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21 A Folia de Reis no Distrito de Milagre, Município de Monte Santo de Minas MG

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS 
 
 
 
 
Graziela Maria de Carvalho 
 
 
 
 
 
 
 
A Folia de Reis no Distrito de Milagre, Município de Monte Santo de Minas- MG 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Alfenas/MG 
2011 
 
Graziela Maria de Carvalho 
 
 
 
 
A Folia de Reis no Distrito de Milagre, Município de Monte Santo de Minas- MG 
 
 
 
 
 
 
. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Alfenas/MG 
2011 
 
Trabalho de conclusão de Curso 
apresentado como parte dos 
requisitos para obtenção do título de 
Bacharel em Geografia pela 
Universidade federal de Alfenas. 
Área de concentração: Geografia 
Cultural. Orientador: Evânio dos 
Santos Branquinho. 
 
 
 
 
Sumário: 
 
 Introdução................................................................................................05 
1- Objetivos............................................................................................11 
1.1- Objetivos Gerais...............................................................................11 
1.2- Objetivos Específicos.......................................................................11 
2- Justificativas........................................................................................12 
2- Metodologia.......................................................................................13 
4- O multiculturalismo e a tradição nas manifestações religiosas............14 
4.1- Definição de cultura e suas vertentes...............................................14 
4.2- Religião e Identidade cultural..........................................................16 
4.3- Sincretismo religioso e Resistência cultural.....................................18 
4.4- Rural e Urbano nas manifestações religiosas....................................19 
5- A manifestação da Folia de Reis no distrito de Milagre.......................24 
Conclusão..................................................................................................34 
Bibliografia................................................................................................36 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Resumo 
 “A cultura aparece como um conjunto de gestos, práticas, comportamentos, técnicas, know-
how, conhecimento, regras, normas e valores herdados dos pais e da vizinhança e adaptados 
através da experiência a realidades sempre mutáveis. A cultura é herança da experiência” 
(CORRÊA & ROZENDAHL, 2003:162). 
 A geografia cultural, assim como as manifestações culturais, estão ligadas aos sentidos do 
corpo. Religião, música, culinária, vestimentas, costumes, artesanato, permite a distinção 
entre os grupos. Dando origem a uma vasta produção cultural. 
 A cultura tradicional sendo vista como forma de resistência, em oposição a cultura de 
assimilação (aculturação) trazem novos elementos ao cotidiano dos grupos sociais. 
 A Folia de Reis é uma representação subjetiva destes valores e costumes tradicionais que 
foram mantidos em determinadas regiões do país. E manifesta sobre a forma de cultura 
popular, a religiosidade e fé depositadas na crença nos três Reis Magos. 
 
Palavras- chave: Cultura, tradição, Folia de Reis. 
 
 
 
 
 
Introdução 
 O Município de Monte Santo de Minas se localiza na região sul/sudoeste (mesorregião) do 
Estado de Minas Gerais, sua economia gira em torno da agricultura, sobretudo nas plantações 
de café. Com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) médio, cerca de 0,745 
(PNUD/2000), e população total de 21.246 habitantes (Censo IBGE/2010). 
 Apresenta características fortemente rurais no que tange à economia, cultura, formação 
social, etc. Em sua formação, o município passou a ser ocupado pelos trabalhadores expulsos 
das jazidas de ouro de Jacuí, com a exaustão da mineração, estes trabalhadores foram em 
busca de terras para iniciar a cultura de café em expansão no início do século XIX. 
 A economia local apresenta relativa dependência à atividade rural, de longa tradição na 
região, principalmente à cultura de café, pela falta de uma rede industrial local de maior 
significância. Com a mecanização das lavouras de café a partir da década de 80, houve intensa 
migração da população rural para a área urbana do município, com consequente criação de 
novos bairros na periferia da cidade. Da população total, 15.597 pessoas, ou seja, 73,5% da 
população é considerada urbana. 
 Milagre, com população de 2.630 pessoas, é distrito da cidade de Monte Santo de Minas. O 
Distrito foi criado pela lei estadual número 843, de 07 de setembro de 1923. Mais tarde, pela 
lei de nº 336 de 12 de dezembro de 1948, o município de Monte Santo recebe a denominação 
de Monte Santo de Minas, e pela mesma lei é criado o distrito de Milagre e anexado à cidade, 
segundo dados da Prefeitura municipal de Monte Santo de Minas. 
 Um ramo econômico muito promissor para a cidade seria o turismo, se contasse com um 
marketing e apoio mais efetivos da prefeitura, a exemplo dos encontros de Folias de Reis e do 
carnaval, considerado um dos melhores da região, que chega a reunir em torno de 14.000 
pessoas. 
 
FIGURA 1- LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO DE MINAS NO ESTADO DE 
MINAS GERAIS. 
Coordenadas: 21º 11’ 24” S e 46º 58’ 48” O 
Fonte: IBGE. Acesso: 17/11/2011 
 
 
FIGURA 2- VISTA DO DISTRITO DE MILAGRE-MG 
Fonte: www.panoramico.com.br acesso: 17/11/2011 
 
 A Folia de Reis é uma festa popularmente (re)conhecida no interior do Brasil, em especial na 
região sudeste, onde este tipo de manifestação é mais presente (sul de minas e interior de São 
Paulo). Embora a forte religiosidade esteja presente, não é uma festa cristã reconhecida pelo 
catolicismo. Com caráter profano- religioso busca no sincretismo se adaptar às mudanças 
estabelecidas pelos costumes e tradições, e se mantém forte na área de estudo citada acima. 
Fruto do pluralismo religioso, étnico e cultural, como afirma Pergo (2011:1) “as festas 
populares são tradições que constituem a resistência dos povos em defesa de sua cultura e de 
seus costumes”. 
 A Folia de Reis teve sua origem na Península Ibérica, sendo tal tradição difundida por toda 
esta. Chegou ao Brasil, trazida através dos padres jesuítas no século XVI, durante a 
colonização portuguesa. “Na evolução histórica do Brasil, as Folias de Reis sofreram um 
processo de aculturação que as modificou, consequência do fenômeno de transplantação, 
tendo como resultado atitudes e comportamentos novos com relação aos comportamentos 
religiosos e culturais originários” (PASSOS, 2011:10). 
Esta reencena a viagem feita pelos três Reis Magos a Belém, onde para referenciar o menino 
Jesus Belchior oferece ouro, símbolo da realeza espiritual, Baltazar oferece mirra, símbolo da 
mortalidade dos homens, e Gaspar oferece incenso, símbolo de oração e fé. 
Os três Reis na sua chegada ofertaram seus presentes 
Era incenso , mirra e ouro pro menino onipotente 
 
A virgem tão contente: o incenso eu posso aceitar 
O presente é tão sagrado pra santificar o meu altar 
 
Mas a virgem contrariou a mirra e ouro 
O menino nasceu pobre não podia ter tesouro 
 
 (citado por Geovani dos Reis, ”bastião” do grupo “Incenso, ouro e mirra” do 
Distrito de Milagre -Mg) 
 
 Estes versos são referentes à visita dos Reis Magos a Jesus em seu nascimento, comumente 
citados pelos “palhaços” das folias. 
Como “herança” cultural portuguesa a dança, os instrumentos musicais, e os cânticos 
presentes no teatro de Gil Vicente, apresentadoem seus autos nas Catedrais este conjunto de 
atores foi inserido na catequização dos índios e negros no Brasil. Estes não só absorveram a 
cultura europeia presente no catolicismo, como utilizaram-se desses meios para manter e 
manifestar sua fé. “Confrontados com valores estranhos a sua concepção do mundo, os negros 
assimilaram os elementos e padrões europeus de devoção de acordo com suas próprias 
concepções religiosas” (SOUZA, 2002:4 apud RIOS, 2006). Instrumentos de percussão como 
tambores eram utilizados em culto às divindades africanas sob a imagem dos santos católicos. 
 A Folia de Reis é uma festa tipicamente rural, presentes nas regiões cafeeiras e de cana-de- 
açúcar, com o êxodo rural esta manifestação migrou para a cidade onde sofreu modificações. 
Geralmente os ternos ou grupos de Reis saem às ruas batendo de casa em casa do dia 24 de 
dezembro, até 6 de janeiro quando se encerram as festividades. Pode se perceber certa 
hierarquia dentro dos ternos, o grupo é composto pelo alferes ou bandeireiro, que leva a 
bandeira (representação simbólica da estrela guia) à frente do cortejo e cuida das doações 
recebidas, pelo embaixador ou capitão que é o mestre de cerimônia e quem entoa os cânticos, 
pelo palhaço ou bastião que faz papel cômico e distrai os foliões. Segundo o Sr. Lázaro de 
Lima, eles eram soldados do rei Herodes que perseguiam as caravanas em busca do 
primogênito que viria a ser o “salvador”, quando encontraram a “sagrada família” se 
renderam pela fé e passaram a distrair os perseguidores. Dai o fato das coreografias, roupas 
coloridas, e máscaras serem usadas por estes integrantes. 
Pra cumprir essa promessa que o festeiro fez 
Eu peço a benção sagrada pros amados Santos Reis 
 
Santos Reis que abençoem, que tragam consagração 
Pra fazer essa saída com muita fé e devoção 
 
Me deram esta farda toda enfeitada de flor 
Pra cumprir essa promessa com carinho e com amor 
 
Me deram esse chicote e uma prova de coragem 
Mais com ele eu defendo os três Reis nessa viagem 
 (...) 
Três homens fantasiados naquela hora apareceram 
Chamando toda atenção os soldados entreteram 
 
Pra chamar a atenção fizeram acrobacia 
Enquanto eles brincavam veja o que acontecia 
 
Entre plumas e efeitos uma linda fantasia 
Atravessaram seu destino naquele sagrado dia 
 
Não importa o que carrego, o que trago na mão 
O importante é que trago Cristo no coração 
 
(Geovani dos Reis) 
 
 
FOTO 1- PALHAÇO OU BASTIÃO CARACTERIZADO NA FOLIA DE REIS 
Fonte: “Guerino” (grupo “Estrela Guia” do Distrito de Milagre- MG) 
 
 A visita dos Santos Reis ou três Reis Magos é estabelecida quando o dono da casa permite a 
entrada da bandeira, beijando-a por respeito e fé, passando por todos os cômodos da casa em 
sinal de agradecimento e proteção. Daí então, são entoados cânticos em louvor e 
agradecimento, pedindo proteção e saúde, ou mencionando o nascimento de Jesus, são vários 
os temas presentes nas canções. Quando se recebe a bandeira é estabelecida uma relação de 
troca, aquele que a recebeu em agradecimento faz uma doação, oferece uma “prenda” que 
pode ser em dinheiro, comida, ou o que poder doar. “Tudo é simbolicamente usado para 
retratar a história pela fé cristã: objetos personagens, campos, roupas, e cores (...) acreditando 
no caráter religioso atribuído popularmente aos três Reis Magos, protetores das famílias, das 
criações, das lavouras e dos bens terrestres” (TIRAPELLI, 2003: 40 apud GONÇALVES, 
2008). 
 A casa do pousio é onde a bandeira permanece no fim de uma jornada para a continuação da 
peregrinação até o encerramento da festividade. A festa da chegada da bandeira é uma grande 
celebração onde toda a comunidade se reúne para compartilhar desejos, pagar promessas, 
agradecer as bençãos recebidas, etc. Estão implícitos valores cristãos de reciprocidade, 
aceitação, submissão, e humildade. A Folia de Reis é uma forma de pertencimento, identidade 
social e cultural das camadas mais pobres, uma forma dessas pessoas se sentirem parte 
integrante da sociedade em que vivem. 
 
FOTO 2- FESTA DE CHEGADA DA FOLIA DE REIS 
Fonte: Vladimir Coelho 06/01/2010 
Obs: Arcos de bambu representam a entrada para a gruta de Belém 
 
 
FOTO 3- BANDEIRA REPRESENTANDO A ESTRELA GUIA 
Fonte: “Guerino” (grupo “Estrela Guia” do Distrito de Milagre- MG) 
03/01/2007 
 
 
 
1-Objetivos 
1.1- Objetivos Gerais 
 Realizar um levantamento histórico, simbólico e cultural da Folia de Reis como forma de 
resistência e manifestação de fé no distrito de Milagre, pertencente ao Município de Monte 
Santo de Minas. Uma vez que nestes, esta festa tradicional se mantém viva e a cultura 
popular não é estática, muda com as transformações do tempo e espaço. 
Estabelecer as transformações e adaptações desta manifestação sagrada e profana ao mesmo 
tempo, a fim de verificar a coexistência desta no cotidiano e na vida das pessoas. Bem como a 
ligação desta com a religiosidade e fé presentes. 
 
1.2- Objetivos Específicos 
 
 A partir da definição de cultura, elaborar a noção de paisagem como elemento fundamental 
para o estabelecimento de valores, diferenciação e correlação entre ambas; definir o caráter 
tradicional, os costumes, a cultura popular local (Distrito de Milagre, Município de Monte 
Santo de Minas) e suas modificações ao longo do tempo, considerando o seu contexto 
histórico e geográfico. O objetivo, sobretudo, é criar hipóteses que expliquem a permanência 
da tradição da Folia de Reis nessa localidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2-Justificativas 
 
Sendo a cultura um conjunto de hábitos adquiridos envolvendo atitudes e preferências, que 
foram inventadas ou se mantiveram no tempo, é de fundamental importância estabelecer os 
critérios de sobrevivência desta cultura popular. Que é determinada pelo senso comum, pela 
identidade cultural de um grupo fundamentada na legitimidade da tradição, pela religiosidade 
nestas manifestações, e pela hegemonia de determinadas classes sociais na cultura de massa. 
Não se trata de uma simples descrição folclórica, mas de uma manifestação interna dos grupos 
que estão expostos a diferentes tipos de agentes, com intuito de estabelecer critérios entre as 
possíveis causas de sua manutenção, transformações, e seu não desaparecimento. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3- Metodologia 
 
Para o presente trabalho, inicialmente, foram realizadas a seleção e leitura bibliográfica para 
formalizar a conceituação teórica sobre o tema. Também foram utilizadas reportagens 
referentes à “Folia de Reis”, retiradas do jornal Folha do Povo Notícias, que tem circulação na 
região (Monte Santo de Minas, Arceburgo, Guaranésia e Itamogi). 
 Para a pesquisa de campo, foram utilizados dados coletados, tais como: vídeos e fotografias 
da Folia de Reis no Distrito de Milagre, e no município de Monte Santo de Minas. 
 Foram realizadas aproximadamente 15 entrevistas em caráter informal, com membros do 
grupo de Folia de Reis “Ouro, Incenso e Mirra” no distrito de Milagre e seus seguidores, 
escolhidos de forma aleatória. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4-O multiculturalismo e a tradição nas manifestações religiosas 
4.1-Definição de cultura e suas vertentes 
 
 A partir da década de 70 com o processo de renovação da geografia, a geografia cultural 
ganha maior destaque, a crítica à ciência como saber neutro e objetivo ganha enfoque 
humanístico e subjetividade.Tal conceito se aproxima das definições feitas por autores como 
Maia (2001); Corrêa e Rozendahl (2003); Melo (2005) ou Claval (2011). Partindo de La 
Blache, onde “o homem é um fator geográfico”, o gênero de vida, ou modo de vida dos 
indivíduos se propagava num conjunto de técnicas que definiam a relação deste com o meio 
(“espaço vivido”), sendo a paisagem o principal fator dessas representações. 
 “A tarefa da geografia cultural é apreender e compreender essa dimensão da interação 
humana com a natureza e seu papel na ordenação do espaço” (CORRÊA & ROZENDAHL, 
2003: 103), ou seja, a cultura é a análise de significados representada por meio da técnica. 
 A paisagem é o suporte destas representações, pois funciona como matriz e marca, matriz 
porque contribui para transmitir significado a outras gerações, marca porque cada grupo 
contribui para modificar o espaço, “é uma forma especial de dar significado, estruturar e 
compor o mundo externo” (COSGROVE e JACKSON, 2000 apud MELO, 2005:18). 
A identidade cultural de um povo se baseia no conjunto de informações e 
conhecimentos acumulados pelas pessoas ao longo do tempo, “as formações sociais 
escrevem a história no espaço, e a história de tal formação é a história da 
superimposição de formas produzidas em sua paisagem através da sucessão de 
modos de produção. Uma vez que estes modos de produção são simbolicamente 
construídos, lugar e paisagem são imediatamente dotados de significado humano” 
(SANTOS, 1997:128 apud CORRÊA & ROZENDAHL, 2003). 
 
 Esta paisagem pode ser tanto material, tendo um objetivo apropriado e transformado pela 
ação do homem; quanto imaterial tendo componente subjetivo, ou seja, significado. Não são 
neutras, refletem relações de poder entre os grupos sociais e a forma como estes interpretam o 
“espaço vivido”. 
 A paisagem aqui não é vista somente como meio natural, mas como reflexo da apropriação 
do homem sobre o território. Paisagem é a “representação” do homem no espaço, representa 
a cultura local carregada de símbolos, que trazem consigo significações e dão identidade ao 
território. Reconhecer-se no espaço é fazer parte do cotidiano do lugar, uma sociedade não 
existe fora do meio onde se instala, a organização desta no território é estruturada pelos 
valores a que está vinculada. 
 A paisagem tem tanto uma perspectiva funcional, quanto arqueológica, onde os traços que a 
moldaram permanecem no tempo, portanto a paisagem é simbólica. Reflete a realidade 
objetiva dos homens em relação ao meio, respondendo às necessidades sociais, lúdicas e 
estéticas; “(...) o espaço não é um meio contextual (real e lógico) sobre o qual as coisas estão 
colocadas, mas sim o meio pela qual é possível a disposição das coisas (MERLEAU PONTY, 
1993 apud FILHO, 2002:257)”. 
 A paisagem através da construção do “eu”, e na maneira com que se coloca no tempo e no 
espaço torna-se a consciência do lugar. A imagem do espaço (paisagem) é expressa no 
dualismo entre interior (eu) e exterior (materialização). 
 “O espaço cotidiano é totalmente desencantado, mas ele se duplica em um espaço mais 
profundo, onde se pode descobrir a verdade do ser humano, da sociedade ou da natureza” 
(CLAVAL, 2011:5). Ou seja, a noção de lugar evoca ao enraizamento, dá sentido à 
experiência dos grupos. 
 As manifestações culturais no geral são produto das representações do cotidiano, território e 
região é a maneira como os homens constróem e dão sentido à geografia que os cercam, 
através das festas e rituais por exemplo. 
 Sua construção pode ser fenomenológica/ subjetiva e positivista/objetiva, é dada pela 
integração do sujeito com o objeto, portanto histórico-cultural, sem dissociações. 
Sendo o “modo de vida” o instaurador dos tipos de cultura, os costumes e as tradições são 
valores e normas de comportamento estabelecidos através da repetição, pelo “senso comum”. 
O conjunto de técnicas que definem a relação do homem com o meio constitui os costumes, 
ou seja, o gênero de vida. 
 Já a tradição é algo transmitido, entregue às novas gerações sem necessariamente passar por 
um registro histórico, é transmitida mais pela observação do “aprendiz”, do que pelos 
ensinamentos que este venha a receber. Daí a importância da oralidade e da memória nas 
manifestações culturais. 
 O encadeamento de conhecimento antrópico, o exótico e diferente presentes nas 
manifestações culturais, e a identidade cultural de um grupo social expressos na legitimidade 
das tradições é o que se define por folclore. Algumas manifestações folclóricas podem ser 
exemplificadas, como por exemplo, Congadas, Folia de Reis, Festa de Nossa Senhora do 
Rosário, São Benedito, etc. todas elas contidas de grande religiosidade. 
 Religião e paisagem juntas modificam a natureza do espaço, e criam lugares e valores 
simbólicos com identificação cultural; “o lugar sagrado é o lugar simbólico, lugar que unifica 
os grupos humanos quanto aos valores religiosos” (ROZENDAHL, 2003:182). É neste 
contexto que a Folia de Reis se manifesta. 
 A cultura popular é legitimada pela tradição, pois a folia de reis é uma releitura singular e 
popular realizada sobre a bíblia. 
Cultura neste sentido, é a soma dos comportamentos, conhecimento, técnicas e valores, éticos 
e morais ao longo da vida do indivíduo. Uma herança, não um conjunto fechado e imutável de 
códigos que desencadeiam objetos e ações por meio da repetição. 
 A apreensão do mundo e da sociedade é feita através dos sentidos, a cultura é transmitida 
pelas representações coletivas, num sistema hierarquizado de preferências e valores, num 
conjunto de crenças e normas de domínio religioso. Os indivíduos agem independentemente 
mais em conformidade com a sociedade. 
 Para CLAVAL, 2011:249 “Eles criam categorias geográficas e desenham contornos de 
espaços sobre os quais ninguém tinha até então consciência”. 
 As culturas de classe provocadas pela hierarquização social, nada mais são do que a 
consciência sobre o que une e distancia os grupos. Grupos que vivem à margem da sociedade, 
seja por isolamento, ou por exclusão, possuem uma cultura própria e geram movimentos de 
resistência; a cultura se transforma tanto pelas imposições do meio físico, quanto pela vida 
social e suas experiências. 
 
4.2- Religião e Identidade Cultural 
 
 O sentimento de identidade é baseado na ideia de uma descendência comum, sendo a 
territorialidade o elo dessa identificação [ver Queiroz (1989) e Prandi (2001)]. 
A difusão das culturas faz nascerem novos centros de inovação, mas os códigos determinam 
seu alcance. É possível que duas culturas convivam juntas num mesmo espaço sem perder 
suas especificidades. 
 A impregnação dos códigos (linguísticos e outros) e a adesão aos mesmos valores centrais 
estruturam uma cultura. Cultura esta que pode ser imposta (por dominação) ou sobreposta 
(transformada), sem, no entanto perder a sua identidade, sua essência. 
As estratégias desenvolvidas nas situações multiculturais não visam sempre à 
integração individual, à aculturação de massa ou à proteção das identidades 
presentes. Tentam, às vezes, solapar as normas dos diferentes grupos e propor 
novidades, a partir das quais identidades originais poderão se construir e uma nova 
sociedade poderá se constituir (CLAVAL, 2001, p. 184). 
 
 Os fundamentos políticos de uma sociedade são relacionados com a crença da mesma. O 
pensamento ocidental se estruturou em torno da ética e moral cristã. O cristianismo, a Igreja 
católica e a Bíblia difundiram a cultura ocidental por todo o mundo; os europeus impuseram 
sua cultura durante muito tempo porque possuíam técnicas mais avançadas, e pelo domínio 
religioso que estabeleciam nasterras conquistadas (catequização pelos missionários). 
 O sincretismo religioso é uma forma de resistir às crenças “estrangeiras” e manter a cultura 
local, podendo haver ou não confusão e dificuldade de dissociação dessas religiões. 
Já o nacionalismo ou fundamentalismo religioso indica a dificuldade dos grupos em relação 
ao multiculturalismo (no ocidente essa relação é menos restritiva); Não é necessário 
concordar com determinados traços culturais, mas se deve respeitá-los. 
 Os sistemas simbólicos têm função estruturadora mediante os consensos, a integração lógica 
é condição da integração moral. Segundo BOURDIEU seu “poder” é uma espécie de “círculo 
cujo centro está em toda parte e em parte alguma”. É algo invisível que só se concretiza com o 
apoio de quem o exerce ou é sujeito a tal. 
 A religião possui função ideológica que legitima a força material ou simbólica de um grupo 
ou classe. Ou seja, a moral de um grupo é apoiada na ética religiosa. 
 As religiões no Brasil são produto de uma ordem imposta pelos colonizadores. Que 
utilizaram o poder político e simbólico como instrumento de dominação (das classes 
superiores pelas subordinadas), indica um ideal mais ortodoxo, considerado como verdadeiro, 
e que define a posição de um grupo em uma determinada classe. 
 As classes inferiores sempre buscaram conforto e amparo na religião. Através da cultura 
popular, reinterpretam-se os valores simbólicos da religião pela modificação da linguagem 
(uma reinterpretação de princípios mediante a posição ocupada em sua estrutura social), 
dizendo a mesma coisa de forma bem mais simples. 
 É comum falar “errado” ao citar pedaços de orações e ladainhas das religiões afro-
brasileiras, assim como a religião, a língua se modificou e se misturou. Portanto as variações 
fonéticas não devem ser encaradas como ignorância ou obscurantismo, sendo muitas vezes 
ridicularizadas. 
 Por exemplo, utilizar um cântico para manifestar crenças particulares ou o descontentamento 
sócio econômico e político, repletos de ideais de liberdade. São também fonte de 
armazenamento histórico, manifestam a fé dos oprimidos num universo utópico, guardam a 
memória de um povo, percebem a cultura e a reinterpretam através do outro. 
 Pensar a ordem social como relacional, e não como conservadorismo estrutural, pois 
heranças culturais africanas como o samba, capoeira e feijoada, são incorporações dos negros 
na cultura imposta. 
 
 
4.3-Sincretismo religioso e resistência cultural 
 
 As religiões negras surgem como resistência cultural dos africanos e afrodescendentes às 
imposições e dominação da sociedade branca e cristã, que marginalizava os negros, muitos 
adeptos destas religiões se declaravam católicos pelo preconceito contra os negros. Podemos 
dizer que as religiões africanas se escondiam sob a máscara de uma adesão superficial ao 
catolicismo, considerada como única religião “verdadeira” no país. 
 A classe social e o nível de escolaridade (define o grau de cultura do indivíduo) também 
influenciam na escolha da religião, a classe média branca em sua maioria é católica [ver 
Prandi (2004)]. 
 O multiculturalismo é sinônimo de sincretismo, pois se refere a estratégias para administrar 
problemas causados pela diversidade cultural, seu discurso está focado na raça ou etnia para 
caracterizar as diferenças culturais e religiosas. A grande heterogeneidade de traços culturais 
(ligados a grupos étnicos) impediria o Brasil de se “civilizar”. Esse etnocentrismo gera 
preconceito e cria uma tendência nos indivíduos, a de negar esta diversidade, como afirma 
Ferreti (2008). 
 Por outro lado o sincretismo origina hibridismo cultural, ou seja, fusão de diferentes 
tradições culturais e religiosas dando um aspecto mais ameno em relação à ortodoxia, valores 
opostos e complementares criam os paralelismos. Fruto do hibridismo cultural, religioso e 
étnico que originaram uma cultura resultante, um sub-produto das culturas originais. Por 
exemplo, a Folia de Reis. 
 Portanto sincretismo é uma reinterpretação que assimila mudança cultural relacionada com 
as religiões afro-brasileiras. É uma síntese integradora entre religiões de diversas origens, já 
que a ideia de pureza religiosa é um mito, uma ideologia. 
O sincretismo afro-brasileiro é decorrente da repressão política sobre os negros, para eles, esta 
era uma forma de sobrevivência. 
 A partir da imigração de europeus para o Brasil (principalmente italianos) na década de 20, o 
sincretismo passou a ser visto como “ameaça” contra a cultura europeia, conservadora e 
avessa a diversidade cultural. 
 A suposta “superioridade” étnica e religiosa dos brancos europeus não determinou portanto, 
a anulação das religiões afro-brasileiras; pelo contrario, sua importância na construção 
cultural do Brasil como um todo foi reconhecida (pelos intelectuais e religiosos) 
caracterizando a aplicação de conhecimento em nível teológico às práticas religiosas. 
 A identidade nacional se expressa pela identidade cultural; as festas religiosas populares 
estão relacionadas com o sincretismo, considerado aqui, como característico das classes 
subalternas, a dicotomia entre popular e oficial não é aceita pela classe religiosa mais 
intelectualizada e conservadora, mas todas as camadas sociais estão interligadas por um 
estrato cultural semelhante, mudando apenas sua forma de representação num ou noutro 
grupo. 
Para concluir podemos dizer que o sincretismo, elemento essencial de todas as 
formas de religião, está muito presente na religiosidade popular, nas procissões, nas 
comemorações dos santos, nas diversas formas de pagamento de promessas, nas 
festas populares em geral. Constatamos que o sincretismo constitui uma das 
características centrais das festas religiosas populares. Nas religiões afro-brasileiras 
o sincretismo é uma forma de relacionar o africano com o brasileiro, de fazer 
alianças como o escravo aprendeu na senzala e nos quilombos “sem se transformar 
naquilo que o senhor desejava” (REIS 1996: 20), nem ficar ”presos a modelos 
ideológicos excludentes” (MUNANGA, 1996: 63) apud (FERRETI 1997). 
 
4.4- Rural e Urbano nas manifestações religiosas 
 
 Nos regionalismos e nacionalismos estão em jogo tanto as conservações e transformações 
na esfera social, como nas esferas simbólicas, individuais ou coletivas; mais pela 
organização social, que pela materialização propriamente dita. Em função das 
transformações econômicas, culturais e sociais, os diversos grupos têm passado por um 
processo de desenraizamento cultural segundo Biazzo (2007), Silva Júnior (2007) e Bezerra 
(2008). 
 O desenvolvimento das grandes religiões universais está relacionado com a divisão cidade 
e campo, as longas distâncias espaciais e a sazonalidade do campo, em oposição ao 
adensamento urbano e sua racionalização, geram aspirações éticas e morais a respeito do 
bem e do mal, a linha entre eles diminui quando se está perto do sagrado, considerado fonte 
de verdade. 
 O “século das luzes” provocou uma revolução intelectual, criando a oposição racionalismo 
X religião; Deus não é mais a explicação para todas as coisas, questionar e produzir 
informação são as novas diretrizes. Daí a racionalização e interiorização dos fenômenos 
religiosos; não existe mais a ideologia de que as religiões universais “[...] estão associadas à 
crença de que sua mensagem e sua doutrina tratam da vida e das relações com Deus ou 
deuses de maneira apropriada para todas as pessoas [...] romperam seus laços com o lugar 
específico de origem e disseminaram sua mensagem (ROZENDHAL, 2002:204)”. 
 A Igreja (como instituição) tenta manter o “monopólio” da fé e impedir a “concorrência” 
religiosa.Ocorre uma “caução” institucional por parte desta, que põe em prática a 
“ritualização” (ritmo) e canoniza as crenças populares, sujeitas à demanda das classes 
inferiores (camponeses). 
 A diferenciação da capacidade produtiva entre campo e cidade baseada em nível de 
conhecimento, traduz a oposição entre sagrado e profano no sentido de religião inferior e 
superior. A religião dos que detém o conhecimento é sagrada, enquanto a religião dos 
“ignorantes” é profana (vulgar). Aquele que detém o conhecimento é superior nas esferas 
material e simbólica. 
 Assim sendo, a cidade é o espaço de produção cultural e intelectual, enquanto o campo é 
fonte da materialização de uma “subcultura”. Reproduz o domínio das classes superiores 
em relação às subalternas. 
 “Saber” sagrado e “ignorância” profana têm como consequência a pauperização religiosa 
decorrente desta separação simbólica. Está em jogo o domínio prático e objetivo do campo, 
contra o domínio erudito da cidade substanciado ao nível de conhecimento, que criam 
ideologias religiosas apoiadas em “interpretações letradas”. 
 A cultura urbana está associada à economia, ao ritmo de trabalho, status social, etc. 
Enquanto o campo se baseia no “tempo da natureza” (manhã, pôr do sol, noite, etc.) numa 
sequência “não cronológica” ao tempo do relógio. Na sociedade contemporânea “tempo é 
dinheiro”, algo a ser consumido. Já nas sociedades tradicionais, o tempo tem que ser criado 
ou produzido, é o tempo vivido, acumulado, acontecido, não existem nem passado, nem 
futuro. O “modo de vida” que compõem a cultura, é a forma pelo qual o indivíduo enxerga 
a si mesmo e o mundo a sua volta, rural e urbano são condição das relações sociais. 
Portanto não interfere na esfera das crenças e religiosidade, rural e urbano são tidos “como 
conjunto de formas concretas a compor os espaços produzidos pela sociedade (BIAZZO, 
2007:10)”. 
 No momento atual, apesar de manter o discurso tradicional, as religiões tentam se adaptar à 
realidade do indivíduo (fruto das contradições entre fé e progresso); trazendo bem estar e 
conforto. 
As superstições populares estão misturadas aos dogmas mais refinados. Nem o 
pensamento, nem a atividade religiosa encontram-se igualmente distribuídos entre 
as massas de fiéis. Conforme os homens, os meios, as circunstâncias, tanto as 
crenças como os ritos são percebidos de maneiras diferentes (BOURDIEU, 
2007:41). 
 
 Não devemos confundir restos descontextualizados e reinterpretados de uma cultura 
erudita do passado como vestígios de uma cultura original. 
 “Como construção relacional, a identidade supera posições essencialistas. Nessa 
perspectiva, a construção é tanto simbólica quanto social (WOODWARD, 2004:10 apud 
BEZERRA, 2008:11)”, transpõem o território; O espaço geográfico é um conjunto de 
sistemas de objetos e ações intermediado pela organização social, já o território é a leitura 
que o indivíduo faz deste espaço e o materializa através da paisagem. As festas religiosas por 
meio deste são traduzidas como experiências e imagens da sociedade diante dos laços que 
integram as percepções baseadas na tradição cultural e identidade local e regional, “(...) que 
combinadas, ensejam as territorialidades particulares de cada localidade, município ou 
recorte regional (BIAZZO, 2007:19)”, obtidas através de hábitos e costumes. 
 A paisagem (urbana ou rural), considerada aqui como simbólica é fruto das relações 
interpessoais, ou seja, uma construção social ligada à disponibilidade dos homens em 
viverem em sociedade. O espaço da cidade é o ponto de encontro para as festas religiosas 
(auge das manifestações culturais), entre elas a Folia de Reis. São nos espaços públicos que 
elas acontecem, por exemplo, praças e ruas. Reproduz no tempo e no espaço, a identidade 
social tanto em nível simbólico, quanto material, e uma efetiva reunião de seus participantes 
em nível sócio-geográfico. 
 A Folia de Reis é uma festa urbana levada para o meio rural, reforçada pelas relações de 
proximidade existentes nesse tipo de comunidade. Considerando aqui espaço rural também 
os pequenos municípios, com menos de 20 mil habitantes (baixo grau de urbanização), o 
distanciamento provocado por este faz com que as pessoas se unam numa relação de 
solidariedade, criando um efeito oposto em comparação à cidade (onde apesar da 
proximidade, existe maior distanciamento nas relações interpessoais). Ou seja, as relações 
tradicionais mantidas nas pequenas cidades sofrem menor influência do espaço geográfico 
urbano e suas interações, que possibilita a regulação e inovação sócio-espacial que se apoia 
nas posições de poder político e econômico. 
Assim, a festa, é do ponto de vista da geografia, uma oportunidade de (...) perceber 
os signos especializados pelos quais os grupos sociais se identificam a contextos 
geográficos específicos que fortificam sua singularidade. A festa possui com efeito, 
a capacidade de produzir símbolos territoriais cujo o uso social se prolonga além 
de sua duração. Esta simbólica festiva une e qualifica lugares (...) (DI MÉO, 
2001:1-2 apud BEZERRA, 2008:9). 
 
 Nesse sentido, confere ao território visibilidade. O que caracteriza o evento, nesse caso a 
Folia de Reis, é que ela se inscreve sempre de acordo com as lógicas sociais do momento 
(racionalismo) e entra no processo de fabricação permanente das relações espaciais e dos 
territórios (identidade). A festa tem um caráter integrador que vai além da sua duração (de 
24 de dezembro a 06 de janeiro), sua permanência está nas relações mantidas pelos 
indivíduos desde sua preparação, tais como confecção de vestimenta, organização e 
estruturação do grupo de reis, identificação das casas de pousio, arrecadação de prendas, 
etc., até o ápice da manifestação. 
As festas, contudo, não têm sido utilizadas somente para afirmar a coesão dos 
habitantes nas cidades e, portanto, das relações hegemônicas, mas também foram e 
são utilizadas para construir uma unidade e (re) significar a identidade de grupos 
subalternizados historicamente, a exemplo da população negra no período colonial 
no Brasil (BEZERRA, 2008:9). 
 
 Representam particularidades e singularidades, sua (re) interpretação provoca redefinição 
das espacialidades e temporalidades, necessárias para a manutenção da tradição (definidas 
de acordo com o consenso do grupo), bem como o entrelaçamento entre a cidade e os rituais 
festivos que desempenha papel importante na relação homem meio (confere unidade ao 
território e aos grupos). Os habitantes são ao mesmo tempo atores e espectadores, através 
das festas populares tem a oportunidades de vivenciarem as tradições e valores culturais 
africanos. Que se apresenta num conjunto de práticas e de comportamentos do cotidiano 
através de cerimônias, memórias, simbolismo, discursos históricos e mitológicos. Do ponto 
de vista geográfico, permite compreender a natureza do laço territorial e compartilhamento 
do símbolo que é comemorado. 
 A síntese dessas relações sociais ultrapassa o limite do território, sejam cidades ou regiões, 
sua legitimação é reconhecida por outros grupos. Vai além do seu acontecimento, reproduz 
as ambiguidades e contradições sociais pelo seu calendário rítmico, espaço relativamente 
fixo e reprodução dos fenômenos sociais e territoriais locais de acordo com Souza apud 
Almeida (2011). 
 A reinvenção das festas traz consigo a resignação e reafirmação da identidade local 
acompanhada pela reestruturação e reorganização do espaço, que são reflexo da forma de 
pensar de determinada sociedade. O espaço- tempo da festa, separa o espaço- tempo do 
cotidiano, constrói uma geografia simbólica; o espaço nesse caso é mítico, o territórioconstrói um universo político e ideológico, por exemplo, um bairro, cidade, povoado, etc. 
rompendo as relações de poder entre altas e baixas classes sociais; “a festa rompe com o 
cotidiano ao criar um espaço- tempo governado provisoriamente pela ficção, pelas 
reviravoltas ou inversões das situações, dos papéis e das posições, seja pelo absurdo, seja 
pela alegria (ALMEIDA, 2011:251)”. 
 A territorialização se dá pelas ornamentações dos locais onde se realiza o festejo, onde são 
traduzidas as experiências e imagens da sociedade em questão, o território é espaço 
geográfico acrescido de sentimento e identificação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5- A manifestação da Folia de Reis no distrito de Milagre 
 A Folia de Reis é uma festa popular de origem portuguesa, relacionada com o culto católico 
do natal, trazida para o Brasil na formação de sua identidade cultural, está presente em 
diversas manifestações folclóricas de diferentes regiões do país. 
 Relata a tradição católica do nascimento de Jesus e a visitação dos “três Reis magos”; que 
é comemorada por grupos que visitavam as casas tocando músicas alegres em louvor aos 
"Santos Reis" e ao nascimento de Cristo. 
Desde mil e quatro no tempo da monarquia 
Havia um sinal na Terra 
A vinda de Deus Messias 
Vinda de Deus ao mundo ninguém podia perceber 
Só os profetas de Deus poderiam compreender 
(alusão aos Reis Magos) 
 
 Os grupos são compostos por músicos instrumentistas e cantores, e também por palhaços e 
outras figuras folclóricas de acordo com as lendas e tradições locais. Todos se organizam 
mediante a liderança do Mestre da Folia e seguem com reverência os passos da bandeira 
(sempre à frente do grupo), cumprindo rituais tradicionais de inquestionável beleza e riqueza 
cultural. 
 No Sul de Minas o grupo de Folia de Reis é composto pela Bandeira que é decorada com 
figuras alusivas ao menino Jesus, pelo Bastião que se veste de modo característico, sempre 
mascarado, e exerce a função de folião propriamente dito, levando alegria por onde a folia 
passa, como que abrindo caminho para a passagem da Folia que de certa forma representa os 
próprios Reis Magos. O Bastião tem também a função de citar textos bíblicos e recitar poesias 
alusivas. 
Eu peço ao pai eterno que está lá nas alturas 
Que nasceu um santo humilde 
De uma virgem tão pura 
Que nos dá o ensinamento e também a sagrada escritura 
 
Eu peço a Jesus Cristo, nesta hora, neste momento 
Que purifica minha alma e também meu pensamento 
Que me livra de todo mal e também do sofrimento 
 
Dentro do prazo marcado, vai chegando a companhia 
Recebemos o poder maior, o poder da estrela guia 
Que Jesus derrame sua luz, a esta sagrada família 
(citado por Geovani dos Reis, ”bastião” do grupo “Incenso, ouro e mirra” do Distrito 
de Milagre -Mg) 
 
 Na sequência, o grupo de vozes que compõem os cânticos se organiza em: Mestre ou 
Embaixador, Respondedor e Ajudante formando a primeira voz. Tala, Contrato e Caceteiro, 
formam o coro. E Finório as vozes mais agudas. Esses nomes se referem a uma organização 
das vozes em tons e contra tons, durante a cantoria, o que leva a formação de um coro. O 
Mestre, por sua vez, tem papel especial de iniciar o canto, que é feito em versos de improviso, 
agradecendo os donativos da casa visitada. Os outros componentes então repetem os versos, 
cada qual em sua voz, acompanhados pelos instrumentos que portam. 
 As canções são sempre sobre temas religiosos, ou em agradecimento aos almoços e jantares 
oferecidos pelos donos da casa que recebem os foliões. Em algumas regiões as canções de 
Reis são incompreensíveis, devido ao caos sonoro produzido. Isto ocorre quase sempre 
porque o ritmo ganhou, ao longo do tempo, contornos de origens africanas com fortes batidas 
e entonação vocal. Contudo, um componente permanece imutável: a canção de chegada, onde 
o líder (ou Capitão) pede permissão ao dono da casa para entrar, e a canção da despedida, 
onde a Folia agradece as doações e a acolhida, e se despede. 
 Ao contrário dos Reis da tradição, o propósito da Folia não é dar presentes, mas sim recebê-
los para compartilhar com toda comunidade (finalidade filantrópica). 
 As comemorações vão do dia 24 de dezembro até 06 de janeiro, essa tradição ganhou força 
a partir do século XX e se mantém sobretudo em pequenas cidades dos estados de São 
Paulo, Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, dentre outros. 
 
FOTO 4- GRUPO DE FOLIA DE REIS 
Fonte: Renato Aguiar Júnior 27/12/2010 
 
 Tomando por base o conceito tradicional de cultura popular e a importância do senso comum 
e das manifestações religiosas presentes nas festas populares, podemos dizer que esta é uma 
forma de resistência e assimilação de novos elementos aceitos por determinado grupo, e que 
dão margem a variações de ritual. 
Os valores não são nem permanentes e invariáveis, e nem inerentes aos objetos, mas 
ao contrário, resultam de uma construção que se faz de determinados contextos 
sociais e históricos. Valores são atribuídos a partir de qualidades que são 
reconhecidas nos objetos, mas que variam conforme os diferentes grupos os 
concebem (MENESES, 1992:1996 apud PAES, 2010). 
 
 As festas populares são mantidas em meio rural por este definir o caráter tradicional dos 
grupos na sociedade. Neste, os valores são mantidos como forma de preservar a ação do 
tempo e espaço nas relações humanas. Muitas vezes tido como obsoleto e atrasado, o rural 
mantém a tradição e não aceita as imposições e “influências modernas” do mundo 
globalizado. 
 Portanto o meio rural favorece as relações de troca entre os indivíduos na sociedade, ou 
seja, o contexto do ambiente urbano provoca um maior nível de desenraizamento cultural 
(através dessas relações) pelo número de informação. O conhecimento faz com que o senso 
comum perca o seu sentido de homogeneizar a realidade dos grupos. Os valores assimilados 
no meio urbano estão a todo tempo sofrendo mudanças conforme a apropriação das técnicas 
disponíveis. O que não ocorre no Distrito de Milagre, e no município de Monte Santo de 
Minas, pois se observa nestes, grande influência do rural em seu “modo de vida”. 
 A cultura de massa é proveniente da assimilação dos grupos a determinado conceito, o que 
cria uma identidade cultural (local ou regional) quase sempre subordinada à religião, os 
símbolos produzidos por esta é que define o caráter tradicional das classes sociais. A religião 
é o elo entre as elites e classes subordinadas por representar simbolicamente o cotidiano do 
lugar. A religião é quem determina a posição de um grupo na sociedade. Este sentimento de 
religiosidade é mantido frequentemente em meio rural, pois estes permanecem em sua 
maioria, tradicionais. Já a urbanização produz um racionalismo maior, maiores 
questionamentos acerca da fé fazendo com que se percam os costumes e valores 
provenientes da comunidade, a urbanização é sinônimo de individualismo. Opõem-se aos 
relacionamentos de união produzidos pelas festas populares em meio rural. 
 O pluralismo étnico, religioso e cultural favorece a relação homem, espaço e religião que 
materializou esses símbolos. A identidade cultural de um grupo é construída através desses 
símbolos, que são incorporados pelos grupos e mutáveis no tempo e no espaço, conforme a 
apropriação do território (poder político e econômico). A assimilação de uma cultura por 
outra, acaba com os efeitos de dominação. Ter vantagem de autoridade religiosa implica 
vantagem em exercer o poder político, pois toda população participa de rituais comuns e 
aceita as mesmas crenças. 
 As festas religiosas também assumemesse caráter político, pois é instrumento para 
viabilizar a legitimação das elites políticas locais. No Distrito de Milagre, subordinado ao 
município de Monte Santo de Minas, em Minas Gerais, o dia de “Santos Reis” é feriado 
municipal decretado pela Lei municipal nº 494, de 28 de abril de 1975, pelo antigo prefeito 
Luiz Alberto Paulino da Costa. Bem como a construção de uma capela nesse distrito 
financiada pelo mesmo, em terreno da prefeitura. 
 Manifestação de fé ou estratégia política que também pode ser percebida pelos prefeitos 
sucessores, o atual prefeito do município de Monte Santo de Minas, Militão Paulino de 
Paiva, que se diz devoto fervoroso dos três “Reis Santos”, afirmou em entrevista ao jornal 
Folha do Povo Notícias, de circulação no mesmo e região, em 26 de junho de 2011, que 
“Eles (Santos Reis) nunca me abandonaram (p.06)”. Recebendo a Companhia de Reis 
“Reunidos Amigos da Fazenda Onça” em seu gabinete na prefeitura. 
 
FIGURA 3- PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MONTE SANTO DE MINAS RECEBENDO 
COMPANHIA DE REIS EM SEU GABINETE. 
Fonte: www.jfpnoticias.com.br acesso: 21/11/2011. 
 
 Fruto das imposições das elites locais, do preconceito contra os negros e da fé dos mais 
pobres, a Folia de Reis entra no processo de aculturação como manifestação de fé e 
resistência diante das mudanças provocadas pela síntese social dos grupos. Não se trata de 
hibridismo cultural propriamente dito, mas do multiculturalismo desenvolvido pela presença 
de culturas distintas ao longo do tempo. Pois não ocorre “fusão” dos elementos, e sim 
reinterpretações que assimilam diferenças culturais mantendo suas especificidades, e seus 
valores centrais. A resistência formada se refere ao “falso” sincretismo originado a partir da 
pressão política contra os negros e afrodescendentes em seu processo de desenraizamento e 
enraizamento cultural em uma nova pátria. 
 Religião e política sempre andaram juntas, predominando a crença das classes superiores e a 
ortodoxia presente em seus dogmas. A política é na verdade, o meio pelo qual se impõem e se 
viabiliza os instrumentos de dominação pretendidos pelas elites. 
 Portanto é mais ideológica que material, neste tipo de dominação está contido o poder 
simbólico que a religião tem sobre os indivíduos, o que não representa a fé dos mesmos. 
 Diante deste contexto, o nível cultural é comumente relacionado ao nível de escolaridade de 
determinada classe social. As elites por dominarem as classes subalternas através de objetos 
políticos e econômicos, no entanto mais favorecidas quanto ao nível de conhecimento, são 
vistas como superiores na esfera cultural; mas a produção de conhecimento por meios 
técnicos não seleciona o nível cultural de um grupo. Cultura é o acúmulo das experiências 
vividas pelos sujeitos ao longo do tempo e espaço. A produção cultural apesar de intrínseca à 
relação homem meio, e a forma como este modifica o espaço não se relaciona em nada com o 
nível de escolaridade, já que os objetos produzidos pelo “gênero de vida” são decorrentes da 
percepção e apreensão do mundo pelo indivíduo. A produção intelectual não interfere na 
maneira como o homem vê e sente o mundo a sua volta. O que pode ser percebido em trechos, 
transcritos das entrevistas realizadas no presente trabalho em 29/11/2011, na Subprefeitura do 
Distrito de Milagre, Município de Monte Santo de Minas- MG. 
Segundo o senhor R.C., participante da Folia de Reis desde os oito anos de idade, ocorreram 
mudanças; 
“- Ah... Mudou que antigamente o povo tinha mais... O povo parece que gostava mais né? 
Hoje parece que o povo não tá... A gente era moleque e gostava de cantar. Hoje você vê 
menos, porque ninguém quer mais aprender a cantar. Pra você ver, as pessoas de trás vai 
acabando... vai acabando... né?” 
(Graziela) Seus netos e seus filhos, ninguém se interessou? 
“- Nenhum! Não! Meus netos e meus filhos ninguém se interessou (R.C., 64, aposentado)”. 
(Graziela) E você? 
 “- Ah... eu venho de família também né?! Eu e meu pai desde pequeno sempre ia, meus 
avós... então... foi indo de geração em geração. 
(Graziela) Mas foi pra cumprir promessa? 
“-Não... Não! Foi por que... nossa eu amo gente! De paixão! Eu adoro, então foi por isso...“ 
“- E eu gosto muito de tocar instrumentos, sanfona, violino...“ 
(...) “Nossa! porque os jovens de hoje em dia não quer mais saber né? É difícil uma pessoa 
que se interessa por esse tipo...” 
 “É! Eu acho que deveria ter mais projetos sabe? Devia ter mais projetos pra fazer... pra 
incentivar né? Os jovens de hoje em dia. Pra poder cultivar a nossa cultura...” 
(Graziela) A prefeitura não investe? 
“Não... quando a gente vai em festival (Encontros de Folia de Reis) até apoia sim... em 
transporte... Mais assim... em projetos, não! Um projeto assim, pra cultivar a cultura do lugar 
não tem. Mais se tivesse seria bom viu?! Nossa, seria ótimo! Nossa... Eu acho que falta um 
pouco de interesse, de divulgação porque... acaba parando... vai acabando... (L.C., 22, 
estudante)”. 
“(...) Ah... eu sou muito devota de Santos Reis desde pequena. Eu faço a minha missão, 
porque Santos Reis me deu a cura pra mim. E eu sou muita devota, com amor e carinho, eu 
tenho que cumprir minha missão com Santos Reis até o fim da minha vida (V.L., 44, 
trabalhadora rural)”. 
“(...) Eu sempre acompanhei né? Mais assim pra participar... o seu Alceu (integrante do grupo 
“Ouro, incenso e mirra”) agora chamou a gente pra vim, ai eu vou participar. Porque eu vou 
fazer uma promessa, porque minha mãe tá muito doente, e eu tenho um filho também, com 
problema na vesícula... ai eu vou fazer um voto com ELES (Santos Reis e o grupo se fundem 
numa única imagem) pra ver se eu consigo a cura pro meu filho. E vou continuar a vida 
(M.A., 42, dona de casa)”. 
 Percebe-se nas entrevistas grande doação e envolvimento dos integrantes do grupo “Ouro, 
incenso e mirra”, e a fé contida nas ações destes dentro do grupo e na sociedade. O “poder” 
que os ditos “Santos Reis” têm sobre a vida cotidiana desses indivíduos, manifesta de forma 
simples e clara a fé e devoção contidas nos atos destas pessoas durante e após a realização da 
festa da Folia de Reis. Principalmente no que tange à saúde e cura; participar direta (fazer 
parte do grupo de Folia de Reis) ou indiretamente (pagar promessas ou oferecer doações) da 
Folia de Reis é uma forma de agradecer as bênçãos recebidas pelos três “Reis santos”. 
 Manifestação de fé ou resistência cultural que está ameaçada pela falta de interesse de novos 
participantes e incentivo das autoridades locais, que não investem na preservação desta 
manifestação e em projetos que contribuam para a manutenção da cultura local. A Folia de 
Reis por representar a camada mais pobre da sociedade, muitas vezes tida como inferior, é 
alvo de comentários pejorativos, e os jovens que poderiam dar continuidade a esta 
manifestação folclórica sentem vergonha de fazer parte desses grupos. 
 E como percebido na fala de um dos entrevistados, a prefeitura do Município de Monte 
Santo de Minas não incentiva de forma persistente e concreta a preservação cultural. O que se 
estende ao distrito de Milagre, colocando em risco a continuidade e manutenção das Folias 
tanto na sede municipal quanto no distrito. 
 Segundo os relatos dos integrantes do grupo de “Ouro, incenso e mirra” apesar da 
colaboração e envolvimento da comunidade, a tradição da Folia de Reis está em risco. Pois 
não se observa interesse dos jovens e dos órgãos públicos em dar continuidade a esta; faltam 
incentivos ao setor cultural, e interesse de novos adeptos aos grupos. A prefeitura contribui 
apenas com a organização de encontros, e transporte dos integrantes para os mesmos em 
cidades vizinhas.Mas não disponibiliza verbas de incentivo à cultura, como por exemplo, a 
criação de barracões e centros culturais para se preservar a tradição da Folia de Reis no 
município, e consequentemente no distrito. 
 O descontentamento dos membros do grupo é perceptível diante dos fatos, porém o esforço 
em preservar aquilo que dá sentido à vivência desses indivíduos na sociedade a que 
pertencem, e prosseguir com aquilo que acreditam ser algo essencial em sua existência, é 
maior que as dificuldades enfrentadas por eles. 
 Uma forma encontrada por estes integrantes para a manutenção da Folia de Reis é a 
realização de Encontros de Folias, tanto na sede como no distrito e cidades vizinhas a eles. O 
intuito destes tipos de Encontro é trocar experiências e compartilhar a vivência tida pelos 
participantes em diferentes contextos, pois se tratam de realidades distintas, uma vez que os 
grupos embora parecidos sofram influência direta do meio social e cultural a que pertencem e 
integram. 
 Na cidade de Muqui, no Espírito Santo, acontece desde 1950 o Encontro Nacional de Folia 
de Reis, que reúne cerca de 90 grupos de Folias do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas 
Gerais e São Paulo. É o maior e mais antigo encontro de Folias de Reis do país. Uma forma 
de sobrevivência dos Grupos de Folia de Reis, principalmente nas grandes cidades, foi a 
incorporação de figuras folclóricas a estes com a finalidade de promover apresentações à 
comunidade no sentido de manifestação cultural. 
 Para o Encontro de Folias que foi realizado no dia 13 de novembro de 2011 no distrito de 
Milagre-MG, segundo o cabo Juvenil Coelho, organizador do evento à frente da prefeitura 
municipal de Monte Santo de Minas, foram arrecadados quase uma tonelada de alimentos que 
irá alimentar cerca de 3.500 pessoas participantes de 32 grupos de Folias que estavam 
presentes. Os alimentos foram cedidos pela comunidade do distrito no intuito de contribuir 
para a realização da festa. Quando questionado sobre o que iria fazer com os alimentos que 
sobrassem/restassem do evento, ele respondeu sem titubear que iria distribuir entre os menos 
favorecidos, e em instituições como escolas e creches de Milagre. No distrito, esse tipo de 
encontro é recorrente, afirma a permanência da tradição e o empenho em mantê-la viva. 
 
FOTO 5- ENCONTRO DE FOLIAS DE REIS NO DISTRITO DE MILAGRE 
Fonte: Terezinha Feliciano 13/11/2011. 
 
 A paisagem como forma de representação dos objetos apreendidos pelo homem através do 
seu “modo de vida” deixa claro que as mudanças culturais, dependem e estão numa constante 
transformação diante das imposições da sociedade e da necessidade de adaptação desta, 
referente aos novos objetos e ações produzidos pela técnica (rural x urbano). 
 Em lugar do “eu” com o mundo, está a produção material pautada ao nível de conhecimento 
teórico e ideológico do meio técnico-científico-informacional nos “tempos modernos” que 
provoca a perda das raízes culturais pelo encurtamento do tempo e das distâncias espaciais 
entre os grupos. Fazendo com que estes se identifiquem ou se distanciem mais facilmente. 
 A redefinição destas espacialidades e temporalidades dentro do recorte das cidades delimita 
melhor o alcance das manifestações culturais. Pois são nas pequenas cidades que as festas 
populares obtêm maior força e destaque. Em sua estrutura arcaica e deficiente de 
instrumentos tecnológicos que definam novas condutas de comportamento em relação à 
globalização, estas mantém as estruturas tradicionais que caracterizam os grupos e as 
manifestações folclóricas do lugar. 
 A festa é o que define o caráter tradicional do lugar, é ela que irá compor o reconhecimento 
territorial de determinada localidade. Ou seja, o Distrito de Milagre e o município de Monte 
Santo de Minas são reconhecidos territorialmente por grupos de localidades vizinhas e região 
pelo alcance das festividades da Folia de Reis. O caráter tradicional mantido nestas 
localidades viabiliza a legitimação desta festa conferindo ao espaço uma territorialização que 
o caracteriza e distingue dos demais. O distrito de Milagre como espaço geográfico é apenas 
um local, uma denominação, já enquanto relacionado à Folia de Reis ganha enfoque 
territorial e sentido se tornando o lugar dos Encontros de Folias de Reis. São os Encontros de 
Folias e a permanência dos grupos de Folia de Reis que adjetivaram esta característica ao 
Distrito e Município por meio da manifestação cultural que simboliza este grupo e representa 
o cotidiano presente nesta sociedade, a Folia de Reis é a realidade (local) que se apresenta 
dando imagem ao lugar. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Conclusão 
 Fruto da divergência entre diferentes culturas de classe, a Folia de Reis é uma das festas 
populares que melhor exemplifica o sincretismo religioso no país. 
 Em sua origem, proveniente do preconceito racial e da aversão às religiões negras ou afro-
brasileiras, o sincretismo no Brasil demonstra antes de qualquer coisa, a imposição de uma 
classe sobre a outra. Negando sua própria identidade cultural baseada na diversidade étnico- 
religiosa e na heterogeneidade cultural, se instaurou um pensamento ortodoxo e excludente, 
num contexto social onde a “minoria” foi marginalizada, e a moral cristã, branca e europeia 
foi tomada como verdadeira identidade nacional. 
 A cultura negra considerada inferior era um atraso ao desenvolvimento do país, bem como 
qualquer relação desta com os estratos mais abastados da sociedade. O catolicismo era a única 
religião considerada legítima e cultuada pelo setor que detinha o poder religioso e político no 
país. 
 Para manter viva a cultura e religião africanas, os negros assimilavam a cultura branca 
cultuando as divindades africanas sob o disfarce dos santos católicos; uma forma de 
sobrevivência, mas também de pluralidade religiosa, étnica e cultural, a ponto de se fundirem 
e se tornarem indissociáveis. Caracterizando assim uma identidade nacional múltipla e 
originada da diversidade cultural entre diferentes grupos. 
 As festas populares demonstram a riqueza cultural proveniente do sincretismo religioso em 
seu sentido positivo, afirmam a capacidade criativa e o nível de conhecimento antrópico 
decorrente da religiosidade e fé cristã, misturadas aos ritos africanos. 
 O conhecimento teológico da religião cristã pelas camadas populares, e sua reinterpretação 
mediante a realidade social em que se deu, é que torna essas manifestações tão interessantes e 
com valor de beleza cênica incontestável. Portanto a ortodoxia e o conservadorismo 
representariam uma perda cultural incalculável. 
 As manifestações populares incumbidas de senso comum são mutáveis no tempo e no 
espaço, porém nunca perdem sua essência. Os valores são reformulados dentro do grupo 
criando novos símbolos e decorrentes a isto novas manifestações. 
 O importante, entretanto, é que não se perca a identidade cultural típica do Brasil, negra, 
europeia, cristã, ou simplesmente afro-brasileira que configura características tão intrínsecas à 
realidade e origem desse povo. 
 As festas populares, marginalizadas pelos setores públicos e políticas culturais, revela pouco 
empenho e pouca valorização referente às tradições, exceto pelo interesse de poucos. “É 
inegável a necessidade de serem valorizadas por constituírem a memória do povo, de uma 
história e de um tempo da sociedade contemporânea. Isto é, a festa é um bem cultural 
(ALMEIDA,2011:262)”. 
 E como bem cultural (imaterial), é incalculável o “preço” que se pode pagar pelas perdas 
decorrentes às mudanças sociais e pelo modo de produção e apropriação do espaço (modelo 
produtivocapitalista); que visa muito mais o ter do que o ser. Participar deste tipo de evento é 
vergonhoso para quem quer ser considerado bem sucedido na sociedade contemporânea, pois 
ainda existe o pensamento equivocado de que o “popular” é sinônimo de retrocesso (material 
e ideológico). Vestígios da origem e pensamento cultural brasileiro, fundados no 
conservadorismo europeu do século XIX, e de uma cultura ainda em linhas de expansão e 
desenvolvimento. 
 A tradição, os costumes, os valores que acima de qualquer interesse individual ou mudanças 
contínuas e/ou repentinas ainda persistem, nos dá margem para o verdadeiro ideal da 
preservação deste tipo de manifestação cultural: O objetivo da cultura e da geografia cultural 
é criar pontes, não construir muros. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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