarecimento duplo.
Não se pode negar que, desse modo, não ameace o
perigo de um círculo fechado; no entanto, trata-se
apenas de um caso especial do círculo entre o geral
e o especial, também bem conhecido na Hermenêu-
tica ("0); ele é próprio de todas as ciências do espírito
c nunca se deixa excluir de antemão.
Com isto, não se pode duvidar do «valor para o
conhecimento» da ordenação sistemática; daí resulta,
também o seu significado para a obtenção do Direito;
como se trata aqui do esclarecimento do conteúdo
teleológico, ela não pode, perante a jurisprudência
preponderantemente virada, hoje, para a argumenta-
ção teleológica, surgir sem influência na interpreta-
(;ão e no aperfeiçoamento do Direito. As ordenações
sistemáticas desempenham, de facto, um papel con-
siderável, em todos os níveis da obtenção do Direito.
A «interpretação sistemática» ocupa assim um
lugar firme entre os «cânones da interpretação» jurí-
(18) Cf. ENGI5CH, ob. cit., p. 189; concordante, também
DIEDERICH5EN, NJW 66, 701.
(19) O geral não se deve aqui entender como «geral-
-abstractQ», mas sim como «geral-concreto», no sentido de
HEGEL.
("0) Quanto a esta problemática cf., principalmente,
SCIILEIERMACHER, Werke I 7, 1838, p. 37 e 143 ss.; DILTHEY,
(;{'I/wnmelte Schriften VII, p. 212 S.; COlNG, Die juristischen
IlIIsl('[;ungsmethoden und die Lehren der allgemeinen Herme-
1i"/lIi!?, 1959, p. 14; BETTl, Zur Grundlegung einer allgemeinen
i\IlHlegungslehre, Festschrift für Rabel, 1954, vaI. 11, p. 102 ss.
" IIlll:elneine Auslegungslehre ais Methodik der Geisteswissen-
,"'1/(/)1('11, 1967, p. 219 5S. O círculo referido no texto não é
ic!(\nlicn ao «círculo hermenêutico» no sentido de HElDEGGER e
.I•. (;AIJAMElt (noutro sentido, este próprio, ob. cit., p. 275 5S.),
'iJl(' n·sl)(~il.aü relação do «pré-entendimento» do interpretando
111111 " I'l'::ultado da interpretação.
dica (21). A tal propósito pensa-se, normalmente, na
interpretação a partir do sistema exterior da lei, por-
tanto nas conclusões retiradas da localização de um
preceito em determinado livro, secção ou conexão de
parágrafos, da sua configuração como proposição
autónoma ou como mera parte de uma proposi-
ção, etc., etc. No entanto, apenas haveriaaqui um
ponto de apoio relativamente estreito e, além disso,
não poucas vezes a localização de um preceito surge
materialmente errada; pense-se, por exemplo, para
referir apenas dois casos, na inclusão do § 833/1
do BGB na sequência dos delitos ou na remissão para
o § 278 do BGB, feita no § 254/lI, 2 (em vez de no
número III) (*). No entanto, não se nega que a argu-
l11entação retirada do sistema externo tenha um certo
valor. Assim, por exemplo, não é totalmente inadmis-
sível retirar conclusões da colocação de um preceito
nu parte geral ou na parte especial de uma lei, no
tocante ao seu âmbito de aplicação; também se deve
esquecer que a divisão de uma lei é, muitas vezes,
influenciada pela «natureza das coisas» e que, por
isso, a natureza de um preceito como por exemplo,
norma de Direito de família ou de Direito comercial,
pode tornar-se frutuosa para o seu entendimento.
Tais argumentos só são, porém, efectivamente efica-
zes quando os valores resultantes da inserção siste-
mática sejam extrapolados; trata-se, então, porém,
já de uma argumentação retirada do sistema interno.
E esta é, de facto, do maior significado. Enquanto a
interpretação a partir do sistema externo apenas tra-
duz, em certa medida, o prolongamento da interpre-
tação gramatical, a argumentação baseada no sistema
interno, exprime o prolongamento da interpretação
tcIeológica (22) ou, melhor, apenas um grau mais ele-
vado dentro desta, - um grau no qual se progrida
da «ratio legis» à «ratio iuris», e tal como a inter-
pretação teleológica (22) em geral a argumentação a
partir do sistema interno da lei coloca-se, com isso,
no mais alto nível entre os meios da interpreta-
<:;10 e:\).
(21) Cf., por todos, BAUMGARTEN,Die Wissenshaft vom
Recht und ihre Methode, 1920-22, voI. I, p. 295 ss. e lI, p. 617 ss.
e Grundzüge der juristischen Methodenlehre, 1939, p. 35 ss.;
ENGISCH, Einführung cit., p. 77 ss.; LARENZ,Methodenlehre
cit., p. 244 ss.
(*) Nota do tradutor: de facto, o § 833/1 do BGB, refe-
rente à responsabilidade do detentor de animais, surge na
sequência dos §§ 823 e ss., relativos à responsabilidade por
actos ilícitos; o § 278 estabelece a responsabilidade dos repre-
sentantes e dos auxiliares no domínio obrigacional, corres-
pondendo, pois, ao artigo 800.°/1 do Código Civil português.
Por seu turno, o § 254/1 do BGB estabelece a regra da redução
da indemnização por culpa do lesado, enquanto o § 254/II
alarga essa regra às hipóteses em que tal culpa se restrinja
ao facto de o lesado não ter prevenido o devedor do perigo
de um dano excessivamente elevado, perigo esse que este não
conhecesse; nessa sequência, o § 254/II, 2 vem remeter para
o § 278, não havendo qualquer n.O III no § 254. Assim se
compreende a ilustração feita, no texto, por CANARIS.
(22) Teleológica no sentido mais amplo; cf. supra p. 41.
e:l) A opinião frequente de que não existe qualquer
llier<lrquia firme entre os diversos meios de interpretação não
11H'rece qualquer concordância. Deve-se, antes, conferir à inter-
pl'('laç[ío tcleológica a primazia e isso é, hoje, quase sempre
Alguns exemplos práticos tornam perceptível o
significado da interpretação sistemática para a obten-
ção do Direito. Assim, por exemplo, a interpretação
do § 833/1 do BGB é consideravelmente solicitada
pela sua qualificação como previsão da responsabili-
dade pelo risco. Resulta dela, entre outros aspectos,
que, como sempre sucede na responsabilidade pelo
risco, apenas se responde pelas consequências de um
«comportamento arbitrário tipicamente animal» e
não, por exemplo, por uma fractura duma perna
sofrida por alguém que tropece num gato adormecido
ou pelos danos que um cão açulado cause a uma
pessoa. Também para a delimitação do conceito de
detenção (do animal) se conseguem indícios essen-
ciais quando se tente concretizá-lo em conexão com
outras previsões da responsabilidade pelo risco, por-
tanto de modo conforme com o sistema. É certo que
os mesmos resultados se podem obter apenas com
a interpretação teleológica do § 833/1; no entanto,
não se deve duvidar de que eles, através de uma
argumentação baseada nos princípios gerais da res-
ponsabilidade pelo risco, não só se tornam mais
ráceis de fundamentar mas, também, mais convin-
centes ("'1). Há, também questões para cuja solução
reconhecido, no seu resultado prático. No que toca, primeiro,
à relação entre a interpretação teleológica e a gramatical, é
geralmente aceite a proposição de que «o sentido e o escopo
da lei estão mais altos do que o seu teor»; quanto ao «sentido
literal possivel» constituir, segundo a doutrina dominante, os
limites da interpretação e, nessa medida, suplantar o escopo
da lei é apenas - descontando proibições de analogia ou fenó-
menos similares - um problema puramente terminológico, pois
perante um ultrapassar do sentido literal, apenas se transitou
da interpretação em sentido estrito para o grau seguinte, o da
analogia e da restrição e, com isso, o escopo da lei é, de
qualquer modo, erguido à frente do teor literal - demasiado
estreito ou demasiado lato. No que respeita, agora, à relação
entre a interpretação teleológica e a sistemática, deve-se colo-
car a interpretação efectuada a partir do sistema externo, por
causa da sua grande insegurança (cf. precisamente, o texto),
em qualquer caso, atrás da interpretação teleológica, enquanto
a própria interpretação a partir do sistema interno, como se
diz no texto, é apenas uma forma de interpretação teleológica.
No que, finalmente, se prenda com a relação entre a interpre-
tação teleológica e a histórica, também aqui é de conceder o
primado à teleológica. Para a teoria objectiva, isso não carece
de qualquer justificação; mas também não é duvidoso para a
subjectiva, pois também esta não realiza as representações do
legislador histórico em todas as singularidades, mas antes pre-
tende promover a prossecução dos seus objectivos; a interpre-
tação processa-se, portanto, aqui, de modo subjectivo-teleoló-
gico e passa inteiramente por cima das representações visíveis
do legislador, quando estas sejam inadequadas para a obtenção
dos escopos por ele pretendidos, - um processo que um par-
tidário tão decidido da teoria subjectiva da interpretação, como
HECK, verteu na conhecida máxima da «obediência pensante».
(24) Não há qualquer objecção em que as regras sobre o
perigo de animais e o conceito de detenção se devam aplicar,
segundo a doutrina dominante, também ao n." 2, apesar deste
11,10ser uma previsão de responsabilidade pelo risco, mas sim
lima previsão de culpa presumida. Pois por um lado, não é, de
modo algum, fatal antes carecendo, apesar da estreita ligação
.'xterior das duas prescrições e por força do princípio da rela-
Iividade dos conceitos jurídicos, de uma fundamentação autó-
110ma,adequada ao escopo especial do n." 2. Por outro lado, os
pontos de vista do risco desempenham um papel essencial
apenas resta o recurso ao instituto articulado da res-
ponsabilidade pelo risco. Assim, por exemplo, em
casos como os do comodato de um animal ou da sua
entrega a um treinador ou a um veterinário, não se
deve tentar resolver a problemática com ficções como
a da construção de uma exclusão contratual de res-
ponsabilidade ou da aceitação de um concurso de
culpas (25), mas antes apoiar a exclusão da responsa-
bilidade no ponto de vista da «livre exposição de
interesses» (26), imanente ao sistema e desenvolvido
na doutrina geral da responsabilidade pelo risco (27).
Da mesma forma, o significado da ordenação sis-
temática torna-se patente na questão discutível de
se o § 281 do BGB tem aplicação à pretensão do
~ 985 do BGB (*). De novo a argumentação retirada
do sistema externo designadamente da inserção do
~ 281 no Direito das Obrigações é pouco convincente.
Pelo contrário, a interpretação feita com base no sis-
tema interno alcança logo o objectivo. O § 281 com-
preende, reconhecidamente, uma pretensão desub-
-rogação e, portanto, só pode actuar, existindo os
pressupostos do princípio da sub-rogação, desde que
a pretensão do § 985 esteja prejudicada. Esta, porém,
não desaparece com frequência, dada a sua natureza
real, antes se dirigindo contra o novo possuidor; portambém para o n.O2; a simples inversão do ónus da prova
compreende um elemento do risco do qual se pode, de facto,
retirar uma consonância ampla entre o conceito de detenção e
o surgimento de deveres especiais de comportamento, como
os que subjazem ao § 83312, ligando-se à particular perigosi-
dade do animal: caso o animal provoque um dano sem ser
pelo «comportamento arbitrário tipicamente animal», a ocor-
rência prejudicial verifica-se, em qualquer caso, fora do escopo
de protecção da norma, e já não se trata, então, da eventual
prova da ausência de culpa. Aliás, ESSERfaz notar, com razão,
que o preceito do n.O 2 está hoje ultrapassado, em termos
materiais e que, em consequência, a prática o considera quase
como uma previsão da responsabilidade pelo risco (cf. Schuld-
recht, 2." ed., 1960, § 203, 4 a).
(25) Para essa problemática cf., principalmente, ENNECCE-
Rus-LEHMANN,15." ed., 1958, § 253 V.
(25) Fundamental, MÜLLER-ERZBACH,AcP 106, p. 351 ss.,
396 ss. e 409 ss.; quanto ao assunto, também ESSER,Grundlagen
und Entwicklung der Geführdungshaftung, 1941, p. 109 s.;
LARENZ,Schuldrecht A. T., § 15 I C.
(27) A rejeição de uma responsabilidade pelo risco
segundo o § 833/1 do BGB não significa necessariamente que
() titular do animal não possa responder, do mesmo modo,
independentemente de culpa. Só que isto não é um problema
de responsabilidade pelo risco, mas sim uma ordenação do
risco contratual, que se deve distinguir dele quer dogmática
quer praticamente (fundamental quanto à diferença, WILBURG,
Die Elemente des Schadensrechts, 1941, p. 157 ss.); este
remete, por exemplo, no comodato, o risco para o comodatário,
de tal modo que a atribuição de uma responsabilidade ao titular
do animal só ocorre havendo culpa, enquanto que no mandato
ou na gestão de negócios, pelo contrário, o titular do animal
suporta o risco, com base nos princípios desenvolvidos pela
opinião dominante em analogia com o § 670 do BGB. [Nota
do tradutor: o § 670 do BGB estabelece a responsabilidade do
mandante pelas despesas necessárias do mandatário].
(*) Nota do tradutor: O § 281 do BGB estabelece o
commodum da representação, em termos semelhantes aos do
artigo 794.° do Código Civil português; o § 985 do BGB, por
!H)U turno, determina que o proprietário possa reclamar do
I)()ssuidor a restituição da coisa.
consequência, em todos estes casos fica excluída a
aplicação do § 281. Cessando, pelo contrário, a pre-
tensão do § 985 através da perda da posse, já não há
qualquer obstáculo contra a aplicação do § 281.
Quando a supressão derive de um terceiro de boa fé
ter adquirido a propriedade, deve-se, então, conferir
a primazia ao § 816 I 1 BGB como lex specialis
(apesar da aceitação de um concurso de pretensões
parecer defendível) (*). Quando a supressão, pelo
contrário, se deva a outros fundamentos - isto é, no
essencial, ao próprio perecimento da coisa - então
a aplicação do § 281 surge como inteiramente justifi-
cada; porque razão não poderá, por exemplo, o pro-
prietário pretender o montante do seguro ou a even-
tual indemnização (28), quando o § 281 já a concede,
perante a mera existência de uma pretensão obriga-
donal à coisa e não em face da ordenação real mais
rorte?! Quando se parta da ordenação do § 281 no
I>istema interno da nossa ordem jurídica, chega-se
rapidamente a uma solução convincente: só quando
- mas, também, sempre que - caiba uma sub-roga-
<;ão, isto é, a substituição de um direito extinto por
um novo direito surgido no seu lugar e, portanto,
tenha desaparecido a pretensão do § 985, tem apli-
cação o § 281. Com isso, tanto se evitam as dificul-
dades, receadas pela doutrina dominante, que possam
surgir através da co-existência de pretensões do pro-
prietário contra o novo possuidor, com base no § 985
e contra o antigo, por força do § 281 (29), bem como
as iniquidades a que leva, por seu turno, a doutrina
dominante (30), com a sua recusa geral de aplicação
do § 281 (31).
(28) Baseada, por exemplo, no contrato, em ligação com
o § 278 do BGB, desde que, acessoriamente, jogue também a
problemátíca da liquidação do dano a terceiro. - Na entrega
da prestação indemnizatória ao possuidor - em vez de ao
verdadeiro proprietário - aplica-se, em certas circunstâncias
o § 816/II BGB, em conexão com o § 851.
(*) Nota do tradutor: O § 816 lIdo BGB dispõe:
«Quando um não-titular pratique, em relação à coisa, um acto
de disposição que seja eficaz perante o próprio titular, fica
o não-titular obrigado a restituir ao titular o que tenha obtido
através de disposição.» A possibilidade de um não-titular pra-
ticar, em relação à coisa, actos eficazes perante o titular
liga-se, em primeira linha, ao princípio «posse vale título» o
qual, como já foi dito, embora comum na generalidade dos
ordenamentos continentais, não vigora no Direito português.
Neste, o caso poderia ser posto perante uma aquisição pelo
registo.
(29) Em compensação, não se mostra que a aplicação do
* 281 BGB possa atingir iniquamente o possuidor de boa fé,
por ele, porventura, já ter utilizado o sucedâneo para os seus
próprios fins, na crença de que ele lhe competia. Ele ficaria,
<mtão, normalmente, liberado, nos termos do § 275 BGB.
INota do tradutor: o § 275 do BGB estabelece a regra da
liberação do devedor pela impossibilidade superveniente da
prestação, que lhe seja imputável].
(lO) Quanto a esta cf. principalmente, WESTERMANN,
Sachenrecht, 5.a ed., 1966, § 31, IV 4.
(:n) Através do § 818 I/2 também nem sempre se deixa
obter um resultado satisfatório, quando se aplicam os preceitos
~obre o enriquecimento junto dos §§ 987 ss. do BGB (o que, de
I'acto, não levanta problemas a propósito da sub-rogação).
.Junto da pretensão baseada no § 985 não necessita de estar
a do § 812; segundo o § 819 I, também só o conhecimento posi-
Iivo prejudica (no entanto, poder-se-ia pensar em alargar o
I
I
I
I1
I
L
!J!.I;1Jj,,,mrrm 7
Refira-se ainda um terceiro exemplo. Quando se
ordenem os § § 171)1 e 172/1 do BGB na responsabili-
dade pela aparência jurídica (*), segue-se, daí, que
apenas será protegido o terceiro de boa fé e que este
deve ter tid() conhecimento da previsão aparente,
isto é, da declaração questionável - resultado que
não poderia convincentemente ser retirado apenas
dos §§ 171/1 e 173, por causa da sua redacção
pouco feliz (e que, por consequência, também são
discutíveis). Só a ordenação dos § § 171 e 172 numa
conexão sistemática geral (32) permite assim captar
plenamente o seu conteúdo teleológico e determinar,
em cada caso, as consequências jurídicas; joga aqui,
ao contrário do último exemplo e em medida mais
larga do que no primeiro, ainda um segundo ele-
mento, ao qual se irá, em breve regressar: o da pre-
servação da unidade valorativa com as restantes
previsões normativas de responsabilidade pela apa-
rência jurídica (*) (33).
o que foi concluído para a interpretação em sen-
tido estrito, isto é, para a interpretação das normas
no quadro do seu sentido literal vale, mutatis mutan-
dis, para a integração de lacunas. A afirmação da
jurisprudência dos interesses de que a integração das
lacunas não seria possível através duma argumenta-
ção a partir do sistema é improcedente para um sis-
tema teleológico (34) e, do mesmo modo, também para
(33) Como exemplo, cf. ainda a esse propósito, a inter-
pretação conforme com o sistema dos § § 370 e 405 do BGB,
infra p. 117 s.
(34) Isso não quer naturalmente dizer, de forma alguma,
que a integração de lacunas a partir do sistema seja sempre
possível. A jurisprudência dos interesses tinha toda a razão
quanto à rejeição da tese de que a compleitude da ordem jurí-
dica sepodia basear no sistema; cf. mais pormenorizadamente
infra IV, 4 e § 6 III 1.
(*) Nota do tradutor: Os §§ 171/II e 172/II do BGB
determinam, respectivamente, que os poderes de representação
estabelecidos nesses preceitos subsistam até que a indicação
do procurador seja revogada pela mesma forma por que se
realizou ou até que o documento seja retirado ao terceiro ou
dnclarado sem vigor. Nessa sequência, o § 173 do BGB vem
c~;tabelecerque os preceitos referidos não se apliquem quando
() terceiro conheça ou deva conhecer, aquando da celebração
do negócio, a cessação dos poderes de representação. Todos
§ 819, para garantir a unidade de valoração com as restantes
previsões, de modo correspondente: cf., também, o problema
análogo no § 281 e, sobre isso, vide a antepenúltima nota).
(32) Coloca-se, nesta, de novo um problema circular. Para
o minorar, é necessário um critério que não esteja em conexão
com a questão da relevância de má fé; desde que este se
encontre, resolve-se o problema.
(*) Nota do tradutor: O § 171/1 do BGBconfere poderes
de representação perante um terceiro ou perante a generali-
dade das pessoas, respectivamente, àquele que, por notificação
especial dirigida a esse terceiro ou por anúncio público, seja
havido como procurador do declarante; o § 172/1 do BGB,por
seu turno, assimila à notificação especial de concessão de
poderes de representação a entrega, ao representante, por
documento adequado, seguida da apresentação desse documento
a terceiro.
este não faz sentido a contraposição tão apreciada
entre a «construção apreensora» e a «construção
integradora de lacunas» (35). Pois, quando no desen-
volvimento do sistema interior de uma ordem jurídica,
se trate da descoberta dos valores fundamentais
constitutivos, surgem aqueles elementos, com cujo
auxílio não só a determinação (35a) mas também a
integração de lacunas é possível numa série de casos:
os princípios gerais.
Os exemplos confirmam, de novo, essa afirmação.
Quando, por exemplo (com a doutrina ainda plena-
mente dominante (36» se qualifica o § 904/2 do BGB
como uma previsão normativa de uma responsabili-
dade por intervenção (31), obtém-se desde logo, a par-
tir daí, a solução para o preenchimento da lacuna
contida nesse preceito e, designadamente, para a ques-
tão do obrigado a pretensões: o interventor é res-
ponsável. Se, pelo contrário, se vir no § 904/2 (de
acordo com a opinião mais convincente (38» um caso
de responsabilidade pelo sacrifício, a correspondente
Incuna, em concordância com as regras gerais e com
u consequência interna do princípio do sacrifício, deve
integrar-se no sentido de o beneficiário ser o obri-
gado (*). Outro tanto vale no tocante à necessidade
de imputabilidade do responsável: caso se trate de
responsabilidade pela intervenção, ela é exigível, por
analogia com os § § 827 s. do BGB; se se tratar de
responsabilidade pelo sacrifício, ela é irrelevante (39).
Assim, com exemplo no § 904/2 do BGB, não só
resulta claro como os pontos de vista decisivos para
1\ integração de uma lacuna provêm, directamente, de
uma ordenação sistemática, mas também como o
resultado se modifica igualmente, com a qualificação
sistemática, - o que não admira quando se repara
que na diversa ordenação do § 904/2 se exprimem
opiniões opostas sobre o seu conteúdo material.
(39) Cf., ainda CANARIS,N. J. W. 64, 1963.
(*) Nota do tradutor: Segundo o § 904/1 do BGB, o pro-
pt'ietário de uma coisa não pode proibir a actuação, sobre ela,
de outrem, quando tal actuação seja necessária para obstar a
11 III perigo actual e quando, com isso, se provoquem, ao pro-
prietário danos relativamente pequenos; trata-se, pois, duma
previsão de estado de necessidade objectivo. Nessa sequência,
Cl ~ 904/1I vem declarar que o proprietário pode exigir uma
indcmnização pelo dano que lhe tenha sido infligido. Com-
pmende-se, assim, a lacuna de que fala CANARIS:a lei não
diz quem deve indemnizar: se o interventor ou se a pessoa
lJl'neficiada pela sua actuação. Perante a lei portuguesa,
H(~gllndoo artigo 339.°/2 do Código Civil, qualquer deles poderá
~i('1' chamado a indemnizar, de acordo com a decisão do tribunal.
estes esquemas visam a tutela da confiança de terceiros, em
termos semelhantes aos determinados no artigo 266.°do Código
Civil português.
(35) Esta terminologia pode ser reconduzida a TRIEPEL;
cf. Staatsrecht und Politik, discurso do Reitor em Berlim,
1927, p. 22 s.
(35a) Quanto a este cf. de seguida, o texto, infra II2.
(36) Cf. a explicação e as indicações em HORN,JZ 1960,
p. 350 ss.
(37) Este conceito é, no entanto, dogmaticamente, ainda
um tanto difuso.
(38) Cf., principalmente, LARENZ,Schuldrecht/B. T., 8." ed.
1967, § 72, 1.
Do mesmo modo, das teorias da criação, do con-
trato, ou da aparência jurídica resultam, no Direito
cambiário, consequências práticas, a propósito de uma
série de problemas singulares (40). Não procede, pois,
a afirmação de HECK de que a decisão por uma ou por
outra destas teorias não contém «qualquer juízo de
valor» e não deveria ser tomada «antes da integração
da lacuna, mas só depois» (41). Existe antes aqui,
precisamente, aquele efeito mútuo que foi acima (41a)
descrito: procura-se, primeiro, entender as determina-
ções da lei com o auxílio de uma das teorias e
ordená-Ias nos valores fundamentais do nosso Direito
privado; de seguida, retiram-se, da teoria, as conclu-
sões para os casos não regulados; pondera-se a con-
vincibilidade dos resultados assim obtidos (42); modi-
fica-se, disso sendo o caso, a teoria, numa ou noutra
direcção, ou renovam-se as suas consequências, e
assim por diante. Portanto, não se integra primeiro a
lacuna e, então, se confecciona a teoria; a lacuna é
antes integrada aquando da formação da teoria e a
teoria é elaborada aquando da integração da lacuna.
Este processo não é apenas confirmado pela pesquisa
fenomenológica (4:\) da formação das teorias jurídicas;
ele nem poderia, de antemão, apresentar-se de outra
forma, pois só assim a justeza e a unidade da ordem
Jurídica poderiam ser garantidas: apenas um perma-
nente «vai e vem» pode prevenir o perigo de se
solucionar a multiplicidade de questões de que se
trata numa problemática tão complicada como a das
«teorias dos títulos de crédito», segundo pontos de
vista contraditórios, assim como apenas teorias pro-
visórias e modificáveis preservam a unidade interior.
O referido efeito duplo existe apenas a propósito dos
problemas mais importantes, enquanto que para ques-
Iôos singulares pouco significativas em termos de
formação de teorias, pode não assumir uma particular
consideração; as lacunas podem ser desde logo inte-
gradas a partir delas, isto é, do ou dos princípios
constituintes básicos ou seja, sem que se ordenem os
resultados obtidos nem o seu influxo para uma modi-
ficação da teoria; para estes casos vale precisamente
o contrário da citada proposição de HECK, remeten-
do-se de novo para a justificação do princípio da
(40) Quanto a estes cf., por exemplo, JACOBI,Ehrenbergs
Handbuch IV 1, 1917, p. 304 ss., ENNECCERUS/LEHMANN,ob. cit.,
§ 208 II=p. 844.
(41) Cf. Begriffsbildung cit., p. 103; certo, LEHMANN,ob.
e loco cito
(41a) Cf. p. 89 S.
(42) Como se faz tal ponderação é uma questão ainda
pouco esclarecida. O sentimento jurídico joga aqui, por certo,
um papel essencial; no entanto, e para além disso, dever-se-ia
ainda tentar assentar a «justeza material» de um resultado
em critérios objectivos tais como a «natureza das coisas», a
praticabilidade, a consonância com valores expressos noutros
lugares normativos, a confluência com princípios ou valores
gerais de Direito tais como a tutela do tráfego ou simi-
lares, etc. (I::) Psicologicamente o processo pode, evidentemente, ser
divl'I'SO.
adequação valorativa. Mas com isso acede-se já ao
segundo elemento essencial que confere ao sistema a
seu significado para a obtenção do Direito.vador, quer dinamizado r, travando, pois, ou acele-
rando o aperfeiçoamento do Direito. No primeiro caso,
uma determinada solução é censurada como «contrá-
ria ao sistema»; no segundo, ela desenvolve-se, de
novo, como determinada pelo sistema; no primeiro
caso trata-se essencialmente da prevenção de contra-
dições de valores, no segundo da determinação de
lacunas.
11- O SIGNIFICADO DO SISTEMA PARA A DEFESA DA UNI-
DADE VALORATIVA E DA ADEQUAÇÃO NA INTERPRETA-
çÃO DO DIREITO
Esse significado emerge da elaboração já efec-
tuada neste trabalho a partir do papel acima (44) atri-
buído ao conceito de sistema e da definição daí
derivada (45). Esta função do sistema distingue-se
fundamentalmente da descoberta do conteúdo valora-
tivo de um preceito ou de um instituto, acima tratada,
embora esteja, com ela, numa relação estreita. Pois
enquanto naquela o centro de gravidade reside em
entender o especial - ainda que como parte do
geral-, trata-se, agora, predominantemente do
inverso, isto é, de preservar o geral - ainda que na
especialidade. Ambas as funções do sistema se arti-
culam entre si, aquando da obtenção do Direito, num
efeito mútuo dialéctico, remetendo uma para a outra,
mas distinguindo-se, também, entre si.
No que toca ao modo de eficácia do sistema na
preservação da unidade e da adequação no processo
da obtenção do Direito, pode ele ser quer conser-
Esta primeira função do sistema é, antes de mais,
frequentemente acentuada (45a). Assim, LARENZ con-
sidera, com razão, como um «indicativo de uma inter-
pretação judicial do Direito bem sucedida», o de que
a nova proposição jurídica não entre em contradição
com o sistema legal mas antes se deixe «incluir sem
quebra no todo pré-existente da ordem jurídica) (4G).
Como exemplo de uma interpretação criativa con-
trária ao sistema e, por isso, infeliz, refere LARENZ a
cessão de garantias (47). Um outro exemplo que se
apresenta nesta sequência poderia ser o da «procura-
(45a) Cf., por fim, principalmente, ESSER, Wertung, Kons-
/Tuktion und Argument im Zivilurteil, 1965, p. 14 5S., que
rl'metc expressamente para a «função de controle» das orde-
naçfíes sistemáticas.
("I:) Cf. Kennzeichen geglückter richterlicher Rechtsfort-
IJildungen, 1965, p. 6 5S., 13.
("') Cf. ob. cit., p. 6 S5.
(44) Cf. sobretudo os §§ 1 II e 2 II 2.
(45) Ele surge claramente em KRETSCHMAR, Methode der
Privatrechtswissenschaft cit., p. 42 e Jher. Jb. 67, p. 273.
ção aparente», quando se utilize, como hoje fazem a
jurisprudência e a doutrina dominante, alargando-a,
para além do Direito comercial, até ao Direito civil
e considerando suficiente o desconhecimento descul-
pável, do dono do negócio, do aparecimento do talsus
procurator; pois então, segundo o regime do erro do
BGB, existiria apenas, no caso de falta de consciência
da declaração, uma responsabilidade pelo interesse
negativo, segundo o § 122, e não uma responsabili-
dade pelo cumprimento, como na responsabilidade
pela aparência, nada se alterando também quando o
erro ou o desconhecimento sejam culposos. O regime
do erro do BGB coloca, assim, limites inultrapassáveis
a uma interpretação criativa do Direito em tal direc-
ção, e fenómenos como a procuração aparente ou as
regras sobre a declaração comercial escrita devem
ser tomadas de forma a aparecerem como excepções
substancialmente justificadas e estritamente delimi-
tadas de decisão fundamental do legislador, e não
como quebras sistemáticas arbitrárias (48). De outra
forma, não se consegue resolver a questão fundamen-
tal de quando e em que circunstâncias se pode, em
casos semelhantes, encetar uma interpretação cflativa
do Direito, com a consequência inevitável de uma
quantidade de decisões singulares desconectadas e
contraditórias, ou seja, de injustiça e de insegurança
no Direito.
(18) Cf. CANARIS, Die Vertrauenshaftung im deutschen
Privatrecht, 1971, p. 271 ss.
o significado prático do sistema para a prevenção
de contradições de valores não se mostra apenas na
questão de saber se o Direito deve, de todo em todo,
ser aperfeiçoado, mas também no problema de como
deve ocorrer tal aperfeiçoamento (depois da sua
admissibilidade já ter sido determinada). Pois tam-
bém aquando da concretização da lei não bastam
princfpios jurídicos formativos para a preservação da
unidade interior de uma ordenação sistemática (4D).
Assim, por exemplo, o princípio da ponderação dos
hens só conduz a normas susceptíveis de subsunção
através da sua inclusão dogmática na causa de justi-
f'icação do estado de necessidade «supra legal» - no
qual esta ordenação sistemática é de relevância prá-
tica imediata, ou a propósito da possibilidade de legí-
lillla defesa contra uma actuação em estado de neces-
sidade ou da questão de uma pretensão delitual con-
ITa o que agiu em estado de necessidade. Também
eom referência a isso surge a concretização do prin-
dpio da protecção da personalidade. Também aqui,
('omo já foi suficientemente salientado, o sistema do
IlG 13, ou de modo mais exacto, o princípio da limita-
<;{\nda tutela delitual a direitos absolutos, teria exi-
gido que não se elaborasse um direito de personali-
dade «geral» do tipo das cláusulas gerais, mas antes,
t'l\1 vez dele, direitos de personalidade assentes em
previsões firmes.
(1!J) Cf. mais pormenorizadamente, CANARp, Die Fest-
.·;ldlul1g von Lücken cito pp. 162 s., 164 ss.
mas não escritas, e assim não é de admirar que, mui-
tas vezes, a partir de previsões singulares aparente-
mente limitadas como, por exemplo, os §§ 122, 179
(~ :·W7 do BGB ou os §§ 171, 172 e 405 BGB ou o
;~42 BGB (*), se tenham elaborado novos institutos
pa ra o sistema: os valores corporizados naqueles pre-
ceitos são «gerais» segundo o seu peso interior, não
se podendo pois excluir que eles tenham influenciado
ll1ais ou menos consideravelmente o sistema e o con-
I. (~úd()do Direito vigente. Por isso é altamente contes-
I. úvel que se censure à jurisprudência o ela procurar
«apoios» na lei, para o aperfeiçoamento criativo do
Direito. Isso não deveria ser considerado como um
«resquício positivista», nem a aspiração de fidelidade
:" lei, daí resultante, critica da como fundamentação
aparente, antes se reconhecendo que, sob esse pro-
cedimento, existe um conhecimento metodológico e
filosófico correcto: é designadamente mais fácil
demonstrar a mera adequação «formal» de um valor,
do que comprovar a sua justiça e adstringibilidade
«material» (de lege lata!); e em consequência já se
Por outro lado, não se devem subestimar os impul-
sos originados pela ideia de sistema, para a comple-
mentação do Direito. A ideia da adequação e da
unidade do Direito demonstra, designadamente, uma
extraordinária força dinamizadora, desde que não se
entenda, de modo resignado, o Direito como um
conglomerado causal de decisões singulares histo-
ricamente acumuladas. Pois o problema de saber se
um determinado princípio de Direito é «constitutivo
para o sistema» inclui a questão de indagar se ele é
«significante» para o âmbito jurídico em causa e este
é de novo equivalente à questão da «generalidade»
de um princípio. Mas quando se tenha reconhecido
uma vez um princípio como «geral», e, em especial,
se tenha determinado o seu peso ético-jurídico e a
sua hierarquia jurídico-positiva, ele pode conduzir,
em ligação com a regra da adequação valorativa, a
um aperfeiçoamento inesperado do Direito: não é
outra coisa o que sucede com a determinação de uma
lacuna com recurso a um princípio geral (50). Em
consequência, a elaboração consequente do sistema
tem, também neste ponto (50a) inflUência na comple-
mentação de uma ordem jurídica. Pois quando um
princípio «geral» é elaborado, o princípio da igualdade
conduz, em muitos casos, ao reconhecimento de nor-
(*) Retorde-se que os § § 122, 179 e 307 do BGB estabe-
i"cem, respectivamente, os deveres de indemnizar do decla-
rante quando a declaração seja declarada nulaou anulada, do
rt'qucrente que não prove os seus poderes quando o represen-
I'Ido recuse a ratificação e daquele que conheça a impossibilidade
duma obrigação assumida; os §§ 171, 172 e 405 têm, por seu
turno, a ver com a tutela de terceiros perante a procuração
(lU perante documentos que atestem um débito; o § 242 firma,
por fim, o princípio da boa fé.
(50) Cf., quanto a isso, CANARIS, ob. cit., p. 93 SS.
(50a) Cf., também supra, I 2.
conseguiu muito quando se apurou, num preceito,
certo princípio jurídico, mantendo-se apenas em
aberto a questão de porque não vale ele como «geral».
Esta questão implica com frequência ainda o pro-
blema espinhoso da valoração (51) e fica-se, aqui, sem-
pre no perigo de se perder no círculo entre o geral e o
especial: tais dificuldades são, em regra, mais estrei-
tas do que as de derivar a adstringibilidade de um
princípio de Direito apenas a partir da sua justiça
material (52).
Assim surge junto à primeira e de algum modo
negativa função do sistema, de prevenir o apareci-
mento de contradições de valores, a função, em certa
medida positiva, de desenvolver o Direito de acordo
com o peso interior dos seus princípios constitutivos
ou «gerais»; em ambos os casos trata-se da defesa da
unidade valorativa, que constata, também, numa
lacuna não integrada contra a regra da igualdade, uma
contradição de valor, em sentido amplo.
«construções» do legislador (5:l). Tê-Io desconhecido
foi um dos erros mais pesados de HECK e da juris-
prudência dos interesses na sua crítica ao sistema;
pois a consideração de que o juiz não está vinculado
às construções do legislador, devendo considerá-Ias
como um modo de redacção (!) (54), contradiz, numa
(5:1) Em consequência, é altamente contestável a afirma-
(;fio divulgada de que o legislador não poderia «prescrever
directrizes dogmáticas, mas apenas consequências jurídicas».
Na verdade, é de concordar em que o legislador não pode
eslatuir a justeza de determinada teoria como tal, mas pode
decidir-se por ela através das consequências jurídicas. Por isso,
w, formulações dogmáticas que o legislador tenha utilizado,
bem como as suas tomadas de posição cognoscíveis a favor
ou contra determinada teoria não são, por si, vinculativas para
11 Ciência; no entanto, esta está-Ihes vinculada, quando as
l'Onsequências jurídicas em causa se deixem esclarecer com
Iluxilio das referidas teorias ou quando elas as contradigam.
Igualmente problemática é a prevenção ao legislador de que
de deveria evitar tomadas de posição em polémicas científicas.
De facto, ele deveria guardar-se de «desenvolvimentos de nível
doutrinador» e não intervir perante diferenciações materiais
que ainda não tenham sido teorética ou sistematicamente
«uclaradas»; no entanto não é, por outro lado, tão perigoso
com um «inoperante» compromisso entre várias teorias; pois
este vai necessariamente conduzir a contradições de valores
() à perturbação da unidade interior da ordem jurídica e, com
isso a injustiças; assim, e a tal propósito, também se deve
acentuar expressamente que o legislador também está ligado
ii ideia de sistema (até em sentido constitucional!) - cf. mais
pormenorizadamente infra § 6 I 4.
(54) Cf. HECK, ob. cit., p. 86 s. e para o exemplo depois
referenciado, Sachenrecht, § 78 IV 2; também STüLL, Jher. Jb.
75, p. 171, nota 2, com indicações; mas diferentemente e com
razão, RÜMELIN, ob. cit., p. 351 ss.
A ordenação sistemática inclui valores em si. Isso
não vale apenas para a formação do sistema através
da Ciência e da jurisprudência, mas também para as
(51) Que se alarga bem para lá do problema de uma
mera analogia singular.
(52) Quanto à relação entre sistema e justiça material d.
também infra IV 3.
questão importante, o princípio da lealdade à lei, tam-
bém assegurado pela jmisprudência dos interesses.
Também isso, como era de esperar, conduziu, em
questões práticas, a decisões falaciosas.
Um dos mais conhecidos exemplos, que o próprio
HECK, sintomaticamente, considerou característico
para a sua concepção metodológica (55) é a sua dou-
trina da «comunidade de escopo» entre o crédito e a
garantia real. Ele polemisa contra o «dogma da imita-
ção», segundo o qual o direito de garantia é acessório
perante o crédito e preconiza, em sua substituição, a
teoria da comunidade de escopo, pela qual o crédito
e a garantia, porquanto igualmente dirigidos, em ter-
mos económicos, à satisfação do interesse do credor,
também formam, para o Direito, uma comunidade
«paritária»; ao contrário da construção legal, a rela-
ção entre crédito e garantia real não deve, por conse-
quência, ser considerada como a do crédito e da
fiança, mas antes como a de múltiplos créditos con-
juntos entre si (56). Esta opinião não se divulgou e
bem. Na verdade, não se trata aqui, de forma alguma,
de uma «construção conceptual privada de valora-
ção» (57), mas sim de uma valoração nas vestes de
uma construção. Diz acertadamente WESTERMANN que
«a letra e o sistema da lei» teriam «colocado univoca-
mente o crédito e a hipoteca numa relação de direito
determinante e determinado» ficando, a tanto, vin-
l'uludu ti aJllica(~üo jurfdica; e, com razão, ele acres-
(~(1ntaque esta rc1a(~fio corresponde também «à pro-
Jt1C~çt\oeconômica que, ao contrário do pretendido por
1111:C1<, n:ío se deixa apenas determinar através da
Rurantia, mas sim, segundo o caso normal que cor-
responde ao decurso usual das coisas, isto é, ao paga-
IlHmto do crédito» ("8). A construção não é, pois, aqui
«contrária à vida» - e mesmo nesse caso ela seria
villculativa, pois a lei pode também valorar os fenó-
IW'Il0S da vida contrariamente à substância, isto é,
/) na l:urcza das coisas sem, só por isso, perder a sua
1I(lIüringibilidade - abstraindo de casos de puro arbí-
Irio no sentido do artigo 3 GG (59). Por isso, é tam-
b('1I1 totalmente inexacto que HECK aplique a sua
tcoria até à dívida fundiária e daí derive de uma
comunidade de escopo económico uma comunidade
de destino jurídico cOm o crédito garantido (60) com
a consequência de as modificações na existência de
um dos direitos actuarem, sem mais, de igual modo,
tUl1lbém no outro. Ora a lei, pelo contrário, pôs à
disposição, na hipoteca e na dívida fundiária dois
tipos diferentes e quando as partes se tenham deci-
dido pela dívida fundiária - portanto pelo tipo que
(55) Cf. Sachenrecht, Preâmbulo, p. 111,nota l.
(56) Cf. Sachenrecht, § 78; cf. também § 82 e § 101,6.
(57) Assim HECK, ob. cit., § 78 IV 2 a.
(58) Cf. Sachenrecht, 5." ed. 1966, § 93 II 4 c; cf. também
~ 114 11 1 c (para a dívida fundiária) e § 12 6 I 3 (para o
penhor).
(ti9) Cf. também infra § 6 I 4 b.
(60) Cf. ob. cito § 100, 5 a; pelo contrário, com razão por
exemplo WOLFF/RAISER, Sachenrecht, 10." ed. 1957, § 132 I 2
com nota 7; WESTERMANN, ob. cit., § 116 11 1 a.
confere ao credor uma poslçao mais forte - elas
escolheram, com isso, ao mesmo tempo, também uma
ponderação de interesses diversa, mais favorável ao
credor.
A questão de saber se a aquisição, de boa fé, de
um penhor na verdade não existente '- portanto da
segunda, terceira ou quarta aquisição de um penho-
rante aparente - é possível, oferece um segundo
exemplo igualmente sugestivo. A doutrina domi-
nante (61) nega-o com referência à construção da
transferência do penhor, no § 1250 I 1 BGB: o penhor
transmite-se ipso iure, independentemente da tradição
da coisa com a cessão do crédito ao novo credor,
faltando por isso um dos pressupostos típicos da
aquisição de boa fé no Direito dos móveis, em
conexão com o princípio da tradição. HECK preconiza,
com apelo às necessidades de vida, a opinião contrá-
ria e defende «a dignidade de protecção do adqui-
rente» não poderia «ceder à construção jurídica
injusta do caso anterior» (62). WESTERMANN segue-o,
por não ser evidente que a lei não queira tratar o
penhor como objecto de comércio (63). Deve seguir-se
a doutrina dominante. WESTERMANNelaborou na ver-
lindo o ponto de vista correcto mas a resposta deve
sor exactamente a inversa: a lei, ao tratar o penhor, a
propósito da transmissão, como anexo não autó-
I,omo (!) do crédito (<;4), o qual, por seu turno, não é
configurado como objecto do tráfego, deixa justa-
lItonte entender (66) que ele também não surge como
ohjecto de tráfego; pois só assim se pode entender
plenamente o §1250, prevenindo-se uma contradição
de valores: a colocação, entre as regras do Direito,
da cessão vale igual e consequentemente para um
lItero «anexo», também a propósito da exclusão fun-
damental da aquisição de boa fé, tal como ela é pró-
pria deste sector jurídico (66), (67). A construção con-
("1) Para o carácter de anexo, portanto para a renúncia
n uma eficácia constitutiva da tradição não é decisivo o facto
do se tratar de uma aquisição por força da lei; este último
ponto de vista poderia ser contraditado com a objecção de
que o § 1250 I apenas exprimiria a vontade presumível das
pnrtes, havendo, por isso, uma forma de transmissão negocial
IOI',almentetipificada, de tal modo que se possa afirmar uma
rwcessidade de protecção do tráfego diferente do caso normal
dll aquisição por lei.
("6) Isso vale igualmente pelo prisma da teoria objectiva!
Aliús a exclusão da aquisição de boa fé; da parte dos autores
da lei, propositada (cf. Mot. llI, p. 837, 2), de tal modo que
os partidários da teoria subjectiva devem reconhecer a decisão
como vinculativa.
(liO) Quanto à hipoteca, o BGBsujeitou consequentemente
li cessão do crédito às regras do Direito imobiliário!
(li7) Mesmo quando a tradição fosse constitutiva e a
Iransferência de penhor seguisse, portanto as regras do Direito
mohiliário, a admissibilidade da aquisição de boa fé seria
extremamente questionáveI. A posse confere, na verdade,
(61) Cf. por todos WOLFF/RArsER,ob. cit., § 170 II 1 com
nota 4; BAUR,Sachenrecht, 4." ed. 1968, § 55 B V 3. [Nota do
tradutor: segundo o § 1250/1 do BGB,«o penhor transmite-se
para o novo credor, através da cessão de créditos. O penhor
não pode ser cedido sem o crédito}}.]
(62) Cf. ob. cit., § 105 V.
(63) Cf. ob. cit., § 132 I 1b.
tém pois, de novo, a valoração (68); declará-Ia irrele-
vante significa assim desconsiderar a valoração em
causa.
Deve-se aliás ter em conta, também na interpre-
tação criativa do Direito, que as construções legais
incluem, em si, valores. Este ponto de vista ganha
significado prático, por exemplo, a propósito da trans-
ferência de uma pré-notação. Esta não está expres-
samente regulada na lei e a doutrina inteiramente
dominante resolve, por isso, o problema através de
segundo o BGB, a propriedade, mas de modo algum, sem
mais, o penhor; é, de facto, muito provável que o possuidor
seja, igualmente, proprietário; mas nenhuma verosimilhança
comparável joga a favor de que o possuidor não proprietá-
rio - o terceiro conhece pois aqui a falta da propriedade!-
seja credor pignoraticio: ele pode igualmente ser comodatário,
locatário, comissionário, etc. No exacto reconhecimento desta
situação, a lei negou a protecção da boa fé perante o poder
de disposição e seria uma contradição de valores proteger a
boa fé na existência de um direito de penhor, a propósito do
qual a mera posse não oferece nenhum fundamento mais
seguro do que a propósito do poder de disposição. A partir
destas considerações não se poderá, aliás, aplicar também o
§ 1006 para além do 1227.
(68) Que WESTERMANN,ob. cit., o negue, seguindo HECK,
não parece consequente perante a sua tomada de posição con-
trária (cf. em geral § 93 II4 a e para o penhor, § 126 I 3) à
polémica de HECKcontra o «dogma da acessoriedade»; pois
também para a configuração do § 1250 I 1, a opção funda-
mental do legislador a favor da acessoriedade das garantias
reais jogou, indubitavelmente, um papel considerável e assim
o relaciona HECK,ob. cit., também expressamente à sua recusa
geral do «dogma da acessoriedade».
lima aplicação analógica do § 401 BGB, de tal modo
qllo a pré-notação se transmita ipso iure com a cessão
du crMito garantido (69). Mas com isso decide-se
IHuuhnente - o que não é suficientemente enfo-
cado - sobre a questão de saber se é possível uma
l.Jügunda, terceira ou quarta aquisição de boa fé de
uma pré-notação constituída por quem não tenha
poderes para isso. Vale, então, exactamente, o que
t'ni dito para o correspondente problema quanto ao
penhor: porque se trata de uma aquisição exterior ao
rogisto O), portanto segundo as regras da cessão de
c•.(-ditos e não de acordo com o Direito imobiliário (70),
fica excluída uma aquisição de boa fé (71). A coloca-
(;flo da transmissão da pré-notação sob o § 401 em
vez de sob o § 873 BGB (*) só pode ter o sentido de,
('"1) Cf. por todos RGZ 142, 331 (333); BAUR,ob. cit.,
Il 20 V 1 a; WESTERMANN,ob. cit., § 84 V 1. Nota do tradutor:
(l ~ -101 BGBdispõe a transmissão das garantias, com a cessão
do eréditos; corresponde ao artigo 582.° do Código Civil.
('10) Em compensação, é irrelevante que se trate de uma
Ilquisição por força da lei; vale aqui a nota 64.
(71) Muito duvidoso; quanto à problemática cf., sobre-
tudo, BGHZ 25, 16 (23); MEDIcus, AcP 163, 1 ss. (8 ss.);
IÜ:INICKE, NJW 64, p. 2373 ss. (2376 ss.); BAUR,ob. cit.,
\l 20 V 1 a; WESTERMANN,ob. cit., § 85 IV 4, onde, noutra
posição, se toma expressamente posição também quanto à
problemática metodológica e, contra as considerações do texto,
N(' nega o conteúdo valorativo da construção (mas cf. quanto
11 isso supra, nota 68).
(*) Nota do tradutor: o § 873 BGB exige a inscrição no
I'('gisto predial para a transmissão ou oneração de direitos
~;obr() imóveis; o regime português é, sabidamente, diverso.
nela, não se ver um direito de tráfego imobiliário, mas
antes, apenas, um meio de garantia independente
perante o crédito, ou um anexo do mesmo e assim,
tão pouco como em face deste poderá, a propósito
daquele, haver uma aquisição de boa fé (72). Com a
primeira questão fica pois decidida a segunda; sobre
a solução da primeira pode discutir-se; a da segunda
está, porém, traçada e aquela divergência deve con-
duzir a uma contradição perante a valoração firmada
na primeira questão, - por onde se verifica, de novo,
o elevado significado assumido pelo sistema para a
garantia da adequação valorativa.
IV - OS LIMITES DA OBTENÇÃO DO DIREITO A PARTIR DO
SISTEMA
Urn primeiro limite resulta da natureza teleológica
do todos os argumentos sistemáticos bem entendidos.
IkV(l nomeadamente ter-se em conta que o sistema
lIilo formula de modo adequado o valor em questão e
que, por isso, seja sempre necessário um controlo
Ideológico - pelo menos implícito - quanto a saber
se a premissa maior ou o conceito mais vasto toma-
dos ao sistema comunicam plena e acertadamente o
conteúdo valor ativo significado. Assim, por exemplo,
n proposição muito utilizada como argumento siste-
IlIÚ tico, de que na aquisição por força de lei não é
d(~ considerar a tutela da boa fé só muito condicio-
nalmente é utilizável. Na verdade, ela prende-se com a
cOllsideração acertada de que ela se relaciona com a
uquisição ex lege independente da vontade das partes
(~que, por isso, falta nela, em regra, a necessidade
de protecção do tráfego indispensável para a aquisi-
(;1\0 de boa fé; não obstante, ela vai, na sua formula-
(:fio, para além desta sua ratio. Mas isso é peri-
goso porque, desse modo, não se atingem todas as
formas de aquisição legal (74), uma vez que uma trans-
fer0ncia ex lege pode, em cer~os casos, ser apenas o
As considerações produzidas até este momento
acentuam o significado do sistema para a obtenção
do Direito mais do que o habitual; no entanto, não
se deve sobrestimar este, desconhecendo em especial
os limites que se põem à obtenção sistemática do
Direito (73). Cabe, a tal propósito, distinguir vários
aspectos.
(72) Para a objecção de que no § 401 esteja também
referenciada a hipoteca e de que,quanto a esta, não procedem
as considerações do texto cf. supra, nota 66.
(73) Cf. quanto a isso HERSCHEL, BB 66, p. 761 S8., que
tem contudo em mente, sobretudo, a argumentação baseada no
sistema «externo».
(71) Assim a hipoteca conforme com o § 1153 I BGB
transmite-se, por força da lei (!) com a transferência do crédito
", simultaneamente, não se duvida que, segundo o § 892 BGB,
Jlossa ser adquirida de boa fé. A proposição criticada também
niw se harmoniza, na sua generalidade, com o § 366 lU HGB.
revestimento técnico de uma transmissão (mediata-
mente) negocial (75). Assim por exemplo o direito
«legal» de penhor do empreiteiro, segundo o § 647
BGB poderia ser, na verdade, apenas um penhor
«negocial» tipificado na lei, para que se pudesse afir-
mar a possibilidade de uma aquisição de boa fé (76) ;
o § 647 apenas ordena o que as próprias partes de
forma típica e razoável teriam acordado (77). A pro-
posição arvorada a argumento sistemático, sobre a
recusa de protecção da boa fé na aquisição por força
de lei só pode, por isso, ser utilizada quando, em
princípio, se lhe veja, por detrás, o seu princípio
jurídico constituinte e, sendo o caso (através de uma
espécie de «redução teleológica»), ele seja conse-
quentemente limitado.
Ilislemu (desenvolvidamente discutida no antepenúl-
liIIIo parágrafo). Desta resulta, designadamente que
IIflo se deva tomar como resultado final a determina-
(;flo de que o sistema (até então existente) exige ou
contradita uma determinada solução, mas antes ape-
1111M como a possibilidade de um aperfeiçoamento do
.'lÍs/,ema; o que pareça, ou, até, seja, em certa altura,
como contrário ao sistema, pode, pouco mais tarde,
liurgir ultrapassado. Do mesmo modo deve-se evitar,
perante a obtenção do Direito a partir do sistema,
() mal-entendido de que o sistema é sempre dado, de
antemão, como pronto e, desde logo, faculta as solu-
l:i)es para os problemas. Antes vale também para o
sistema o que ENGISCH (78) averiguou para a ideia de
«unidade da ordem jurídica» - a este subjacente: não
(. apenas axioma mas, também, postulado, não apenas
pré-dado mas, também, a elaborar e significa, para as
l'l~lações entre formação do sistema e obtenção do
Direito, que entre estes não existe uma dependência
unilateral mas sim uma relação mútua (79); tal como o
sistema influencia a obtenção do Direito, assim se
desenvolve, de modo inverso, a formação plena do
sistema apenas no processo de obtenção do Direito.
/'ura além de sob a prevenção do «controlo teleoló-
Um segundo limite essencial à obtenção do
Direito a partir do sistema resulta da abertura do
(75) Tal é, por certo, o caso com o § 1153 I BGB, mas
deveria, por exemplo proceder também perante os § 401 e
§ 1250 do BGB; nos dois últimos casos não é contudo igual-
mente possível qualquer aquisição de boa fé; cf. supra, m.
(76) Quanto à discutida questão cf. principalmente, por
um lado, BGHZ 34, 122 e 153 e, por outro, WESTERMANN,
ob. cit., § 133 I, com extensas indicações.
(77) Caso não houvesse § 647 BGB, a jurisprudência cau-
telar já teria há muito retirado a inclusão de um direito de
penhor nas cláusulas contratuais gerais do empreiteiro e o
§ 1207 BGB seria, então, imediatamente aplicável!
C''') Cf. Die Einheit der Rechtsordnung, p. 69 s. (cf. tam-
IJt"1ll p. 83 s.); concorde, LARENZ, Methodenlehre, p. 135 s.
('") Esta só se pode entender inteiramente como dia-
It"dica.
gico», cada argumento sistemático coloca-se assim
ainda sob a da possibilidade de um desenvolvimento
ou modificação do sistema (80) .
IIrgumentos slstemãticos, por definição, nada mais
I'l'presentam do que os valores fundamentais da lei
Jl('nsados, até ao fim, em termos de igualdade e que
/I sua legitimidade e a sua força reguladora resultam,
n\ll simultâneo, da autoridade do Direito positivo e
da dignidade do princípio da justiça.
Num exemplo particularmente característico do
I)ireito do trabalho, torna-se patente como é duvidosa
" tentativa de, com recurso à justiça material, deter
soluções sistematicamente alcançadas. Corresponde,
reconhecidamente, à jurisprudência constante e à dou-
Irina que um trabalhador, perante uma «actividade
lendencialmente danosa» não seja, em certas circuns-
([meias, obrigado a indemnizar o empregador ou, pelo
menos, não totalmente, apesar da presença dos pres-
supostos de uma «violação positiva do crédito» ou de
um facto ilícito. Isto é tão claro em princípio quanto
obscuro nos aspectos singulares, havendo, aí, sobre-
tudo discussão quanto à questão de saber as circuns-
tâncias requeridas para a presença de uma indemni-
zação e para calcular o seu montante em concreto;
em especial, é duvidoso se, em tal sequência, também
silo de ter em conta pontos de vista «sociais» tais
como a idade, o estado familiar e as relações patri-
rnoniais do trabalhador. Por fim, contraria claramente
o sistema do Direito civil que tanto a respeito do
fundamento do dever de indemnizar como a propósito
do seu montante (§ 254 BGB!) se considerem apenas
critérios de imputação e não, também, aspectos
sociais do tipo citado. No entanto, é conforme ao
sistema uma solução erguida apenas sobre critérios
Recomenda-se cuidado quando se critique uma
solução «justa perante o sistema» com recurso à
«justiça material» (81). Pois a oposição que subjaz a
uma tal argumentação não existe, fundamentalmente,
de forma alguma; pelo contrãrio: o sistema, como
conjunto de todos os valores fundamentais constitu-
tivos para uma ordem jurídica, comporta justamente
a justiça material, tal como esta se desenvolve e
representa na ordem jurídica positiva; com razão
caracterizou, por isso, COINGo sistema como a ten-
tativa de «comportar o conjunto da justiça com refe-
rência a uma determinada forma de vida social num
conjunto de princípios racionais (82), e tendo mesmo
LARENZequiparado-o a uma «ideia de Direito histori-
camente concretizada» (83). Nesta sequência deve-se,
por isso, acentuar ainda mais expressamente que os
(80) Quanto aos aspectos singulares pode remeter-se para
as considerações do § 3; cf. ai, em especial, o n: IV.
(81) Ê típica a forma - em regra usada de modo total-
mente irreflectido - de que a justeza sistemática ou a unidade
do sistema não pode «singrar às custas da justiça material».
(82) Cf. zur Geschichte des Privatrechtssystems, p. 28.
(83) Cf. Festschrift für Nikisch, p. 304.
de imputação e perante um ilícito culposo por parte
do trabalhador ponha em campo o princípio da
imputação pelo risco contra o empregador, em termos
que minorem ou excluam a responsabilidade (84).
A opinião contrária não considerou, de facto que ela
seja «adequada ao sistema», mas tenta justificar a
sua contrariedade ao sistema - expressa ou implici-
tamente - através do apelo a pretensas exigências
da justiça material (8:» que, aqui, com base na parti-
cular natureza da relação de trabalho, deveriam tor-
1m!" necessano um desvio aos princlplOs gerais do
IIOSSO Direito de responsabilidade civil. Mas poder-
se-ú verdadeiramente afirmar que na relação de tra-
balho, aquando da determinação de um dever de
illdemnizar, apenas (86) a consideração das relações
patrimoniais, do estado familiar, etc., corresponde
li justiça material? Colocar a questão é negá-Ia.
Pode-se, pelo contrário, considerar até como uma
patente injustiça que, por exemplo, um trabalhador
li L1C casualmente recebeu uma herança ou que é ainda
solteiro, em restantes circunstâncias idênticas, deva
Ilagar uma indemnização mais elevada do que o seu
colega mais pobre ou casado? O que corresponda,
aqui, à justiça material não se deixa determinar
(/ priori, mas apenas se pode decidir perante o Direito
positivo vigente na altura, no qual a justiça encontrou
a sua realização concreta; esta opõe-se aqui, como
foi dito, claramente à consideração daqueles pontos
de vista sociais.
(84) Quanto a esta consideração, cf., principalmente,
GAMILLSCHEG/HANAU,DieHaftung des Arbeitnehmers, 1965,
p. 34 ss.; LARENZ,Schuldrecht B. T., § 48 II d; CANARIS,RdA
66, p. 45 ss.
(85) Característico, por último, WIEDEMANN,Das Arbeits-
verhiiltnis aIs Austausch- und Gemeinschaftsverhaltnis, 1966,
p. 20. Pode-se facilmente inverter a censura de que as exi-
gências da justiça material contundem com a unidade do sis-
tema, jogando-a contra o próprio WIEDEMANN;pois a ordena-
ção sistemática por ele adoptada previamente leva-o a limitar
as regras sobre trabalho tendencialmente perigoso à relação
de trabalho e isso pode, como o deixou claro sobretudo o
«caso da ultrapassagem do automóveh>, decidido pelo BGH
(AP Nr. 28 ao § 611 BGB Haftung des Arbeitnehmers com
ano A. HUECK),provocar injustiças consideráveis. Finalmente,
o próprio WIEDMANNparece subentender, que, com um «acordo
táctico», poderia auxiliar, do seu ponto de partida, de caso em
caso, uma repartição adaptada de riscos (cf. p. 19); a aceitação
de convenções «tácitas» entre as partes é, por causa do seu
carácter fictício, reconhecidamente, sempre um indício claro de
que existe uma fundamentação aparente e que, em conse-
quência, as premissas carecem de correcção. De resto, o prin-
cipio do risco desempenha também em WIEDEMANNum papel
1<'10 considerável (cf. sobretudo as considerações da p. 18 S.
que, no essencial, merecem total aplauso, enquanto também
() caso da ultrapassagem do automóvel, na minha opinião,
((pveria ter sido decidido de outra forma, d. RdA 66, p. 48),
que não é bem compreensível porque não o reconhece como
fundamento jurídico da limitação da responsabilidade e assim
:w possibilitando a reinclusão desse instituto no sistema do
110SS0 Direito de responsabilidade civil.
(8U) Caso o ponto de vista contrário, conforme com o
::istema, pudesse ser reconhecido como materialmente justo,
c:liria por terra a exigência de considerações de circunstân-
cias sociais.
o exemplo do trabalho tendencialmente danoso
é ainda, nesta sequência, rico em doutrina, noutro
propósito. Mesmo quando, de acordo com a opinião
aqui sufragada, se derive a solução apenas a partir
da confluência de específicos elementos de imputação
de ambos os lados, não se trata ainda, precisamente,
de um exemplo modelado de fidelidade ao sistema,
pois o Direito escrito não compreende qualquer apoio
para uma limitação da responsabilidade do trabalha-
dor perante o empregador. Na verdade, não se pode
negar que surgiram aqui exigências de justiça mate-
rial contra o sistema (originário) do nosso Direito
da responsabilidade civil e que conduziram à forma-
ção de um novo e não escrito fundamento de imputa-
ção. Tão-pouco se deve negar que em casos especiais
possa ocorrer um conflito entre justeza sistemática e
justiça material e que, em certas circunstâncias, ele
possa ser decidido a favor da última; pois como se
apresentou desenvolvidamente no § 3, o sistema é
«aberto», portanto permeável a uma modificação; um
tal aperfeiçoamento pode resultar também de exi-
gências da justiça material (87). Sob que circunstân-
cias cabe a estas a primazia não é, contudo, nenhuma
questão específica da problemática do sistema, mas
antes pertence ao tema da admissibilidade da inter-
pretação judicial criativa, em especial, à obtenção do
Direito com recurso à «ordem jurídica extra-legal»,
Illio podendo, por isso, ser aqui mais discutida (88).
I)('qualquer modo, resulta do que se disse - e ape-
IlUS isso é, aqui, decisivo - que os pontos de vista da
Justiça material não podem, sem mais, ser contrapos-
tos a argumentos do sistema, mas sim que aqui é
nntes necessária uma justificação especial (e normal-
mente muito difícil) de que carece qualquer interpre-
ta(:[(o criativa e, em particular, aquela que se apoie
em critérios extra-legais (89). No que toca ao insti-
tut.o do trabalho tendencialmente danoso, verifica-se
de imediato que essa justificação reside na intenção
de restringir a responsabilidade do trabalhador (90) e,
accssoriamente, na ideia de considerar, contra o sis-
t.ema do nosso Direito de responsabilidade civil, cir-
(88) Na minha opinião, um semelhante aperfeiçoamento
juridico - descontando crassos vassos de «injustiça legal» - é
admissivel sob a dupla pressuposição de que, por um lado,
nfio se oponham aos valores do Direito positivo e que, por
outro, um «princípio geral do Direito» a exija, residindo o
rundamento da sua validade ou na «ideia de Direito» ou na
«natureza das coisas»; cf., mais desenvolvidamente, CANARIS,
Die Feststellung von Lücken, ob. cit., p. 95 s., 106 ss., 118 ss.
e supra, p. 69 s.
(89) Cf., quanto a isso, a nota anterior.
(90) Onde fica ela, de modo exacto, é uma questão de
direito do trabalho que não se aprofunda, em particular, a este
propósito. Decisiva, em último lugar, deveria, de facto, ser a
natureza especial da relação de trabalho (e contratos apresen-
tados) e a situação atípica de risco, perante os outros contratos
(quanto à opinião própria, cf. RdA 66, p. 45 ss.); do ponto de
vista metodológico trata-se, pois, de uma argumentação com
auxílio de um princípio jurídico geral legitimado pela «natureza
das coisas» (o do princípio do risco).
(87) Cf. a tal propósito, sobretudo o § 3 II e IV 1, em
especial p. 70 s.
cunstâncias sociais como as relações patrimoniais, o
estado familiar, etc., independentemente do facto de
cada aperfeiçoamento ou modificação do sistema não
poder prosseguir, como as circunstâncias o exigi-
ram (91).
Resumindo, deve dizer-se: a solução adequada ao
sistema é, na dúvida, vinculativa, de lege lata e é,
fundamentalmente de reconhecer como justa, no
domínio de uma determinada ordem positiva; pontos
de vista de justiça material contrários ao sistema só
podem aspirar à primazia perante argumentos do
sistema quando existam as especiais pressuposições
nas quais é admissível uma complementação do
Direito legislado com base em critérios extra jurídico-
-positivos.
',',0111, no fundo, apenas a consequência evidente de
,Iolmminadas qualidades do sistema, que existem com
lolal independência da problemática da obtenção do
Direito: da sua natureza teleológica e da sua «aber-
1lira». Perante elas há contudo também casos nos
quuis ocorrem autênticos - e altamente perturbado-
I"'S - atentados à obtenção do Direito a partir do
Ilistema. Não seria apenas ingénuo acreditar que
('(Ida questão jurídica se deixaria solucionar a partir
do sistema, sucedendo ainda, além disso, que a deci-
~{l\l) consentânea com o sistema seja inconciliável com
o Direito vigente: lacunas no sistema e quebras no
.'Ii.o.;(,ema são um fenómeno familiar para o jurista.
A obtenção do Direito a partir do sistema vê-se, em
('onsequência, confrontada com limites inultrapassá-
vcis, que são os mesmos que se deparam à formação
do sistema. Mas estes últimos colocam um círculo
próprio de problemas, que assume o maior signifi-
cudo para o papel do pensamento sistemático na
jurisprudência e, por isso, deve ser discutido de
seguida (92).
4. Os limites da formação do sistema como limites
da obtenção do Direito a partir do sistema
As prevenções até aqui realizadas quanto à obten-
ção do Direito a partir do sistema não representam
verdadeiras falhas nele mas, tão-só, como que limites
imanentes; pois tanto a necessidade de controlo teleo-
lógico como a possibilidade de um aperfeiçoamento
do Direito - e na última devem-se também contar
os poucos casos nos quais a justiça material pode
prosseguir contra a adequação sistemática - tradu-
(91) Já acima foi dito que não se trata aqui da conside-
ração de pontos de vista sociais.
§ 6.° OS LIMITES DA FORMAÇÃO
DO SISTEMA
A referência aos limites de uma obtenção do
Direito a partir do sistema, que constitui a conclusão
tio último parágrafo, indicou logo os limites postos
ao pensamento sistemático na Ciência do Direito.
De facto a formação de um sistema completo numa
determinada ordem jurídica permanece sempre um
objectivo não totalmente

Continue navegando