Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A IMPRENSA ALTERNATIVA FEMININISTA NA RESISTÊNCIA À DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA SILVA, Izabel Pimentel da (Orientadora) 1 MELO, Dominique Almeida 2 Palavras-Chave: Imprensa Alternativa. Ditadura. Feminismo. Introdução O presente trabalho tem por objetivo principal analisar a consolidação da imprensa alternativa como um espaço privilegiado para os movimentos de resistência à ditadura civil- militar brasileira, especialmente na década de 1970. Privilegiaremos a imprensa feminista, que não só assinalou o nascimento e desenvolvimento do feminismo moderno no Brasil, mas também atuou como veículo de propagação das concepções políticas alternativas que marcaram o cenário brasileiro nos anos 70 do século XX. Procedimentos Metodológicos A metodologia utilizada no trabalho baseou-se em fontes primárias, especialmente nos periódicos da imprensa alternativa feminista, disponíveis para consulta na hemeroteca da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Dentro deste conjunto documental, privilegiamos a análise dos jornais Brasil Mulher, Nós Mulheres e Mulherio, lançados entre a segunda metade da década de 1970 e início da década de 1980, período marcado pela ditadura civil-militar no Brasil. Discussão dos resultados As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas no Brasil por uma onda avassaladora de intensos movimentos de contestação à ordem vigente, inseridos num contexto mundial cuja ideia de revolução – política, econômica, cultural, pessoal – ganhava corações e mentes. Contudo, os “rebeldes” anos 60 e 70 do século XX também seriam marcados pela ascensão dos militares ao poder. Aliás, em boa parte da América Latina, em especial na região do Cone Sul, estes 1 Doutoranda em História na Universidade Federal Fluminense e mestre em História pela mesma instituição. Professora de História da América no curso de Licenciatura em História da Universidade Castelo Branco. Orientadora do Programa de Pesquisa Institucional de Iniciação Científica & Tecnológica (PIBIC&T/UCB) na vigência 2013/2014, atuando na linha de pesquisa “História do Tempo Presente” vinculada ao Laboratório de Pesquisas em História (LAPHIS) da Universidade Castelo Branco. Email: ipsilva@castelobranco.br 2 Graduanda em História na Universidade Castelo Branco (UCB). Bolsista Prouni. Aluna voluntária no PIBIC&T/UCB (Vigência: outubro de 2013 a outubro de 2014). Este trabalho se insere na linha de pesquisa “História do Tempo Presente” do Laboratório de Pesquisas em História (LAPHIS) da Universidade Castelo Branco. Email: dominique_amelo@yahoo.com.br militares, contando com o apoio de amplos setores civis, implantaram e sustentaram ditaduras, tornando a democracia uma exceção à regra no cotidiano político do continente. No caso do Brasil, em 1964, um golpe civil-militar derrubou o governo democrático do presidente João Goulart e colocou o país sob uma ditadura que, a rigor, duraria mais de vinte anos e iria perseguir, cassar, censurar, prender, banir e matar as vozes dissidentes. Nesse contexto, o cenário político brasileiro foi abalado pela ascensão de diversas organizações revolucionárias, que se caracterizaram por uma forte desconfiança em relação às formas tradicionais de atuação e representação política, pela valorização da ação e pela defesa da luta armada. No entanto, a rebeldia ultrapassava os limites da política e a contestação ao sistema significava também a contestação de um estilo padrão de vida. Nesse sentido, a participação feminina no espaço público, e especificamente no campo da política, foi uma das mais marcantes características das décadas de 1960 e 1970 no Brasil e no mundo. As páginas da imprensa alternativa também se configuraram como espaço privilegiado para os movimentos de resistência à ditadura, em especial na década de 1970. Estes jornais – em sua maioria no formato tabloide ou minitabloide – caracterizaram-se pela denúncia da violência e arbitrariedade do regime e estiveram ligados a partidos ou organizações de esquerda clandestinos e ainda aos movimentos sociais, em especial relacionados às minorias políticas. De acordo com Bernardo Kucinski, os protagonistas da imprensa alternativa da década de 1970 constituíam “uma subcultura que se distinguia do grosso dos jornalistas e intelectuais pela sua disposição contestatória, pela sua propensão ao ativismo, pela intransigência intelectual e, em certa medida moral, pela afinidade com os motivos ideológicos que moviam os ativistas políticos” (KUCINSKI, 2003, p. 5). Os jornais alternativos tornaram-se espaços privilegiados para jornalistas, intelectuais, humoristas e cartunistas oporem-se à ditadura, criando uma forma de terapia coletiva, diminuindo a tensão do conflito. (...) foi um dos mais inventivos períodos culturais da nossa história recente onde se desenvolveu uma produção cultural híbrida, contestadora, irreverente e antiautoritária que soube manejar com especial habilidade a sua condição de marginalidade, fazendo desta sua identidade expressa na linguagem, na forma e no estilo narrativo empregado (PIRES, 2012, p.80). Segundo a historiadora Maria Paula Araújo, a imprensa alternativa era composta por três tipos de publicações: os jornais de esquerda (vinculados a partidos ou não), como O Pasquim, Opinião, Movimento, Versus e Em Tempo; as revistas de contracultura como Flor de Mal, Biscoitos Finos e o Almanaque Biotônico Vitalidade; e as publicações de movimentos sociais minoritários, dentre os quais se destacavam os jornais feministas Brasil Mulher e Nós Mulheres; os jornais do movimento negro Tição, Simba e Koisa de Crioulo; e as publicações que representavam os movimentos homossexuais organizados, como Gente Gay, Corpo, Boca da Noite, Jornal da Aliança de Ativistas Homossexuais e O Lampião da Esquina (ARAÚJO, 2000, p. 21). Nesta pesquisa, privilegiamos os jornais alternativos ligados à imprensa feminista. A crescente manifestação das mulheres no mundo ocidental, ao longo das décadas de 1960 e 1970, estava intrinsecamente relacionada à efervescência política e cultural, que sacudiu as estruturas conservadoras (das direitas e esquerdas) e propiciou profundas transformações nos padrões comportamentais, sobretudo naqueles destinados às mulheres. Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, a partir da década de 1960 observamos intensos movimentos de contestação aos valores conservadores da organização social, nos âmbitos público e privado. Nesse contexto, o livro O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, publicado pela primeira vez em 1949, foi “redescoberto” e discutido por muitas mulheres em todo o mundo. Embora não tenha sido uma militante feminista, Simone de Beauvoir representou o ponto de partida para toda uma geração de feministas. Por sua vez, as estadunidenses, lideradas por Beth Friedman, queimaram seus sutiãs em praça pública, provocando um escândalo de proporções internacionais. No Brasil, o movimento feminista só apareceria a partir de meados da década de 1970. Contudo, desde o início dos anos 1960, a intensa mobilização política e social de importantes segmentos da sociedade, em especial das camadas médias, foi caracterizada pela expressiva participação das mulheres em manifestações políticas organizadas pelas direitas e esquerdas. As transformações econômicas e sociais ocorridas no país desde o final da década de 1950, a partir do governo de Juscelino Kubitschek, favoreceram os processos de industrialização e urbanização, o que propiciou significativas mudanças na vida das mulheres de classe média dos centros urbanos, como a entrada na universidade e sua maior participação no mercado de trabalho.Nesse contexto, as mulheres extrapolaram os limites domésticos, adentraram o espaço público (até então território exclusivo dos homens), foram às ruas para expressar suas opiniões políticas, romperam padrões e questionaram o moralismo e a sexualidade. As páginas da imprensa alternativa surgida ao logo da ditadura civil-militar brasileira não ficaram incólumes às manifestações políticas, culturais e comportamentais das mulheres. Ao afirmar a especificidade da luta feminista, articulada com a luta política mais geral, os periódicos da imprensa feminista exerceram um duplo papel: oposição e resistência à ditadura civil-militar brasileira e veículo de propagação do feminismo, enquanto movimento político e social. O precursor dos jornais alternativos voltados para o movimento feminista foi Brasil Mulher, lançado em dezembro de 1975. Este jornal teve 16 edições regulares e mais 4 “extras”, circulando até 1980. Em 1976, foi lançado o Nós Mulheres, que teve 8 edições publicadas entre 1976 e 1978. O mais feminista e duradouro dos alternativos só veio a surgir em 1981 e circulou por mais de dez anos: o jornal Mulherio. A maioria das mulheres responsáveis por estas publicações era militante de esquerda que tinha passado pela militância clandestina, prisões, torturas e algumas também pelo exílio. As páginas destes jornais destacavam “assuntos não veiculados pela imprensa oficial, na época sob forte censura política, refletindo o pensamento político da militância feminista” (LEITE, 2003). Mas também abordavam temas que eram marginalizados inclusive pelos jornais alternativos de esquerda, ligados a partidos, organizações ou sindicatos, que relegavam as questões explicitamente femininas ao segundo plano em suas plataformas políticas. Nesse sentido, estampavam as páginas da imprensa alternativa feminista matérias, editoriais e entrevistas que abordavam questões como creches, violência contra a mulher, métodos contraceptivos, aborto, o corpo e sua sexualidade, dupla jornada de trabalho, entre outras temáticas ligadas ao universo feminino. A imprensa alternativa feminista propagava, portanto, uma visão alternativa de política pautada pelo feminismo, vinculado à realidade brasileira e à luta contra a ditadura. Considerações Finais Ao analisar o papel da imprensa alternativa, notadamente a feminista, no combate à ditadura civil-militar brasileira, buscamos compreender as diversas formas de resistência esboçadas no Brasil ao longo do período da ditadura civil-militar brasileira, contemplando os projetos que, para além do recurso às armas defendido por uma parcela da esquerda brasileira, também desafiaram a ditadura, foram revolucionários e utilizaram ferramentas igualmente explosivas. Além disso, nossa pesquisa também visa a elucidar o papel exercido pelos periódicos da imprensa alternativa na formação, divulgação e organização do movimento feminista no Brasil, em suas múltiplas concepções. Assim sendo, estes jornais e revistas configuraram-se como ferramentas fundamentais para a estruturação de um espaço de expressão pública, política e cultural das mulheres brasileiras. Referências Bibliográficas ARAÚJO, Maria Paula. A Utopia Fragmentada – As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970. Rio de Janeiro: FGV, 2000. BASTOS, Natália de Souza. Elas por elas: trajetórias de uma geração de mulheres de esquerda – Brasil: anos 1960-1980. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. CARDOSO, Elizabeth. “Imprensa feminista brasileira no pós-1974”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, nº 12, setembro-dezembro de 2004. CESTARI, Mariana Jafet. “Imprensa feminista brasileira na década de 1970: um lugar de enunciação público e legítimo das mulheres”. Revista Língua, Literatura e Ensino, volume 3, Campinas, maio de 2008. COLLING, Ana Maria. A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997. KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários – Nos Tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo: Scritta Editorial, 1991. LEITE, Rosalina de Santa Cruz. “Brasil Mulher e Nós Mulheres: origens da imprensa feminista brasileira”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, vol. 11, nº 1, janeiro-junho de 2003. MORAES, Maria Lygia Quartim de. “O encontro marxismo-feminismo no Brasil”. In: RIDENTI, Marcelo & AARÃO REIS, Daniel (orgs.). História do marxismo no Brasil: partidos e movimentos após os anos 1960. v. 6. São Paulo: UNICAMP, 2007. PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. PIRES, Maria da Conceição Francisca. “Feminismo e Imprensa Alternativa durante a ditadura militar brasileira”. História Agora- Revista de História do Tempo Presente, nº 14, dezembro de 2012. SILVA, Izabel Pimentel da. Os filhos rebeldes de um velho camarada: a Dissidência Comunista da Guanabara (1964-1969). Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Federal Fluminense. Niterói (RJ), 2009. WOITOWICZ,Karina Janz. “Vozes do feminismo na imprensa alternativa – As lutas das mulheres nos jornais de oposição no período da ditadura militar no Brasil”. 3º Encontro da Rede Alfredo de Carvalho, GT História da Mídia Alternativa, Novo Hamburgo, 2005.
Compartilhar