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Resenha - Antônio Manuel Hespanha Modalidades e limites do imperialismo portugues.docx

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE DIREITO
José Antonino Marinho Neto
Gustavo Augusto Sant’Ana Fonseca
RESENHA DO TEXTO “MODALIDADES E LIMITES DO IMPERIALISMO JURÍDICO NA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA”, DE ANTÔNIO MANUEL HESPANHA
Disciplina: História do Direito
Professor: Ricardo Sontag
Belo Horizonte
2016
O autor António Manuel Hespanha aborda, em seu artigo Modalidades e Limites do Imperialismo Jurídico na colonização portuguesa, publicado na revista Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno em sua edição 41, ano de 2012, a seguinte provocação: a colonização portuguesa foi pautada por um imperialismo jurídico homogêneo e unilateral nas suas colônias? 
Hespanha responde a essa questão analisando a complexidade das incorporações e transações jurídicas entre colonizados e colonizadores. Nesse sentido, no que se relaciona à homogeneidade, isto é, às modalidades, ele afirma que a colonização portuguesa se caracterizou por um pluralismo jurídico, ou seja, cada colônia possuía seus particularismos (HESPANHA, 2012, p.102). Ademais, o autor nega a existência de um imperialismo unilateral (com limites, portanto) nas colônias portuguesas, havendo estruturas jurídicas complexas em interação dinâmica, ou, nas palavras do próprio autor: “fundada sobre a autonomia e modularidade das partes componentes” (HESPANHA, 2012, p.108). 
O autor, na primeira parte, “A estrutura política do império”, ao analisar as estruturas política, jurídica e administrativa do Império português, aponta para uma dispersão territorial cuja organização se deu de forma heterogênea, com particularismos em cada zona territorial ultramarina. Assim afirma Hespanha:
“O resultado seria um Império pouco “imperial” ou, nos termos da época, com pouca “reputação”: heterogêneo, descentralizado, deixado ao cuidado de muitos centros políticos no caso dos direitos relativamente autônomos, uns de matriz europeia, outros de matrizes nativas, ponteado de soluções políticas bastante diversas e onde a resistência do todo decorria da sua maleabilidade”. (HESPANHA, 2012, p.105)
Tais colonizações, marcadas por ocupações seguidas de aparelhamento burocrático, eram vantajosas economicamente para a metrópole, uma vez que os custos políticos destinados à administração das colônias eram assim reduzidos e o poder político conjugado a chefes locais (HESPANHA, 2012, p.105).
Ainda na primeira parte, após apontar modelos jurídicos-administrativos conhecidos na Europa aplicados nas colônias, como municípios, capitanias, feitorias, concessões contratuais, dentre outros (HESPANHA, 2012, p.105), o autor enfatiza, mais uma vez, a ausência de um poder absoluto português sobre seus domínios e destaca que a Espanha interagia de forma distinta com suas colônias, sendo o governo espanhol mais centralizador nas relações políticas com seus dominados.
Ao analisar as fontes utilizadas pelo autor, percebe-se uma variedade destas. Na distinção de estatutos jurídicos e políticos do império, por exemplo, Hespanha utiliza como fontes historiográficas as Ordenações Filipinas, nas quais o direito do reino era aplicado aos portugueses naturais, e os nativos, não sendo filhos de pais portugueses, não se submetiam diretamente ao direito metropolitano (HESPANHA, 2012, p.102) . Recorre, para afirmar seus argumentos, a obras de época, como a obra anti-castelhana de João Pinto Ribeiro de meados do século XVII que discorre acerca da dominação portuguesa em trechos como “Mostraram os nossos capitães o ânimo livre e desinteressado com que procediam nas terras descobertas ou vencidas”. (Apud HESPANHA, 2012, p.104).
Na segunda parte do texto intitulada “O direito e a Justiça”, Hespanha aborda a questão das personalidades de direito com maior detalhe. Cita como exemplo a teoria estatutária, “segundo a qual o direito do reino só se aplicaria, em princípio, aos seus naturais” (HESPANHA, 2012, p.109) e a diversidade de relações jurídicas entre os estrangeiros, nativos e ainda a sujeição dos escravos às leis do reino, como “membros de uma comunidade doméstica portuguesa”. Hespanha afirma ainda que “mesmo que juízes Portugueses tivessem jurisdição sobre nativos, o julgamento destes nas questões entre eles teria que decorrer de acordo com o direito indígena” (HESPANHA, 2012, p.109).
Cabe ressaltar que a conquista do Novo Mundo trazia consigo uma forte base ideológica cristã. Haviam três visões distintas que estipulavam como deveria ser o trato entre conquistadores e conquistados: a primeira, defendida por alguns juristas e teólogos, como Francisco de Vitoria e Domingo de Soto, dizia que as instituições dos nativos deveriam ser respeitadas, ainda que esses povos professassem religiões diferentes da católica (HESPANHA, 2012, p.114); a segunda, estipulada a partir de uma lógica binária, colocava em confronto comunidades civilizadas (representadas pelos europeus) e comunidades rústicas, caracterizadas pela “minoridade civil”, segundo o autor, cabendo às primeiras uma tutela civilizadora sobre as segundas (HESPANHA, 2012, p.116); a terceira, a mais intolerante, movida por um imaginário de guerra, visando alargar a fé católica e o reino português (HESPANHA, 2012, p.117).
Hespanha cita exemplos de várias áreas colonizadas pelos portugueses (por exemplo: China, Índia e Angola). Sobre o Brasil, especificamente, no que se refere ao particularismo jurídico deste, afirma:
“No Brasil, pode falar-se de um duplo particularismo do direito. Por um lado, o direito metropolitano era apropriado pelas comunidades coloniais locais e suas elites, bem como era adaptado às circunstancias locais pelos tribunais e juízes da terra, que nos meios de direito régio e letrado eram frequentemente considerados como ignorantes, desobedientes e corruptos.” (HESPANHA, 2012, p.122)
	No mesmo sentido, acentuando o autogoverno das elites agrárias e a confusão entre a vida pública e a vida privada, característica fundamental da formação da sociedade brasileira, ensina Sérgio Buarque de Holanda em seu clássico “Raízes do Brasil”:
“[...] é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal.  Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvolveu em nossa sociedade” (HOLANDA, 1995, p.146)
	Para sustentar os argumentos da segunda parte do texto, Hespanha utiliza como fontes historiográficas: cartas, como a do diálogo entre dois colonos do século XIX sobre a jurisdição portuguesa e indígena; regimentos como aquele escrito por Tomé de Souza que permitia “guerras justas” contra os indígenas; há ainda os escritos de Domingo de Soto e Francisco de Vitória para análise das diferentes correntes doutrinárias da época, como também os sermões de Padre Antônio Vieira. Além da grande diversidade de obras contemporâneas e obras de época como base bibliográfica.
	No que se refere à parte metodológica, Hespanha, no artigo ora resenhado, procede de maneira conforme àquela que Wehling propõe: o historiador deve ter compromisso com o documento (WEHLING, 2012, p.50). No mesmo sentido, Pietro Costa, em “Soberania, Representação e Democracia” afirma que “a finalidade da historiografia é compreender que coisa um texto diz e como um texto diz aquilo que diz” (COSTA, 2010, p.24). O resultado desse método utilizado pelo grande autor português é o abandono de visões tradicionais das relações jurídico-administrativas entre o império português e suas colônias. Com a palavra, Antônio Manuel Hespanha:
“[...] libertar de algumas imagens historiográficas translatícias, adoptando modelos de análise e pontos de vista que se distanciam dos imaginários nacionalistas e que incorporam perspectivas mais modernas da historiografia geral” (HESPANHA, 2006, p.59).
	
	
REFERENCIAS
COSTA, Pietro. Para que serve a história do direito? Um humilde elogio da inutilidade.In: COSTA, Pietro. Soberania, representação, democracia. Ensaios de história do pensamento jurídico. Curitiba: Juruá, 2010. p. 63-78.
HESPANHA, António Manuel. Direito comum e direito colonial: porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro. Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, n. 35, T. I, 2006. p. 59-68 Disponível em: http://www.centropgm.unifi.it/cache/quaderni/35/0060.pdf Acesso em: 28/05/2015.
HESPANHA, António Manuel. Modalidades e limites do imperialismo jurídico na colonização portuguesa. Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, vol. 41, 2012. Disponível em: http://www.centropgm.unifi.it/cache/quaderni/41/0103.pdf Acesso em: 19/02/2016.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 146
WEHLING, Arno. Consciência crítica [entrevista]. Revista de História da Biblioteca Nacional, n. 80, maio de 2012. p. 50-55.

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