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Dossiê de Registro da Folia de Reis do Bairro Santo Afonso

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QUADRO VI 
 
FOLIA DE REIS DO BAIRRO 
SANTO AFONSO 
 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
 
 
BETIM, 2011 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
2 
SUMÁRIO 
 
 
 
Decreto que regulamenta o registro do patrimônio imaterial em 
Betim ................... 004 
 
 
1. Introdução 
................................................................
............................. 005 
 
 
2. Contextualização histórica, sociológica e antropológica 
................................... 007 
 
 
3. Histórico de Betim 
................................................................
................... 016 
 
 
4. A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso – uma história 
.................................... 040 
 
5. A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso e sua relação com o 
Município de Betim .. 043 
 
6. Descrição dos lugares e suportes físicos e agenciamento do 
espaço para 
a atividade 
................................................................
................................ 044 
 
7. A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso – 
formato, conteúdos, narrativas, significados 
..................................................... 046 
 
8. Os protagonistas da Folia de Reis do Bairro Santo Afonso: 
trajetórias, papéis, funções, organização 
.......................................................... 
059 
 
9. Os recursos para a realização da Folia de Reis do Bairro 
Santo Afonso ................ 062 
 
10. Produtos da Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
........................................ 063 
 
11. A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso e suas relações com o 
público .............. 064 
 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
3 
12. Inventário 
................................................................
........................... 065 
 
13. Identificação de atividades correlatas 
....................................................... 093 
 
14. Delimitação e descrição da área de ocorrência 
............................................ 094 
 
15. Salvaguarda e Valorização 
................................................................
...... 097 
 
16. Documentação Fotográfica 
................................................................
..... 101 
 
17. Registro audiovisual 
................................................................
.............. 115 
 
18. Referências 
................................................................
......................... 116 
 
19. Ficha Técnica 
................................................................
...................... 119 
 
20. Trâmite do Registro 
................................................................
.............. 121 
 
21. Documentos diversos 
................................................................
............ 135 
 
 
 
 
 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
4 
LEI DE REGISTRO DO 
PATRIMÔNIO IMATERIAL 
 
 
 
 
 
A Lei Municipal Nº 2.944, de 24 de setembro de 1996, que 
institui a proteção do patrimônio cultural de Betim, já 
prevê o registro do patrimônio imaterial. Esta Lei já foi 
enviada ao IEPHA em 1998. 
O Município regulamentou a matéria através do Decreto Nº 
16.389, de 26 de outubro de 2000. 
O conjunto de peças legais foi avaliado pelo Sr. Carlos 
Rangel, do IEPHA, em 23 de novembro de 2009, e reconhecido 
como válido.
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
5 
 
1. INTRODUÇÃO: 
 
Balt-hazar acendeu sua lâmpada de azeite e 
iluminou, com sua luz bruxuleante, o mapa que 
abrira sobre o chão. “Aqui está ela”, disse 
marcando com o seu dedo um lugar no mapa. “Beth-
léhem. Fica precisamente na divisa entre dois 
grandes reinos. À esquerda está o Reino da 
Fantasia. À direita está o Reino da Realidade. São 
reinos perigosos. Quem mora só no Reino da Fantasia 
fica louco. Quem mora só no Reino da Realidade fica 
louco. Para se fugir da loucura há de se ficar 
transitando de um para outro, o tempo todo. Somente 
os moradores de Beth-léhem estão livres da 
necessidade de estar, o tempo todo, indo de um 
reino para outro. Porque Beth-léhem fica bem na 
divisa (...). 
(Rubem Alves. Os três reis) 
 
 
As folias são manifestações escassas na Betim do 
século XXI, cidade de quase quinhentos mil cidadãos, da 
Região Metropolitana de Belo Horizonte. Mas sua memória é 
muito recente e podem ser, facilmente, encontradas dezenas 
de foliões em diversas regiões da cidade. 
Durante os dois últimos empreendimentos de inventário 
do patrimônio cultural realizados na cidade, pela Fundação 
Artístico Cultural de Betim, os inventários das regionais 
Vianópolis e Citrolândia, respectivamente nos anos de 2009 
e 2010, um retrato parcial dessa realidade pode ser 
delineado: as comunidades dessas duas regionais relataram a 
existência de doze folias, em atividade ou recentemente 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
6 
inativas. Durante o aprofundamento das pesquisas, o 
Departamento de Memória e Patrimônio Cultural da Fundação 
pôde identificar apenas uma folia ativa e presenciou o 
processo de desativação de uma outra; e ainda está 
registrando, nos últimos meses, as tentativas de 
revitalização de uma folia inativa há alguns anos. 
Dentre os integrantes das folias inativas, muitos 
vivem em Betim há décadas e foram atingidos pelo acelerado 
processo de urbanização pelo qual passou a cidade. Os 
antigos territórios das folias receberam novos moradores, 
herdeiros de tradições culturais diversas, e não houve mais 
a necessária renovação desses grupos, pelo ingresso de 
novos foliões e moradores dispostos a receber as folias. O 
regime de trabalho nas cidades, com seus horários mais 
rígidos e inflexíveis às práticas rituais, assim como o 
crescimento de grupos religiosos não-católicos são 
relatados como fatores de desvitalização das folias. 
Por outro lado, a própria urbanização trouxe muitos 
foliões, transplantados de regiões rurais e pequenas 
cidades do interior de Minas Gerais. Estes relatam 
experiências de formação de grupos em Betim, experiências 
essas que duraram alguns anos ou décadas, até o 
envelhecimento dos foliões, ou sua conversão a outros 
credos. 
Uma experiência da Fundação com a música de viola, o 
Projeto “Quintais”, que reúne periodicamente até duas 
centenas de “violeiros”, não por acaso também foliões ou 
ex-foliões, revela uma “saudade” das folias e o desejo de 
políticas públicas que as fomentem e revitalizem. 
O presente registro, de uma folia que venceu os 
fenômenos sociais relatados e reencontrou os caminhos de 
sua vitalidade – a Folia de Reis do Bairro Santo Afonso, 
pode fundamentar as políticas públicas posteriormente 
adotadas para a garantia do direito à memória e à cultura. 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
7 
2. CONTEXTUALIZAÇÃO 
HISTÓRICA, SOCIOLÓGICA E 
ANTROPOLÓGICA 
 
 
A Folia de Reis do Bairro Santo Afonso faz parte de 
uma tradição de festas da natividade das divindades, que 
remonta à Antiguidade Clássica. Essas festas, designadas 
“pagãs” pelo cristianismo, foram por este apropriadas e 
ressignificadas, mesclando seus conteúdos com elementos 
cristãos. 
Os romanos, por exemplo, cultuavam o Deus-Sol 
Invencível em festejos depois adotadospelos egípcios. As 
festas romana e egípcia aconteciam em datas diferentes, mas 
com intervalo de poucos dias entre elas, e, no ano 138, o 
Papa São Telésforo as regulamentou, isto é, tornou-as parte 
das festividades cristãs. Mais tarde, em 378, o Papa Júlio 
I considerou que, como não havia data fixa para a 
comemoração do nascimento de Jesus, o dia 25 de dezembro 
seria dedicado a esta recordação, ficando o 06 de janeiro 
como Dia de Reis. 
A partir daí, as festas da natividade no âmbito do 
cristianismo foram, pouco-a-pouco, sendo acrescidas de 
elementos diversos, como as figuras de Gaspar, Melchior e 
Baltazar, os três reis magos que, segundo a tradição, foram 
do Oriente à Judéia para saudar Jesus Cristo. Conta ainda a 
tradição que eles levavam consigo, para presentear o 
Menino, ouro, incenso e mirra, que representariam as três 
dimensões do Messias: sua realeza (ouro), sua divindade 
(incenso) e humanidade, dado que o óleo de mirra era, 
então, utilizado para embalsamar os mortos. Uma vertente da 
tradição cultiva a idéia de que os reis magos se 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
8 
converteram e foram batizados por São Tomé, depois pregando 
o Evangelho em seus países de origem. Os reis magos foram 
canonizados no século VIII, sendo, por isso, referidos como 
Santos Reis. 
O fundamento bíblico das folias está nos evangelhos de 
Lucas (capítulo 2, dos versículos de 1 a 20) e Mateus 
(capítulo 2, versículos de 1 a 12). Há, porém, uma 
diferença importante entre as duas narrativas. Lucas se 
preocupa em descrever a viagem de José e Maria a Belém e em 
justificar por que fizeram aquela viagem – houve um decreto 
do imperador romano, ordenando um recenseamento e todos 
deviam se alistar na sua própria cidade. Chegando a Belém, 
deu-se a hora do Nascimento; a cidade estava cheia e 
tiveram que se abrigar nos arredores. Não se fala de Reis 
Magos. Toda a cena é composta pelo anjo que avisa os 
pastores, José, Maria e o Recém-Nascido. Não acontece a 
visita de reis vindos de longe, mas, em contrapartida, 
quando os pastores chegaram à manjedoura, uma multidão, um 
exército de anjos desce do céu, dando Glória a Deus. 
Mateus já vai direto ao assunto: “Tendo Jesus nascido 
em Belém...”. E é aí que se encontra a origem mais remota 
da folia de reis. Já no primeiro versículo da narrativa, o 
evangelista diz: “eis que vieram magos do Oriente”. Mas o 
texto bíblico não diz quantos eram, nem seus nomes. No 
desenvolvimento da devoção ao longo dos séculos, teólogos, 
pintores, hagiógrafos e os chamados padres da Igreja foram 
definindo o que não foi dito no texto sagrado. Houve muitas 
indagações sobre quantos eram. Poderiam ser os quatro 
sugeridos contemporaneamente pela literatura e pelo cinema. 
Várias versões orientais diziam, entretanto, que eram doze. 
Mas, devido aos presentes assinalados no versículo 11 – 
ouro, incenso e mirra –, todas as tradições ocidentais se 
fixaram em três reis, com os nomes de Gaspar, Baltazar e 
Belchior. (PESSOA, 2007, p. 75). 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
9 
A devoção aos Reis Magos desenvolveu-se por toda a 
Europa durante a Idade Média. Segundo Jadir Pessoa (2007), 
isso se deve à chegada dos restos mortais destes três entes 
míticos à catedral de Colônia (Alemanha), em 1164. Eles 
para lá teriam sido trasladados de Milão (Itália) como 
despojos de guerra, numa conquista de Frederico 
Barbarrocha. E para Milão teriam sido levados no século IV 
ou V como presente especial da Imperatriz Helena, de 
Constantinopla (PESSOA, 2007, p. 63). 
Enquanto fizeram todo esse percurso, foram surgindo em 
diversos países pinturas em catacumbas, quadros, retábulos, 
esculturas, altos-relevos em sarcófagos, apresentando a 
visita dos Reis Magos ao Menino Jesus. E, a partir de 
Colônia, espalharam-se por toda a Europa como parte das 
grandes peregrinações, a exemplo do que já acontecia em 
Santiago de Compostela, Terra Santa e Roma. Como heranças 
diretas dessas peregrinações, surgiram então os cânticos 
populares, muito importantes em toda a Europa medieval, 
chamados Noëls na França, Villancicos na Espanha e Folias 
em Portugal. Provavelmente, esses cantos, acrescidos do 
teatro de Gil Vicente, depois de José de Anchieta e Manoel 
da Nóbrega, constituem as matrizes mais diretas das 
diversas devoções existentes no Brasil, como reisados, 
bois-de-janeiro, bois-de-reis, pastorinhas e, 
especialmente, no chamado “corredor das bandeiras” (SP, MG, 
GO, MS), as folias de reis. 
Pela dinâmica natural ou pelo menos inevitável de uma 
espécie de dispersão cultural, elas podem ser encontradas 
também hoje, ainda que com distribuição menos regular, nos 
estados da Bahia, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Maranhão e 
Paraná, e sabe-se de registros de folia de reis até mesmo 
no Rio Grande do Sul (PESSOA, 2007, p. 63-64). O que 
individualiza as folias de reis diante das celebrações 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
1
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afins é, segundo Eloísa Branches (2007, p. 25), a presença 
do palhaço, cuja performance inclui um texto falado. 
No essencial, a folia é um ritual itinerante do 
catolicismo popular, que atualiza a memória da narrativa 
bíblica da visita dos Reis Magos ao Menino Jesus, 
oferecendo cânticos e preces e pedindo ofertas para os 
festejos finais do ciclo de cada ano. Sua origem remota, 
portanto, é a Ibéria, mas no Brasil as folias desenvolveram 
um caráter mais sacro, enquanto que em Portugal, o elemento 
profano, próximo da pândega, seria mais acentuado. 
A tradicional localização rural da folia de reis, 
presente em algumas definições clássicas dos pesquisadores, 
deve ser agora relativizada, pelo evidente fato de que o 
intenso êxodo rural ocorrido nas décadas de 1960 a 1980, no 
Brasil, provocou um significativo deslocamento dessa 
prática, que hoje já se pode dizer majoritariamente urbana 
(PESSOA, 2007, p. 70). 
Até o final dos anos de 1960, a folia de reis 
sobreviveu praticamente como uma manifestação cultural e 
religiosa da zona rural. De acordo com Carlos Steil, ser 
católico é menos uma opção religiosa do que uma condição de 
vida no meio rural. Neste catolicismo informado pela 
experiência corporal dos devotos “cabe ao praticante beber 
de todas as fontes, de modo que o sincretismo é a própria 
condição de acesso à plenitude e multiplicidade do sagrado. 
O espaço privilegiado da experiência religiosa não são os 
sistemas religiosos em si, mas as fronteiras entre eles” 
(STEIL, 2001, p. 23). Se no catolicismo institucionalizado, 
a liderança religiosa conduzida por especialistas é 
consumida por leigos, nesta religiosidade popular predomina 
a produção de auto-consumo, conforme definida por Bourdieu 
(1994) (BRANCHES, 2007, p. 24). 
Os anos 60 foram o fim de um relativo isolamento 
vivido pelo campo. Na passagem para os anos de 1970, 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
1
1 
começou a haver uma redução da população rural e ao mesmo 
tempo surgiu a televisão. Logo depois, veio a melhoria das 
estradas e dos transportes de maneira geral, que, juntos, 
reduziram significativamente a distância entre o rural e o 
urbano. Aquele antigo encantamento, a partir daí, teve que 
ser dividido com outros atrativos poderosos do mundo 
urbano. 
Veio então um período de quase três décadas 
desfavoráveis à reprodução das folias, cada terno ou grupo 
sendo afetado de maneira diferenciada: envelhecimento ou 
redução do quadro, redução do número de moradores a serem 
visitados e, em muitos casos, até a extinção de grupos.Contraditoriamente, o mesmo processo de modernização 
da sociedade brasileira, que antes dificultava a reprodução 
das manifestações populares tradicionais, ao final dos anos 
de 1990 já lhes estava sendo benéfico. É corrente entre 
folcloristas a idéia de que a associação com o turismo, 
mesmo sendo um risco à conservação da originalidade, é 
inevitável para a sobrevivência das manifestações ditas 
folclóricas. Nos casos de algumas tradições já extintas, a 
criação de grupos parafolclóricos, para apresentação em 
escolas e outros espaços, é a sua única possibilidade de 
sobrevivência (PESSOA, 2007, p. 72-3). 
Os grupos de folia estão tendo maiores oportunidades 
de se reproduzir, tanto no campo como nas cidades e, 
inclusive, de se apresentarem em público, fora do ciclo, 
especialmente nos Encontros de Folias, como acontece em 
Ribeirão Preto (SP), em Brasília, em Aparecida do Norte 
(SP), em Muqui (ES) e em Goiânia. E esses encontros começam 
a conquistar a atenção de observadores vindos do teatro, da 
dança, da fotografia. 
 
2.1. Conteúdos e significados das folias 
 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
1
2 
De um ponto-de-vista antropológico, as folias foram 
vistas até os anos 1960 como parte do “folclore” 
brasileiro. De lá para cá, mudanças de perspectiva teóricas 
as localizam no campo do catolicismo popular e defendem que 
essas manifestações não devem ser consideradas como 
sobrevivências culturais de um passado findo, mas formas 
como grupos muito atuais lidam com seus contextos sócio-
culturais. 
Um exemplo é o significado da peregrinação: segundo 
Carlos Brandão, citado por Eloísa Branches (2007), a 
peregrinação, como forma de relacionamento diferente da 
ordem hierárquica social cotidiana, proporciona uma 
experiência de comunitas na qual o indivíduo se distancia 
do seu papel social. 
Também o ritual da visita é fulcral na manifestação. 
Nele, dissolvem-se as fronteiras entre o público e o 
privado (a rua e a casa), tão marcados nas sociedades 
contemporâneas. As casas adquirem, momentaneamente, um 
estatuto público e sagrado. Esse ritual é baseado ainda 
numa relação de troca material e espiritual entre os 
devotos, o dono-da-casa e o Santo Reis1. Os devotos 
abençoam a casa com cantos sagrados e recebem dinheiro dos 
donos-das-casas para a realização da festa em homenagem ao 
Santo, que acontece no final do período de peregrinação. A 
ordem capitalista, como a nomeou Carlos Brandão, fica assim 
questionada, pois é uma outra economia de trocas que 
predomina nessas manifestações. 
O olhar contemporâneo, urbano e politicamente correto 
deve observar alguns requisitos ao presenciar a folia. Esta 
deve ser entendida em sua globalidade, que não inclui 
apenas a saída às ruas, a peregrinação e as visitas. Um 
 
1
 O Santo Reis empregado no singular é significativo da interpretação 
de um episódio bíblico pelo catolicismo popular: os três Reis Magos 
são condensados na figura de um Santo. No texto, a opção em manter o 
termo Santo Reis segue a maneira como as pessoas das folias falam 
desta devoção. 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
1
3 
exemplo de como a perspectiva do todo no ritual é 
imprescindível para a compreensão de qualquer aspecto que o 
integre são as relações de gênero. Se uma pessoa chega a 
uma casa, vê uma folia de reis cantando e toma esta cena 
isoladamente, provavelmente vai dizer que se trata de um 
ritual machista, que não permite a participação das 
mulheres. Hoje já se torna muito mais comum a participação 
de mulheres na cantoria de folia – como mostra Eloísa 
Brantes (2007) a respeito do Reisado do Mulungu, cantado 
exclusivamente por mulheres solteiras, separadas e viúvas. 
Mas, tradicionalmente, toda a instrumentação e vozes são 
desenvolvidas por homens. Isso não é suficiente para se 
dizer que não há lugar para a mulher. No seu todo, há 
muitas funções desenvolvidas por mulheres, como confecção 
dos enfeites, preparação da comida, direção das rezas de 
terço e outras orações, etc. (PESSOA, 2007, p. 71). 
As folias, não raro, são grupos familiares, cuja 
atuação está profundamente marcada por uma narrativa que 
lhes dá seus contornos. A norma é um dos universais da 
cultura. Nenhum grupo humano sobrevive sem alguma forma de 
coerção social. A folia de reis não conseguiria ser 
diferente. Mas essas normas têm um sentido especial. Elas 
atestam a leitura que a folia faz da narrativa evangélica, 
base religiosa da tradição. 
Normalmente, o embaixador ou mestre ou, ainda, o 
capitão de uma folia é o portador do conteúdo axial do 
ritual. Ele o guarda, zela por sua observância e 
freqüentemente toma a iniciativa de repassá-lo a um filho 
ou parente próximo. E aquilo de que o embaixador mais deve 
saber reporta-se, fundamentalmente, às duas passagens 
bíblicas chamadas evangelhos da infância de Jesus, 
registrados apenas por Mateus e Lucas (PESSOA, 2007, p. 73) 
Mas o palhaço (também conhecido como “boneco” ou 
“bastião”) não pode prescindir desses componentes básicos 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
1
4 
na ponta da língua. É que, por tradição, o palhaço é o 
guardião do Menino Jesus. Ele é o único que pode passar à 
frente da Bandeira – o objeto simbólico mais importante 
desta religiosidade –, sempre que necessário, para exercer 
essa função de guardião. Por isso, ele se torna o ponto de 
contato entre os foliões e o morador. 
Para os que seguem com rigor a tradição, o dono da 
casa em geral se dirige primeiro ao palhaço. E pode 
acontecer que ele trave com o palhaço um diálogo, 
perguntando, por exemplo: “Boneco, de onde vocês estão 
vindo?” Nessa hora, o palhaço tem que responder: do 
Oriente. Uma segunda pergunta é imediatamente posta: “E 
para onde vocês estão indo?”. E a resposta aceitável é: Pra 
Belém. Na seqüência, uma terceira pergunta é acrescida: “E 
o que é que vocês vão fazer lá, Boneco?”. O palhaço deve 
concluir: Vamos visitar o Menino Jesus. Se não forem essas 
as respostas, será a completa desonra para toda a folia e, 
segundo os costumes mais antigos, é um caso em que o 
morador pode prender a bandeira, exigindo do embaixador um 
rosário de versos, redimindo todo o grupo. Normalmente, 
quando uma pessoa vai “pegar a máscara” – assumir a função 
de palhaço – pela primeira vez, há toda uma sabatina de 
algum folião mais velho, para saber se ele tem essas 
respostas bem preparadas. 
Há também um processo de aprendizagem que poderia ser 
classificado como instrumental, no sentido pragmático, 
feito para o desempenho de uma função. É o caso de um 
adolescente que começa a aprender a tocar violão na folia 
de reis ou para tocar na folia de reis. Depois, muitos que 
assim agem acabam ultrapassando essa perspectiva 
instrumental. Mesmo no interior do ritual, é comum essa 
expansão do aprendizado. 
Um folião pode aprender a cantar a quarta voz e 
permanecer anos a fio nesta mesma função. Outro pode 
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Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
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começar por ela e em pouco tempo pode saber cantar todas as 
outras ou pelo menos as que mais se adaptam ao seu timbre 
de voz. O mesmo acontece com os instrumentos. Mesmo se um 
folião não tem ampla bagagem de atuação musical fora da 
música da folia – o reis –, durante o giro de casa em casa 
ele pode ser capaz de tocar todos ou a maioria dos 
instrumentos. Os muitos casos em que isso acontece são uma 
prova de uma espécie de auto-suficiência da folia: ela 
precisa de tocadores paraos instrumentos e ela os motiva a 
aprender pelo menos aqueles básicos para a sua reprodução. 
Todos os membros da folia devem também aprender e 
respeitar assiduamente as evitações codificadas para o 
ciclo: não se pode passar os instrumentos por debaixo dos 
arames ao atravessar uma cerca e, ainda, a folia não pode 
cruzar um caminho onde ela já passou. Essa última 
interdição é uma forma segura de que a folia se mantém fiel 
ao fato bíblico que lhe dá origem. Como o Rei Herodes 
tentou enganar os magos, dizendo-lhes que também queria 
adorar o Menino Jesus, pedindo-lhes que lhe avisassem onde 
o teriam encontrado, o Evangelho de Mateus, no versículo 12 
da narrativa já citada, diz: “Avisados em sonho que não 
voltassem a Herodes, regressaram por outro caminho para a 
sua região”. 
No desenvolvimento do ciclo, todos são de acordo que o 
personagem mais importante é o dono da casa. Cada casa onde 
a folia está cantando transforma-se, naquele momento, em 
uma Belém provisória. É como se, ao longo do ciclo da 
folia, a visita dos Três Reis ao Menino Jesus tivesse que 
ser atualizada em cada casa. Nas casas onde há um presépio 
instalado, isso fica mais explícito, com o aumento dos 
versos a serem cantados. Em todos os casos, então, um bom 
folião aprendeu e jamais se esquecerá que deve fazer todas 
as vontades do dono da casa – chamado por todos de patrão 
(PESSOA, 2007, p. 74-7). 
DOSSIÊ DE REGISTRO DE BEM CULTURAL IMATERIAL 
 
Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
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6 
Um exemplo advindo da folia estudada por Pessoa (2007) 
é que, na chegada em uma casa, canta-se saudando o morador, 
dizendo que é uma semelhança da viagem dos Três Reis, etc. 
Acontece então o verso final da chegada, que é a entrega da 
bandeira para o dono da casa. A entrega da bandeira é um 
sinal da vinda do sagrado ao espaço mais reservado da fé, 
que é a casa do morador. Nesse momento, estaria encerrada a 
primeira parte da cantoria e se faria uma pausa. Mas, 
acontece que, se o morador não ficou satisfeito e quer 
escutar mais, ele se ajoelha. Aumenta-se então o trabalho 
dos foliões, que, conduzidos pelo embaixador, emendam mais 
alguns versos (PESSOA, 2007, p. 78) 
Segundo a tradição sociológica francesa, de Durkheim e 
Maurice Halbwachs, introduzida no Brasil especialmente por 
Ecléa Bosi, a memória não pode ser estudada como fato em 
si. Recordar não é apenas lembrar ou reviver, mas refazer, 
reconstruir com as idéias de hoje as experiências do 
passado. E a memória não é individual, é sempre coletiva. 
Não é apenas o fato de o indivíduo espontaneamente trazer 
para o presente alguma coisa supostamente perdida em algum 
lugar do passado. É refazer o passado, com os ingredientes 
dados pelo grupo social em que se vive. Nesta perspectiva, 
memória é trabalho, é todo o esforço de um grupo no sentido 
de convencionalizar o seu presente, e esse trabalho 
geralmente acontece a partir da necessidade do grupo de 
garantir a coesão necessária à sua reprodução. 
Isso é muito verificável na folia de reis. É muito 
comum nos momentos de pausa da cantoria, ou, quando os 
foliões estão andando pelas estradas, algum folião mais 
velho contar uma história contendo algum fato importante, 
às vezes fantástico, da constituição do ritual. Há senhas 
muito claras para essas situações. Em geral, as histórias 
começam com: “uma vez nós saímos com uma folia”, “uma 
ocasião nós chegamos com uma folia na casa de fulano de 
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Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
1
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tal”, etc. O conteúdo desses casos é quase sempre 
reforçando a coesão havida, o respeito cultivado em relação 
à devoção, o zelo em relação à correta aplicação de 
instrumentistas, cantores e outras funções, etc. O recurso 
pode ser o inverso também, com a narração de fatos em que 
nada disso foi observado e a folia se viu embaraçada, 
impedida de continuar o giro. 
A função de todo esse trabalho da memória não é apenas 
enobrecer um passado feliz da crença, povoado de pessoas 
importantes para o seu surgimento; menos ainda punir as 
pessoas mal-aplicadas em relação às suas regras. Trata-se 
de um trabalho coletivo, que acontece toda vez que a coesão 
do grupo se vê ameaçada, que a tradição se vê 
descaracterizada ou que as obrigações da devoção correm 
algum risco de descrédito (PESSOA, 2007, p. 79). 
Se tiverem razão alguns analistas contemporâneos, que 
dizem que o mundo agrário está subsumido pelo grande 
capital flutuante pelo mundo afora e que, por conseqüência, 
a mudança mais importante do final de século XX foi a 
“morte do campesinato”, podemos dizer que não há nada mais 
anacrônico que a sobrevivência das manifestações populares 
de origem marcadamente rural, especialmente a folia de 
reis. Ela aposta numa lógica econômica que não existe mais, 
aposta na existência de uma população e num comunitarismo 
rurais já sensivelmente reduzidos, e aposta numa autonomia 
organizativa também difícil de ser reproduzida. 
Especialmente no caso do ressurgimento de grupos de 
folias em contextos urbanos, a lógica do trabalho urbano 
com que são forçados a se confrontarem é acintosamente 
negadora dessa possibilidade de autonomia. O antigo 
agregado ou sitiante das fazendas não encontrava o menor 
problema em se retirar da lida do curral ou da sua roça 
durante os dias de giro da folia – um filho, parente ou 
vizinho assumia o curral e a roça podia até agüentar uns 
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Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
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dias a mais no mato. Do hoje componente de uma folia urbana 
não se pode dizer o mesmo (PESSOA, 2007, p. 80). 
A que se deve essa teimosia? Muitas hipóteses poderiam 
ser pesquisadas e discutidas em vista de uma resposta a 
essa pergunta. Poder-se-ia dizer, por exemplo, que esse 
processo de transformações ainda está em curso e que, 
quando estiver devidamente concluído, haverá uma acomodação 
urbana mais segura para as pessoas, que não terão mais 
tanta necessidade de cultivar essa saudade do mundo rural 
perdido. Uma outra hipótese menos fatalista poderia ser o 
reconhecimento de um recurso relativamente contestador 
nessas ressurgências, em face de uma situação de 
desenraizamento, na qual se encontram no contexto urbano 
(PESSOA, 2001). 
Continuar a fazer folia de reis pode ser uma 
perseverante forma de denunciar os descaminhos – 
individualismo, desumanização, destruição do sujeito – da 
sociedade atual e de expressar, segundo a leitura dos seus 
praticantes, as bases ou os princípios humanos fundamentais 
do seu reordenamento. 
 
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Folia de Reis do Bairro Santo Afonso 
 
1
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3. HISTÓRICO DE BETIM 
 
3.1. A ocupação 
As mais remotas notícias sobre a ocupação da região de 
Betim, afora a ocupação provável por indígenas semi-
nômades, remonta ao início do século XVIII. Toda a região 
hoje denominada Minas Gerais estava agitada à época; a 
descoberta de riquezas minerais atraía aventureiros em 
busca de glória e outros tantos, em seu rastro, ocupados em 
sobreviver. 
O ambiente era de mobilidade espacial constante. A 
região onde hoje fica Betim fazia parte de uma importante 
rota que vinha de São Paulo a Pitangui – e era a rota dos 
bandeirantes atraídos pelas descobertas minerais na citada 
povoação – e também da rota de abastecimento que vinha da 
Bahia às Minas. 
A importância desta última rota só ganha dimensão a 
partir do olhar mais atento dos historiadores sobre a 
diversificação econômica das Minas no auge da mineração. As 
Minas vinham sendo vistas como lugar de escassez, de total 
dependência do abastecimento proveniente de outras 
capitanias e concentraçãoda atividade econômica na 
mineração. Novos estudos têm demonstrado a importância da 
produção própria e da circulação de mercadorias no interior 
da capitania. 
Betim, antes de assim se chamar, fazia parte deste 
entrecruzar de caminhos. Por aqui, chegavam os escravos 
transferidos do nordeste para as Minas, que eram 
registrados na localidade das Abóboras, depois denominada, 
por isso, Contagem das Abóboras. Em Contagem, também se 
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registrava o gado entrado nas Minas e destinado a abastecê-
las. A contagem, evidentemente, tinha objetivos fiscais. 
Também por essa razão o primitivo nome de Belo Horizonte 
era Curral D’El Rey, ou seja, o local onde o gado era 
armazenado, depois distribuído, tendo sido devidamente 
taxado. 
A descoberta de ouro em Minas Gerais, em 1690, quando 
já estava decadente a indústria do açúcar no litoral 
nordestino, proporcionou novas atividades econômicas ao 
sistema colonial português. A coroa proibiu qualquer 
plantação de alimentos ou criação de gado na zona aurífera, 
para não desviar mão-de-obra da mineração. Assim os 
garimpos tornaram-se centros de compra de alimentação e de 
animais de transporte. É claro que houve resistência a tal 
proibição, como mostra a instalação de criadores de gado em 
Betim bem no início do século XVIII, conforme se comenta 
adiante. 
Era proibido aos tropeiros ou viajantes pousarem nas 
estradas ou caminhos do município impedindo o trânsito. 
Tinham que afastar os animais do centro da estrada. Era de 
interesse da coroa portuguesa que os caminhos às vilas 
fossem de fácil acesso, pois dessa maneira, além de 
abastecê-las dos mais diversos gêneros, facilitava-se 
também a saída do metal precioso para o erário real. Com 
esses intuitos, foram emitidos bandos e outras ordens reais 
que se destinavam à construção de pousadas para viajantes e 
a manutenção dos caminhos de acesso às vilas do ouro. Em um 
dos primeiros núcleos de povoação da atual Betim, logo no 
início do século XVIII, foi construído um casarão destinado 
ao uso como pousada e venda de secos e molhados, 
especialmente para as tropas que por aqui passavam. Este 
casarão abriga atualmente a Casa da Cultura Josephina 
Bento. 
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2
1 
O fato de Joseph Rodrigues Betim ter solicitado uma 
sesmaria nesta região em 1711 não foi um acaso depois 
tornado conhecido por ter originado uma povoação. 
Provavelmente, esta solicitação fez parte de uma estratégia 
dos grupos paulistas, então em franco confronto com os 
portugueses preocupados em garantir a si próprios a reserva 
da área em que se encontravam os minerais preciosos. Como 
se sabe, os paulistas foram os pioneiros das descobertas, 
mas foram imediatamente confrontados pelos “reinóis” que, 
como colonizadores, se sentiam no direito de se apossar das 
riquezas. 
Ora, em 1708 ocorrera um sangrento conflito entre 
bandeirantes paulistas e portugueses, conhecido como Guerra 
dos Emboabas. Emboabas foi o nome dado pelos paulistas aos 
“reinóis”, e significava “estrangeiros”, “invasores”. 
Apesar da maneira razoável como o conflito se resolveu em 
prol dos paulistas, estes se sentiam ameaçados: percebiam 
que cabia a eles a tarefa de localizar veios auríferos, mas 
que a posse dos mesmos não se encontrava assegurada, na 
medida em que os “reinóis” a cobiçavam. Daí intensificar-se 
a solidariedade entre estes aventureiros que, na 
historiografia oficial, figuram como heróis. 
A solicitação de sesmaria por Joseph Rodrigues Betim, 
ligado por parentesco e amizade ao famoso bandeirante Borba 
Gato, deve ter visado assegurar a posse de um importante 
caminho e parada, vital para o empreendimento bandeirante. 
Ao contrário do que diz em sua petição, Joseph Betim não 
desejava estabelecer-se nestas terras e lavrá-las, como não 
o fez, mudando-se logo para Pitangui, antes mesmo de obter 
a confirmação real da doação da sesmaria, o que se dava 
cerca de três anos após a doação propriamente dita; nesta 
ocasião, avaliava-se o desenvolvimento da sesmaria, isto é, 
se houvera estabelecimento do sesmeiro e escravaria, 
exploração do solo ou subsolo, povoação... Joseph Betim não 
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a obteve e nem mesmo a solicitou, segundo o minucioso 
trabalho do historiador Geraldo Fonseca (1975). Este 
estudioso inclusive contesta poder Joseph Betim figurar 
como fundador da povoação ou como responsável pela ereção 
de duas capelas em sua sesmaria; obter autorização para 
erigir capelas era, à época, processo complexo e lento, 
sendo improvável que o bandeirante o tenha alcançado em 
dois anos durante dos quais deve ter permanecido nestas 
paragens. Não se encontraram documentos que comprovem a 
solicitação da ereção das capelas por Joseph Betim na 
sesmaria onde hoje se localiza o município de Betim, e sim 
em Pitangui, onde o pioneiro logo depois se estabeleceu. 
Primitivos estudiosos destes documentos podem ter se 
enganado quanto às capelas. 
Assim, do primeiro proprietário das terras onde hoje 
fica Betim, ficou seu nome, primeiro aplicado ao Ribeirão 
da Cachoeira, tornado Betim, depois adotado pelo povoado 
surgido em torno da primeira capela. É muito provável que a 
memória social local tenha “exagerado” a participação de 
Joseph Rodrigues Betim na primitiva formação do povoado, 
porque o referido bandeirante era um verdadeiro potentado, 
aparentado e ligado por relações de solidariedade com 
alguns dos mais destacados bandeirantes brasileiros, o que 
conferiria uma origem “nobre” a Betim, preferível a admitir 
que a povoação fora fundada por anônimos. 
Nas primeiras décadas após a doação da sesmaria a 
Betim, a região consolidou-se como local de passagem e 
parada dos tropeiros. Outros sesmeiros atuavam na região 
porque, quando a Coroa Portuguesa doava sesmarias, fazia-o 
“por atacado”, a fim de que os sesmeiros pudessem contar 
com uma vizinhança importante para a segurança e o 
estabelecimento de vínculos sociais. Os sesmeiros aqui 
estabelecidos juntamente com Joseph Rodrigues Betim em 1711 
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3 
foram João de Souza Sotto Mayor (criador de gado) e João 
Leite da Silva Ortiz. 
Entre 1711 e 1750, a sesmaria de Betim recebeu 
diversos núcleos de povoação, coincidentes com os pontos de 
parada dos tropeiros. O primeiro deles a ganhar importância 
foi o da Bandeirinha do Paraopeba. Seu nome deve ter se 
originado no fato de o local em que se estabeleceu ter sido 
objeto de uma “bandeirinha”, isto é, uma pequena expedição 
em busca de minerais ou um “ramo” de uma bandeira. 
De fato, os bandeirantes paulistas, reunidos na Câmara 
de São Paulo em 1730, deliberaram que, uma vez aberto o 
caminho das bandeiras até Sabarabussu, que fossem enviados 
pequenos grupos que plantassem roças em pontos 
estratégicos, para o suprimento das futuras expedições 
bandeirantes. Assim nasceram as bandeirinhas. 
O arraial da Bandeirinha é o primeiro de Betim a 
aparecer na documentação oficial, quando pede autorização 
para construir uma capela, em 1753, e a recebe em 1754. 
Para o período, a construção de uma capela era um primeiro 
sinal de estabelecimento de um povoado. Isso independia da 
religiosidade propriamente dita da comunidade, visto que a 
Igreja era responsável pelos registros de nascimento, 
casamento e morte e por todos os ritos que conferiam 
identidade aos potentados e à gente média do local. As 
pessoas andavam enormesdistâncias até a capela mais 
próxima, e era por isso que os “homens bons” de cada local 
se empenhavam na construção de capelas em suas terras, a 
fim de evitar o desconforto de suas famílias e agregados. 
Quando solicitaram a construção de sua capela, 
quiseram que isso se desse num monte, razão pela qual a 
capela ficou distante do pioneiro núcleo de povoação. 
Assim, por volta de 1770, foi levantado um cruzeiro na 
Bandeirinha, o qual foi benzido solenemente no dia de Santa 
Cruz. A partir daí, iniciou-se a Festa Anual de Santa Cruz 
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2
4 
(fim de abril ou início de maio), que continua sendo 
realizada no atual bairro Bandeirinha. No século XVIII, 
essa festa era tão concorrida quanto a da padroeira. 
A capela do arraial da Bandeirinha foi construída 
imediatamente, o que dá uma medida da prosperidade da 
região. A construção e a equipagem da capela precisavam 
obedecer a certas regras da Igreja e demandavam recursos, 
geralmente obtidos por subscrições da comunidade. A capela 
foi erigida onde hoje se encontra a Praça Milton Campos, de 
frente para o arraial da Bandeirinha – portanto com os 
fundos para o futuro centro histórico de Betim – e recebeu 
o nome de Capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo. Como 
já havia outras capelas na região, em Mateus Leme e Santa 
Quitéria – hoje Esmeraldas – o novo templo tornou-se 
conhecido como Capela Nova do Betim, nome que depois se 
estendeu ao arraial. 
Entre 1760 e 1800, o arraial cresceu em importância, 
como indica a instalação de forças policiais reais e a 
elevação da localidade a distrito em 1797, fato confirmado 
pela Câmara de Sabará em 1801. 
 
3.2. Trajetória sócio-econômica e administrativa 
 
Ao longo desse período, despontou o primeiro 
verdadeiro potentado da extensa região de Capela Nova do 
Betim, João Nogueira Duarte, proprietário da Fazenda Serra 
Negra, cuja produção, extensão (730 alqueires) e escravaria 
(centenas) eram notórias na capitania. Já na década de 
1770, Nogueira Duarte detinha cargos de nomeação direta da 
rainha D. Maria I, o que dá uma medida de seu 
reconhecimento oficial. O pioneiro era português, tendo 
primeiro se estabelecido em Congonhas do Campo. A 
importância de sua família e daqueles aos quais se ligou 
por casamento e negócios está atestada em documentos 
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5 
oficiais. Seus descendentes constituíram importante tronco 
genealógico em Betim, tendo muitos ocupado cargos militares 
e eclesiásticos de destaque. 
A partir de meados do Século XIX, Betim participou da 
retração econômica e decadência que atingiu toda a antiga 
zona de produção aurífera. Desenvolve-se, então, uma 
atividade econômica de subsistência, quase sempre 
fundamentada na fazenda autárquica. Às margens do Rio 
Betim, se instalaram olarias e moinhos de fubá, estes 
últimos beneficiários das quedas d’água, chegando somar 35. 
Restam na cidade vestígios das edificações desses 
estabelecimentos, além de instrumentos empregados na 
produção. 
O viajante James Wells (1995) esteve em Capela Nova e 
em suas adjacências durante o oitocentos, assim se 
manifestando sobre a localidade: 
 
Capela Nova do Betim é avistada muito antes que eu 
a alcance. Sua longa rua de casas brancas e telhas 
vermelhas fica situada proeminentemente sobre um 
morro alto, cercado de vales fundos e de morros 
mais altos e cadeias de montanhas. A estrada desce 
da região alta que eu tinha atravessado, cruza um 
vale e sobe por uma ladeira larga e íngreme, com 
casas separadas, casebres e ranchos de cada lado. 
Chegando ao topo, ela se une a outra rua em ângulo 
reto, ou melhor, a uma longa praça aberta, com 
filas de casas de porta e janela amontoadas e uma 
igreja simples, caiada, em uma extremidade. Há 
diversas vendas e armazéns de secos e molhados e 
ranchos abertos para tropas de mula. (...) Uns 
poucos matutos, em seus matungos esquálidos, 
montados com seus dedões do pé enfiados em pequenos 
estribos e usando o inevitável poncho de baeta ou 
tecido azul listrado de vermelho; umas poucas 
mulheres negras ou mulatas, vestidas com saias de 
algodão e xales espalhafatosos e batas brancas, 
apregoando frutas ou doces em tabuleiros de porta 
em porta; uns poucos vadios nas vendas e armazéns; 
algumas cabeças nas janelas assistindo apáticas à 
cena para a qual passam diariamente olhando e os 
numerosos porcos, bodes, cachorros, galinhas, perus 
e galinhas d’angola da rua constituem a restrita 
vida presente nesta vila sonolenta (p. 121-2). 
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6 
O século XX alvoreceu em Betim sob o signo da 
implantação da infra-estrutura que posteriormente faria da 
região um pólo industrial. Em 1909, a Schnoor Engenharia 
obteve empreitada junto ao Governo Estadual para construir 
155 km da seção BH – Henrique Galvão (atual Divinópolis) da 
Estrada de Ferro Oeste de Minas. O engenheiro Antônio 
Gonçalves Gravatá, então funcionário da Schnoor, sugeriu a 
construção de uma usina hidrelétrica na principal queda 
d’água do Rio Betim, que tinha 84 metros. A hidrelétrica 
foi construída por Gravatá, em suas terras (Fazenda 
Cachoeira), com recursos próprios e de seu empregador 
Emílio Schnoor. Inaugurada em 1914, com capacidade de 
produção de 250 kw, a hidrelétrica chegou a fornecer 
energia para Henrique Galvão. Em 1945, até Contagem recebia 
energia gerada pela usina. 
Nem a ferrovia nem a hidrelétrica alteraram 
significativamente a atividade econômica em Betim, que 
permaneceu especializada na produção de gêneros 
alimentícios, principalmente arroz, milho, mandioca, 
feijão, cana-de-açúcar e algum gado. 
O território onde está Betim havia sido pertencente à 
Vila de Sabará, cuja jurisdição era imensa, desde o início 
da ocupação. Em 1901, pouco depois da instalação do regime 
republicano no Brasil, houve uma reforma político-
administrativa do Estado brasileiro, que se desdobrou na 
divisão do território em estados e municípios. Foi então 
que surgiu o estado de Minas Gerais, com 11 grandes 
municípios, sendo um deles o de Santa Quitéria ao qual 
Capela Nova ficou subordinada, até perdendo algo da 
autonomia adquirida em 1897. Não houve resistência do 
arraial à subordinação a Santa Quitéria porque os 
potentados locais, João Nogueira Duarte à frente, mantinham 
boas relações com os líderes santaquiterienses. 
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2
7 
Por volta de 1910, a cidade desenvolveu um novo 
desenho urbano em função da passagem da linha férrea, que 
se instalou a aproximadamente uns setecentos metros da 
parte posterior da Praça Milton Campos – até então tida 
como região central. É comum no meio popular a afirmativa 
de que “a cidade cresceu para trás, nas costas da Igreja 
[antiga Matriz onde hoje está a Praça Milton Campos]”. 
Percebe-se, dessa forma, uma formação urbana que desloca o 
eixo central da cidade para a confluência das avenidas 
Governador Valadares e Amazonas, em detrimento ao “antigo” 
centro, na Praça. Este momento histórico trouxe uma inédita 
dinâmica sócio-urbana para o município, mas a população do 
campo se manteve superior à urbana, que, inclusive, manteve 
um crescimento vegetativo. 
Betim tornou-se município por decisão estadual e 
federal em 1938. Isso não foi fruto de mobilização local, 
mas de uma nova divisão administrativa do Brasil, promovida 
neste ano. Essa nova divisão administrativa foi estudada 
por uma comissão criada por Olegário Maciel desde 1932, 
obedecendo a determinação federal2.Minas Gerais, nesta 
ocasião, passou a ter 71 municípios. Fonseca (1975, p. 
105), embora registre uma manifestação organizada pelo 
padre Osório Braga, numa ocasião em que o governador 
Benedito Valladares passava por Betim, prefere creditar a 
emancipação de Betim a uma querela do próprio Valladares 
com Santa Quitéria. O referido município teria feito 
oposição ao líder político e este, para puni-lo, lhe teria 
tirado parte significativa do território, ao criar o 
município de Betim. 
O recém-criado município de Betim – que também era 
comarca, isto é, sede do poder judiciário – compreendia os 
atuais territórios de Contagem, Campanha, Ibirité e 
 
2
 Betim: 50 anos de emancipação (1938/1988). Revista editada pela PMB 
(Adm. Tarcísio Braga), p. 11. 
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Ribeirão das Neves. Novas reformas em 1960 e 1962 reduziram 
o território de Betim para a configuração atual – 376 km². 
Nas décadas de 1940 e 1950, Betim volta a ter 
importante função de local de passagem das rotas de 
abastecimento, desta vez destinadas à capital, Belo 
Horizonte. O planejamento estadual destinou a Betim duas 
outras funções econômicas: a industrialização de base ou de 
bens de capital, representada pelas siderúrgicas aí 
instaladas, e a produção de alimentos para o abastecimento 
da capital. Juntamente com Pedro Leopoldo, Santa Luzia, 
Nova Lima, Sabará, Vespasiano e Lagoa Santa, Betim 
constituiria o chamado “Cinturão Verde” de Belo Horizonte. 
Entretanto, nenhuma destas duas intenções político-
econômicas alterou substancialmente a economia betinense, 
que permaneceu intensamente voltada para a subsistência. 
Pelo Censo Demográfico de 1940-1950, feito pelo IBGE, 51% 
da população urbana de Betim estava ocupada com “Atividades 
Domésticas e Escolares”, enquanto que 31,78% classificavam-
se sob a rubrica “Condições Inativas e outras”. 
Ainda na década de 40, instalam-se as primeiras 
indústrias de Betim, ligadas à constituição do Parque 
Siderúrgico Nacional3, nos anos 1940: Cerâmica Saffran 
(1942), Ikera (1945), Cerâmica Minas Gerais (1947). Essa 
primeira industrialização pode ser atribuída a uma elite 
industrialista local, mais integrada com a localidade, mais 
comprometida com a absorção da mão-de-obra da região e, por 
seu caráter mais tradicional, pouco agressiva sobre o 
tecido urbano. Fez parte da constituição do Parque 
Siderúrgico Nacional a criação da Cidade Industrial de 
Contagem, cuja extensão abrangeu Betim. 
 
3
 Estas indústrias pioneiras compuseram, juntamente com a Magnesita 
(Contagem), a Cerâmica Togni (Poços de Caldas), a Cerâmica João 
Pinheiro (Caeté), a Acesita (Coronel Fabriciano) e a Belgo-Mineira 
(Sabará), o setor de produção de refratários para a siderurgia mineira 
e para os parques siderúrgicos de São Paulo e Rio de Janeiro. 
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2
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Nos anos 50, muda o eixo da industrialização 
brasileira – decresce o investimento nas indústrias de bens 
de capital, como as siderúrgicas primeiramente instaladas 
em Betim e volta-se o foco para a produção de bens de 
consumo duráveis, para a substituição das importações. A 
partir daí, Betim, por sua oferta privilegiada de infra-
estrutura, destina-se a se tornar pólo de atração das 
indústrias. Entretanto, isso se dá vagarosamente. Em 1954, 
a instalação de uma central geradora de energia da CEMIG, e 
em 1959, a construção do trecho Belo Horizonte - Extrema 
(sul de minas) da Rodovia Fernão Dias, que liga Belo 
Horizonte à capital paulista, começam a delinear as 
mudanças intensificadas nas décadas seguintes. 
A Rodovia Fernão Dias, construída no governo do então 
presidente Juscelino Kubistchek, assume relevância no 
processo histórico em questão, por ter provocado um 
considerável número de loteamentos na porção central da 
cidade, durante a década de 1960. Algumas famílias, que já 
possuíam grandes áreas na região em volta da Praça Milton 
Campos (antigo Largo da Matriz) e na extensão da Av. 
Governador Valadares, promoveram a repartição dessas áreas 
com a finalidade de trazerem os familiares do campo para a 
cidade, ou para vender os lotes a terceiros. Já outras, que 
habitavam no meio rural, compravam terrenos próximos ao 
centro, ou na extensão da Rodovia, para praticarem o 
loteamento e se mudarem para o meio urbano. 
Um dos maiores exemplos desta ação foi o loteamento do 
bairro PTB – sigla que significa “Posto Telegráfico de 
Betim”, por existir na linha férrea, que passa em frente ao 
bairro, tal posto. Praticamente durante toda a década de 
1960 houve um certo arranjo territorial, embasado nas ações 
de configuração dos lotes e bairros novos, sendo a maioria 
implantados às margens da Rodovia. 
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3
0 
Ainda na década de 60, chegam a Betim algumas 
indústrias de médio porte, quase todas de capital privado, 
à exceção da REGAP, e se instalam no Bairro Cachoeira, 
local tradicional da primeira industrialização de Betim, 
vinculado à presença da Av. Amazonas, do Rio Betim e da 
Ferrovia Oeste de Minas. São elas: Cortume Morumbi (1960), 
Fabril de Minas (sabões, 1962), Riomar (artigos de pesca, 
1962), Fábrica São Geraldo (móveis, 1962), Fábrica São João 
(biscoitos, 1962), Frigorífico Silveli Torres (1964), 
Confecções Dora (1964), Siderúrgica Amaral (1965), 
Refinaria Gabriel Passos (1968), Asfalto Chevron (emulsão 
asfáltica, 1969), Sidero Manganês de Pellets (1969, a 
partir de 1974, chamou-se Siderúrgica Wilson Raid). 
A Refinaria Gabriel Passos foi instalada em Betim 
porque o local constitui uma confluência de condições 
favoráveis à redistribuição de combustíveis. Entretanto, a 
economia local não foi dinamizada pela presença da 
refinaria. Nos anos 70, apenas uma indústria, a Asfaltos 
Chevron, havia sido atraída para o município em função da 
REGAP. 
No início desta mesma década, a Prefeitura Municipal 
de Betim contraiu empréstimo junto à Caixa Econômica 
Federal para adquirir os terrenos que seriam doados tanto à 
Fiat Automóveis quanto à Krupp. Houve disputa entre os 
estados brasileiros e entre os municípios da Região 
Metropolitana de Belo Horizonte para sediar a Fiat. O que 
favoreceu Betim foi, além de suas condições infra-
estruturais e da atuação política em seu favor, o 
esgotamento do espaço de Contagem. Ainda, um dos fatores de 
atração da Fiat para o Brasil/Minas/Betim foi a intensa 
propaganda desenvolvida pelo INDI (Instituto Nacional do 
Desenvolvimento Industrial) no exterior. O folheto de 
propaganda de título “Introduction to Minas Gerais” diz: 
 
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Muitos mineiros são altos, delgados, esbeltos e de 
pele clara, mas não existem barreiras de cor em 
Minas, nem em mito nem em fato. Homens e mulheres 
de todas as nações e de todas as raças são 
recebidos abertamente em Minas. Encontra-se também 
uma ausência de consciência de classe e esta 
atitude está combinada com o senso democrático de 
que todos os homens são iguais (MACHADO, 1979). 
O então presidente da Fiat, Giovanni Agnelli absorveu 
a propaganda, conforme transparece de sua fala: 
Um dos elementos principais para a instalação de um 
complexo industrial é a disponibilidade de mão-de-
obra. Na zona de Minas Gerais, a disponibilidade é 
enorme e nos permitirá atingir uma média de 8 a 
9.000 operários. Além do mais, o município de Betim 
comprometeu-se a criar escolas para a preparaçãodo 
pessoal especializado, sob a orientação de 
instrutores italianos4. 
As negociações para a implantação da Fiat em Betim 
foram bastante rápidas: em fins de 1972, após ser eleito, o 
governador mineiro Rondon Pacheco, iniciou os contatos com 
a empresa e declarou que um final feliz se anunciava; em 
1973, é criado o Fundo de Investimentos e Participações, 
que tem por finalidade destinar verbas do Estado a diversos 
empreendimentos industriais; no orçamento de 1973 do 
Estado, estão previstos gastos com a implantação da Fiat, 
antes mesmo de se concluírem as negociações com a empresa, 
o que se deu no decorrer de 1973; os trabalhos de 
terraplenagem e infra-estrutura começam neste mesmo ano, 
logo após a conclusão das negociações; em 1976, já havia 
carros Fiat nas ruas. 
Nos anos 70, a política econômica estadual conhecida 
como “Nova Industrialização Mineira” colocou Betim em 
posição de destaque. Essa política, concebida por 
planejadores estatais, visava tirar Minas Gerais da posição 
de centro industrial periférico, fornecedor de insumos para 
o eixo Rio/São Paulo, tornando-o um centro autônomo. Para 
 
4
 Revista Tendência. “Por que a Fiat se instalou em Minas Gerais”. 
Agosto de 1973, nº 0, p. 50. 
 
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isso, foi criada a Companhia de Distritos Industriais de 
Minas Gerais (CDI), que planejou cinco distritos 
industriais na Região Metropolitana de Belo Horizonte: 
Betim, Vespasiano, Contagem, Santa Luzia e Belo Horizonte. 
Betim, cujo distrito foi denominado Paulo Camilo, 
recebeu mais investimentos, tendo sido programada para ser 
o 2º pólo automobilístico do país. Segundo dados da CDI até 
1979, Betim havia recebido 72,60% dos investimentos nos 
distritos industriais da RMBH e gerara 64,11% dos empregos 
diretos criados nestes mesmos distritos. É importante 
ressaltar que Betim sofreu uma alta especialização 
produtiva, isto é, grande parte de sua industrialização 
nesta época deu-se em função da indústria automotiva. 
O processo de industrialização continua acelerado nos 
anos 80. Ao final desta década, a recessão da economia 
nacional faz diminuírem os investimentos, mas não os 
estanca. A especialização automobilística da indústria 
continua alta, mas as administrações municipais dos anos 90 
e 2000, conscientes de que isso constitui uma fragilidade 
para a economia local, buscam incentivar a diversificação 
industrial. A recente criação do Distrito Industrial de 
Bandeirinhas faz parte deste contexto. 
A economia rural betinense foi desagregada a partir 
dos anos 70. O número de pessoas ocupado nesta atividade é 
irrisório em relação aos setores secundário (indústria) e 
terciário (comércio e serviços), bem como sua participação 
na riqueza produzida. Destaca-se a produção de leite e de 
horti-fruti-granjeiros, distribuídos principalmente através 
do CEASA. 
Conforme dados do Censo Demográfico 2000 do IBGE, o 
crescimento populacional de Betim, a cada ano, está na 
ordem de 5,03%. O mesmo Censo, em seus dados trabalhados, 
atesta que 26% dos chefes de família betinenses têm 
escolaridade máxima de 4 anos, isto é, um total despreparo 
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para a inserção qualificada no mercado de trabalho 
industrial. 
 
3.3. Geografia urbana e aspectos ambientais 
Distante aproximadamente 30 quilômetros da capital, o 
município de Betim é hoje um importante pólo de 
concentração industrial do Estado de Minas Gerais e a 
segunda maior arrecadação de ICMS do estado, só perdendo 
para a capital, o município está entre as maiores economias 
do Brasil. 
Quanto aos aspectos físicos, o município de Betim está 
localizado na Bacia do Rio Paraopeba, que o corta nas 
regiões oeste e sudoeste. O rio Paraopeba é um marco na 
definição da paisagem e define também a divisa entre Betim 
e os municípios de Igarapé, São Joaquim de Bicas e Juatuba. 
Entre as diversas divisas municipais, podemos destacar 
a de Betim com o município de Contagem, do ponto de vista 
hidrográfico. Esta divisa é feita pela barragem da Várzea 
das Flores, a área de preservação de mananciais mais 
importante de Betim, responsável por 15% do abastecimento 
de água da região metropolitana de Belo Horizonte e onde se 
produz a água de menor custo para o sistema. De preservação 
fundamental, tem uso rural (sítios para fins-de-semana), 
lazer e urbano (Bairro Icaivera). 
O município possui diversas micro-bacias 
hidrográficas, dentre as quais podemos destacar as sub-
bacias do Rio Betim e do Riacho das Areias, que compreendem 
boa parte da região mais urbanizada da cidade, inclusive as 
regionais Centro e Alterosas. 
Do ponto de vista climático, a temperatura média 
anual, fica em torno de 20 graus centígrados e o índice 
pluviométrico médio é de 1.450mm. 
Em relação às áreas verdes e à fitogeografia, 
destacam-se no município dois tipos de biomas: o do Cerrado 
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e o da Mata Atlântica. Na divisa com o município de 
Contagem, no bairro Icaivera, destaca-se na paisagem uma 
típica floresta de encosta, com topografia bastante 
íngreme. Próximo à ponte do rio Paraopeba, podemos 
constatar uma singular floresta de galeria, com a presença 
de muitas lianas e sub-bosque pouco denso. Na divisa entre 
Betim e Ibirité, encontra-se um cerrado bastante degradado 
pela formação de pastagens. Na estrada de Betim para 
Esmeraldas, podemos encontrar uma formação de cerrado bem 
desenvolvida, apresentando na sua paisagem os estratos 
arbóreo, arbustivo e herbáceo. Próximo ao centro da cidade, 
encontra o Parque Ecológico Engenheiro Felisberto Neves, 
que apresenta vegetação expressiva com porte arbóreo em 
torno de 25m. 
Apesar dos grandes problemas ambientais existentes no 
município, a cidade vem promovendo diversas ações de 
recuperação ambiental e reintegração social. A gestão dos 
recursos ambientais está a cargo Conselho Municipal de 
Desenvolvimento Ambiental (CODEMA). Várias iniciativas 
estão sendo realizadas como: saneamento básico, coleta 
seletiva de lixo e aterro sanitário, o que possibilita ao 
município receber o incentivo do ICMS Ecológico e buscar a 
melhoria da qualidade de vida para sua população. Como 
exemplo, destaca-se a construção de interceptores de esgoto 
ao longo do rio Betim, do riacho das Areias e de Estações 
de Tratamento de Esgoto (ETE) em várias partes do 
município. Outra obra no setor ambiental é a Central de 
Tratamento de Resíduos Sólidos: o lixo que chega ao aterro 
sanitário, depois de triado, é prensado para ser vendido. O 
restante é enterrado. 
Em relação à questão ambiental, podemos destacar a 
construção de várias avenidas sanitárias, dentre elas, a 
avenida Antônio Carlos, no bairro Teresópolis, avenida 
Porto Alegre, ligação entre as avenidas Edméia Lazarotti e 
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3
5 
Belo Horizonte e a avenida do Imbiruçu que liga a avenida 
Marco Túlio Isaac à via Expressa, facilitando o acesso da 
população da região do centro de Betim e aos municípios de 
Contagem e Belo Horizonte. 
A população do município, que hoje totaliza quase 450 
mil habitantes, tem crescido com taxas superiores à 
população da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do 
Estado de Minas Gerais. Em 1970, quando o grau de 
urbanização da Região Metropolitana de Belo Horizonte era 
de 92%, Betim apresentava-se ainda como um município de 
população predominantementerural, com um grau de 
urbanização de 46%, aproximadamente. Em curto período, o 
município passa por um profundo processo de transformação 
socioeconômica: em 1980 o município, já apresenta um grau 
de urbanização de cerca de 91%, ligeiramente inferior ao da 
Região Metropolitana de Belo Horizonte, que resultava em 
torno de 96%. 
Fato notável é que Betim continua com alta taxa de 
crescimento urbano, mesmo passado o momento dos maiores 
impactos decorrentes da implantação da Fiat Automóveis em 
seu território, nos anos 1970. Com isso, observa-se que o 
município, por um lado, abriga um forte e moderno setor 
industrial e, por outro, configura-se como receptor de 
consideráveis fluxos migratórios que se dirigem para a 
Região Metropolitana de Belo Horizonte, compostos, em 
grande parte, por segmentos pobres e não qualificados da 
população. 
Apesar de Betim, nas últimas décadas, estar ocupando a 
2ª e a 3ª posição entre os municípios mineiros que mais 
arrecadam impostos, o que indica a vitalidade de seu setor 
privado, a renda per capita do cidadão betinense é de R$ 
203, 22 e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal 
(IDH-M) é de 0,775, um pouco superior às médias estadual 
(0,719) e nacional (0,699), nas quais está contida uma 
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reconhecida desigualdade de grandes dimensões. Do ponto-de-
vista do desenvolvimento humano, o município ocupa, por 
exemplo o 135º lugar entre os 853 municípios mineiros 
(PNUD, 2000). Isso mostra que o modelo de desenvolvimento 
econômico adotado nem sempre está associado à elevação 
geral dos padrões de vida. 
 
3.4. Saúde pública 
Há poucos dados sistematizados sobre os primórdios da 
prestação de serviços de saúde em Betim, especialmente se 
considerada tal prestação como uma função estatal pública, 
como geralmente a entendemos hoje. Ao que parece, isso só 
acontece de forma regular a partir do final dos anos 40, 
mantendo a rede pública uma oferta bastante precária que só 
se universaliza relativamente nos anos 90. 
O primeiro registro notável da prestação de serviços 
de saúde em Betim refere-se aos idos de 1916, quando a 
Fundação Rockfeller, norte-americana, enviou uma Comissão 
Internacional de Saúde ao Brasil para o estudo de doenças 
tropicais, principalmente a ancilostomíase. As relações 
pessoais do engenheiro Antônio Gonçalves Gravatá é que 
propiciaram a Betim ser a base da missão. Também 
concorreram para isso o acesso ferroviário e a existência 
de uma pequena unidade móvel de monitoramento do 
tripanosoma cruzi em Betim. 
O relatório da missão deu conta de que 20% da 
população urbana betinense e 60% da rural (que alcançava 
mais de 70% do total na época) tinham ancilóstomos. Além 
disso, 80% dos atendidos (o total de atendidos chegou a 
1.435) tinham Doença de Chagas. Consta que as pessoas se 
deslocavam até 40 km para receber atendimento, o que dá uma 
medida da carência da população quanto aos serviços de 
saúde. 
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3
7 
Grandes nomes da medicina brasileira estiveram em 
Betim para acompanhar os trabalhos, a exemplo de Carlos 
Chagas e Adolfo Lutz. Após o fim da missão, uma de suas 
casas portáteis permaneceu em Betim, de forma que a antiga 
unidade móvel ficou melhor aparelhada e houve atendimento 
dos casos mais graves fora de Betim – em Belo Horizonte. O 
médico responsável registrou sua decepção com as 
autoridades brasileiras por não se terem decidido a tornar 
regular o atendimento aos doentes, através de um 
dispensário definitivo. 
Ao longo da primeira metade do século XX, registra-se 
a presença da epidemia de gripe espanhola em Betim, o que 
causou a morte de 38 pessoas em 1918. Sabe-se que não havia 
socorro público às vítimas e que este socorro partiu dos 
potentados locais. Os farmacêuticos José Borges e Pedro 
Xavier de Assis – este último o Mestre Pedro, muito querido 
da comunidade e que, além de boticário, era professor e 
erudito – cuidaram do atendimento aos doentes. Nisso, 
tiveram o auxílio econômico do Dr. Gravatá e dos 
fazendeiros José Nogueira Duarte e José Belém. 
Apenas em 1949, há registro da inauguração de um posto 
de saúde em Betim pelo governador Milton Campos. Este 
posto, que ficou conhecido como Unidade Central Dr. Hacketi 
(porque está localizado na rua homônima), localizado onde 
hoje está o Centro de Referência em Saúde Mental de Betim 
(CERSAM), marcou o início da prestação de serviços em saúde 
de maneira mais regular em Betim. O posto era mantido pelo 
Estado, que, até a década de 70, inaugurou outros postos, 
no Angola, no PTB e em Vianópolis. Além destes, Betim 
contava com o complexo de saúde da Colônia Santa Isabel, 
cuja principal unidade era o Hospital Orestes Diniz5, para 
 
5
 Inaugurado em 1932, o Hospital Dr. Orestes Diniz contava com uma 
estrutura admirável, devido à atenção dedicada à hanseníase pelas 
autoridades sanitárias nos anos 30, e ainda em 1988 contava com 56 
leitos. Após a desativação da Colônia, o hospital poderia ter sido 
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atendimento principalmente dos internos e de seus parentes 
que foram se instalando nas redondezas. 
Nos anos 70, a Prefeitura Municipal de Betim inicia 
ações próprias no campo da saúde, inaugurando seu primeiro 
posto de saúde, localizado na Rua Rio de Janeiro, com um 
médico e um dentista, que atende prioritariamente aos 
funcionários da própria Prefeitura. A população 
propriamente dita ficava aos cuidados dos postos mantidos 
pelo Estado e pelo INAMPS. 
Em 1978, foi inaugurada a FAMUB (Fundação Municipal de 
Urgência de Betim), primeira unidade de saúde municipal a 
adotar o conceito de atendimento do urgência. Nessa mesma 
época, foi criado o primeiro Código Sanitário de Betim, que 
disciplina questões relativas à poluição, ao saneamento 
básico e ao funcionamento adequado, do ponto-de-vista 
sanitário, das empresas de Betim. Esse código vigora até 
hoje em Betim. 
Em 1983, um evento externo provocou intensa 
reordenação da prestação de serviços em Betim: a criação 
das Ações Integradas de Saúde (AIs). As AIs representaram a 
parceria entre as esferas municipal, estadual e federal 
para a atenção à saúde. Em conseqüência disso, o setor da 
saúde em Betim foi progressivamente adotando uma linguagem 
mais consistente e neste início de década criou-se um 
departamento de defesa do meio ambiente na Secretaria de 
Saúde (CODEMA), inaugurou-se o posto do PTB e a primeira 
policlínica de Betim, Alcides Braz, que trazia uma nova 
concepção em saúde pública – o atendimento em 
especialidades médicas. Também desta época datam os 
gabinetes odontológicos escolares, abertos com recursos de 
um convênio com a Fundação de Assistência ao Estudante 
(FAE). 
 
acionado pela população de Betim, mas o estigma da hanseníase fez com 
que isso nem fosse considerado pelos cidadãos. 
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3
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Entre 1985 a 1988, foi elaborado o primeiro plano de 
saúde do município, com um diagnóstico bastante acurado do 
setor. O plano, denominado Modelo Assistencial para o 
Município de Betim, detectava a ausência prática de um 
sistema de saúde capaz de absorver a demanda local. Betim 
contava então com cinco unidades de saúde mantidas pelo 
Estado e nove mantidas pelo município, e oplano previa 
ampliar o sistema para vinte e duas unidades, inclusive com 
a construção do hospital municipal e a municipalização das 
unidades do Estado. 
A organização sistêmica, que só se efetivaria nos anos 
90, já estava delineada neste plano, que previa a 
especialização de cada unidade em um tipo de atenção à 
saúde e o funcionamento dos encaminhamentos por referência 
e contra-referência6. Nem tudo o que se vislumbrou no plano 
foi implementado, mas houve significativo avanço da atenção 
básica à saúde no município, com a criação de programas de 
saúde para a mulher, a criança, hipertensos e diabéticos. 
Houve a implantação de mais três policlínicas e seis postos 
de saúde. 
Ao final dos anos 80, Betim enfrentou uma situação 
conflituosa no campo da prestação de serviços em saúde: o 
Hospital N. Sra. do Carmo, fundado por sociedade 
particular, enfrentava dificuldades financeiras, razão pela 
qual foi desativado. Houve grande comoção da comunidade, 
devido à cidade não ter unidade hospitalar. Em novembro de 
1989, o hospital foi reativado, com subvenções municipais. 
Foi nesse momento que a Prefeitura Municipal começou a 
negociar o convênio que viabilizaria a construção do 
primeiro hospital público de Betim. Essa construção começou 
já no início da década de 90, quando também se construiu a 
 
6
 Quando o usuário entrasse em qualquer unidade, esta teria a 
responsabilidade de encaminhá-lo ao atendimento adequado, quando a 
necessidade do usuário não fosse da competência da unidade. 
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0 
maternidade pública municipal e se negociou com as 
instâncias estadual e federal para que Betim pudesse 
assumir a gestão semi-plena de seu sistema de saúde, o que 
aconteceu em 1993. 
Os anos 90 foram o período de implantação e 
consolidação de um sistema de saúde em Betim. Em 1994, 
levantamentos diagnósticos apontavam que o princípio da 
descentralização ainda não havia sido efetivado e que nem 
os servidores da saúde nem os usuários consideravam o 
atendimento em saúde satisfatório. A Prefeitura elaborou o 
Plano Municipal de Saúde para 1995-6, que adota os 
seguintes princípios orientadores para a saúde municipal: 
acesso, acolhimento, vínculo7, autonomia e resolutividade8. 
O principal problema a ser enfrentado era o do 
relacionamento do profissional de saúde com o usuário em 
estado de sofrimento. 
Houve diagnóstico do perfil da saúde da população 
betinense. As doenças respiratórias respondiam pela maior 
parte dos atendimentos na rede pública, decorrência do 
clima e da poluição atmosférica. Das conclusões gerais 
desse diagnóstico, decorreu que o governo deveria investir 
prioritariamente sobre as doenças parasitárias, sobre a 
hanseníase, a saúde mental e as doenças cardiovasculares – 
hipertensão à frente. A saúde bucal do betinense também 
deixava a desejar: de cada usuário atendido pelo sistema, 
era encontrada uma média de cinco dentes afetados, um 
índice semelhante ao da população nordestina na mesma 
época. 
 
7
 Sentir-se ligado ao sistema durante todo o tempo do tratamento, sem 
precisar demandar acesso em cada instância. 
8
 Alta capacidade de resolução do problema de saúde que gerou a 
demanda. 
 
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1 
O diagnóstico revela que o município já havia atingido 
uma boa cobertura vacinal; a situação do saneamento básico 
ainda era crítica: 80% desta contavam com abastecimento de 
água, mas apenas 29% tinham acesso à rede de esgoto; a 
coleta de lixo, tanto a domiciliar quanto a de resíduos 
hospitalares, acontecia três vezes por semana, sendo que 22 
bairros não tinham coleta. 
A rede física de saúde de Betim foi praticamente toda 
reformada e construída segundo o padrão das políticas de 
saúde pública. O atendimento em três níveis (básico, 
secundário e terciário), sonhado desde meados da década de 
80, realizou-se nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), nas 
UAI (Unidades de Atendimento Imediato) e no Hospital 
Regional e Maternidade Pública Municipal. O atendimento nas 
especialidades médicas passou a ser feito na Unidade Divino 
Braga, foram criados os Centros de Referência em Saúde 
Mental do Centro e do Teresópolis (o primeiro já existia 
embrionariamente) e o Centro de Referência em Saúde Mental 
Infantil, além do Centro de Convivência Cazuza, para as 
DST/Aids. 
Foram municipalizadas as unidades de saúde mantidas em 
Betim pelo Estado, por força do processo de municipalização 
nacional mesmo, e, em 1998, a Secretaria de Saúde assumiu a 
gestão plena do sistema de saúde local. Ainda no começo da 
década, ocorreu o primeiro concurso público na área da 
saúde em Betim. 
Nos anos 2000, o sistema de saúde de Betim tem sido 
reconhecido com repetidos prêmios extra-municipais. Isso 
significa que está à frente do que se pratica em muitos 
municípios do país, mas não que tenha atingido um nível 
satisfatório de atendimento. Os principais problemas estão 
em que a procura por serviços públicos de saúde supera em 
muito a capacidade de absorção do sistema e em que a 
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política de saúde não é assumida política e 
profissionalmente pela totalidade dos servidores. 
Apesar dos problemas, os indicadores da saúde em Betim 
estão hoje em alto patamar. As condições de saneamento 
básico, que se refletem diretamente na saúde da população, 
alcançaram os seguintes índices em 2000: 96,18% da 
população eram atendidos pela rede de abastecimento 
hídrico, 69,21% contavam com rede de esgoto e 95,22 eram 
atendidos pelo serviço de coleta de lixo. 
Caiu significativamente a incidência de doenças 
reversíveis pelo investimento no setor de saúde. A 
mortalidade geral está em 4,8 pessoas por cada mil nascidas 
vivas e a mortalidade infantil baixou de 54,3 para 16,6 por 
mil nascidas vivas em 15 anos. Em 2002, Betim alcançou o 
índice de 3,01 consultas médicas por habitante/ano, acima 
do recomendado pelo Ministério da Saúde (2 a 3 consultas 
por habitante/ano). 
A expansão da rede de saúde teve continuidade, 
paralelamente ao investimento em humanização. Novas 
unidades de saúde foram implantadas: Centro de Referência 
em Habilitação “Anderson Gomes de Freitas”; Centro de 
Convivência “Estação dos Sonhos”, para pacientes da saúde 
mental; Casa Lar, no Angola, que é um lar abrigado para 
pacientes aposentados da saúde mental; finalmente, foi 
inaugurada a nova UBS Teresópolis. 
 
3.5. Educação 
Setores da localidade de Capela Nova do Betim começam 
a se organizar para reivindicar instrução escolar formal em 
1832. Em 1838, começa a funcionar a primeira escola de 
instrução primária (uma “aula”) ministrada pelo professor 
Francisco de Paula Rodrigues. Esta primeira instituição 
escolar chamou-se Escola da Capela Nova de Betim, criada 
por portaria de 18 de fevereiro de 1838. 
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4
3 
Os primeiros professores, depois do pioneiro, foram: 
José Gonçalves do Amaral, Francisco de Paula Rodrigues 
Júnior, que teve uma carreira de 15 anos no magistério de 
Betim, até se aposentar, João Gonçalves Martins, que sofreu 
boicote da população capelanovense, inconformada com a 
saída de Francisco Júnior, Joaquim Primo da Rocha, Augusto 
César Neves Murta, Joaquim Antônio da Fonseca, Symphronio 
de Souza e Silva e Pedro d'Assis Xavier e Paula Júnior, o 
Mestre Pedro, considerado o mais erudito professor 
capelanovense

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