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Textos p2 Educação inclusiva Unip

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CONCEITUANDO DEFICIÊNCIA – A preocupação em classificar as doenças vem desde o século XVIII, mas somente em 1948 foram feitas referências a doenças que poderiam se tornar crônicas, exigindo outros atendimentos além dos cuidados médicos. 
Na década de 1970 a CID-8 considerava apenas as manifestações agudas, seguindo o modelo médico: ETIOLOGIA > PATOLOGIA > MANIFESTAÇÃO.
Em 1976 surgiu uma nova conceitualização, em caráter experimental, um manual de classificação das conseqüências das doenças, CIDID, publicada em 1989 no Brasil. 
CIDID, publicada em 1989 no Brasil, surgiu em caráter experimental. Define-se deficiência como: Perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão.
A incapacidade é uma restrição resultante da deficiência, da habilidade para desempenhar uma atividade normal do ser humano. Representa a objetivação da deficiência e reflete os distúrbios das próprias pessoas nas atividades e comportamentos essenciais à vida diária. 
O indivíduo se adapta ao meio.
Dificuldades encontradas na CIDID:
Isolar e diferenciar os conceitos de deficiência, incapacidade e desvantagem nas descrições dos comportamentos.
Treinar pessoal para utilizar de forma padronizada essa classificação.
Aplicar essa classificação as diversas teoria e modelos de deficiência
CIF, 2001 – Assembléia Mundial da Saúde aprovou a Classificação Internacional de Funcionalidade, modelo BIOPSICOSSOCIAL. O CID-10 é o seu complementar, pois a informação sobre o diagnostico acrescido da funcionalidade fornece um quadro mais amplo sobre a saúde do indivíduo ou população.
Contém uma série de ferramentas e permite várias abordagens.
O reconhecimento do papel central do meio ambiente no estado funcional dos indivíduos, agindo como barreiras ou facilitadores no desempenho de suas atividades e na participação social mudou o foco do problema da natureza biológica individual da redução ou perda de uma função e/ou estrutura do corpo para a interação entre a disfunção apresentada e o contexto ambiental onde as pessoas estão inseridas.
Apesar da polêmica criada em torno do tema, considera-se positivo o fato de colocar em debate a CIDID que tem sido pouco discutida no Brasil. Esse debate deve ser ampliado, envolvendo profissionais e interessados na área da deficiência, assim como entidades representativas e de acompanhar as tendências mundiais nesse campo de conhecimento, utilizando uma linguagem comum à comunidade científica que pesquisa e publica na área. A terminologia científica é importante e necessária para que o grupo de pessoas que apresenta deficiências receba maior atenção, pois a superação de questões conceituais pode facilitar a promoção de outras ações, trazendo benefícios tanto a esse grupo de pessoas como à comunidade em geral. Concluindo, propõe-se: - adotar a CIDID como referencial; - privilegiar o modelo combinado entre os modelos médico e social de deficiência; - ampliar a especificação sobre o alcance das conseqüências das doenças no indivíduo, levando em conta sua atualização constante; - utilizar, ao se referir à relação pessoa/deficiência, preferencialmente preposições e verbos na voz ativa; - dar maior ênfase à descrição das possibilidades do indivíduo, enfocando as desvantagens resultantes de circunstâncias do ambiente físico e social.
Resumo do artigo: Combate ao sexismo em livros didáticos: construção da agenda e sua crítica. 
O texto de Rosemberg retrata o tema do sexismo dentro dos livros didáticos, a autora faz um levantamento histórico sobre esse polemico assunto e fala sobre sua abrangência em vários países. A autora faz uma revisão critica dos conteúdos dos LDs, mostrando o envolvimento de diversos autores e de movimentos ativistas.
Sexismo é a diminuição de um gênero sexual em detrimento de outro. Nos livros didáticos retratados pela pesquisa é visível o privilegio de figuras masculinas e uma sub-representação feminina. O sexismo no LD mostra a mulher como uma figura indefesa no ambiente doméstico e excluída de papeis ativos e de grande importância.
Iniciou-se após a primeira guerra mundial uma revisão dos conteúdos do LDs, pois educadores e políticos criticaram e tomaram iniciativas sobre o ensino da historia, tudo isso foi criado pois os LDs induziam a xenofobia através de imagens errôneas dos inimigos.
Na década 60 e 70 começam as analises das relações de gênero dentro dos livros didáticos, a partir daí inicia-se um grande movimento em todo mundo, mas com uma força bem maior nos EUA e na Europa. Vários grupos feministas começaram abraçar essa causa, contribuindo com o fortalecimento desse movimento, eles tiveram o apoio de diversos autores e varias comissões revisadoras foram criadas. É só nos anos 70 que a educação especifica foi problematizada pelo movimento feminista.
O autor André Michel cita que” a primeira manifestação do sexismo esta no fato de se negar a realidade social e a diversidade de situações”. Isso mostra que o sexismo no LD era latente e as pessoas negligenciavam a sua existência.
No Brasil, na década de 1970, ocorreu a primeira manifestação publica do feminismo contemporâneo, com a critica “estereótipos sexuais na escola”. Dez anos mais tarde o tema estereótipos sexuais adentrou a literatura acadêmica, o tema penetrou o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD – que, em 2007, comprou 102,5 milhões de exemplares produzidos por editoras privadas e distribuídos gratuitamente nas escolas publicas e comunitárias. Nesse contexto a escola não é vista como responsável, mas sim como agência fortalecedora de estereótipos através dos textos utilizados.
Na época da ditadura militar o movimento feminista aliou-se a progressistas de esquerda, para um enfrentamento da questão de processos políticos e sociais mais amplos relativos ao tema de reivindicações sobre a mulher trabalhadora adulta.
As produções sobre sexismo nos LDs no Brasil é considerada esporádica e de autorias individuais, sem debates e monitoramento das mudanças nos conteúdos dos LD.
Diversos autores entre eles Rosemberg discutiam a revisão da literatura sobre mulher, educação e formação no pais de 1936 até atualidade. O Brasil é signatário de diversos acordos internacionais para a igualdade de acesso a educação entre mulheres e homens.
As ações do governo federal assumiram e proporcionaram introduzindo o tema das discriminações de gênero na educação e nos LDs. Desde 1996 o “preconceito” de sexo e gênero constitui um dos critérios para eliminar LD do sistema oficial Brasileiro de compra e distribuição. 
Nos anos de 1980 e 1990 o tema estereotipo de gênero/raça fortaleceram o poder de negociação do MEC com as editoras, mas com a intenção de pressionar as editoras, fez com que a avaliação de 1993 fosse divulgada onde encontrava grandes erros e conceitos diferentes que fora comprados pelo governo federal e distribuídas nas escolas.Essa estratégia fez com que as editoras acatassem de forma criteriosa para avaliação dos LDs e contribuíssem com a aliança do MEC com movimentos negros e feministas.
A difusão de toda produção acadêmica sobre sexismo é pouco consistente compartilhada pelo senso comum. Nas sínteses elaboradas pelo MEC (2006) publicadas no Guia de Livros Didáticos 2007, não há informações sobre o tratamento dado pelos livros ali apresentados. Existem preconceitos,estereótipos ou discriminações. O foco é em critérios teóricos estruturais e metodológicos, que não tratam do sexismo no LD. A constatação de permanência de estereótipos impulsiona a participação de movimentos sociais a participarem das comissões de avaliação.
Interfaces da Educação com o Sistema de Proteção Especial
MarioVolpi*
Proteção e Inclusão Social
O discurso
da proteção social vem sendo repetido ultimamente por atores sociais de tantos e tão diferentes cores políticas e ideológicas e transformou o conceito em sentido tão ambíguo que, para citação da expressão, torna-se sempre necessário um complemento que a adjetive e qualifique. Até o Banco Mundial e o BID incorporaram a expressão aos seus contratos e, para concederem a liberação de empréstimos ao governo brasileiro, estão condicionando-a à comprovação do investimento brasileiro num conjunto de 22 programas de orçamento batizado de Rede de Proteção Social.
Estes programas são:
Na área da educação: Livro Didático; Saúde do Estudante; Merenda Escolar; Gestão Eficiente; Complemento ao fundef; fundescola.
Na área do trabalho: Manutenção do Seguro-Desemprego; Abono Salarial; Qualificação Profissional.
Na área da saúde: Combate às Carências Nutricionais; Farmácia Básica do SUS; Programa Nacional de Imunização; Piso Assistencial Básico do SUS; Saúde da Família; Atenção Integral à Saúde da Mulher.
Na área da assistência social: Apoio à Criança Carente; Apoio ao Cidadão, à Família e ao Deficiente; Apoio à Pessoa Idosa; Benefício ao Idoso e à Pessoa Portadora de Deficiência (loas); Apoio ao Combate ao Trabalho Infantil; Apoio Integral à Criança e ao Adolescente no Enfrentamento à Pobreza; Participação da União em Programas de Garantia da Renda Mínima.
O debate sobre o que são redes, como se constituem, que atribuições têm e como se configuram no contexto das políticas sociais está longe de ser conclusivo. Pelo contrário, cada vez mais o conceito de rede se torna complexo e seu uso adquire diferentes significados, levando por vezes à expectativa de constituir-se enquanto panacéia para superar a dispersão de recursos, superposição de ações, paralelismo de políticas e outras mazelas que marcam os programas sociais no país.
Se por si só o conceito de rede já se apresenta complexo, agregado ao termo proteção social passa a demandar um estudo minucioso que permita compreender, minimamente, do que se trata. A origem das chamadas políticas sociais remonta ao período da Revolução Indus​trial na Europa e tem sua fonte mais específica na Lei dos Pobres da Inglaterra (Poor Law, Primeira Lei em 1535) [Castel, 1998, p. 91]. A lógica desta iniciativa da intervenção do Estado para regular as relações do mercado com o trabalho era de diminuir as disparidades que desestabilizavam o sistema social. Seguindo esse caminho e pressionado por um lado pela classe trabalhadora organizada e por outro pelas demandas de contenção da pressões sociais, o Estado se constitui num Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), assumindo para si fun​ções de regulação social que pudessem assegurar assistência mínima àqueles que não tinham trabalho, não pudessem trabalhar (incapacidade física ou mental) e àqueles cujo rendimento do seu trabalho não permitia o suprimento das necessidades básicas.
Entre o econômico e o jurídico há um hiato preenchido, talvez tardiamente, pelo social. Não que a questão social seja uma coisa nova. O modo sistemático de intervenção no século XVI em relação aos mendigos, aos vagabundos, ao controle da circulação da mão-de-obra e à obrigatoriedade do trabalho são o que Robert Castel chama do cerne da questão "social assistencial", provando assim que a questão social já se colocava na fase anterior à industrialização da Europa ocidental.
Nossa situação atual não difere da problematização colocada na fase de estruturação do capitalismo. Os supranumerários de hoje, os que não participam, não têm, sequer são explorados, atualizam de forma trágica os inúteis do mundo pré-industrializado. "A metamorfose está em que anteriormente a questão era saber como um ator social subordinado e dependente poderia tornar-se um sujeito social pleno. A questão agora, sobretudo, é amenizar esta presença, torná-la discreta a ponto de apagá-la" [Castel, op. cit.].
Com o aperfeiçoamento do Estado Capitalista na Europa, os programas sociais que tinham o objetivo de atender a demandas sociais, diminuir tensões e "humanizar" as relações de trabalho passaram a se constituir em políticas permanentes de controle social que impedissem a desintegração (ou desfiliação, como diria Castel) dos cidadãos. Nos últimos 30 anos essas políticas constituíram-se em uma Rede de Proteção Social que tinha por objetivo assegurar a integração do indivíduo ao mercado (como força de trabalho e como consumidor). Daí essa rede ser composta de programas de garantia de renda mínima, salário-desemprego, auxílios sociais monetários e não monetários diversos (creche, escola, moradia), pois seu objetivo era manter os cidadãos participando da vida social, evitando sua exclusão e a formação de amplos contingentes de população empobrecida, cuja produção de estratégias de sobrevivência gera a instabilidade do sistema.
Falar, portanto, em Rede de Proteção Social implica a referência a uma análise funcionalista européia que vê a sociedade como uma unidade harmônica na qual o objetivo do Estado é preservar sua estabilidade por meio da acomodação dos interesses dos diferentes grupos sociais e da garantia de proteções ao cidadão para evitar sua exclusão social.
O anacronismo da expressão adotada de forma tão ampla está exatamente no fato de que a realização do Estado de Bem-Estar Social nunca se deu de forma efetiva no Brasil e a grande maioria de sua população está socialmente excluída. Por esse motivo não convém apostarmos numa Rede de Proteção Social tradicional, pois não se trata de proteger direitos assegurados e, sim, de assegurar direitos por meio de políticas sociais de inclusão.
Também o conceito de exclusão social não se apresenta unívoco, carregando consigo as críticas por dizer mais daquilo que o cidadão não é do que aquilo que ele é. Sem entrar no debate desse conceito típico das ciências sociais, consideramos que a realidade brasileira aponta para um déficit das políticas sociais e do seu funcionamento carregando, historicamente, mecanismos próprios de exclusão. Vejamos alguns exemplos.
A política educacional brasileira por muitos anos atuou como uma política de exclusão social, pela inadequação dos currículos e da metodologia que gerou a repetência, congestionou as séries de acesso à escolarização básica e gerou um déficit de vagas que, mesmo tendo diminuído significativamente, deve continuar preocupando todos.
A política de saúde, apoiada exclusivamente no trinômio centro de saúde, hospital e médico, gerou processos seletivos no atendimento, concentrando os serviços nas redes tradicionais, ignorando atividades de medicina popular e preventiva, colaborando para o agravamento das condições de saúde dos mais pobres, o que, por sua vez, dificulta o seu ingresso no mercado de trabalho.
Poderíamos falar também da política habitacional que beneficia exclusivamente a classe média, e de outras políticas sociais cuja promessa de efetiva garantia dos direitos sociais a todos os cidadãos ainda não se cumpriu.
É claro que reduzir o enfrentamento da pobreza a uma tarefa das políticas sociais representa um equívoco que ignora os impactos da política econômica na produção das desigualdades sociais. Sem distribuição de renda e geração de empregos as políticas sociais não têm onde se assentar.
Ao nos referirmos a uma Rede de Proteção Social ou, mais especificamente, a uma Rede de Proteção Especial, queremos identificar um conjunto de políticas sociais estruturadas, capazes de resgatar o cidadão de sua exclusão social e incluí-lo numa participação crítica e ativa na sociedade como um sujeito capaz de interferir na sua própria história e na história da sociedade na qual se integra.
Conselhos Tutelares, Programas de Proteção Especial e Sistema Educacional
Órgão de vanguarda do Sistema de Garantias, o Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, nãojurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Cada Município deverá ter pelo
menos um Conselho Tutelar composto por 5 pessoas escolhidas pela comunidade por indicação regulamentada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. O papel do Conselho Tutelar é assegurar de forma imediata os direitos infanto-juvenis,_podendo inclusive requisitar serviços e aplicar medidas protetivas. Caracteriza-se por ser um órgão de caráter comunitário e operacional.�
A expressão "não jurisdicional" merece destaque, pois representa uma ruptura com criminalização da pobreza presente na legislação anterior ao Estatuto. Melhor dizendo: o Conselho Tutelar exerce uma função de caráter social e não jurídica. Seu papel caracteriza-se por contribuir com as crianças e os adolescentes em situação de vulnerabilidade para promover sua inclusão social e não a aplicação de castigos ou punições.
Para isso, deve contar com uma retaguarda de serviços e programas que permitam agilizar os processos de prevenção e atendimento às situações de ameaça ou violação de direitos. Essa retaguarda se constitui de serviços de proteção transitórios e permanentes. A transitoriedade ou permanência não se referem ao serviço e sim ao usuário.
SERVIÇOS DE PROTEÇÃO TRANSITÓRIOS
São aqueles que se destinam a atender a situações emergenciais enquanto se providenciam soluções mais definitivas. Referiremos, a seguir, alguns mais significativos.
Abrigo
É um típico serviço de proteção transitório e destina-se àquelas crianças e adolescentes que estão impedidos da convivência familiar por ausência ou impedimento dos pais. É importante lembrar que a pobreza não se constitui em motivo para afastar a criança da família.
Ao se abrigar uma criança ou adolescente deve-se proceder à imediata informação à autoridade judiciária. O levantamento de sua história de vida e sua situação social são elementos fundamentais para, no imediato momento do abrigamento, iniciar os processo de localização e reaproximação da família, ou o estudo de alternativas como a inclusão em programa de adoção; encaminhamento à família substituta; identificação de adultos com os quais existem laços afetivos ou parentais e que possam assumir responsabilidades de guarda ou apoiar a sua inclusão em algum programa de convivência familiar.
No período em que a criança ou o adolescente estiverem abrigados, o diretor do abrigo tem responsabilidade de guarda, isto é, tem obrigação à prestação de assistência material, moral e educacional. Essa obrigação impõe a necessidade de imediata matrícula na escola e da sua inclusão em programa sócio-educativo que facilite a sua integração na comunidade, sendo vedada a reclusão ou privação de liberdade para fins de proteção.
Não existe abrigo permanente, pois a legislação optou por formas alternativas à institucionalização, uma vez que a experiência das instituições totais destinadas à criança pobre demonstraram sua incapacidade de promover o direito à convivência familiar e comunitária, assegurado como fundamental.
Existem situações de adolescentes e até crianças com mais idade ou portadores de deficiência que têm maior dificuldade de serem recebidos em adoção ou serem encaminhados a famílias substitutas com termos de guarda ou outras formas. Nesse caso, deve-se acionar a comunidade (Conselho Tutelar, escola, igrejas, Conselhos de Direitos, associações comunitárias e ONg) para a criação de alternativas à institucionalização total. Algumas experiências de "repúblicas" de adolescentes, "casas-lar", "núcleos de convivência" são soluções que, por meio da composição de pequenos grupos, geralmente próximos a uma família média brasileira, preservam crianças e adolescentes num contexto comunitário e tentam diminuir o impacto da impossibilidade de convivência familiar.
Casa aberta
São unidades de atendimento, em geral, a meninos e meninas de rua. Constitui-se também em um programa transitório destinado a propiciar um processo de auto-conhecimento e de reorganização de sua vida. A convivência de meninos e meninas por longo tempo nas ruas os leva a desenvolver hábitos, atitudes, linguagem, valores e códigos forjados como estratégias de sobrevivência num contexto de violência, desprezo, exploração e transgressão. A vivência na rua gera um modus vivendi que desconstrói as relações típicas de hierarquia, disciplina, horários e rotinas, substituindo-os por improvisos, atitude de permanente desconfiança e necessidade de decisões rápidas.
Submeter uma criança ou adolescente com essas vivências a uma rotina rígida e pré-definida resulta, na maioria dos casos, em um fracasso pedagógico. A casa aberta é um programa com a flexibilidade suficiente para permitir a meninos e meninas a reconstrução de um projeto mínimo de vida e um reaprendizado da cidadania que implica o conhecimento e o reconhecimento dos seus direitos, aos quais correspondem sempre deveres e responsabilidades.
A incompreensão dessa dinâmica social das populações de rua tem feito fracassar operações de recolhimento de crianças e adultos e gerado situações de arbítrio e violação de direitos. Além disso, tem desestabilizado processos pedagógicos que, no momento em que conseguem estabelecer vínculos mínimos de confiança e aproximação, sofrem uma ruptura e são obrigados a refazer todo um processo complexo e dinâmico.
Escola aberta
Nessa perspectiva transitória produziram-se também alternativas metodológicas ao ensino formal denominadas escolas abertas. A transposição de uma criança que vive nas ruas para dentro de uma sala de aula representa uma transição entre universos extremamente diferenciados. Para atenuar essa distância as escolas abertas se propõem a ser um momento intermediário de estímulo à criança ou ao adolescente para voltar à escola e, ao mesmo tempo, são um laboratório de criatividade para gerar novas metodologias que contaminem a escola formal para que se torne mais atrativa e interessante, especialmente para aquelas crianças e adolescentes que estão fora dela. Em muitas cidades brasileiras, a escola aberta já está inserida na política de ensino como estratégia de inclusão na escola de crianças e adolescentes evadidos ou que nunca a freqüentaram, seja por não gostar da escola, seja por viver na ruas; por inserir-se precocemente no mercado de trabalho; por abandono familiar; ou por exploração de qualquer tipo.
Educação social
Em alguns lugares também chamados de "plantão social", são programas destinados a dar apoio aos Conselhos Tutelares em situações emergenciais as mais diversas. Atuam nos casos em que é preciso providenciar cesta básica de alimentos; assegurar passagem de ônibus para migrantes; promover atendimento imediato de apoio sócio-familiar ou a aproximação do núcleo familiar com o estabelecimento de contatos periódicos em reuniões e visitas domiciliares, planejadas na perspectiva de não invadir arbitrariamente o núcleo familiar, mas respeitando os limites da individualidade e promovendo o diálogo e abertura para uma relação solidária; sugestão e estímulo ao encaminhamento a serviços especializados nos casos de graves desajustes como abuso de álcool e drogas e/ou maus-tratos; apoio terapêutico para a gerência a administração de conflitos interpessoais entre os membros da família quando assim o desejarem.
A partir das necessidades familiares (número de membros da família); condições de salubridade, higiene e segurança; respeito às normas mínimas da legislação local e da garantia de um espaço de dignidade e habitabilidade, poderá ser concedido apoio habitacional nos casos de maior emergência. Esse apoio se dá na forma de material de construção e/ou utensílios e mão-de-obra nos casos em que não for possível à família oferecê-la como contrapartida. Também encaminhamento ao SUS (Sistema Único de Saúde) para a obtenção de remédios, consultas e exames especializados, sempre em casos de emergências sociais.
Nos casos extremos de total indigência e miserabilidade em que a segurança alimentar da família estiver comprometida pela insuficiência ou inexistência de uma renda, alguns programas destinam uma cesta
básica de alimentos composta sob orientação de um nutricionista de forma a satisfazer às necessidades básicas, definidas a partir da composição familiar.
Em grandes centros urbanos existem programas de Educação Social de Rua, nos quais educadores atuam sistematicamente com a população de rua desenvolvendo um processo pedagógico de produção de vínculos de confiança para o encaminhamento aos serviços e programas existentes na comunidade.
SERVIÇOS DE PROTEÇÃO PERMANENTES
As políticas sociais básicas, através das suas redes de serviços, constituem a base dos serviços de proteção permanente. A escola, o centro de saúde, os programas sócio-educativos em meio aberto, as ações complementares à escola, as atividades de cultura, esporte e lazer são os pilares de todo o sistema de proteção aos direitos das crianças e adolescentes.
A permanente interlocução do Conselho Tutelar com essa rede de serviços é a estratégia básica para uma prevenção primária à violação dos direitos. Essa interlocução implica visitas do CT à escola e desta ao CT; ao centro de saúde e vice-versa e aos demais serviços, estabelecendo- se rotinas e procedimentos para o enfrentamento conjunto das situações de vulnerabilidade pessoal e social.
É importante destacar que esses serviços de proteção permanente devem estar estruturados com o objetivo da inclusão social de todas as crianças e adolescentes. Por isso a interlocução é o caminho mais adequado para ajustar deficiências e necessidades.
Escola
A existência de crianças e adolescentes fora da escola deve ser enfrentada como um problema que demanda tarefas coletivas. A escola precisa estar preparada para receber, a qualquer tempo, crianças com interesse no ingresso ou regresso escolar, desenvolvendo para isso estratégias de acomodação que assegurem a continuidade de dinâmicas e ritmos de aprendizagem dos alunos que já estão estudando e permitam a inserção do novo aluno com serenidade e compreensão para suas dificuldades iniciais.
A inexistência de escolas abertas não é motivo para retardar o ingresso de crianças no ensino formal. Com a capacitação dos profissionais de educação em tecnologias de aceleração do ensino e no desenvolvimento de dinâmicas socio-interacionistas e construtivistas, pode-se gerar capacidade pedagógica de dar múltiplas respostas a situações diversificadas das crianças e adolescentes em situação de risco.A partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, o ensino profissionalizante compõem de forma definitiva a política educacional, devendo estruturar uma rede capaz de atender à crescente demanda de jovens por uma profissão. O aumento da idade de admissão ao emprego de 14 para 16 anos criou a necessidade de um grande investimento no ensino profissional para permitir ao adolescente o ingresso no mercado de trabalho com uma qualificação mais avançada, à qual corresponderá mais e melhores oportunidades.
Apoio sócio-familiar
" A família brasileira, em meio a discussões sobre sua desagregação ou enfraquecimento, está presente e permanece enquanto espaço privilegiado de socialização, de prática de tolerância e divisão de responsabilidades, de busca coletiva de estratégias de sobrevivência e lugar inicial para o exercício da cidadania sob o parâmetro da igualdade, do respeito e dos direitos humanos. A família é o espaço indispensável para a garantia de desenvolvimento e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou forma como vêm se estruturando. É a família que propicia os aportes afetivos e sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de solidariedade. É também no seu interior que se constroem as marcas entres as gerações e são observados valores culturais" [Kaloustian, 1998].
No conjunto conceitual descrito na Lei Orgânica de Assistência Social, a família é a base sobre a qual uma política de assistência social cidadã se assenta. Identificamos aqui o apoio sócio-familiar com um programa de proteção permanente, pois deve estruturar-se como uma ação sistemática, organizada e continuada. Compõe-se esse programa de atividades específicas destinadas à família, que têm como objetivo apoiar a estrutura econômica familiar e dar suporte psico-social para ajudá-la a administrar conflitos, crises e tensões.
Os Programas de Renda Mínima, Bolsa Escola, Vale Cidadania e outra formas de garantia e melhoria da renda familiar são importantes para o enfrentamento de diferentes tipos de exclusão: trabalho infantil, exploração sexual comercial, mendicância e outras formas de violação de direitos realizadas enquanto estratégias de sobrevivência.
A terapia familiar, grupos de auto-ajuda e aconselhamento, núcleos comunitários de apoio sócio-familiar e outros serviços estruturados no contexto da comunidade são uma importante retaguarda para dar melhores condições à família para cumprir sua tarefa tão complexa de ser o espaço essencial de acolhida, compreensão e realização da criança e do adolescente. Nesse contexto, desempenham grande importância os programas de alfabetização de adultos, reinserção no mercado de trabalho, profissionalização e apoio com microcrédito a pequenos empreendimentos familiares.
Ações complementares à escola
Esses programas destinam-se a colaborar com o processo educativo, em sentido amplo, no período em que as crianças não estão na escola, desenvolvendo atividades de arte, música, cultura, esportes, cidadania, sondagem vocacional e demais modalidades de desenvolvimento e socialização.
Normalmente executados por organizações não governamentais, esses programas começam gradativamente a compor um sistema público de grande importância na proteção dos direitos da criança e do adolescente. A situação de vulnerabildiade social de um grande número de famílias brasileiras faz que a maioria dos pais ausentem-se de casa durante o dia para o trabalho, o que provoca abandono forçado das crianças à comunidade. A inexistência dos programas sócio-educativos na comunidade remete às ruas dos grandes centros urbanos crianças que ao mesmo tempo que se distanciam da família distanciam-se também da escola e da comunidade.
Centros de saúde
Com os agentes comunitários de saúde e por meio do desenvolvimento de procedimentos preventivos e de educação comunitária, inclusive, em alguns municípios, com programas de visitas médicas às famílias, a política de saúde torna-se mais presente no controle, na prevenção e no tratamento das situações de vulnerabilidade das crianças e adolescentes. Todavia, os centros de saúde, ou postos de saúde, desempenham um papel importante ao incorporar em suas rotinas uma atitude de vigilância em relação aos direitos da criança e do adolescente. Sinais externos, como hematomas pelo corpo, podem ser uma pista para a identificação de violência física contra crianças; instabilidade emocional, medos e inseguranças podem ser a manifestação de uma situação de sofrimento psicológico de uma criança em situação de grave risco.
Uma boa capacitação dos profissionais de saúde para a prevenção da violação de direitos tem efeito importante na proteção social de crianças e adolescentes. O contato com o Conselho Tutelar, a possibilidade de participação em debates, reuniões e capacitações vai gerando uma cultura de co-responsabilidade na proteção que tem impacto imediato na redução das situações de violação de direitos.
Para a Rede de Proteção Especial são essenciais, no âmbito das políticas de saúde, os programas de atendimento aos drogadidos, usuários de substâncias psicoativas, alcóolatras e pessoas com distúrbios psíquicos.
Não pretendemos esgotar todos os tipos de retaguarda necessários à proteção dos direitos infanto-juvenis. Quisemos apenas dar uma visão da diversidade de programas que são necessários para responder à diversidade de direitos. A estruturação desses
programas em rede é uma tarefa essencial sem a qual o mais excelente funcionamento dos programas isoladamente não assegura a proteção aos direitos.
A Atuação em Rede
O conceito de rede está inserido na própria definição do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a política de atendimento como um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais da União, dos Estados e dos Municípios, com a respectiva definição de papéis e responsabilidades. Na comunidade, a articulação em rede implica o conhecimento dos atores sociais existentes, suas propostas, atribuições e responsabilidades. Esse conhecimento é adquirido a partir de um processo permanente de diálogo e da formalização de momentos específicos de apresentação e troca de experiências.
Numa experiência desenvolvida numa comunidade para a prevenção, o atendimento das vítimas e o combate a abusos, maus-tratos e exploração sexual, uma entidade tomou a iniciativa de chamar todas as forças vivas da comunidade (escola, posto de saúde, creche, APAE, associação de moradores, associação de comerciantes, entidade de atendimento em meio aberto, curso profissionalizante, igrejas etc.) que tinham interesse na temática. Após a apresentação de cada um, descobriu-se que havia muita gente fazendo coisas semelhantes e havia áreas em que ninguém atuava. A partir dessa constatação, iniciou-se um processo de mapeamento de serviços e de estabelecimento de rotinas para o encaminhamento das situações mais emergentes. A partir dessas situações, cada entidade foi percebendo sua especialidade e aprofundando sua competência na sua área e contando de forma complementar com o apoio de outras organizações nas questões menos comuns ao seu trabalho. Foi possível também perceber que havia procedimentos comuns no encaminhamento de determinadas situações e que, quando isso ocorria, o problema se resolvia com mais facilidade. Quando, ao contrário, cada um queria fazer do seu jeito, produzia-se mal-estar e afloravam os desentendimentos. A partir desse aprendizado, estabeleceu-se um dia por mês para reunir todos e avaliar as atividades desenvolvidas, estabelecer novas metas e formalizar alguns procedimentos comuns. Dessa forma, diminuíram significativamente os conflitos e competições e deu-se uma dimensão verdadeiramente comunitária a cada programa e iniciativa.
Numa dimensão mais ampla, é importante que as políticas municipais também sejam estruturadas em redes de serviços, facilitando a integração das diferentes áreas das políticas públicas. Para isso, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente é o órgão fundamental e a sua criação depende da vontade política do governo e da participação da sociedade civil para a indicação dos seus representantes.
Trabalhar em rede implica submeter, sem perder sua autonomia e identidade, a um coletivo mais amplo, sua proposta político-pedagógica, para dar maior alcance à sua atividade e assegurar o princípio da indivisibilidade do direito. Esse princípio refere-se à compreensão de que os direitos de cada um não são como gavetinhas a serem preenchidas por diferentes instituições, mas que precisam ser assegurados integralmente de forma coerente e sistemática por meio de serviços e benefícios de qualidade que garantam o respeito à dignidade de cada um.
Trabalhar em rede contribui de forma especial para otimizar recursos, priorizar áreas de atuação e evitar o paralelismo e a superposição de ações. Para isso é muito importante a existência de um núcleo de planejamento, monitoramento e avaliação que concentre as informações de interesse comum e oriente a avaliação de desempenho de cada um na rede. Esse planejamento também colabora para a definição das responsabilidades e especificidades de cada um a partir de critérios claros e explicitados.
A grande conquista do trabalho em rede é a quebra do isolamento das entidades e a qualificação (no sentido de melhorar a qualidade) dos serviços oferecidos. O jeito de fazer, a metodologia, depende da correlação de forças da própria comunidade. O importante é tomar iniciativas concretas e colocar as pessoas a trabalhar juntas. A partir daí, cada rede vai tendo sua própria tessitura, suas características peculiares e sua identidade, ganhando força para modificar o contexto de exclusão social, a partir da sua própria organização.
A Cidadania Como Objetivo Comum
A exclusão social de crianças e adolescentes tem em sua base a sonegação contínua de seus direitos mais elementares. Tanto as violências praticadas no contexto familiar, como as resultantes de estruturas sociais injustas, ou ainda as praticadas isoladamente por pessoas ou grupos, são componentes de um mesmo quadro de violência social, no qual crianças e adolescentes são as vítimas mais vulneráveis.
Os múltiplos fatores que incidem sobre a produção da exclusão social da infância demandam múltiplas abordagens no seu enfrentamento. Mais do que procurar identificar se os fatores causais são de ordem estrutural ou conjuntural, é preciso considerar a complexidade da situação de ameaça e violação de direitos para não cairmos numa análise economicista que julga que, resolvidos os problemas econômicos, os sociais seriam resolvidos por conseqüência; ou na visão ingênua de que se resolvem problemas sociais sem necessidade de alterar fundamentos da economia.
A estruturação de um Sistema de Garantias foi a opção feita pelo legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente, para enfrentar a complexidade da questão dando respostas imediatas às questões emergenciais e instituindo um caminho mais consistente para enfrentar as chamadas causas estruturais. Uma política de proteção especial só ganha sentido na medida em que se situa enquanto componente de uma política de garantia de direitos e não como uma ação compensatória de caráter isolado para resolver questões pontuais.
Para enfrentar as questões estruturais, o caminho indicado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é o da ampliação da democracia, a qualificação da criança e do adolescente como atores sociais credores de direitos, a desjurisdicionalização da pobreza, e a constituição de um conjunto de novos direitos que permitem gerar mecanismos de participação social capazes de produzir uma cultura de mais justiça social e menos desigualdades. Além disso, institui um conjunto de novas institucionalidades, programas de atendimento e alternativas metodológicas que, como uma rede de inclusão social, articula serviços de diferentes áreas para prevenir e reparar a violação de direitos. Os programas de proteção especial ganham, portanto, um duplo sentido: servem como proteção nos casos de ameaça aos direitos e funcionam como mecanismos de inclusão para os que são violados e excluídos.
É no âmbito da política municipal que se constituem as políticas de proteção especial. Articulados em rede, os programas que a compõem estruturam-se em torno de demandas concretas. Tradicionalmente, quando se fala em cidadania pensa-se logo no direito de ter direitos. Quem é cidadão de um país usufrui de todas as garantias e direitos assegurados formalmente na sua Constituição e nas legislações complementares. Essa visão resulta de uma redução do conceito de cidadania à formalidade das leis.
Numa perspectiva mais ampla do Estado Democrático de Direito, pode-se dizer que a cidadania é mais do que simplesmente ter direitos. É o direito de produzir a cada dia novos direitos e de reivindicá-los e obtê-los, concretamente, no dia-a-dia. "A democracia é invenção porque, longe de ser a mera conservação de direitos, é a criação ininterrupta de novos direitos, a subversão contínua do estabelecido, a reinstituição permanente do social e do político" [Lefort, in Silva Pereira, 2000, p. 560]. Partindo desse conceito, a defesa dos direitos é um processo amplo de lutas individuais e coletivas para assegurar o bem-estar de cada um e de todos.
A partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, órgãosjá existentes foram reordenados, com a conseqüente
redefinição dos seus papéis, além de novas instituições terem sido criadas. O Ministério Público passou a ter um papel específico de fiscalização da lei e proteção dos direitos individuais, coletivos e difusos, especialmente no que se refere à prerrogativa de promover o inquérito civil e a ação civil pública, como mecanismo de garantia e exigibilidade do direito.
O antigo Juizado de Menores foi substituído por Varas especializadas da Infância e Juventude, com competência não só para a apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis, como também para conhecer os pedidos de adoção, ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, ou ainda ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento; aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente; e, finalmente, conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis.
Criada pela Constituição Federal de 1988, a Defensoria Pública é o órgão responsável por atuar na defesa do cidadão sempre que seus interesses estiverem em questão. Na área da criança e do adolescente, a Defensoria é fundamental para assegurar a ampla defesa e o contraditório sempre que algum litígio estiver presente. Nesse caso, a Defensoria deve fazer a defesa técnico-jurídica do acusado, atuando de forma gratuita no processo.
Os Centros de Defesa da Criança e do Adolescente - CEDECA são ONG criadas com o papel de fazer a defesa jurídico-social, a mobilização da sociedade e a defesa política, isto é, a advocacy num sentido amplo. Um Centro de Defesa, normalmente, tem profissionais das áreas de Direito, Serviço Social e Educação que, além de fazer a defesa jurídico-social da criança e do adolescente, desenvolvem atividades de popularização do Direito e de disseminação de uma cultura de cidadania mais ampla.
Originados de uma concepção de ampliação da democracia presente no Estatuto da Criança e do Adolescente, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente são órgãos de deliberação das políticas de atendimento e garantia dos direitos, compostos em sua metade por representantes da sociedade civil, e em outra por representantes do Poder Executivo. Esses Conselhos estão presentes nos âmbitos nacional, estadual e municipal. A importância dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais é que, ao deliberar sobre políticas públicas, têm a possibilidade de definir programas intersetoriais, rompendo com a dispersão de recursos e serviços, podendo organizar uma rede de atenção à infância com serviços das diferentes áreas das políticas públicas.
No âmbito municipal também foi criado o Conselho Tutelar, que é um colegiado composto de cinco membros eleitos pela comunidade para fiscalizar a garantia dos direitos da criança e do adolescente em uma perspectiva mais imediata. Sempre que algum direito for ameaçado ou violado, o Conselho Tutelar deve ser acionado para proceder a um encaminhamento imediato. Para tanto, pode requisitar serviços públicos e representar aos órgãos responsáveis.
Para as questões relativas à segurança pública existem as Delegacias da Criança e do Adolescente, que têm o papel de investigar a participação de adolescente na prática de atos infracionais. Há um grande empenho para que haja também Delegacias de Proteção da Criança e do Adolescente, que seriam responsáveis pela investigação de crimes cometidos contra a criança e o adolescente.
Todos esses órgãos e mais um conjunto diverso de iniciativas da sociedade civil que compõem o Sistema de Garantias constituem os instrumentos formais de que a sociedade dispõe para recorrer sempre que se sentir desrespeitada ou mesmo quando necessitar regularizar uma situação relativa aos seus direitos.
Para além disso, num sentido mais amplo, a defesa de direitos implica também um amplo processo pedagógico de formação e informação para a produção de uma cultura de cidadania ativa. Crianças, adolescentes e adultos devem todos ter a oportunidade de conhecer e debater os próprios direitos para produzir iniciativas de alcançá-los. Estamos nos referindo à dimensão de mobilização social que a defesa de direitos tem: mobilizar a sociedade significa mantê-la permanentemente atenta e sensibilizada para a necessidade de manifestar-se diante de todas as ações equivocadas, as omissões e as negligências, sejam do Estado, da família ou da própria sociedade.
A Escola e a Proteção dos Direitos Infanto-Juvenis
A criação do Conselho Tutelar ocorreu como resposta à necessidade de criação de um órgão permanente de vigilância em relação aos direitos da criança. Entretanto sua existência não exime os demais órgãos, programas ou unidades educacionais de sua tarefa nessa área. Com uma grande incidência na produção de valores, hábitos, atitudes, comportamentos e conhecimentos, a escola é um aliado fundamental na produção de uma cultura de respeito aos direitos e na vigilância para prevenir sua violação.� �
Um grande tarefa, nesse sentido, é a disseminação de informação, seja a respeito dos direitos, seja a respeito dos serviços existentes na comunidade e de como acessá-los. Mobilizando a comunidade educativa (pais, professores, alunos, comunidade), a escola também pode colaborar para a identificação de necessidades específicas e propor aos gestores públicos a criação dos serviços correspondentes. Todo esse processo demanda a construção de um projeto pedagógico de escola cidadã inserida na sua comunidade como uma força viva capaz de produzir direitos e prevenir violações.
No cotidiano das atividades escolares devem ser estabelecidos procedimentos ágeis e sistemáticos de comunicação aos Conselhos Tutelares das violações de direitos ocorridas. Casos de violência doméstica; desnutrição; negligência familiar; abandono; maus-tratos e outras situações que extrapolam a tarefa educativa de escola devem ser comunicados ao Conselho Tutelar para as providências necessárias.
Por vezes os professores têm conhecimento de que o aluno está se ausentando da escola por ser obrigado a trabalhar. Essa situação deve ser imediatamente comunicada ao Conselho Tutelar, para se proceder o retorno da criança à escola e, se for o caso, encaminhar os pais para um programa de renda mínima ou a inclusão em algum tipo de apoio sócio-familiar.
Outra situação pode ser o pouco aproveitamento do aluno por deficiência na sua alimentação; instabilidade emocional ou, às vezes, vivências de situações de conflito que dificultam sua participação no processo de aprendizagem. Esgotadas as possibilidades do encaminhamento da situação pela coordenação pedagógica da escola, o acionamento do Conselho Tutelar se faz necessário, o qual deverá aplicar as medidas previstas em lei.
Voltando ao conceito de rede explicitado anteriormente, não é demais repetir que esses procedimentos devem estar coletivamente acordados, evitando-se a exposição da criança a um processo infindável de encaminhamentos de um lugar para outro, transformando sua história pessoal num "caso complicado" do qual todos fogem.
O desenvolvimento de atividades como gincanas, concursos de desenho, redação ou música ou até festivais que promovam o debate acerca dos direitos infanto-juvenis e que estimulem a leitura do Estatuto da Criança e do Adolescente pelos alunos, professores e pais contribui para gerar uma cultura de cidadania em que a abordagem de problemas complexos torna-se mais humana e compreensiva.
Uma parceira entre Conselhos de Direitos, Conselho Tutelar, ONG e escola para a popularização do direito tem mostrado resultados muitos importantes em diversos lugares do país, para melhorar o ambiente pedagógico, diminuir tensões e violências e especialmente para proteger direitos. � membros, assegurado o melhor interesse da criança, o conselheiro pode proceder a encaminhamentos que, posteriormente, serão referendados pelo colegiado; entretanto, esta não deve ser uma rotina.
"As deliberações do Conselho Tutelar são atos
administrativos e devem ser cumpridas, sob
pena de infração aos artigos 236 e 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por serem atos
administrativos, exigem para sua validade os requisitos de competência, finalidade, forma, motivo
e objeto" [Pereira, in Silva Pereira, 2000].
O artigo 137 do Estatuto determina que "as decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse".
Como um espaço privilegiado de vigilância dos direitos, o CT deve estabelecer com todos os programas da Rede de Proteção rotinas de comunicação e encaminhamento formalizadas por requisição de serviços, na forma do artigo 136, inciso II, "a", do ECA, planos de trabalho ou outros instrumento que facilitem o intercâmbio de informações.
Os profissionais de saúde, educação, serviço social e outros que atuem nessa área têm o dever ético e a determinação legal (artigo 245 do ECA) de comunicar ao CT em denúncias formais ameaça ou violação de direitos. Não existindo CT no município, a denúncia deve ser feita à autoridade judiciária.
Recebida a denúncia, o Conselho Tutelar, no âmbito de suas atribuições, verifica sua fundamentação e procede à aplicação de uma medida protetiva ou, no caso de extrapolar sua função, poderá: representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações; encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente; e encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência.
O que o Conselho Tutelar pode fazer:
^ Ouvir a criança ou adolescente de forma reservada, assegurando-lhe privacidade e tranqüilidade para expressar-se;
^ Atender e aconselhar os pais ou responsável e, se for necessário, proceder a encaminhamento a algum dos serviços de apoio sócio-familiar, de saúde, educação ou outro;
^ Requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
^ Requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;
^ Defender a criança e o adolescente representando à autoridade quando tiver sua liberdade de expressão e manifestação reprimida;
^ Representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.
Também cabe ao CT assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Cada CT é autônomo, subordinando-se aos procedimentos definidos em lei municipal que regulamenta seu funcionamento.
Para consolidar-se como base do Sistema de Garantias, suas atividades devem estar plenamente sintonizadas como os demais componentes do sistema e suas iniciativas, dirigidas a fortalecer o funcionamento de uma Rede de Proteção Social cujo objetivo maior é a inclusão social de crianças e adolescentes no exercício da cidadania plena.
Introdução Diferentes grupos socioculturais conquistam maior presença nos cenários públicos, tanto no âmbito internacional como em diversos países do continente latino-americano e, especificamente, no nosso país. Tensões, conflitos, tentativas de diálogo e negociação se multiplicam. As diferenças culturais - étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosas, entre outras - se manifestam em todas as suas cores, sons, ritos, saberes, sabores, crenças e outros modos de expressão. As questões colocadas são múltiplas, visibilizadas principalmente pelos movimentos sociais, que denunciam injustiças, desigualdades e discriminações, reivindicando igualdade de acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural. No âmbito da educação também se explicitam cada vez com maior força e desafiam visões e práticas profundamente arraigadas no cotidiano escolar. A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferenças são ignoradas ou consideradas um “problema” a resolver. Segundo Gimeno Sacristán (2001, p. 123-124): Uma das aspirações básicas do programa pro-diversidade nasce da rebelião ou da resistência às tendências homogeneizadoras provocadas pelas instituições modernas regidas pela pulsão de estender um projeto com fins de universalidade que, ao mesmo tempo, tende a provocar a submissão do que é diverso e contínuo “normalizando-o” e distribuindo-o em categorias próprias de algum tipo de classificação. Ordem e caos, unidade e diferença, inclusão e exclusão em educação são condições contraditórias da orientação moderna. E, se a ordem é o que mais nos ocupa, a ambivalência é o que mais nos preocupa. A modernidade abordou a diversidade de duas formas básicas: assimilando tudo que é diferente a padrões unitários ou “segregando-o” em categorias fora da “normalidade” dominante. Na reflexão pedagógica atual e, particularmente, da didática, âmbito no qual situo o presente trabalho, em vários debates dos quais tenho participado, a preocupação com as diferenças culturais é vista frequentemente como algo “externo”, recentemente incorporado a este campo, constituindo como um corpo estranho às suas preocupações e, de alguma forma, responsável por deslocar seu olhar para aspectos considerados não articulados ou fragilmente relacionados às questões nucleares que estruturam as práticas pedagógicas no cotidiano escolar. No entanto, defendo a posição de que a diferença é constitutiva, intrínseca às práticas educativas, “está no chão da escola”, como afirmou uma professora entrevistada em uma das pesquisas que desenvolvi (Candau,2008a), e atualmente está cada vez mais presente na consciência dos educadores e educadoras e integra o núcleo fundamental de sua estruturação/desestruturação. Ter presente a dimensão cultural é imprescindível para potenciar processos de aprendizagem mais significativos e produtivos para todos os alunos e alunas. 
Para aprofundar nesta questão, parto da afirmação de que as questões relacionadas à diferença na educação não constituem um problema inédito, nem tampouco se pretende ignorar as importantes teorizações já construídas a esse respeito. Como afirma o próprio Gimeno Sacristán (2002, p.15), referindo-se a essa mesma discussão: “não convém anunciar esses problemas como sendo novos, nem lançá-los como moda, perdendo a memória e provocando descontinuidades nas lutas para mudar as escolas”. Tendo presente esta problemática, este texto tem por objetivo analisar diferentes concepções de diferença presentes nas práticas pedagógicas, assim como, a partir de alguns resultados de pesquisas, identificar aspectos que permitam oferecer aos educadores e educadoras contribuições para trabalhar este tema no cotidiano escolar. Começo por apresentar algumas aproximações às questões relativas às diferenças nos processos educacionais, desenvolvidas através da própria evolução do pensamento pedagógico. Num segundo momento, situo a perspectiva intercultural, que fundamenta a perspectiva que adoto. Termino apresentando alguns dados de pesquisas recentemente realizadas pelo Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Culturas (GECEC), que coordeno desde 1996 e que conta com o apoio do CNPq, e tecendo breves considerações finais. 2. Diferenças e processos educacionais: diversas aproximações A construção dos estados nacionais latino-americanos supôs um processo de homogeneização cultural em que a educação escolar exerceu um papel fundamental, tendo por função difundir e consolidar uma cultura comum de base eurocêntrica, silenciando ou invisibilizando vozes, saberes, cores, crenças e sensibilidades. A conhecida pesquisadora argentina Emilia Ferreiro (2001) se expressa sobre esta questão e, referindo-se ao contexto latino-americano e à dificuldade da escola pública dos nossos países, desde o início de sua institucionalização, de
trabalhar com as diferenças, afirma: A escola pública, gratuita e obrigatória do século XX é herdeira da do século anterior, encarregada de missões históricas de grande importância: criar um único povo, uma única nação, anulando as diferenças entre os cidadãos, considerados como iguais diante da lei. A tendência principal foi equiparar igualdade à homogeneidade. Se os cidadãos eram iguais diante da lei, a escola devia contribuir para gerar estes cidadãos, homogeneizando as crianças, independentemente de suas diferentes origens. Encarregada de homogeneizar, de igualar, esta escola mal podia apreciar as diferenças. Lutou não somente contra as diferenças de língua, mas também contra as diferenças dialetais da linguagem oral, contribuindo assim para gerar o mito de um único dialeto padrão para ter acesso à língua escrita. E conclui É indispensável instrumentalizar didaticamente a escola para trabalhar com a diversidade. Nem a diversidade negada, nem a diversidade isolada, nem a diversidade simplesmente tolerada. Também não se trata da diversidade assumida como um mal necessário ou celebrada como um bem em si mesmo, sem assumir seu próprio dramatismo. Transformar a diversidade conhecida e reconhecida em uma vantagem pedagógica: este me parece ser o grande desafio do futuro (apud Lerner, 2007, p.7) 2 2 Tanto Gimeno Sacristán quanto Emilia Ferreiro não distinguem diversidade e diferença utilizando estes termos como sinônimos. Referindo-se ao termo diversidade. Gimeno Sacristán (2001) distingue dez possíveis sentidos e afirma: “Dentro da pletora de significados que tem a diversidade, de acordo com o contexto discursivo e prático em que esta palavra se insere, na afirmação de sua necessidade se entrelaçam aspirações, críticas e propostas dos mais variados signos, que representam tendências ou derivações de perspectivas políticas, culturais e educativas variadas” (p.129). 334 É possível identificar ao longo da história da educação, alguns marcos da construção do discurso sobre a diferença no campo pedagógico brasileiro.(Candau e Leite, 2006) Destaco, em primeiro lugar, de modo especial a partir da primeira metade do século XX, as contribuições de diversas vertentes da psicologia, assim como de movimentos como os da chamada escola nova e do ensino programado, para o tratamento desta questão. O referencial psicológico, tanto das teorias da aprendizagem quanto das contribuições da psicologia do desenvolvimento e da personalidade, exerceram, e continuam exercendo, forte impacto na formação dos educadores e educadoras. Nesta perspectiva, o termo diferença está em geral referido às características físicas, sensoriais, cognitivas e emocionais que particularizam e definem cada indivíduo. Diversidade de ritmos, de estilos cognitivos, de modos de aprender e traços de personalidade são considerados componentes dos processos de aprendizagem e a construção de estratégias pedagógicas que os levem em consideração são preocupações presentes entre os educadores e educadoras. O movimento da escola nova investiu com força nesta direção e princípios como o da atividade, individualização e flexibilização de espaços e tempos configuraram diferentes projetos e iniciativas que nele se inspiram. O foco estava no indivíduo e suas especificidades. Esta perspectiva ainda está muito presente no imaginário dos/as professores/as, principalmente dos que atuam nos primeiros anos do ensino fundamental. Também o ensino programado, tendo por base a psicologia behaviorista, principalmente nos anos 60 e 70, desenvolveu sequências de ensino-aprendizagem que respeitavam o ritmo de cada aluno/a e mesmo, na modalidade do ensino programado ramificado, oferecia caminhos diferenciados, de acordo com as respostas a cada unidade de aprendizagem proposta, para que cada um/a atingisse o comportamento final proposto. Certamente estas tendências apresentam contribuições significativas para o desenvolvimento de processos de ensino-aprendizagem mais sensíveis às características peculiares de cada aluno/a. No entanto, a fato de se centrarem exclusivamente nos aspectos individuais de caráter psicoafetivo e, em algumas vertentes como na baseada no behaviorismo, de modo muito redutivo, têm como base uma concepção de sujeito da aprendizagem muito limitada, não considerando dimensões como a sócio-histórica e cultural, que são praticamente ignoradas. Quanto às contribuições da sociologia da educação, introduzem a discussão sobre as relações entre as variáveis socioeconômicas e os processos educacionais, concretamente sobre os determinantes do fracasso escolar. As diferenças de classe social adquirem neste contexto especial importância. Em relação com esta dimensão, as contribuições da chamada “nova sociologia da educação” inglesa, a partir dos anos 60, foram fundamentais. Segundo Moreira (2007, p.1) Enquanto a tradição anterior da sociologia da educação britânica enfatizava relações macroestruturais, a NSE tendeu a focalizar contextos interacionais e seus conteúdos, discutindo o que se ensinava nas escolas e iluminando a base social do conhecimento escolar. Para os adeptos desta corrente, a análise das questões de acesso à escola e de distribuição da educação não podia ser separada da discussão da forma e do conteúdo do currículo, negligenciada nos estudos até então realizados. No final da década de 70, começam a repercutir, no Brasil, as proposições desse movimento, mas Moreira (1999) localiza apenas no período entre 1988 e 1992, uma maior incidência de referências a abordagens filiadas à NSE, em artigos publicados no campo da educação. Esta perspectiva permitiu ampliar o olhar sobre o cotidiano escolar, particularmente no que diz respeito às dimensões sociais e econômicas que incidem nos 335 processos pedagógicos e na própria concepção do sujeito da aprendizagem, a partir de uma perspectiva critica de análise dos processos educacionais, privilegiando-se a categoria de classe social. No entanto, as abordagens fundamentadas em correntes da psicologia ou da sociologia, por mais distintas que sejam e se contraponham, trabalham as diferenças no horizonte de garantir a conquista dos mesmos resultados por todos os alunos e alunas. Neste sentido, as diferenças devem ser superadas e a homogeneização é o que se pretende alcançar. É importante mencionar também, mesmo de modo amplo, algumas das contribuições de Paulo Freire para o tema que nos ocupa, que inauguram uma nova perspectiva.. Pelo reconhecimento da relevância da dimensão cultural nos processos de alfabetização de adultos, superando assim uma visão puramente classista, e pelo método dialógico que propõe implementar nos processos educativos, pode-se considerar que seu pensamento já adiantava aspectos importantes do que hoje se configura como a perspectiva intercultural na educação. Segundo Gohn (2002, p.67), Nos anos 90, Freire destaca ainda mais a dimensão cultural nos processos de transformação social e o papel da cultura no ato educacional. Além de reforçar seus argumentos em defesa de uma educação libertadora que respeite a cultura e a experiência anterior dos educandos, Freire alerta para as múltiplas dimensões da cultura, principalmente a cultura midiática. Ele chama atenção para o fato de que ela poderá despertar-nos para alguns temas geradores que o próprio saber escolar ignora, ou valoriza pouco, como a pobreza, a violência, etc. Destaca também que a mídia trabalha e explora a sensibilidade das pessoas e por isso consegue atrair e monopolizar as atenções. Seus livros escritos nos anos 90 – de estilo mais literário – revelam um pensador preocupado com o futuro da sociedade em que vivemos, dado o crescimento da violência, da intolerância e das desigualdades socioeconômicas. Ele destacará a importância da ética e de uma cultura da diversidade. O tema da identidade cultural ganha relevância na obra de Freire, assim como o da interculturalidade. Através destas breves indicações o que busquei foi evidenciar que a questão das diferenças tem estado presente na reflexão pedagógica principalmente através de aproximações
a partir de correntes da psicologia, em que o tema das diferenças individuais é privilegiado, e da ótica sociológica, em que as diferenças de classe social e outros determinantes socioeconômicos e seu impacto nos processos escolares são analisados. Esta constatação não supõe que as consequências destas perspectivas nas práticas pedagógicas tenham sido cada vez mais levadas em consideração. Quanto às contribuições de Paulo Freire, se desenvolveram de modo mais significativo no âmbito da educação não formal. Em geral, a cultura escolar continua fortemente marcada pela lógica da homogeneização e da uniformização das estratégias pedagógicas.
Diferenças culturais e processos educativos: incorporando a perspectiva intercultural Nos últimos anos, a discussão sobre as diferenças culturais nas práticas pedagógicas vem se afirmando. Nesta perspectiva, os primeiros aspectos que são necessários esclarecer se referem aos conceitos de cultura e diferença nos quais este trabalho se baseia. No que diz respeito ao sentido do termo cultura, certamente polissêmico e complexo, assumo a perspectiva privilegiada por Velho (1994, p.63) quando afirma: Hoje em dia cultura faz parte do vocabulário básico das ciências humanas e sociais. O seu emprego distingue-se em relação ao senso comum no sentido que este dá às noções de homem culto e inculto. Assim como todos os homens em princípio interagem socialmente, participam sempre de um conjunto de crenças, valores, visões de mundo, redes de significado que definem a própria natureza humana. Por outro lado, cultura é um conceito que só existe a partir da constatação da diferença entre nós e os outros. 336 Quanto à diferença, Silva (2000) propõe uma distinção entre diversidade e diferença que considero especialmente oportuna para expressar a abordagem em que situo a perspectiva intercultural: Em geral, utiliza-se o termo [diversidade] para advogar uma política de tolerância e respeito entre as diferentes culturas. Ele tem, entretanto, pouca relevância teórica, sobretudo por seu evidente essencialismo cultural, trazendo implícita a idéia de que a diversidade está dada, que ela pré-existe aos processos sociais pelos quais - numa outra perspectiva - ela foi, antes de qualquer outra coisa, criada. Prefere-se, neste sentido, o conceito de “diferença”, por enfatizar o processo social de produção da diferença e da identidade, em suas conexões, sobretudo com relações de poder e autoridade. (p.44-45) As diferenças são então concebidas como realidades sociohistóricas, em processo contínuo de construção-desconstrução-construção, dinâmicas, que se configuram nas relações sociais e estão atravessadas por questões de poder. São constitutivas dos indivíduos e dos grupos sociais. Devem ser reconhecidas e valorizadas positivamente no que têm de marcas sempre dinâmicas de identidade, ao mesmo tempo em que combatidas as tendências a transformá-las em desigualdades, assim como a tornar os sujeitos a elas referidos objeto de preconceito e discriminação. Trabalhar as diferenças culturais constitui o foco central do multiculturalismo. Situo a perspectiva intercultural no âmbito das posições multiculturais que classifico em três grandes abordagens: o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo, também denominado interculturalidade. (Candau, 2009b) A abordagem assimilacionista parte da afirmação de que vivemos numa sociedade multicultural, no sentido descritivo. Uma política assimilacionista - perspectiva prescritiva - vai favorecer que todos se integrem na sociedade e sejam incorporados à cultura hegemônica. No caso da educação, promove-se uma política de universalização da escolarização. Todos e todas são chamados a participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmica, tanto no que se refere aos conteúdos do currículo, quanto às relações entre os diferentes atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc. Quanto ao multiculturalismo diferencialista ou, segundo Amartya Sen (2006), monocultura plural, esta abordagem parte da afirmação de que quando se enfatiza a assimilação termina-se por negar a diferença ou por silenciá-la. Propõe então colocar a ênfase no reconhecimento da diferença e, para promover a expressão das diversas identidades culturais presentes num determinado contexto, garantir espaços em que estas se possam expressar. Afirma-se que somente assim os diferentes grupos socioculturais poderão manter suas matrizes culturais de base. Algumas das posições nesta linha terminam por assumir uma visão essencialista da formação das identidades culturais. São então enfatizados o acesso a direitos sociais e econômicos e, ao mesmo tempo, privilegiada a formação de comunidades culturais consideradas ‘homogêneas’ com suas próprias organizações – bairros, escolas, igrejas, clubes, associações etc. Na prática, em muitas sociedades atuais terminou-se por favorecer a criação de verdadeiros apartheids sócioculturais. Estas duas posições, especialmente a primeira, são as mais frequentes nas sociedades em que vivemos. Algumas vezes convivem de maneira tensa e conflitiva. São elas que em geral são focalizadas nas polêmicas sobre a problemática multicultural. No entanto, me situo numa terceira perspectiva, que propõe um multiculturalismo aberto e interativo, que acentua a interculturalidade, por considerá-la a mais adequada para a construção de sociedades, democráticas e inclusivas, que articulem políticas de igualdade com políticas de identidade. (Candau, 2008b) Considero que uma primeira característica que a configura é a promoção deliberada da interrelação entre diferentes 337 sujeitos e grupos socioculturais presentes em uma determinada sociedade. Neste sentido, esta posição se situa em confronto com todas as visões diferencialistas, assim como com as perspectivas assimilacionistas. Por outro lado, rompe com uma visão essencialista das culturas e das identidades culturais. Concebe as culturas em contínuo processo de construção, desestabilização e reconstrução. Uma terceira característica está constituída pela afirmação de que nas sociedades em que vivemos os processos de hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de identidades abertas, em construção permanente, o que supõe que as culturas não são puras, nem estáticas. A hibridização cultural é um elemento importante na dinâmica dos diferentes grupos socioculturais. A consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais constitui outra característica desta perspectiva. As relações culturais não são relações idílicas, não são relações românticas, estão construídas na história, e, portanto, estão atravessadas por questões de poder e marcadas pelo preconceito e discriminação de determinados grupos socioculturais. A perspectiva intercultural também favorece o diálogo entre diversos saberes e conhecimentos. Convém ter presente que há autores que empregam estes termos como sinônimos, enquanto outros os diferenciam e problematizam a relação entre eles. O que chamamos conhecimentos estaria constituído por conceitos, idéias e reflexões sistemáticas que guardam vínculos com as diferentes ciências. Estes conhecimentos tendem a ser considerados universais e científicos, assim como a apresentar um caráter monocultural. Quanto aos saberes, são produções dos diferentes grupos socioculturais, estão referidos às suas práticas cotidianas, tradições e visões de mundo. São concebidos como particulares e assistemáticos. Considero que o mais relevante, deixando aberta esta discussão, é considerar a existência de diferentes saberes e conhecimentos e descartar qualquer tentativa de hierarquizá-los. Neste sentido, a perspectiva intercultural procura estimular o diálogo entre os diferentes saberes e conhecimentos, trabalha a tensão entre universalismo e relativismo no plano epistemológico e ético, assumindo as tensões e conflitos que emergem deste debate. Uma última
característica que gostaria de assinalar diz respeito ao fato de não desvincular as questões da diferença e da desigualdade presentes hoje de modo particularmente conflitivo, tanto no plano mundial quanto em cada sociedade. Trata-se de ter presente esta relação, complexa e que admite diferentes configurações em cada realidade, sem reduzir um pólo ao outro. 4. Diferenças culturais e práticas pedagógicas: o que dizem alguns estudos e pesquisas Na última década o Grupo de Estudos Cotidiano, Educação e Culturas (GECEC) tem desenvolvido várias pesquisas que analisam diversas questões referidas às relações entre escola e cultura(s).(Candau,2007; 2009a) São recorrentes nestes trabalhos as evidências empíricas da dificuldade se lidar nas práticas educativas com as diversas manifestações da diferença: de gênero, étnicas, de orientação sexual, geracional, sensório-motoras, cognitivas, entre outras. “Aqui são todos iguais”, é muito frequente os professores afirmarem quando se pergunta como lidam com as diferenças, para significar que os dispositivos pedagógicos mobilizados são padronizados e uniformes. Igualdade e diferença são vistas como contrapostas e não como dimensões que mutuamente se reclamam. No entanto, também as investigações realizadas têm identificado progressivamente uma maior sensibilidade para esta temática, mas traduzi-la nas práticas cotidianas continua sendo um grande desafio. Nesta perspectiva, farei referência a quatro trabalhos desenvolvidos nos últimos anos por integrantes do grupo de pesquisa acima referido, de diferentes tipos, que podem oferecer alguns subsídios para se avançar no tratamento pedagógico no âmbito escolar das diferenças culturais, tendo como horizonte a proposta já mencionada de Emilia 338 Ferreiro (apud Lerner 2007, p.7) de “transformar a diversidade conhecida e reconhecida em uma vantagem pedagógica”. Os dois primeiros foram realizados no contexto da pesquisa Ressignificando a Didática na perspectiva intercultural, desenvolvida no período de 2003 a 2006 (Candau, 2007). A primeira pesquisa, realizado entre 2004 e 2005, teve por objetivo central analisar como a perspectiva multicultural estava sendo incorporada pelo campo da didática, na visão de seus próprios protagonistas, ou seja, professores, pesquisadores e estudiosos desta temática com amplo reconhecimento acadêmico. (Candau e Koff, 2006) A partir da análise de vinte depoimentos, feitos por profissionais de diversas regiões do pais que expressaram durante as entrevistas uma forte identificação com a área e sua evolução, foi possível constatar como eles e elas estão percebendo, de um lado, as contribuições e os temas que emergem quando se pensa e se discute as relações entre Didática e multiculturalismo e, de outro lado, os riscos, mas também os desafios inerentes a essa temática. Um primeiro aspecto a ressaltar dos depoimentos dos entrevistados, diz respeito ao reconhecimento do impacto da perspectiva multicultural no campo da didática, apesar de salientarem o seu aspecto ainda frágil e embrionário. Várias contribuições se situam no sentido de problematizar a cultura escolar dominante nas nossas escolas, seu caráter monocultural, e enfrentar a questão das diferenças na ação educativa. Para alguns, apesar desta temática ter aparecido no campo da didática na segunda metade da década de 90, ainda é objeto de preocupação de poucos grupos, embora num movimento de afirmação. Outros entrevistados observam que estas preocupações têm afetado mais o plano teórico do que a prática educativa. Na escola ou nos processos de ensinoaprendizagem em geral, sua presença é caracterizada como pontual. Ressaltam também que o multiculturalismo lida com um referencial teórico complexo e é necessário enfrentar a tensão entre teoria crítica, multiculturalismo e estudos culturais. São apontadas igualmente embora de modo disperso, contribuições da perspectiva multicultural como, por exemplo: mesmo considerando que há diferentes visões sobre a diferença, esta perspectiva pode ajudar a trabalhá-la no cotidiano escolar, assim como a compreender melhor os determinantes do fracasso escolar. Além disso, favorece a retomada da discussão sobre os conteúdos escolares, oferece elementos para se trabalhar questões como violência e disciplina, preconceito e discriminação, bem como desvela questões étnicas e de gênero presentes na escola, ajudando a “ver” e “lidar” com as diferenças presentes na sala de aula e, nesse sentido, ajuda a romper com o que Cortesão e Stoer (1999, p.56) chamam de daltonismo cultural. Outras contribuições estão associadas à possibilidade que essa perspectiva tem de despertar para questões relativas às diferentes linguagens presentes no cotidiano escolar, bem como de articular o social e o cultural. Quanto à relação entre didática e multiculturalismo, assinalam alguns desafios como, por exemplo, a necessidade de romper com a ideia de que a diferença é um problema, uma vez que, no imaginário presente na cultura docente, a homogeneização seria um fator de facilitação do trabalho pedagógico. Outro desafio está associado à busca de como trabalhar de modo mais efetivo a articulação entre as questões relativas às diferenças culturais e os chamados temas próprios da didática – planejamento, seleção de conteúdos, técnicas de ensino, avaliação etc. Também se configura como uma questão especialmente desafiadora o relativismo cultural em suas relações com os conhecimentos e valores que a escola deve trabalhar e a tensão entre diferenças culturais e desigualdades sociais e, consequentemente, as buscas orientadas a promover processos de articulação entre igualdade e diferença e não de considerá-los como pólos contrapostos. O segundo trabalho refere-se ao desenvolvimento pelo grupo de pesquisa, no segundo semestre de 2005, com caráter exploratório, da disciplina Didática Geral, obrigatória para o Curso de Pedagogia da PUC-Rio, instituição em que foi realizada a 339 experiência, incorporando a perspectiva intercultural na sua concepção e dinâmica. (Candau e Leite, 2007). Tratava-se de uma disciplina de sessenta horas de aulas presenciais, desenvolvidas durante um semestre letivo. Do ponto de vista metodológico, a disciplina foi estruturada em oficinas pedagógicas3 , por se considerar que esta estratégia poderia oferecer maiores possibilidades para o desenvolvimento coerente entre a perspectiva assumida teoricamente e as atividades propostas. Cada oficina teve a duração de quatro horas, num total de quinze encontros. A construção do curso exigiu muitas discussões e, semanalmente, a equipe analisava a experiência vivida e debatia as elaborações/reelaborações a serem realizadas, utilizando-se para tal um estilo investigativo inspirado na pesquisa-ação. A experiência supôs enfrentar vários desafios e tensões e também foram muitas as conquistas. Assinalo alguns aspectos de especial relevância para o nosso objeto de reflexão: o fato de se tratar de uma perspectiva assumida por uma única disciplina mobilizou um contraste permanente com a abordagem dominante nas demais disciplinas do curso o que, se por uma parte contribuiu para o aprofundamento da perspectiva que se estava introduzindo, provocou também várias tensões, tanto do ponto de vista operacional – horário, presença, tarefas a cumprir, etc.-, como mais substantivas, referente ao próprio sentido da interculturalidade e as desestabilizações que provoca num curso de formação de professores. Foi necessário permanentemente buscar articulações com os condicionamentos institucionais que definem datas, ritmos e modos, que nem sempre se justificavam tendo presente a perspectiva assumida. Outros aspectos a assinalar dizem respeito à negociação permanente com o “ofício de aluno” (Perrenoud, 1997) já incorporado nas práticas universitárias, à luta contra o tempo, que rivalizava com as pretensões dialógicas e favorecia a imposição de uma narrativa única. No entanto, os diversos e complexos desafios enfrentados, reafirmaram a convicção do grupo sobre a relevância do caminho coletivamente construído. A experiência

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