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RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DO MESMO AUTOR: A Religião Ceará— 1874. A Meus Discipulos (Polemica religiosa). Ceará—1875. Livro Popular (Miscellanea de conhecimentos uteis), Ceará—1879 New York, 1881. Educação Elementar noa B. Unidos da N. America. Ceará - 1881. Noticia Chronologica da Educação popular ao Brazil (incompleto). Ceará—1888. Ensino moral e religioso nas Escolas Publicas, Rio—1888. Melo de desenvolver a instrucção primaria aos municípios ruraes, Rio—1884. The Brasilian Language aad its agglutination, Rio—1884. Finances (du Brésíl). Paris- 1889. Resenha Financeira do ex-lmperio. Rio -1890. Projecto de Constituição de um Estado (com varias notas e conceitos politicos; sob O pseudonymo de Agonates), Rio— 1890. A Reforma Monetaria, Rio 1891. Politica a Finanças. Rio—1892. O Meio Circulante Nacional. Rio—1898. A Situação Politica ou a intervenção do Governo Federal nos Estados da União, Rio — 1898. Elementos de Finanças, Rio—1896. Tributação Constitucional. Rio-1896. Regimes Federativo. Rio 1900. Sobre a unidade do direito processual Relatorio ao Congresso Jurídico A m e ricano, Rio—1900. Direito das obrigações (Relatório sobre os arts. 1011-1227 do Proj. do Cod. Brasileiro), Rio—1901. O Arbitramento (no direito internacional, Rio—1901. Taxas Protectoras nas tarifas aduaneiras, Rio—1902, E diversos outros trabalhos, literarios, economicos, juridicos e políticos. RESPONSABILIDADE Cm d o Estado p o r Am a r o Ca v a l c a n t i f)o Instituto dos Advogados Brazíleiros RIO DE JAN EIR O LAEMMERT & C. RUA DO OU V ID O R . 6 6 Casa filial em 8 Paulo 1905 A Escola de Direito da Union Univerasity na Capital do Estado de New York. Dedica o presente livro livro, como um tributo de amor e saudade Amaro Cavalcanti. "Dos 58 alumnos graduandos da turma de 1880-1881 era eu o unico estrangeiro; mas, isso não obstante, além de generosamente distinguido na Class Organization, coube-me ainda a honra de ser o primeiro orador de acto solemne da collação dos grãos. Apenas recebido o diploma academico, apresentado pelo Diretor da Escola à Côrte Supremo, a qual por sua vez me conferio o titulo de "Counsellor at law." Factos desta ordem, em vez de apagarem no espírito, mais se avivam, com o correr dos annos e a distancia dps logares... E, precisamente a sua grata recorda-ção explica a dedicatoria escripta alto desta pagina. a o l e i t o r " Qmié «si #»•** cinta*, niti jttri* civitm”.-Cie. De Rep. I, 93. ■ O titulo do livro indica claramente o objecto, que nos propu- lemot com a sua publicação. Todavia não será, certamente, inútil dizer ao leitor algumas palavras de previa informação sobre o modo particular, segundo o qual encaramos a matéria da < Responsabili dade Civil do Estado. > • Não sendo mais possível admittir, aem protesto, a velha doutrina da irresponsabilidade absoluta do Estado, pela sua repugnância ma nifesta com o moderno conceito desta organisação essencial de direito, proourou-se muito naturalmente aventar e justificar nova theoría que. mantendo embora todas as prerogativas do poder soberano, que o Estado symbolisa,comtudo,não sacrificasse os direitos individuaes, pelo menos, do modo illimitado ou incondicional, como outrora se pretendia.—Dahi oa systemas diversos que, conforme o ponto de vista particular doa autores, ora ampliam, ora restringem, quasi sempre sem um critério assas definido, a responsabilidade do Estado pelos actos dos seus representantes ou funecionarios. Oa systemas engendrados assentam, todos elles, em distineçoes, maia ou menos subtis, que se devem guardar entre oa actos. Uçaes e iUegaes, tteitar e iUiciíos, de império e de gestão, ou ainda, entra actos praticados. sem etdpm ou com ctúpa ou dolo, por parte do respectivo agente ou funecionario. I viu m Semelhantes systemas, é de vêr, não tem podido satisfazer, nem jamais serão capazes de satisfazer, ao postulado geral de direito e de justiça, que a questão involve; desde que começam por distinguir, em principio, o que, somente em dados casos particulares, seria licito fazer, e ainda assim, na oceorrencia de circumstancias espe-ciaes, segundo a razão e fim do próprio facto. Em principio, a única these, possivel de ser affirmada, é esta: « dada a lesão de um direito objectivo, effectivamente adquirido pelo individuo,— do próprio acto lesivo resulta a obrigação de prestar ao lesado uma reparação equivalente.» E' um dever imperativo da justiça natural, e sabidamente consagrado na legislação positiva dos diversos Estados civilisados. Insiste-se, não obstante, em dizer, que o Estado, considerado no seu fim superior, ou na sua qualidade essencial de poder soberano, não se pôde achar igualmente sujeito áquelle grande principio; com petindo-lhe, ao contrario, declarar elle próprio, quaes os actos lesi vos, por que lhe apraz responder, quaes, não ; donde, conseguinte- mente, a impossibilidade de haver uma regra geral, positiva, para essa ordem de relações... É evidente, que o predominio desta doutrina importaria a nega ção, a mais formal, do próprio direito e justiça,—para cuja mantenção e constante garantia, aliás, é, que o Estado existe, como a primeira e a mais poderosa das instituições sociaes. "Soberania" significa sem duvida poder supremo, isto é, a func-ção mais elevada e comprehensiva de todas as mais, que se manifestam na ordem jurídica; mas não, que ella seja absoluta, ou menos sujeita ao direito, do que qualquer outra forma de funcção social. (*) , A soberania exprime as propriedades de uma dada forma de or- ganisação social, a dizer, da sociedade-Estado; mas o direito é o principio de ordem, necessário ás sociedades humanas em todas as suas formas, quaesquer que sejam. Ella significa somente, que o Estado (*) Folgamos de poder dizer, que as idéas, ora sustentadas, quanto ao exercício da soberania do Estado, nada diférem das que havíamos emittido em trabalho anterior (Regimen Federativo, p. f-10.— Rio Janeiro, 1900). «\ IX occupa o primeiro logar; mas é sempre o direito, que lhe deve formar e assegurar o seu próprio fim, assim como o faz com relação ás outras associações diversas. O Estado é, e tem por objecto dar garantia, a maior, e nunca denegada, da condição primordial da própria vida e acção humana collectiva: o direito (die oberste und niemals versagende Burgschaft fiirjene Urbedingung alies menschlichen Zusammenlebens und Zusammenwirkens, die das Beckt ist). O que, por si só, basta, para se não poder jamais apresentar, como argumento, que, em virtude da sua soberania, lhe seja licito considerar-se, sujeito ou não, ás rela ções do direito (Haenel, Deutsches Staatsrecht, §§ 15-16). Em menos palavras: poder soberano, quer dizer, aquelle, que não está sob ás ordens ou fiscalisação de um outro; mas, não, poder juridicamente irresponsável, isto é, que não deva responder pelas lesões do alheio direito: ”Justa imperia sunto” (Cie. De leg. III). — E' certo, que muito embora já consagrado o novo credo do Estado de direito (Rechtsstaat), não falta, todavia, quem ainda per sista em sustentar, na pratica das leis e da jurisprudência, que o Estado, ente politico ou soberano, age em esphera superior ao propiio direito, e que, consequentemente, é irresponsável, si, como tal, violar os direitos individuaes... Tanto pôde, com effeito, a força do dogma tradicional de Estaão-creador do direito! De maneira que ainda agora, temos, bem ou mal, de escolher: ou a continuação da doutrina da irresponsabilidade, que se suppõe justificada em vista da velha concepção do Estado antigo e medieval; jou abraçar resolutamente a nova doutrina da sua responsabilidade geral conforme aos princípios, sobre os quaes assenta a moderna sciencia. Por nossa parte, não podemos deixar de preferir á ultima destas doutrinas. Não comprehendemos o Estadocom direitos anteriores aos dos próprios indivíduos, que o compõem. A expressão mais elevada do seu poder, á que se dá o nome de soberania, ó uma consagração do direito; queremos dizer,— é o di reito, que reoonhece a necessidade do conjuncto das faculdades e isenções, que constituem tamanha attribuição do Estado, por ser, aliás, indispensável á protecção dos próprios direitos individuaes. X / Mesmo, sem nada objectar contra a extensfto dos poderes políti cos ou soberanos do Estado,— desde que é, como pessoa jurídica, ou como sujeito de direitos, que elle é chamado a responder pelas obri gações resultantes dos seus actos, torna-se manifesto, que se não poderá bipartil-o nesta sua qualidade essencial de sujeito de direitos; para declaral-o responsável, ou não, pelos effeitos de ditos actos. Não podendo elle inanifestar-se e agir, senão, pela figura jurídica da representação (hic, p. 270 sg.*), todo acto do representante deve ser considerado logicamente, como acto do representado, e, em conse- quência, o ultimo ficando obrigado a responder pelos effeitos lesivos do acto do primeiro, si os houver, do mesmo modo que é pelo seu in termédio, que aufere as próprias vantagens e proventos — Qui facit per alium facit per se.— Qui sentit commodum, sentire débet et ónus. Ainda que a legislação dos diversos povos careça ainda de dis posições de caracter geral, que assim o declarem, não é menos ver dade, que a responsabilidade do Estado já se acha reconhecida por disposições especiaes, relativas á certos ramos do publico serviço,— e a consciência jurídica moderna reclama, cada vez com maior insis tência, que dita responsabilidade seja consignada, como regra geral do direito positivo, por assim ser necessário ao cumprimento da ver dadeira justiça. Embora institucionalmente privilegiada, como é, a pessoa- Estado, ella tem, como as demais pessoas jurídicas, a sua conduota * s ig l a s d iv e r s a s : H íg (ou Mo—neste livro; 1.—livro; t.— tomo (ou volume da obra citada); tit.— titulo; p.— pagina; sg.— seguintes í Cf.—con fere; ap.—apud; Acc.— Accordam; C. App.—Corte ou Tribunal de Appel- laçao; C. C— Corte de Cassação; C. E.— Conselho de Estado; Const Fed.— Constituição Federal; Consol.— Consolidação das leis civis por Teixeira de Freitas: D. Ger.— Directoria Geral; Gov. Prov.— Governo Provisório da Re publica; P. C. C. —Projecto do código elvil brasileiro (pendente de delibe ração do Senado); T. C—Tribunal dos contactos; S. T. F.— Accordam do Supremo Tribunal Federal (do Brazll); Trib.— Tribunal. — As demais siglas empregadas serão explicadas em notas opportuna- mente. — Nas citações, referentes ao direito romano, seguimos a mesma norma que empregamos nas citações de autores ou códices modernos, isto é, come çando por dizer—o livro, titulo, paragrapho, etc.,em vez do numero indi cativo da lei ou fragmentoA como é de regra mais usual. 4 XI traçada pelas regras do direito objectivo, resultante da natureza da sociedade humana. Além disto, assim como a igualdade dos direitos, assim também a igualdade dos encargos, é hoje fundamental no direito constitu cional dos povos civilisados. Portanto, dado que um individuo seja lesado nos seus direitos, como condição ou necessidade do bem com- mura, segue-se, que os effeitos da lesão, ou os encargos da sua repa ração, devem ser igualmente repartidos por toda a conectividade, isto é, satisfeitos pelo Estado,— afim de que, por este modo, se res tabeleça o equilibrio da justiça commutativa: «Quod omnes tangit, ab omnibus âebet supportari. »> E porque preferir, nesta questão, as linhas curvas da hesitação ou incoherencia, em vez da recta, que a lógica jurídica nos offerece ? — Segui débetpotentia justitiam, non prcecedere (Coke's Inst). Com effeito, no estado actual da razão scientifica o único ponto de partida verdadeiro ó este: o direito é a regra de conducta e pro ceder, tanto dos indivíduos, como do Estado; consequentemente, assim como succede com os indivíduos, assim também deve o Es tado, em principio, responder pelos próprios actos, — salvo si uma razão jurídica superior fizer cessar occasionalmente a sua respon sabilidade. E isto uma vez admittido, já não seria mister tomar em conside ração o exame das varias theorías que, como se disse, distinguem, por maneiras diversas, os actos do Estado, como condição ou crité rio para a solução do problema. Do nosso presente trabalho ver-se-ha, quanto são insufficientes umas, e improcedentes outras, das theorías alludidas... — No entanto, por assim exprimir-nos, não se supponha que, também da nossa parte, obedecemos á preoccupação de reunir do cumentos para comprovar exclusivamente a verdade da doutrina, que professamos. Não. O nosso único empenho foi fazer um livro de inteira bôa fé e imparcialidade, procurando desfarte, ainda que como pars minima, contribuir para o estudo das letras jurídicas em nosso paiz. Desta norma de imparcialidade não nos afastámos, nem mesmo quando, m em capitulo próprio (p. 265 sg.), tivemos de enfeixar, mais accen- tuadamente, as nossas idéas pessoaes sobre o assumpto. Pelo con trario, em cada um dos títulos* «indicação dos systemas », «critica dos systemas », e « pratica dos systemas», encontrará o leitor todas as opiniões, pareceres, considerandos, e argumentos, que expõem ou controvertem as theorias diversas, até agora aventadas, acerca da responsabilidade civil do Estado,— negando-a, ou affirmando-a, se gundo o critério particular do respectivo preopinante. Ainda mais: raramente nos limitámos á enunciar as simples opiniões dos autores, conforme a nossa interpretação particular; em vez disso, servimo-nos, de preferencia, das suas próprias palavras em longas trans-cripções, no intuito declarado de habilitar o leitor a julgar, por si mesmo, da razão ou admissibilidade das conceitos emittidos. Igual procedimento guardámos na «Secção preliminar», trabalho, que nos pareceu conveniente ajuntar; porque, tratando do Estado, como pessoa jurídica, cumpria, .antes de tudo, verificar quaes os princípios, que ora prevalecem sobre esse instituto, segundo ás lições mais recentes da sciencia. — Com estas ligeiras indicações, entregamos o nosso modesto trabalho ao juizo competente dos que considerarèm-no, porventura, digno da sua attenção e leitura. XII # Rio 15-8-1904. IZfcTZDIOE SECÇÃO PRELIMINAR NOÇÕES DA PESSOA JU R ÍD IC A Matérias Paginas (*» §1.° Pessoa physica e pessoa jurídica............................................. 1 § 2.o A pessoa jaridica é uma flxçâo ?............................................ 8 § 3.° A pessoa jurídica não tem razão de ser ? ............................... 20 Primeira theoria.......................................................................... 20 M Segunda theoria...................................................................... ,±\ 27 Critica das theorias........................, .......................................... 32 § 4. o A pessoa jurídica é um ente real ? ............. ,........................... 39 § 5.° Verdadeiro conceito da pessoa jaridica.................................. 57 § 6 .o Espécies da pessoa jurídica...................................... .............. 66 § 7.° Capacidade da pessoa jaridica.......................................................... 74 TITULO PRIMEIRO i INDICAÇÃO DOS SYSTEMAS CAPITULO I Vista geral da questão I. A sua phase actual...................................................................... 91 II. Os systemas principaes................................................................ 99 Órgãos e funccionarios........................................................................ 1 0 1 » Governo. —Administração............................................................................ „ ......... „ 102° (*)Um n sobreposto ao numero indica nota da respectiva pagina. XIV c a p it u l o II Theoria da irresponsabilidade Matérias p»*ioas Theoria da irresponsabilidade segundo Richelmann......................... 106 » » > Bluntschli........................... 108 I » » » Ronne................................ 109" » Wohl, e von Stein........... 109" J » Gabba ........................ > » Lozzi ................... » Mantellini.... _________ » Saredo ................... Rg Argumentos particulares a respeito da irresponsabilidade............... 117 HO . 1 1 0 . 1 1 2 . 115 c a p it u l o III v Theoria da responsabilidade §&ral M O ponto oommum de convergência da doutrina... ......£ .... 1 2 1 , Fundamentos principaes delia............................... ...... i .... 1 2 2 1 » segundo H. Zõpfl........................... ---- n ... ............ ?<i-123 » » B. von Kissling................ ................\ ............ 125 » » Sundheim.......................... A 125» » » Dreyer.............................. ........................%. 126 » » •1 E. Solomo Zachariee........ ......... 9. 1 126a » Pfeiffer....,.'...................... * 127 » Meisterlin e Heffter.......... -rAgçA-- 127» » » F. Schwarze..................... -w. .IIl. 128 » » Schmittbenner................. .. rtte-ftSy 129 » » Strippelmanri................... 129" » » H. A. Zacharise................ .... &.... 130 » » Gerber.............................. 132 n » » Marcadé............................ 135 » » F. Laurent........................ .. m ......... 135 » » A. Batbie..............-............ .. * ......... 136» » » Lorenzo Meucoi................ .. 7»....... 137 » » Chironi.............................. ... A, ...... 142 c a p it u l o IV Theoria ou systema mixto -\Ponto de partida do systema................................. .J\v| à.» ■ MA Theoria ou systema mixto segundo Larombiére___ .;..................... 147 » Citação de De Luca por Mantellini.. »•. 147n I XV Matérias Paginas Theoria ou systema niixto segundo Sourdat..................................... 149 A. Bonasi............................... 163 E. Loening............................. 158 Robert Piloty......................:.' 168 A. Giron... P........ .'................. 177 » Giorgio Qiorgi ...... »! L. Michoud ...... Rònne e Primker.................... 187n » Henri Bail|>y............................ > » » > >«■ » » » » » » » » » » » » »! » » » » .179 . 186 .í* 2 0 0 | TITULO SEGDNDO CRITICA DOS SYSTEMAS CAPITULO I Da irresponsabilidade Argumentos principaes da doutrina...........................■..................... 211 O Estado não tem actos seus próprios............... JbiW...................... 213 O Estado é incapaz de culpa.............................................................. 214 O Estado não autorisa actos illicitos ou illegaes.. .7?.................... 219 O Estado é órgão e tutor do direito.. ,?v.............................. ........ 220 0 Estado não tem fins próprios................................ f . .................... 222 O Estado vêr-se-hia embaraçado na sua acção............................... 224 Conclusão contra a irresponsabilidade absoluta................................ 226 CAPITULO H Da responsabilidade g-eral I. A relação entre o funccionario e o Estado é a do mandato.......... 229 II. No serviço publico se dá a relação do dominus negotii para com o instítor.................................................................................... 232 III. A responsabilidade é consequência do caracter representativo do ' funccionario.....................................................A..................... 234 IV. A responsabilidade do Estado provém da culpa na nomeação ou 1 falta de fiscal isação do funccionario, ou-ainda do dever de obe diência imposto aos particulares para com o funccionario*... 237 Opinião de Piloty a esse respeita......................................£ ............. 241" V. A responsabilidade do Estado provém do seu dever de protecção... 242 XVI CAPITULO III ■ Da responsabilidade segundo o systema mixto Matérias Paginas Em que consiste o systema..............................."................................ 246 Quaes sejam os actos de império....................................................... 248 Opinião de Brémond a esse respeito.. .»*.......................................... 248 Contra os effeitos da lei não se pode pretender indemnisaçãor..... 250 Os actos judiciários também não geram a responsabilidade do Bs- ■ ■ tado............................... %.............................................. •. •........................ 261 Opinião de Loening a esse respeito.................................................... 253a Opinião de Piloty sobre a mesma matéria......................................... 254 Considerações sobre o critério da distincçâo dos actos em geral........ 255 Opinião de Solari a respeito.......................................... • ................... 257° Opinião de Chiroui a respeito.............................................................. 258 Órgãos e funceionarios ou prepostos.................................................... 260 Contradicções de Gabba neste ponto.................................................. 263 CAPITULO IV A doutrina preponderante I I. FUNDAMENTO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE................................. 265 Apreciação do mandato, do institorio, e da representação.......... 26.9 * O que é representação no seu sentido próprio......................... 272 Opinião de Gierke a respeito.................................... À* ............ 273 Quaes são os representantes do Estado ?................................... 273° Elemento objectivo da responsabilidade..................................... 278 Damno material e damno jurídico segundo Vacchelli.............. 279 A lesão de direitos se pode dar por actos legaes....................... 281 Opinião de L. Duguit a respeito................................................. 282 Na omissão a culpa é elemento essencial da responsabilidade... 283 Conclusão sobre o fundamento jurídico da responsabilidade... 284 II. DIREITO REGULADOR DA MATÉRIA................................................... 284 Insufflciencia das disposições do direito privado........................ 288 Exame das disposições do direito publico a respeito................. 292 As disposições do direito administrativo serão bastantes ?....... 297 Qual a natureza do direito complementar de que se carece.... 298 III. LIMITAÇÃO AO PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE.............................. 302 No Estado Romano e medieval........ V... A................................. 303 O principio da responsabilidade apparece desde a idade media. 306 Opinião de diversos autores a respeito........................................ 306" XVII Matérias '4 Paginas Tendência irresistível dos princípios modernos............................311 Qual o caracter da responsabilidade civil do Estado................. 313 Quando e onde deve cessar........................................................ 317 Primeira razão.............................................................* • • 317 Segunda razão..................................................................... 321 Terceira razão.....................................................................* 322 Regras conclusivas da matéria................................................... 326 TITULO TERCEIRO PRATICA DOS SYSTEMAS i CAPITULO I A jurisprudência franceza § 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES........................................................................ 333 Opinião de Lonné sobre os "actos de governo"......................... 384" A doutrina do Caso Blanco firmou a jurisprudência em matéria de competência....................................................................337 Applicação da doutrina da "distincção dos actos".................... 339 Justificativa danão-applicabilidade do direito oommum aos actos da administração................................................................. 342 Razões em contrario.......................................Â......................... 343 Distincção entre culpas do serviço e culpas pessoaes............... 346 § 2.° Casos e decisões............................................................................... « ............ 349 cicios legaes ou isentos de culpa............................................................ 349 а) Actos legislativos................................................................... 349 б ) Actos judiciários..... ................................................................ 351 c) Actos de governo e de administração.................................... 351 d) Desapropriação o occupaçao temporária da propriedade.... 352 e) Actos de policia o segurança publica..................................... 353 ") Medidas sanitárias.................................................... : ........... 357 f) Actos de guerra...................................................................... 360 g) Obras publicas em geral..........................•£**«**................ 3 6 5 Actos Ulicito8 ou iUegaes .. ,a..........................«É> -AAj*............... 3 7 1 I Casos provenientes de relações contractuaes___A............... 372 II Casos provenientes de relações extracontractuaes.. ,*,........ 377 Breve conclusão sobre a jurisprudência franceza....... '..... 382 xvm CAPITULO n A jurisprudência belga Matérias Paginas $ 1.° INDICAÇÕES PRELIMINARES........................................................................ 885 Os actos de poder publico.................................................................... 386 I Actos em que o Estado apparece como pessoa civil..................... 387 Actos de responsabilidade pessoal dos funccionarios................ 388 § 2.° OASOS E DECISÕES......................................................................................... 390 Actos legaes ou isentos de culpa,,.......................................................... 390 a) Actos de policia e segurança publica..................................... 391 b) Actos de guerra.»,................................................................... 391 c) Casos de desapropriação........................................................... 392 d) Obras publicas.......................................................................... 393 Actos illicitos em geral................................................ ! ...................... 396 I Provenientes de relações contractuaes.................................... 396 II Provenientes de relações extracontractuaes............................ 397 Casos de irresponsabilidade declarada........................................ 398 Breve conclusão sobre a jurisprudência belga........................... 400 CAPITULO III A jurisprudência alleman § 1. ° INDICAÇÕES PRELIMINARES........................................................................ 401 Responsabilidade dos funccionarios públicos.............................. 405 Como é considerada a questão da responsabilidade civil do Estado...................................................................................... 407 Opinião de Oito Mayer a respeito............................................... 409" Emendas ao projecto do código civil e disposições, adoptadas neste........................................................................................ 410 § 2.* CASOS E DECISÕES.....................................A............................................... 416 Actos legaes ou isentos de culpa...................fll..................................... 415 Opinião de Gierke e jurisprudência a respeito.......................... 416 a Em particular sobre a desapropriação e outros casos............... 417 Actos illicitos em geral..................................................... ,................. 420 Responsabilidade proveniente de infracções contractuaes......... 420 Responsabilidade proveniente de actos extracontractuaes........ 422 ♦Decisões sobre alguns casos particulares................................... 425 Decisões sobre o caracter jurídico do Yunccionario.................. 428 Decisões sobre a natureza da obrigação, solidaria ou subsi* diária, uo Estado........................................... 429 XIX CAPITULO IV A jurisprudência italiana Matérias Paginas § 1 i ° INDICAÇÕES PRELIMINARES....................................................................... 431 Theoria da distincçao dos actos segundo as próprias decisões. 438 Como se dá a responsabilidade civil do funccionarlo............... 436 § 2.° CASOS E DECISÕES....................................................................................... 439 Actos legaes ou isentos de culpa.......................................................... 439 Desapropriações por utilidade publica....................................... 440 Actos de guerra........................................................................■ 442 Actos de policia ou de segurança publica.................................. 444 Restricçao á irresponsabilidade jure impem.............................. 447 Actos de policia sanitária........................................................... 449 Obras publicas............................................................................ 451 Actos illicitos em geral........................................................................ 455 I Damnos provenientes de relações contractuaes..................• 455 II Damnos provenientes de relações extracontractuaes............ 457 Abandono da theoria da distincçao dos actos............................. 459n Quando se da a responsabilidade do preponente........................ 462 n Ainda sobre a doutrina da distincçao dos actos.......................... 466 CAPITULO V A jurisprudência ingleza e norte-americana § 1.» QUANTO Á INGLATERRA............................................................................. 470 A doutrina ”King can do no ivrong " ............................. # ........... 470 Competência geral do judiciário sobre os actos adminis trativos.................................................................................... 473 Opinião de Dareste a esse respeito............................................ 474 Irresponsabilidade dos juizes ou cortes judiciaes..................... 476* § 2.0 QUANTO AOS ESTADOS-UNDDOS.................................................................. 477 Competência judiciaria sobre os actos da administração publica477 O Estado não pôde ser chamado a juizo sem o seu assen timento....................................................................................... 478 A "Court of claims" e a sua jurisdicção..................................... 480 Resumo da doutrina dominante quanto a responsabilidade civil.......................................................................... ? : ........... 484 Irresponsabilidade dos juizes e cortes....................................... 485 Quando se da a responsabilidade do funocionario administrativo. 486 XX Matérias g 3.0 o bserv a çã o co m plem en ta r ............................................................. { A doutrina da irresponsabilidade é menos jurídica e menos garantidora dos direitos individuaee.................................. A sua explicação é tirada do selfgovernment......................... Exemplo de um caso importante, no qual foi reconhecido o principio da responsabilidade civil do Estado................... c a p i t u l o V a jurisprudência brazileira § 1.° in d ic a ç õ e s pr e l im i n a r e s ........................................................................Privilégios reconhecidos ao Estado pelo direito positivo.......... 0 Contencioso administrativo durante o Império......................... I Que ha na Republica a esse respeito............................................ A irresponsabilidade do Estado nunca prevaleceu no Brazil... A responsabilidade dos funccionarios públicos..».................... Disposições de leis particulares sobre a obrigação de satisfazer os damnos cansados................................................................. Disposições do Projecto do Código Civil a respeito.................. § 2.° casos e decisões..........................' ......................................... A. Damnos provenientes das leis e actos do governo............................. &. Damnos provenientes de medidas policiaes................, ......................... 1 Medidas de segurança propriamente ditas............................. II Medidas de policia sanitária................................................... Demolição de prédios................................................................. Damnos provenientes dos actos de guerra.................................... Damnos provenientes de relações contractuaes.............................. Damnos provenientes de casos diversos......................................... Intelligencia do disposto no art. 82 da Constituição Federal... § 8 .° INTERVENÇÃO JUDICIARIA............................................................. princípios geraes................................................................................... Espécies particulares............................................................................. I Direitos dos funccionarios públicos.............................................. Inconvenientes que podem resultar da intervenção judicial em dados casos.,.................................................... , ..................... Modos de remediar taes inconvenientes...................................... Que se entende por direitos adquiridos....................................... O emprego publico não é um contracto propriamente dito......... Medidas de natureza policial........................................................ Medidas tomadas em estado de sitio. . flAHIAKfiAHflt • • • • Pagina» 487 I 487 489 491 493 493 496 499 499 501 502 506D 509 510 513 513 517 520 n 521 526 534 535 n 537 537 550 550 554 555 667 559 563 565 XXI Matérias Paginas Actos concernentes ás rendas publicas.......................................... 567 Concessões e privilégios................................................................. 570 Qualidade do governo, como parte nos contractos..................... 571 Valor da clausula resólutiva, quando expressa nos contractos.. 583 8 4.° FORMAS DA INTERVENÇÃO JUDICIARIA.................................................... 588 Acções'admittidas em direito............................................................... 588 Interdictos possessórios........................................................................ ' '590 Casos particulares de sua concessão.......................................... 592 Manutenção de lentes da Escola Polyteohnicã........................... 593 n .Leis recentes, que prohibem os interdictos possessórios......... 599 n Cabe esse remédio em favor dos direitos pessoaes ?.................. 603 Decisões contrarias dos Tribunaes a respeito........................... 606 Qual o pensamento da lei n. 221............................................... 616 Explicação final do autor............................................................ 620 NOTA ADDITTVA A' jurisprudência estrangeira Breves considerações em geral.................................................. 623 Áu s t r i a ...................................................................................... 624 Su is s a ......................................................................................... 628 Hespanha .................................................................................... 630 PORTUGAL.................................................................................... 632 Co n c lu sã o .............................................................................. 633 % RESPONSABILIDADE CIVIL - DO E S T A D O SECÇÃO PRELIMINAR NOÇÕES DA PESSOA JURÍDICA § 1.° PESSOA PHYSICA B PESSOA JURÍDICA 1. — N a presente «Secção Prelim inar» não nos propom os fazer um a exposição da doutrina da pessoa jurídica, com pleta em todas as suas partes, mas, tão som ente, occupar-nos das questões concernentes, cujo exam e e elucidação são necessários ao objecto especial do presente estudo, que é — a responsabili dade civil do Estado na lesão dos direitos individuaes por actos dos seus representantes. N a linguagem com m um a palavra pessoa é synonymo de homem, a dizer, o individuo dotado de intelligencia e vontade. Person nennt der rechtjuristische Sprachgebrauch das mit Selbst- bewusstsein und W illensfãhigJceit begabte Individuum . 1 N a linguagem juríd ica , porém , pessoa, não é som ente o hom em ; além delle, é assim considerado igualm ente todo ente capaz de Windsoheid, Lehfbuch ães Panãéktcnréchts, 1.1, § 40, nota 6 . 1 B. c. Q ___ direitos e obrigações. D ahi a divisão, que se faz, entre a pessoa physica ou natural (a creatura hum ana) e a pessoa jurídica, tam bém cham ada m oral ou civil. Inde non raro duo personarum genera distinguunt, naturales nim irum pirsonas, i. e. singuíos homines, et m oralrs seu civiles. i. e. quce personarum loco ha- bentur.% 2 .— As expressões, pessoa moral, civil ou jurídica, são de data relativam ente m oderna. A inda que ao senso pratico dos jurisconsultos rom anos não tivesse escapado que, ao lado dos indivíduos (eorum causa omne ju s constitutum) existiam ou po diam existir outros entes diversos, com o sujeitos de direitos e obrigações próprias, * e se encontre m esm o nos textos do direito escripto a expressão singularis persona, em pregada para designar o homem, por opposição kpopulus, cúria, collegium, cor- pus;6 não se pode, todavia, affirmar, que a palavra pessoa fosse jâ então, applicada a qualquer outro sujeito de direitos, que não o homem. Os textos conhecidos continham tão somente: « Civi- tates enim privatorum loco hàbentur ;6 Hosreditas personai vice fungitur, sicuti m unicipium , et decuria, et societas;1 Ho3reãitas personam defuncti sustinet; etc, etc. E' com o se dissessem : taes sujeitos de direitos, que não o homem, fazem apenas o papel, 2 Warnkõnig, Inat. júris romani privati, § 121; Coelho da Rocha, Imt. de dir. civ. port. §§ 54 e 72 ; La Serna y Montalban, Dereclw Civil y Penal, 1.1, tit. I, § Io; Ribas, Direito Civil Brasileiro, t. II, tit. IV, cap. 2.° 3 Warnkõnig, loc. cit\ Ortolan, Explication Hist. des Instituis, pârfc. I, tit. I. Diz-se pessoa moral ou abstracta (creada pela razão) por opposição á pessoa physica; e pessoa civil, isto ó, creada pela loi, por opposição á pessoa natural, (creaçao da natureza). 4 ... Quod universitati ãebetur, singulis non ãébetur; quod ãébet univer- sitas, singuli non debent. Dig. I. Ill, tit. 4, 7, § 1.° 5 Dig. I. IV, tit. 2, 9, § l.o c Dig. Z. L. tit. 16, 16. 7 Dig. I. XLVI, tit. 1, 22. 8 Dig. Í.XLI, tit. 1,34. 2 ou occupam o logar, da pessoa physica, e nada mais. E rea l m ente, assim se entendeu sem pre na linguagem juríd ica, ainda durante longo espaço de tem po posterior. I O insigne Pothier em pregara a expressão « des êtres intél-lectuels», para designar os entes, aos quaes se dá agora o qualificativo de pessoas juridicas, dizendo a esse respeito: Les corps et communautés établis suivant les lois du royaume sont consideres ãans VEtat comme TENANT LIEU DE PERSONNES, VELUTI PER-SONAM SUSTNENT; car ces corps peuvent,â Vinstar des personnes, aliener, acquerir, posseder des biens, plaider, conttacter, s'óbliger\ obliger les autres envers eux. Ces corps sont DES ÊTRES in te l l e - c td e ls , ãifferents et distincts de toutes les personnes qui les composent: U n iv e r s i ta s d is ta t a s in g d lis .9 E o jurisconsulto inglez B lackstone chegara m esm o a estabelecer um a divisão legal das pessoas, em pessoas naturaes e pessoas artificiaes: «PERSONS ARE D1VIDED BY THE LAW INTO NATDRAL PERSONS OR a r t i f i c i a l ».10 Mas, nem os dois autores citados, nem outros contemporâneos dos mesmos, foram além ; queremos dizer, não ■cogitaram ainda, na sua época, de fundar nenhuma theoria par ticular sobre os entes intellectuaes ou pessoas artificiaes, á cuja existência, aliás, se alludia frequentem ente nos factos da ordem jurídica. 3.— Conform e se vae ver, m esm o presentem ente, subsiste grande disparidade de vistas nos autores acerca do qualifica tivo, mais acertado, que deve ter ess'outro sujeito de direitos, que apparece ao lado das pessoas physicas, i. e. qual o qualifi cativo, que se ajuste ao definido e a élle somente, como se requer em boa lógica. — Pessoa moral, é ainda a expressão mais usada, sobretudo, na litteratura ju ríd ica franceza, com o contraposta á 9 Pothier, Traitédes personnes et des cJioses, tit. VII, n. 210, 10 Blackstone, Commentaries, 1.1, oap. I, n. 123. — 4 — de pessoa physica. Entretanto não satisfaz: a palavra m oral não é abi tom ada no seu sentido mais claro ou ordinário, e nem tão pouco, exprim e a idéa de ficção, quando, no pensam ento dos que a em pregam , o caracter principal ou essencial que se quer dar á pessoa moral, é simplesmente o de um ser im aginário ou fictício. — Pessoa collectiva, é tam bém expressão inexacta, visto como existem pessoas não-naturaes, sem serem entes collectivos. — Pessoa civil, não serve igualm ente : prim eiro, porque as pessoas physicas ou naturaes são juntam ente consideradas, com o pes soas civis; depois, e isto é o m ais im portante, porque com esta expressão se pretende indicar que se trata de pessoa, creada ex clusivam ente pela lei, o que não se pode adm ittir, por contrario àverdade. — Pessoa ficticia , não ainda; visto não se tratar de um a sim pies ficção, como se verá da discussão em seguida sobre este ponto. — Pessoa juriãica, tal é, finalm ente, a expressão de data m ais recente, mas, já agora, geralm ente consagrada pelos diversos autores, sobretudo, na litteratura ju ríd ica allemã. Por ella se quer significar, que se trata de um ente organisado ou form ado em vista da lei e para os fins da ordem ju ríd ica som ente ; e, segundo o que ficou dito, esta ultim a expressão é a que m erece, sem duvida, ser preferida entre todas as outras . 11 3 a. — Dos differentes códigos civis das nações m odernas, a partir do Código Napoleão, promulgados no correr do século passado, nenbum delles, antes do da Republica do Chile (publi cado em 1855) consagrara ainda titulo ou capitulo especial, em que se tratasse das pessoas moraes ou jurídicas, de um a m aneira particular.la 11 E' de ver a respeito : Windscheid, ob. cit., § 49; De Vareilles- Sommières, Les Personnes Morales, ns. 327 seg.; T. de Freitas, Esboço do Código Civil, Parte Geral, 1.1, arts. 17 o 272 seg. e notas %bi. 13O código civil do Chile divide as pessoas era naturaes e jurídicas (art. 545); e tratando em particular das segundas (art. 545 e seg.) declara, — 5 — Entretanto convém ajuntar, que essa om issão por parte dos legisladores nada obstara á que a verdade do facto se realizasse no desenvolvim ento norm al da v ida do direito. C om eífeito, emquanto os commentadores do próprio Código Napoleão na França, não obstante o silencio jleste, adoptaram desde logo nos seus trabalhos a distincção das pessoas, — em pessoas natu-raes 13e pessoas ou entes moraes; — os autores de outros paizes, notadam ente os rom anistas allem ães,14 conseguiram , do seu lado, firmar, com o doutrina clássica, a da divisão das pessoas,— em naturaes ou physicas, e jurídicas; — divisão, que como já se disse, se pode considerar adm ittida pela m aioria dos autores, e, bem assim , na linguagem legislativa dos diversos E stados.15 que estas são de duas espécies — corporações e fundações de beneficência publica. Dito código, porém, commette o equivoco de excluir, no todo, da esphera.do direita civil, segundo o disposto no seu art. 547, o Estado, o fisco, o município, as instituições religiosas, os estabelecimentos costeados pelo erário publico, e as sociedades industriaes,—pelo motivo de se regerem por leis e regulamentos especiaes. Isto nao procede: regidos pelas disposições do código civil ou por leis especiaes, taes institutos não podem deixar de, nas suas relações patrimoniaes, ficarem sujeitos aos principios geraes do direito commum ou civil, como sujeitos de direito. 13 Toullier, (Le droit ci-il français, Introd. I. l,n. 181 seg.): — *sont det êtres moraux et dbstraits»; Troplong, (Dm Contrat de Société, t. I, n. 58 seg.): « personne fictive e morále » .— Cf. Massé et Vergé, Le droit, civil français sur Zachariae Introd. 2. I, § 40-42); — Aubry et Bau, Couis de droit civil français, § 54: « Une personne morále est un être de raison, capdble de posseder un patrimoine, et de devenir le sujet des droits et des obli-gations relatifs aux biens »; etc. u Mackeldey. (Mim. de droit romain, §§ 121 e 147): «TOMÍ ce gui, dam VEtat, outre Vhomme, est regardé comme pouvant acoir des droits prp -\ prés, est, une personne juridique, morále ou fictive»; Savigny, (Traité de droit romain, t. II, § 85 seg.): «On les appelle personnes juridiques, c'est-à-dire,l personnes qui n'existent que pour des fins juridiques, et ces personnes nous apparaissent à cote de 1'individu, oomme sujets de droit»; — Cf. Pfeifer, « Die Lehre von ãen juristischen Personen», apud Windscheid, ob. cit. § 57. 15 Vide: Cod. Civil do Chile, art. 545; - Cod. Civil Argentino, art. 82 seg.; — Cod. Civil da Hespanha, art. 35; — Cod. Civil do Uruguay, art. 21; etc, oto. Pelo que interessa, mais directamente, ao direito civil pátrio, é de notar que as Ordenações do Reino náo qualificam de pessoas as entidades em questão; o termo mais geral, empregado para designal- as, é o de universidades (Ords. I. I, tit. 84, § 3o e l. III, tit. 78, pr. e § 1°).— Mello Freire, na sua obra, Inst. jur. civil is lusitani, só considera pessoa ao homem, dizendo expressamente: Personarum seu hominum jus, quod idem apud nos significai (1. II, § 2o). — Pereira e Souza, no seu Diccion. Juridico, também não julgou necessário escrever nelle os vocábulos —pessoa moral ou jurídica, o que deixa suppôr o não conhecimento da existência de semelhante ente, ao menos debaixo deste nome. No «Repertório das Ordenações e Leis» do Reino de Portugal, dá-se a mesma omissão. Só nos Tratados mais modernos do século passado, taes por exemplo, as «Inst. de dir. civ. port.» de Coelho da Rocha, — o «Direito Civil de Portugal» de Borges Carneiro, — as «Inst. de dir. civ. brasileiro » de Trigo de Loureiro, — o « Curso de dir. civ. brazileiro » de Ribas, — a Consolidação das leis civis» de Texeira de Freitas, — e trabalhos jurídicos posteriores, é, que se encontra a divisão, ora clássica, das pessoas, entre pessoa physica ou natural, e pessoa moral ou jurídica 16 16 T. de Freitas, na Consolidação supradita, havia adoptado, primeiro, a divisão de pessoas singulares ou collectivas; depois (em nota ao art. 40 da 3a edição) substituirá o segundo vocábulo pelo de — universaes, reprovando, por essa occasiao, a classificação adoptada pelo professor Ribas,— de pes soas natwaes e pessoas jurídicas. Entretanto, o mesmo T. de Freitas, no seu « Esboço do Código Civil»,— começando por declarar inexactaa sua an terior divisão, estabelecera: que « as pessoas ou são de existência visível ou de existência tão somente ideal», única classificação verdadeira, accres- centára elle, (Esboço, cit, art. 17); o que, alias, não impedira que o mesmo, mais uma vez emendasse a mão, para dizer no seu « Vocabulário Juridico » : — « As pessoas, ou são naturaes ou jurídicas».— (Appendice n, arts. 2o e 258). Com esta ultima divisão conferem:—F. dos Santos, Proj. de Cod. Civ. Brasileiro e Commentario, arts. 74 e 154; Coelho Rodrigues, Proj. de Cod. Civ. Brasileiro, art.18; Beviláqua, Proj. de Cod. Civ. art. 13 e seg. — 7 — 3 b. — No entanto, embora já consagrada na escola, nas leis, e na pratica, a presença da pessoa jurídica, --o certo é, que, no terreno dos princípios, continua ainda insistente discussão sobre os pontos fundamentaes da sua doutrina, isto é, sobre a sua existência e o seu caracter essencial, ou dizendo em termos mais precisos: — como é que se reálisa a existência da pessoa jurídica; — em que é, que ella consiste effectivãmente, ou de maneira, que possa ser considerada pessoa distincta do ser humano, no uso e goso dos direitos que, aliás, lhe são directamente attribuidos sem a menor contestação..." Ainda em recente trabalho escrevera, a esse respeito, autor M da maior competência: Ma niuno pensi che ladottrina delle per-sone giuridicke, quale si trova esposta anche nelle opere migliori, soddiffi per ora a tutte queste isigeme. Non ve ríha una, in cui la dottrina delle persone giuridicke si trovi svolta nella sua inte-m grita e con la dovuta 18accompagnatura o necessária armonia delia theoria com la pratica. 17 A palavra — pessoa vem do vocábulo latino "persona, " mascara, que indicava a figura ou personagem, que o individuo representava no palco; tinha, como se vô, significação inteiramente analoua áquella, que ora damos á palavra —papel, quando dizemos semelhantemente: — o actor representa ou faz o papel de rei, de juiz, de soldado, etc., segundo o entre cho da respectiva peça theatral. Como ampliação talvez do seu sentido originário, fora a mesma palavra igualmente empregada para designar uma qualidade, ou estado accidental, dos indivíduos, tal por exemplo:—perso- nam induere = tomar a figura de...; — personam alienam ferre = representar a pessoa ou fazer o papel de outrem, etc, etc. Foi certamente nesta significação, que Cícero dissera: « Três personas unus sustineo... meam, adversarii, judieis» (De Oratore). 18 Giorgio Giorgi, Dottrina delle persone giuridiche, t. I, n. 4. — Fi- renze. 1899, 2.» edieione. O autor citado, tendo definido a pessoa jurídica « queWunitá giuridica, la quale risulta da una collectlivitá wmana ordinata stàbUmente a uno o piit scopi di privata o âi pubblica utilitâ: in quanto é distinta dai singoli individui che la compongono, e dotata delia capacita di posseãere e di esercitare ADVEBSUS OMNES i diritti patrimoniali, compatibil- mentealla sua natura, col sussiãio e dincremento dei diritto pubblico », eaddi- I — B justam ente nisto, que vim os de dizer, tem tam bém o leitor a razão porque, antes de entrar no objecto especial do presente estudo, sentim o-nos na necessidade de perlustrar, ainda que a passos largos som ente, o cam po das principaes theorias, que ainda agora se d isputam a posse da verdade, acerca de tão im portante assum pto. N ão se ignora que o Estado, de cuja responsabilidade civil nos vam os occupar, é, antes de tudo, um a pessoa juríd ica; e que, conseguiutem ente, as conclusões a tirar sobre a alludida responsabilidade dependem em muito, senão essencialmente, do ju izo ou intelligencia, que se tenha, sobre a natureza e capa cidade desse sujeito particu lar de obrigações e direitos. § 2.° A PESSOA JURÍDICA É UMA FICÇÃO ? 4.— A theoria que, antes de qualquer outra, se apresentara, bem definida e ensinada, para explicar as relações e factos concernentes aos dem ais sujeitos de direitos, que, alem das pes soas physicas, concorrem , activa e passivam ente, na ordem ju rídica, foi, sabidam ente, a da personalidade Jicticia. Como se vio, os textos romanos diziam apenas — « vicem personce sustinent...» Era com o, si os m esm os declarassem : taes sujeitos não são realm ente pessoas (porque segundo o direito rom ano, pessoa, só era o hom em livre, para excluir o próprio escravo, considerado como cousa); mas, por m otivo ou razões de publica utilidade, são elles adm ittidos a fazer as vezes destas. tando logo em seguida, que ninguém até agora havia dado uma definição exacta da pessoa jurídica; — dera, como razão de semelhante falta, a giove- nezza delia domina, que não havia ainda chegado á sua madureza,— não se encontrando, mesmo, phrase alguma, que exprimisse genericamente o con ceito da personalidade jurídica, antes do século 18.° (oh. cit., ns. 13,24 e 24 bis). — 9 — Ora, não é difficil perceber que, dahi para chegar á idéa, aliás, negativa da fic ç ã o ,19 não faltava, senão com pletar o pensam ento e adoptar o vocábulo, que a devesse exprimir: foi o que fizeram os cultores do direito. A expressão em pregada de —pessoa fictícia, si não vem do direito canónico e dos glosadores da idade media, como se tem pretendido, ella já apparece, todavia, em docum entos de datas assas rem otas : Fidos personas dicuntur universitates, civitates, pagi, collegia, corpora, quce personas vice funguntur, dizia Lau- terbach; * depois delle, diversos outros escriptores, nom ea dam ente, M iihlenbruch, se serviram de vocábulos idênticos ao occupar-se do assumpto.— «Metas personas eas appellamusquce, cum in óculos non incurrant, tamen mente et cogitatione infor- 21mantur, tamquam personce... . Coube, porém, á mentalidade creadora de Savigny, não só, estabelecer a theoria da pessoa fic ticia , mas tam bém ainda, apresentando-a sob a apparencia de valor scientifico, conseguir que a m esm a se tornasse a doutrina da escola, tanto na A llem anha, com o nos outros paizes da Europa e da A m erica . 22 N ão será m ister entrar em longos arrazoados para expor os fundam entos desta theoria. — Admittindo, que só o hom em é pessoa real, não se pode explicar, senão por simples ficção, ess'outra personalidade sui generis, que a lei attribue a outros seres diíFerentes. O legis 10 Oiorgi, ob. cit., n. 18 eseg. 20 Lauterbaeh, Collegjum' theoreticwm-praticum aã libros Pandectn- rum, — ” D e Legatis ”, § 7. Ttib. 1690-1711. 21 Mublenbrueh, Doctrina Pandect. § 196.— Hal. 1823-1825. 23 Nao é preciso apoiar a proposição' supra em documentos. No Brazil, a doutrina da,ficção fora sempre a ensinada nas nossas Escolas Jnridicas. — Vide: Ribas, C. de dir. civ. bras., t. II, p. 6 e 108, seg. — 10 I lador suppõe, apenas, em vista do interesse geral, a existência de um a pessoa fictícia; — mas a trata, com o si fosse um a pessoa real. Aqui temos em breves palavras,— o que é, ou antes, em que consiste a doutrina da pessoa m oral ou juríd ica, definida por Savigny: « um sujeito de direitos, creado artificialmente». * 4 a. — A pessoa juríd ica, ensina W indscheid, não é um ente real, mas apenas representada e tratada, com o tal, por ser sujeito de obrigações e direitos — « Eine juristische Person ist eine n icht w irklicU existirende, nur vorgestellte Person, tvelche ais Suhject von Rechten und Verbindlichkeiten behandelt w ird ».u Por sua vez, F. Laurent, accentúa: « Ce qui caractã'ise les personnes dites civiles, c ’est qiCelles sont des FICTIONS CRÉEB PAR LA LOI, et que le legislateur a seul le âroit de crêer. I I riy a pas dejiction sans loi; àplus fo r te raison,pas d ê tre fic tif la p lus impossible des fictions... La fiction sur laquelle reposent les p er sonnes civiles consiste en ce que le legislateur donne des droits a certains corps ou établissements, dans un interêtsocial. Ces droits se confondent avec la charge que leur est imposée, et endehors de\ laquelle ils n'existent pas. D onc les personnes dites CIVILES ne peuvent réclamer ã'autres droits que ceux que la loi leur accorde. L es hom m es s e o ls o n t d e s d r o i t s ».25 28 Savigny, Traité de droit rom., § 85; — Cf. Mackeldey, Man. de âroit romain, §§ 121 e 147 ; — Maynz, Cours de droit tom., §§ 96 e 107 ; — Mi- choud, La notion de personálitémorále, p. 4 e seg. 24 Windscheid, Eanâbuch des Pandektenrechts, § 57. 25 P. Laurent, Cours Elem.de droit civil, JÍ. 54.—Aubry et Rau, Cours de droit civil frança is: « Les personnes sont ou physiques ou nwrales, suivant que leur individualité est Vasuure de la nature ou ne repose que sur une abstrac- tion juridique »(§ 62 in fine). B mais adiante: < Unepersonnemorále est un être de raison capable de possáler un patrimoine, et de devenir le sujet des droits — 11 — N ão é preciso ajuntar mais citações nem invocar outros autores, para ter-se um ju izo claro acerca da theoria da ficção (Fictionstheorie), tam bém dita, tlieoria da personificação (Per- sonificationstlieorie). Segundo á m esm a, a pessoa ju ríd ica não tem, realm ente, existência; é alei que crêa uma,ficção debaixo deste nom e, para facilitar a execução de certos actos e factos da ordem juríd ica, e nada mais. E no entanto, a esse ente de pura ficção, â essa pessoa, que nada ê, se reconhecem na vida social, excepção apenas feita dos direitos de fam ília, todos os demais, com o si fora a pessoa natural, a dizer, o homem! 26 5.— Ora, é cousa evidente por si m esm a, que o que não existe, é ipso fa c to incapaz de ter direitos próprios, obrigações próprias, exclusivas, ou de ser sujeito de qualquer outra relação apreciável pela intelligencia hum ana. Procede, portanto, nesta parte a argum entação synthetica, form ulada por De V areilles- Som m ières, quando, referindo-se á questão, disse perem ptoria- mente: «E' de ver, que semelhante ju izo écontradictorio em seus termos. Pessoa fic tíc ia não éum a pessoa; um a vez que è fictícia; o que é fictício, é nada. O ju izo se reduz a isto: a pessoa, que não é, é. A razão declara, que si a pessoa m oral é um a pessoa fictícia, não pôde a m esm a ser classificada entre as pessoas» .27 E' certo que, diante de conclusões, tão dissatisfactorias aos olhos do sim ples bom senso, os partidários da Fictionstheorie replicam logo indignados : Que, segundo á sua doutrina, não se diz, que a pessoa ju ríd ica seja um nada imaginário et fies óbligatiom rélatifs aux biens. VEtat constitue, ãe piem ãroit, une\ personne moralt. Aucune autre personne morale nepeut se former ou s'étáblir\ au sein de VEtat, sans la reconnaissanee formelle ou tacite ãe la puissancepu- blique» (§54). 20 Vide : Van-Wetter, Cours Elem, de ãroit rom. t.I, § 54, V. 27 De Vareilles-Sommières, Les Perscnnes Morales, n. 15, e passim. — 12 (ein e in g b b i ld e te s N ic iits ); pelo contrario, ella reconhece que a corporação, assim com o a fundação, é algum a cousa efectiva- mente real;— Que, de certo, não é um a pessoa; mas é um a personalidade fig u ra d a .— «Jede Corporation undjede Stiftung \is t ettvas sehr Wirkliches, áber keine Person. F ingirt w irãnur die Personen qualitãt».A Com prehende-se bem a precaução de taes reservas era vista do absurdo, á que, sem ellas, ficaria desde logo reduzida a cham ada Fictionstheorie... A explicação, porém , não satisfaz; servindo, apenas, para tornar patente, que se gastam esforços baldados em favor de um a doutrina, que, nem siquer, pode ser entendida na accepção lógica dos próprios term os, por ella em pregados, porque estes levariam , desde logo, á sim ples contra- d icção e ao absurdo I Si a ficção, á que se soccorrem, nada constroe ou explica, m elhor fora abandonal-a no todo. C om effeito, reconhecer que as pessoas juríd icas de direito publico, taes com o o Estado e o M unicípio, assim com o as de direito privado, taes com o a asso ciação e a fundação, legitim am ente constituídas, são sujeitos de direitos e obrigações p e r se, distinctas das pessoas naturaes que nellas concorrem ou são interessadas; podendo as prim eiras levantar e sustentar os seus direitos próprios, m esm o em opposição aos das segundas; e ao m esm o tem po, declarar, que ditas pessoas jurídicas não passam de ficção da lei, sem a menor realidade possível, — é fazer sim plesm ente duas affirm ações inúteis, que não precisam ser refutadas, porque ellas se repel- lem e se destroem por si mesm as. Por consequência, é forçoso escolher entre os dous termos: ou a realidade, ou a ficção , da pessoa jurídica. 23 Windscheid, ob. cit., § 49, nota 8.— Cf. Glorgl, ob. cit., n. 15, p. 25 26. — 13 — E com o a u ltim a destas theorias é a que tem subsistido, com o doutrina, mais geral ou predom inante, é nosso dever in sistir ainda, por um pouco, na dem onstração da sua sem -razão ou falsidade . 20 6 . — A prim eira objecção, que se lhe tem feito, e, sem du vida, de força bastante para derrocar todo o seu prestigio, é: que ella é im potente ou inhtil para resolver o problem a posto. • Este consiste em saber, com o definir ou qualificar devidam ente a pertenção positiva de bens que, não cabendo aos indivíduos, tem, todavia, um a tal razão de ser, que jam ais deixou de ser adm ittida em todas as épocas da historia. « D izer que esses bens . pertencem á um a pessoa fictícia, é o m esm o que dizer, em bora em term os disfarçados, queelles não pertencem a ninguém . Si não se comprehende a existência de. um direito, sem haver um su je ito que delle seja o titular; certo, não se explica esta existência, attribuindo-se o direito a um sujeito fictício ; pelo contrario, se confessa, por isto m esm o, que o direito não tem sujeito real... A ficção pôde servir em direito para sim plificar ou facilitar a explicação de certas theorias jurid icas; mas, por si mesm a, nada resolve; conseguintem ente, onde se dá a falta de um a con dição essencial, ella é im potente para suppril-a».80a 7. — A segunda objecção é tão fundam ental, com o a pri meira. Não é exacto, que a pessoa jurídica, (dita pessoa ficticia) seja creação da lei. As leis, si não são as relações necessárias, 20 Ainda que combatida, do certo tempo ã esta parte, a theoria da ficção conta, não obstante, os mais distinctos nomes entre os seus partida- J rios; e é por isto, que o seu predomínio continua, como aliás reconhecem os próprios adversários delia. — Giorgi, ob. cit., t. I, p. 24. 30 Miohoud, loc. cit., p. 6 .— Este autor segue, de preferencia, as idéas de Zitelmann (Begri/f wnd Wesen der sog. . jur. Personen) sobre a questão. »• Ibidem. — 14 que derivam da natureza das cousas, com o ensina M ontes- quieu , 81 n inguém desconhece, que ellas tem por objecto, regular os factos e relações da v ida social, em vista do interesse com m um , ou para os fins do bem publico e privado. N ão está, porém , no poder da lei ou do legislador crear ente algum , e m uito menos, um a ficção, porque seria praticar um acto vão ou inútil. L egislar é ordenar, é perraittir, é prohibir, é dispor ou regular *, mas não é, de form a algum a, crear, á vontade, novos sujeitos de direitos para a v ida social. A expressão crear, em pregada nos actos legislativos, é inteiram ente m etaphorica: as cousas ou relações preexistem ao acto; o que este faz, é dar-lhes um destino especial ou regulal-o de um modo, que, na occasião parece conveniente ou necessário aos olhos do legislador... D iz-se pessoa jurídica, não por ser um a ficção creada pela lei, mas porque existe para os fins juríd icos, que m otivaram a sua instituição ou existência. N ão ha duvida, que a lei pôde e deve intervir para conhecerdas qualidades necessárias á ex is tência ou a certas funcções da pessoa juríd ica. E porque assim não fazel-o, si a lei in tervém do m esm o m odo com relação á pessoa physica ou natural, dictando as condições, em que ella pode agir na ordem juríd ica, e representar nella pessoas diver sas ** (plures personas sustinet) ? Ora, supponha-se a associação. E sta pôde ser institu ída ou form ada, usando os indivíduos da sua faculdade natural de fazer convenções ou contractos. 31 L' Esprit ães lois, l. I, cap. I. 33 Mackeldey, ob. cit., § 122; Maynz, ob. cit., § 96. Diz este autor: Le nieme mot (persona) sert également à designer la capacite d'avoir des droits en general ou d'avoir et d'exercer tel droit determine. Cest dans ce dernier sens qu'on dit qu'un homme peut s u s t i k e r e p l u r e s p e r s o n a s . Ainsi, dans le fonctionnaire de 1'Etat on peut distinguer la qualité de per sonne publique et celle du particulier ; un tuteur peut agir, soit pour lui- mêrae, soit pour son pupille, etc, etc. — B' o mesmo pensamento de Toul- — 15 Supponha-se do mesmo modo a fundação. Que impede que um ou mais indivíduos, usando igualmente do seu direito incon-traetavel de dispor de seus bens, pela doação ou por outro meio, dêem a estes um fim determinado de beneficência ou utilidade publica ? 33 O que a lei ou o legislador faz, e com a competência que lhe é própria, é — declarar os requisitos da existência legal das pessoas jurídicas em geral, ou de certa classe destas pessoas em particular; — isto succede, principalmente, com as sociedades anonymas e com as fundações, já em vista da importância de taes pessoas e dos fins, que se propõem, já em vista das garantias de direito que cumpre assegurar aos terceiros, que se achem lier (Le Droit Civil Français, Introd. 1.1, n. 181 seg ), considerando a pes soa, por assim dizer, como synonymo de status, e portanto, podendo existir diversas no individuo singular, assim como, vários individuos podem cons tituir uma só pessoa: « Le mênie indiviáu peut représenter plusieurs person nes: il peut être magistrat, pére, mari, et exercer tous les ãroils attachès a ce* trois personnes dam Vordre publique et ãans Vordre prive. Au contraire plusieurs personnes peuvent ne constituer qu' une seule personne; teU sont les corps politiques appeUés en droit UNIVERSITATES, COLLEGIA, etc. Choque com- tnune, par exemple, forme un corps politique qui n' est considere'que comme une teule personne » (loo. cit., n. 128). I 33 Deixamos de reforir-nos neste particular ás pessoas jurídicas de direito publico, notadamente ao Estado, porque a discussão sobre a creação ou formação especial das mesmas nos levaria muito longe ; apenas obser varemos, que não é a lei, que crea o Estado, de maneira alguma. A lei é uma consequência da existência do Estado. Seja elle uma associação neces sária, ou não, alei a- suppõe preexistente, e não faz, senão, regulamen tada ou Hmital-a. Facto idêntico se nota com as outras aggremiações que tem personalidade própria, algumas das quaes são historicamente anterio res ao Estado, e a raorparte tem uma formação análoga. Constituídas pela força das cousas, ou pela vontade de seus membros, a lei não intervém ahi, senão, para regular, em dados casos, as relações jurídicas, que lhes deram nascimento, e depois, as relações jurídicas da aggremiação já constituída. Ella as encara, como as demais relações humanas, e se limita a dar-lhes a formula legal, que parece mais apropriada á sua destinação. — Vide: Mi- chourt, loc%_cit., p. 1 1 o seg. — 16 — em relações juríd icas com esses institutos. Essa intervenção do legislador não é a de creadoT, mas a de regulador ou lega- lisaâor, em attenção ao interesse geral da sociedade. E não se pense que, m esm o no desem penho desta attribuição, caiba ao legislador um poder arbitrário. E m boa razão elle não deve, nem pode, negar o seu reconhecim ento de legalidade, senão, ao que for illicito ou incapaz de satisfazer aos seus fins, de accordo com o interesse geral ou da ordem juríd ica. Tratando-se, por exem plo, da associação, diz M ichoud, a lei seria infiel ã sua m issão, si recusasse, arbitrariam ente, ou por falta de sym patuia para com o objecto, aliás licito, que se propõem os associados, — a considerar a aggrem iação, com o sujeito de direitos, desde que, no pensam ento dos seus membros, tivesse ella um patrim ó- nio próprio e interesses distinctos dos interesses individuaes . 84 A lei pode prohibir, jà se disse, o que for illicito; pode ainda, m uito em bora com o m edida de excepção, vedar a form a ção de tal ou tal instituto, o desenvolvim ento ou a execução de actos e factos, dos quaes se receie um m al de caracter geral ou um perigo para a ordem publica; mas, passar alem, seria deixar de ser a lei, para tornar-se a violência e o arb ítrio . 35 Em um a palavra, qualquer que seja a intervenção que ao legislador deva em boa razão com petir, não se pode, por isso, adm ittir a propo sição,— de que a pessoa jurídica seja um a simples creação da lei; porque isto levaria á consequências m anifestam ente tyranicas. D esde que não se trata de um direito a exercer, mas de um favor ou graça, do poder publico, nada im pede que este o faça, recuse, ou annulle-o, depois de feito, ao seu livre arb ítrio . 36 84 Michoud, loc. cit., p. 13-16. 35 Ibidem. 36 Com toda a razão diz Vareilles-Sommièros : O príncipe, que pode, por seu capricho, crear, ou não, a pessoa fictícia real, pode do mesmo modomantel-a ou supprirail-a; e supprimindo-a, pode apoderar-se dos seus — 17 — Não ; esta não pode ser a verdade do facto. O poder publico des em penha, no caso, um papel análogo ao que lhe com pete, com o regulador do exercício e goso dos direitos das pessoas physi- cas, taes como, do menor, do inter dieta, do cônjuge, do pae, do patrão, do proprietário ou possuidor, etc, etc, ou em outras pa lavras : — o que a lei faz, relativam ente à pessoa jurídica, assim com o relativam ente á pessoa physica (o homem) é, constatada a existência de certas relações,— declarar quaes as condições ou norm as exigíveis, pelas quaes, determ inado sujeito possa agir ou gosar de taes e taes direitos na ordem social. M esm o no que respeita aos estabelecim entos de caracter publico, revestidos de personalidade ju ríd ica ,— esta lhe resulta, antes de tudo, da organisação particular que recebem, e não da creação da lei. São, por assim dizer, porções da própria organisação publica geral, já existente, do Estado, que agora se destacam ão todo, e seespe- cialisam ou se constituem em corpos distinctos, com um patri- m ónio próprio e interesses separados; e dahi o fundam ento real da nova personalidade jurídica. Pelo facto de o poder publico intervir, declarando que tal instituto se acha dotado de personalidade juríd ica, e tal outro, não,— não se pode, sem m ais exam e, inferir que o dito poder é que crea essa personalidade. O que se dá realm ente, é o reco nhecim ento legal da pessoa jurídica, em vista de concorrerem nella os requisitos da lei. Fallando desta sorte, não se pretende negar que os esta belecim entos públicos e instituições análogas não devam, em regra, a sua form ação, ou creação, si o quizerem , á deliberação do poder publico. À ttenda-se, porém , que, poder publico aqui é synonimo de Estado, e este é, antes de tudo, a pessoa jurídica bens, e, conseguintemente, extinguir a pessoa.— ”Les Personnes Morales” n, 107 sg. O autor citado se referira especialmente, neste trecho, à pessoa ju ríd ica da fundação. — 18 — "por excellencia";87 e, nesta qualidade, principalmente, não seria licito negar «lhe o direito de fundar, por si só, institutos dotados de personalidade jurídica, ou de concorrer, para a for mação dos mesmos, em união comas pessoas puysicas ou com outras pessoas jurídicas já existentes.38 f1 8.—Existe, finalmente, maisnma consideração importante, que não devemos omittir, em desabono da theoria da ficção. 87 Bluntschli, Le droit intemational codifié, l. II, n. 17, 1. 88 Michoud, loc. cit., p. 16. — Coraprehende-se bem, que não ha da nossa parte o intuito de examinar, como e até onde, se deva dar a inter venção da lei ou do poder publico, como elemento extrínseco ou formal da pessoa jurídica. Esta intervenção, não se ignora, se dá boje geralmente, e, segundo a legislação dos differentes povos, por modos diversos. EUa já apparecia no direito romano, como condição, para que a universitas ou cor pus tivesse existência legal, ao tempo do Império (.. .paucis admodum in \casis concessa sunt hujusmodi corpora... Dig. I. IQ, tit. 4); e nos tempos modernos, escriptores dos mais disti netos a recommendara, como necessária; assim suecede realmente na pratica dos Estados da mais adiantada cultura jurídica, taes como, a França, a Bélgica, a Itália, a Állemanha, etc., etc. Domat ensinava: H n'y a que le souverain qui puisse donner ces per- músions et approuver les corps et communautés (Droit Public, 1.1, tit. 2, sect. 2 ); Laurent o afflrma igualmente no trecho, de que já se fez menção, (n. 4 a) e, em outra parte, repete emphaticamente : «JLe legislateur seul peut créer les personnes cioiles... A la voiac du legislatew un êtrê sort du néant, et figure sur un certain pied oVegalité â cote des êtres reéls crées par Dieu * \ \(Principes, I, 288). De maneira idêntica também se exprimem: — Frère-Orban (La main- morte et la chaHté, part. I, IV);—Vauthier (Etude sur les personnes morales dam le droit romain et dam le droit françai», p. 286);— Massé et Vergé sur Zacharise {Le droit civil français, §§ 40 e 260); — Planiol (Traité Elem. de droit civil, n. 1994 seg.), e muitos outros. A despeito, porém, de tamanhas autoridades, persistimos em não ad- mittir, como correcta e verdadeira, a opinião, — de que é a lei ou o poder publico, que crea a pessoa juridica. Pelo menos, seria forçoso abrir uma ex- cepção para a pessoa juridica — Estado; porquanto, sabidamente, o Estado não é uma creação da lei, como já se observou em outro logar (nota 33). T — 19 — Já se sabe que, segando essa theoria, a pessoa jurídica carece de realidade na ordem social; mas, isto não obstante, se lhe attribue a propriedade exclusiva de cousas ou bens e direitos, e bem assim, & responsabilidade, não só, resultante de obrigações convencionaes, como ainda, a proveniente de actos illicitos. Mas, como é, que um ente fictício pode exercer, effectiva- mente, os direitos da posse e domínio, digamos, de bens immo-veis, — contrapondo-os, as vezes, aos próprios indivíduos, que são coparticipautes ou componentes delle, ou a terceiros? Como obrigar uma entidade meramente supposta a responder por obrigações, já não dizemos, — as contractnaes, mas as resultantes dos actos illicitos, que ella seria incapaz de praticar ? Dirão: pelo meio, aliás, fácil e conhecido, da representação, consagrada nas leis em beneficio das pessoas incapazes em geral. Sim ; não se ignora o meio indicado. Mas a representação suppôe necessariamente uma pessoa representada ; e não seria preciso accrescentar, que -' representar uma ficção ", é agir em nome do nada, ao qual, é impossível, senão, manifesto contra- senso, —reconhecer direitos e obrigações.. .39 89 T. de Freitas, combatendo a expressão de pessoas fictícias, disse : « por que é faiso que haja ficção alguma, e nem em outro qualquer caso o direito carece de ficções... O mesmo Savigny, e quasi todos os eseripto- res reputam essas pessoas como fictícias; mas esta qualificação devo ser rejeitada, e de que admira que a sciencia já não esteja expurgada. Ha nisto uma preoccupação ; para alguns, porque suppõem que não ha realidade, senão na matéria, ou só naquillo que se mostra acoessivel â acção dos sentidos; para outros, por causa das ficções do direito romano, com as quaes o pretor ia reformando o direito existente e attendendo as neces sidades novas, simulando, porém, que o não alterava. O Estado é a pri meira das pessoas de existência ideal, é a pessoa fundamental do direito publico, á sombra da qual existem todas as outras ; e quem ousará dizer que o Estado é uma ficção?».— Esboço do cod. civil, notas aos artigos 17 e 273. —Rio, 1865. — 20 — D iante desta incongruência, para não dizer, absurdo pa tente, da theoria da ficção, fora im possível não cogitar de outras que offerecessem solução mais acceitavel do problema. Dahi, as duas novas concepções, de que em seguida nos vam os occupar, e que, no entender de alguns autores, *° tiram , aliás, origem , ao m enos occasional, da própria theoria da ficção. Por um a se pretende, que não ha outros sujeitos de direito, além das pessoas physicas, a dizer, o hom em ;— por outra, dispensada a interven ção dessa pessoa fictícia, por inútil, se pretende, que as próprias cousas, em dadas condições, podem ser verdadeiros sujeitos de direitos e obrigações . * 1 § 3.° A PESSOA JURÍDICA NÃO TEM RAZÃO DE SER? 9. — P r im e ira t h e o r i a : Às chamadas pessoas jurídicas, nem existem , nem ha razão para a sua existência; são apenas aspectos ou m odalidades apparentes das pessoas physicas (quorum gratiâ ju s constitutum est). Ouçam os a respeito, antes de qualquer outro, a um es- criptor, guasipatrio , o autor do Projecto do Código Civil Por- tuguez: O direito, diz elle, é um a relação ideal, que tem por p rin cipio e fim, e por agente, unicam ente o hom em . As cousas em 40 Michoud, loc. cit., p. 6 seg.; De Vareilles-Sommières. loc. cit.,1 n. 137 seg. 41 No empenho de explicar a doutrina da ficção tem alguns autores recorrido a modos, mais ou menos engenhosos, — formando, conseguinte - mente, espécies theoricas., hoje conhecidas debaixo de denominações diver sas, taes como:— "Personenrolle” (Bõhlau, Rechtssubject und Personen- roUe, — Weimar 1871; Randa, Der Besitz mit Einschhiss der BesitzTãagen\ 1879);—” Personifikation des Zweckes ” (Windscheid, Pandekten. § 49 e 57; Baron, Pandekten, § 29-30). Examinando-se, porém, de perto, veriflca-se que estas e outras theorias análogas são, no fundo, tuna só cousa, muito embora sob nomes differentes.— Vide: Giorgi, ob. cit, n. 16. — 21 — si podem ser objecto de direitos, mas não sujeitos de direitos. No desenvolvimento de sua vida jurídica, o hom em apresenta-se debaixo de differentes aspectos : prim eiram ente como individuo isolado, em segundo logar como individuo unido com outros, ou associado; em terceiro logar com o individuo, perpetuando o im pério da sua vontade no tem po e no espaço a favor da garantia da lei, representativam ente na pessoa doutros indivíduos. M as sempre e em todo o caso é o homem, e só elle, que na realidade apparece com o sujeito de direitos. Percorramos agora cada um a das cham adas pessoas m oraes... O Estado: Que é, senão a reu nião de indivíduos, a sociedade representada nos seus agentes ? As corporações e associações: Que são, senão os mesmos indiví duos, unidos por certo interesse? Os estabelecimentos de caridade e instrucção ? Que ha ahi que possa dizer-se sujeito de direitos, senão os mesmos interessados na fundação, representados pelos gerentes dos m esm os estabelecim entos ?... » 42 E proseguindo no desenvolvimento destes conceitos, o citado autor não duvidou affrm ar, que nohospital, por exemplo, os sujeitos dos direitos são os doentes,— «únicos a quem os bens verdadeiramente pertencem, m ediante a adm inistração e applicação estabelecidas».43 10.— E m accordo com estas idéas, sustentadas por Seabra, ha perto de cincoenta annos, se m ostram tam bém agora, entre outros, dous escriptores, dos m ais distinctos da actualidade,
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