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1 2 Marco Evangelista Direito CIVIL sem estresse! 3.a edição Manaus 2013 3 Copyright 2013 © ArkiUltra O conteúdo desta obra é de responsabilidade do autor, proprietário do direito autoral. Capa: Sérgio Bemfica Ilustrações: Marco Evangelista _______________________________________________ Evangelista, Marco Direito Civil sem estresse! – 3.a edição Evangelista – Manaus: 2013 ISBN 1. Direito civil 2. Direito civil – Brasil I. Título CDD-347 ______________________________________________ Índice para catálogo sistemático: 1. Direito civil 347 2. Direito privado 347 www.EvangeBlog.com www.ArkiUltra.com www.marcoevangelista.com.br http://www.evangeblog.com/ http://www.arkiultra.com/ http://www.marcoevangelista.com.br/ 4 Aos Evangelistas: Antonio Zená Marcus Mariana Marcus Filho Marina Manuela Sou grato a João Freire da Cunha Filho (i.m.) Paulo Ferraz (i.m) e Regina Ferraz Pelo apoio dado ao meu início de carreira na advocacia, em 1998. “Ele não sabia que era impossível, foi lá e fez”. (anônimo) 5 APRESENTAÇÃO DA TERCEIRA EDIÇÃO Desde a segunda edição, muitas mudanças ocorreram; algumas drásticas e quase inimagináveis, como a possibilidade do divórcio imediato. Não houve um só dia sequer sem que eu fosse perguntado sobre quando haveria uma nova edição desta obra. Soube que o “Sem estresse!” figurava dentre os livros mais emprestados nas bibliotecas, incluindo as faculdades onde eu nem ministro aulas. Tudo isso me deu a certeza de que eu acertei o alvo: escrever um livro de direito livre de “frescuras retóricas”. Não temos nem nunca tivemos a pretensão de sermos o melhor ou maior livro de direito civil; de saída, temos consciência de nossas limitações cognitivas quanto à matéria, mas, já que não tenho o maior ou o melhor livro, teria que ter um diferente; foi o que fiz. Nesta obra o leitor terá a impressão de que está sentado comigo em uma mesa de bar, conversando informalmente sobre os assuntos aqui tratados, sem firulas ou sem demonstrações desnecessárias de erudição. Costumo dizer aos meus alunos nas faculdades para nunca se prenderem a um autor só. Um doutrinador, seja quem for, não tem a verdade; muito menos no direito. Digo aos alunos para lerem no mínimo três livros sobre cada matéria e que formem seu conhecimento pela média do que leem; só assim o direito mantém-se em movimento. Todo conhecimento “macaqueado” é burro. Atualizei alguns capítulos, reescrevi outros e elaborei alguns novos. A forma dos capítulos mudou; todavia, quanto ao conteúdo, a maior mudança está no direito de família, que inclusive triplicou de tamanho na nova edição. Ao final da obra colocamos uma lista com todos os prazos do Código Civil, compilada por nós, para estudo. Agora temos um blog (www.EvangeBlog.com) onde podemos postar atualizações imediatas; e esta edição é a primeira a ser publicada em formato eletrônico, esperando ver no mundo virtual a grande aceitação que teve nas livrarias físicas. APRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO (2006) Esta obra nasceu em sala de aula. Os gráficos que se encontram nesta obra são repetições daqueles criados e utilizados por mim ao longo de aulas em cursos superiores e em cursinhos preparatórios. http://www.evangeblog.com/ 6 Os textos são "transcrições" de aulas e dicas que ministrei, igualmente, nas classes. Despojados de maiores pretensões, nosso desejo é levar ao leitor o conhecimento básico do direito civil brasileiro, o qual esquematizamos e explicamos com macetes, gráficos e desenhos elaborados por nós. Esperamos que o leitor assimile o conhecimento aqui transmitido ou fixe os que já possui, pois, se "recordar é viver", na área jurídica "recordar é sobreviver"! Resolvemos quebrar a sisudez tão normalmente vista nos textos jurídicos, tornando o direito civil simplificado até onde se faça possível. Elucidaremos o texto frio da lei, tornando-o dinâmico para melhor compreensão. Não temos pretensão de deitar doutrina ou impor institutos, embora não nos olvidemos de marcar nossa opinião em matérias polêmicas que, com o advento do Novo Código Civil Brasileiro, apenas começaram. Esta obra já nasce sob o espírito do Novo Código Civil, razão pela qual não nos prendemos a institutos do código revogado, exceto quando ainda vigentes por disposição expressa no novel codex. Estamos abertos a críticas e a sugestões; e desde já agrademos aos alunos que, por meio de questionamentos sempre pertinentes, apresentados em sala de aula, forçaram-nos, também, a melhorar mais e mais. Aliás, esse é o objetivo deste livro: ajudá-lo a melhorar. Recomendamos ao leitor manter o código civil à mão durante a leitura da obra; e lembramos que dados adicionais podem ser encontramos em nosso site: www.marcoevangelista.com.br Boa leitura! http://www.marcoevangelista.com.br/ 7 Sumário 0 TÓPICOS INICIAIS .............................................................................................. 15 0.1 DIREITO ............................................................................................... 15 0.1.1 DIVISÃO DIDÁTICA DO DIREITO .................................................... 16 0.2 CONCEITO E CONTEÚDO DO DIREITO CIVIL ....................................... 18 0.3 DIREITO CIVIL E RELAÇÕES JURÍDICAS .............................................. 19 0.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO CIVIL ............................................................ 19 0.5 FONTES DO DIREITO CIVIL .................................................................. 21 0.6 LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB) . 23 0.6.1 A LEI .............................................................................................. 24 0.6.2 EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO ........................................................ 27 0.6.3 EFICÁCIA DA LEI NO ESPAÇO ...................................................... 28 0.6.4 CONFLITOS DE LEI ...................................................................... 28 0.6.5 ESTRUTURA DA LEI ..................................................................... 29 0.6.6 O CÓDIGO CIVIL – SUA HISTÓRIA E CRÍTICAS .............................. 30 0.7 RELAÇÕES JURÍDICAS......................................................................... 31 0.8 “ESQUEMA” DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO ....................................... 32 1 TEORIA GERAL ................................................................................................. 35 1.1 PESSOAS ............................................................................................. 35 1.1.2 CONCEITO DE “PESSOA” .............................................................. 35 1.1.3 PESSOA NATURAL ........................................................................ 35 1.1.4 PESSOA JURÍDICA .................................................................. 68 1.2 BENS ................................................................................................. 82 1.2.1 NOÇÃO DE PATRIMÔNIO ..................................................... 82 1.2.2 CONCEITO DE “BENS” .......................................................... 82 1.2.3 CLASSIFICAÇÃO .................................................................... 83 1.2.4 BEM DE FAMÍLIA .......................................................................... 94 1.2.5 REGISTRO CIVIL .......................................................................... 95 1.3 FATOS JURÍDICOS ............................................................................... 96 1.3.1 ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS ................................................... 100 8 1.3.2 O TEMPO COMO FATO JURÍDICO .............................................. 123 1.3.3 PROVAS DOS FATOS JURÍDICOS ..............................................129 2 OBRIGAÇÕES ................................................................................................... 145 2.1 TEORIA GERAL .................................................................................. 145 2.2 ELEMENTOS DAS OBRIGAÇÕES ........................................................ 146 2.2.1 OBRIGAÇÃO CIVIL E OBRIGAÇÃO NATURAL ............................... 148 2.3 FONTES DE OBRIGAÇÕES ................................................................. 149 2.4 CLASSIFICAÇÃO ................................................................................ 149 2.4.1 CLASSIFICAÇÃO BÁSICA ............................................................. 150 2.4.2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ATIVIDADE ..................................... 150 2.4.3 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO OBJETO ....................................... 153 2.4.4 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AOS SUJEITOS .................................. 154 2.4.5 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO ELEMENTO ACIDENTAL ............... 162 2.4.6 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À FINALIDADE ................................... 162 2.4.7 CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO TEMPO DE CUMPRIMENTO ......... 162 2.5 TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES .................................................... 163 2.5.1 CESSÃO DE CRÉDITO ................................................................. 163 2.5.2 ASSUNÇÃO DE DÍVIDA ................................................................ 165 2.6 EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ........................................................... 166 2.6.1 EXTINÇÃO DIRETA (PAGAMENTO) .............................................. 167 2.6.2 EXTINÇÃO INDIRETA DAS OBRIGAÇÕES .................................... 174 2.7 INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES ............................................. 182 2.7.1 INADIMPLEMENTO RELATIVO (MORA) ....................................... 182 2.7.3 INADIMPLEMENTO ABSOLUTO .................................................. 185 2.8 CLÁUSULA PENAL ............................................................................ 187 2.9 ARRAS (OU SINAL) ........................................................................... 187 2.10 PAGAMENTO INDEVIDO .................................................................. 188 2.11 CONCURSO DE CREDORES ........................................................... 189 2.12 ENRIQUECIMENTO ILÍCITO ............................................................. 189 3 CONTRATOS ................................................................................................... 192 9 3.1 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ................................................... 192 3.1.2 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS ....................................................... 193 3.1.3 ELEMENTOS DOS CONTRATOS ................................................. 197 3.1.4 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS .................................................. 197 3.1.5 LUGAR DO CONTRATO .............................................................. 199 3.1.6 CONTRATOS ENVOLVENDO TERCEIROS .................................. 200 3.1.7 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS ........................................... 201 3.1.8 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS .................................................... 205 3.1.9 EVICÇÃO .................................................................................... 206 3.1.10 VÍCIOS REDIBITÓRIOS ............................................................. 208 3.1.11 ELABORAÇÃO DE INSTRUMENTOS CONTRATUAIS ................. 210 3.1.12 INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS ....................................... 210 3.2 CONTRATOS EM ESPÉCIE ................................................................ 212 3.2.1 COMPRA E VENDA ..................................................................... 212 3.2.2 TROCA OU PERMUTA ................................................................ 215 3.2.3 CONTRATO ESTIMATÓRIO ........................................................ 217 3.2.4 DOAÇÃO .................................................................................... 217 3.2.5 LOCAÇÃO .................................................................................. 221 3.2.6 MÚTUO ...................................................................................... 226 3.2.7 COMODATO ............................................................................... 226 3.2.8 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ......................................................... 227 3.2.9 EMPREITADA ............................................................................. 229 3.2.10 DEPÓSITO ................................................................................ 230 3.2.11 MANDATO ................................................................................ 232 3.2.12 COMISSÃO ............................................................................... 236 3.2.13 AGÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO ...................................................... 237 3.2.14 CORRETAGEM ......................................................................... 237 3.2.15 TRANSPORTE .......................................................................... 238 3.2.16 SEGURO .................................................................................. 241 3.2.17 CONSTITUIÇÃO DE RENDA ...................................................... 245 3.2.18 JOGO E APOSTA ...................................................................... 246 3.2.19 FIANÇA..................................................................................... 247 3.2.20 TRANSAÇÃO ............................................................................ 249 3.2.21 ARBITRAGEM ........................................................................... 249 3.3 ATOS UNILATERAIS .......................................................................... 250 3.3.1 PROMESSA DE RECOMPENSA .................................................. 250 10 3.3.2 GESTÃO DE NEGÓCIO ............................................................... 250 3.3.3 TÍTULO AO PORTADOR .............................................................. 251 4 RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................................. 253 4.1 TEORIA GERAL .................................................................................. 253 4.1.1 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................... 253 4.1.2 FONTES GERADORAS DO DEVER DE INDENIZAR ....................... 254 4.1.3 CLASSIFICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ....................... 255 4.1.4 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................. 256 4.2 DEFESAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................... 264 4.2.1 DEFESAS DIRETAS .................................................................... 264 4.2.2 DEFESAS INDIRETAS (EXCLUDENTES) ..................................... 265 4.3 ALGUMAS RESPONSABILIZAÇÕES CIVIS ......................................... 275 4.3.1 RESPONSABILIDADE DECORRENTE DAS RELAÇÕES DE CONSUMO ........................................................................................... 275 4.3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO .................................... 277 4.3.3 DANO ESTÉTICO ........................................................................ 280 4.3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL ............................... 281 4.3.5 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA .......................................... 281 4.3.6 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL ..................................... 282 4.3.7 DANO NUCLEAR ........................................................................ 284 4.3.8 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS TERRORISTAS .............. 285 4.4 RESPONSABILIDADE POR ATO DE TERCEIRO OU FATO DA COISA . 286 4.4.1 DIREITO DE REGRESSO ............................................................ 288 4.5 AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS ................................................... 288 4.6 LIQUIDAÇÃO DO DANO .....................................................................288 4.6.1 ALGUMAS TARIFAÇÕES E PARÂMETROS LEGAIS PARA A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL ................................................................ 289 4.7 EXECUÇÃO DA REPONSABILIDADE CIVIL ........................................ 292 4.8 REPARAÇÃO CIVIL PARA PLURALIDADE DE VÍTIMAS ...................... 293 4.9 AÇÃO CIVIL EX DELICTO .................................................................. 295 4.10 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS................... 296 11 4.11 RESPONSABILIDADE CIVIL EM LEIS ESPECIAIS ............................. 297 5 DIREITOS REAIS (coisas) ................................................................................ 299 5.1 TEORIA GERAL ................................................................................. 300 5.2 POSSE .............................................................................................. 300 5.2.1 TEORIAS DA POSSE .................................................................. 301 5.2.2 CLASSIFICAÇÃO DA POSSE ...................................................... 302 5.2.3 AQUISIÇÃO DA POSSE .............................................................. 303 5.2.4 EFEITOS DA POSSE ................................................................... 303 5.2.5 PROTEÇÃO DA POSSE .............................................................. 304 5.2.6 PERDA DA POSSE ..................................................................... 305 5.3 DIREITOS REAIS ............................................................................... 306 5.3.1 CLASSIFICAÇÃO ........................................................................ 307 5.3.2 PRINCÍPIOS DOS DIREITOS REAIS ............................................ 308 5.3.3 PROPRIEDADE........................................................................... 309 5.3.3 ENFITEUSE ................................................................................ 330 5.3.4 SUPERFÍCIE ............................................................................... 331 5.3.5 USUFRUTO ................................................................................ 332 5.3.6 USO ............................................................................................. 334 5.3.7 HABITAÇÃO ................................................................................. 335 5.3.8 CONCESSÃO (de uso e de moradia) ............................................ 335 5.3.9 SERVIDÃO ................................................................................. 336 5.3.10 DIREITOS REAIS DE GARANTIA ............................................... 337 5.3.11 PROMESSA DE COMPRA E VENDA .......................................... 351 5.4 DIREITOS DE VIZINHANÇA ............................................................... 351 5.5 CONDOMÍNIO ................................................................................... 354 5.5.1 CONDOMÍNIO ORDINÁRIO ......................................................... 355 5.5.2 CONDOMÍNIO EDILÍCIO .............................................................. 356 5.6 TUTELA JUDICIAL DOS DIREITOS DAS COISAS ................................ 360 6 FAMÍLIA ............................................................................................................. 363 6.1 TEORIA GERAL .................................................................................. 364 6.1.1 ASPECTOS INICIAIS .................................................................... 364 6.1.2 TIPOS DE FAMÍLIA ....................................................................... 365 12 6.2 DIREITO CONVIVENCIAL .................................................................. 366 6.2.1 CASAMENTO ............................................................................... 366 6.2.2 UNIÃO ESTÁVEL ........................................................................ 388 6.2.3 OUTRAS ESPÉCIES DE UNIÃO ................................................... 396 6.3 DIREITO PARENTAL .......................................................................... 398 6.3.1 PARENTESCO ............................................................................ 398 6.3.2 FILIAÇÃO ................................................................................... 402 6.3.3 PODER FAMILIAR ....................................................................... 413 6.4 DIREITO ASSISTENCIAL ................................................................... 416 6.4.1 ALIMENTOS ............................................................................... 416 6.4.2 TUTELA ...................................................................................... 421 6.4.3 CURATELA ................................................................................. 422 6.4.4 GUARDA .................................................................................... 423 7 SUCESSÕES ..................................................................................................... 425 7.1 ABERTURA DA SUCESSÃO ................................................................ 426 7.2 HERDEIROS NECESSÁRIOS............................................................... 426 7.3 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA ................................................. 427 7.3.1 SUCESSÃO DOS DESCENDENTES .............................................. 428 7.3.2 SUCESSÃO DOS ASCENDENTES ................................................ 429 7.3.3 SUCESSÃO DO CÔNJUGE ........................................................... 429 7.3.4 SUCESSÃO DOS COLATERAIS .................................................... 431 7.4 DIREITO DE REPRESENTAÇÃO .......................................................... 431 7.5 OS EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO ......................................................... 432 7.5.1 INDIGNIDADE .............................................................................. 433 7.5.2 DESERDAÇÃO ............................................................................. 434 7.6 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA ............................................................ 435 7.6.1 QUEM PODE TESTAR .................................................................. 435 7.6.2 FORMAS DE TESTAMENTO ......................................................... 436 7.6.3 SUBSTITUIÇÃO TESTAMENTÁRIA ............................................... 437 7.6.4 QUEM NÃO RECEBE POR TESTAMENTO ................................... 439 7.6.5 ELABORAÇÃO DO TESTAMENTO ............................................... 439 7.6.6 REVOGAÇÃO E ROMPIMENTO DO TESTAMENTO ..................... 440 13 7.7 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO ......................................................... 441 7.8 INVENTÁRIO ....................................................................................... 442 7.8.1 SONEGADOS ................................................................................... 442 7.9 PARTILHA ........................................................................................... 443 7.10 ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA .......................................... 445 7.11 LEGADO ........................................................................................... 445 7.12 HERANÇA JACENTE E VACANTE ..................................................... 448 7.13 EXECUÇÃO DO TESTAMENTO ......................................................... 449 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 451 ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................................. 453 “Making Of” ............................................................................................................ 455 O AUTOR: ....................................................................................................... 456 Apêndice - PRAZOS DO CÓDIGO CIVIL ..............................................................458 14 0 Tópicos Iniciais Sim! É um capítulo “zero” mesmo! Qual é o problema? ☺ 15 0 TÓPICOS INICIAIS Podemos ir diretamente ao assunto e mergulhar nos meandros do Direito Civil, certo? Errado! Algum conhecimento prévio se faz necessário antes chegarmos à zona-alvo. É por isso que esse capítulo é o “zero”; é quase um resumão de “Introdução ao Estudo do Direito”; acredite: o estudo dos institutos formadores da ciência jurídica é realmente necessário. 0.1 DIREITO O direito, como tudo o que emana da sociedade, muda sempre, o que o torna impossível de ser totalmente aprendido por qualquer pessoa, o que não significa dizer que não possamos aprendê-lo o suficiente para o que desejamos (para nossa vida, para advocacia, para concurso público etc.). Em sua conceituação, “direito” é uma das palavras com maior número de acepções que se conhece. Você certamente já ouviu: “Tenho direito à liberdade!"; “Vou procurar meus direitos!”; “Isso fere o direito!”; “Vou cursar Faculdade de Direito!”. Assim, o direito pode significar conjunto de normas, ou o poder de fazer algo, ou a faculdade de exigir algo, ou a denominação da ciência jurídica. Um conceito simples, que deve ser guardado como carta na manga, é “Direito é o conjunto de regras que regulam a vida em sociedade”. Embora esteja incompleto, tal conceito não pode ser enquadrado como incorreto, seja por qualquer ângulo que se tome a acepção da palavra. Portanto direito é conjunto de regras, quer escrita, quer não. Em verdade, tudo é regulado por regras. O universo tem suas próprias regras, as “leis físicas” (como a lei da gravidade). As regras que nos interessam são as que regulam a vida, mas apenas a vida em sociedade, ou seja, a vida em que, no local onde ela se desenvolve, existe mais de um indivíduo. Por isso se costuma dizer que onde há sociedade, existe o direito. O homem tem, sabe-se lá por quê, a estranha vontade de submeter seu semelhante a algo; a vontade – oculta ou não – de colocar seus próprios interesses acima dos interesses de seu par. Logo já imaginou o inferno que haveria caso não existisse um conjunto de regras que colocasse “cada um no seu lugar”? A vida seria um inferno! Justamente para que não ocorra tal caos, é que existe o direito, assim cada um sabe até onde pode ir; e sabe que, ao menos em tese, está protegido dessa “vontade predatória” do seu semelhante. No que toca à etimologia, a palavra direito vem do latim directum, que também deu origem ao português "directo". Directum, por sua vez, era o particípio passado do verbo dirigere, que significa "dirigir" ou "alinhar". Em todas as línguas ocidentais, a palavra que designa o direito tem conexão com uma dessas duas http://pt.wikipedia.org/wiki/Latim 16 etimologias: right, em inglês, recht, em alemão, diritto, em italiano, derecho, em espanhol e droit, em francês; e, em russo, pravo.1 Essas regras, em que se baseia o direito, são sinônimos de normas. Norma é um preceito de conduta (faça/não faça) seguido de sanção (que é um castigo, uma reprimenda, expressa na forma “sob pena de...”, “senão...”, “caso contrário....”). É a sanção que diferencia uma norma de um mandamento comum. É a sanção que nos faz cumprir a norma; serve para incutir no destinatário um medo quanto ao não cumprimento da norma; e, quando tal sanção é aplicada, serve de exemplo aos súditos para que não incorram em igual comportamento. A palavra origina-se do latim norma, que significa “régua”, “esquadro”. Logo denota algo que guia uma exatidão. Uma norma é dita jurídica quando a sanção contida na norma pode ser imposta pelo Poder Judiciário. Quando a sanção, grave ou não, for imposta por outros entes que não provenientes exclusivamente do Poder Judiciário, temos uma norma não jurídica. Certa vez fui entrevistado em um programa de TV e me perguntaram o que é direito; além de responder o que escrevi acima, também reproduzi o dogma de Miguel Reale: “É a união de fato, valor e norma.”; misturando filosofia e história do direito, poderia também ter respondido o mantra do direito romano, consolidado por Ulpiano: “Direito é viver honestamente; não causar dano a outrem; e dar a cada um o que lhe é devido.” (honeste vivere; neminem laedere; suum cuique tribuere). 0.1.1 DIVISÃO DIDÁTICA DO DIREITO O Direito é um todo unitário. É um instituto uno. Os termos “direito civil”, “direito penal” e outros existem apenas para fins de estudo. Para tal finalidade, didática, o direito se divide em vários ramos, que se dividem em vários sub-ramos, e assim por diante. A primeira grande divisão didática do direito é a que divide este em ramo do direito público e do direito privado. 1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito ; neste site encontramos que o termo "direito" foi introduzido com o sentido atual já na Idade Média, aproximadamente no século IV. A palavra usada pelos romanos era ius. Quanto a esta, os filólogos não se entendem. Para alguns, ius se relacionaria com iussum, particípio passado do verbo iubere, que quer dizer mandar, ordenar. Para outros, ius estaria ligado a iustum, aquilo que é justo, tendo seu radical no védico yos, significando aquilo que é bom. http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_russa http://pt.wikipedia.org/wiki/Filologia 17 Figura 1 - Direito Público e Privado O direito público trata das relações jurídicas em que um dos polos da relação é o Estado, no uso de seu poder de império2. É uma relação vertical, com superior e subalterno, na qual o superior é o Estado, e o subalterno é o administrado, o particular, o súdito do Estado. Como exemplo de ramos do direito público, podemos citar o Direito Constitucional, Direito Penal, Direito Tributário, Direito Previdenciário, dentre outros. O direito privado trata das relações entre iguais, entre pessoas que não apresentam nenhuma ascensão sobre a outra, daí dizermos que no direito privado as relações são horizontais, pois todos os sujeitos são tratados em pé de igualdade. Nas relações de direito privado, o Estado pode participar, mas com igualdade em relação ao polo oposto. Como exemplo de ramos do direito privado, citamos o Direito do Trabalho, Direito Empresarial e, como exemplo clássico do direito privado, o Direito Civil. Figura 2 - Estado (para fins didáticos, aqui) A um conjunto determinado de regras, chamamos “regime”; assim, podemos dizer que tal caso está enquadrado no regime público, no regime de direito privado etc. Fico incomodado quando, ao ler qualquer livro “moderno” de direito, deparo com a new wave de que “não mais existe direito público e privado”, que todo o direito privado está permeado de regras públicas e tal. Ora, isso é óbvio! O que não 2 “Poder de império” é a prerrogativa do Estado de fazer valer o interesse público sobre os interesses privados, podendo inclusive causar danos aos particulares em nome do interesse público. 18 fica óbvio é o erro de tais autores: não diferem a divisão de aplicação da divisão didática. Quanto à aplicação, não existe qualquer divisão entre direito público e privado NEM entre qualquer ramo de direito. Por isso o direito tributário precisa do direito civil para qualificar alguns fatos geradores; o direito civil precisa do direito empresarial, e assim por diante. Nessa acepção, definitivamente, o direito é um uno, um todo indivisível. Mas, no quesito didático, como explicamos no início do tópico, a divisão não só existe, mas também é necessária. Costumo comparar ao estudo do corpo humano na faculdade de medicina. Como a “aplicação” é uma só, mas, para ser estudada, existe Anatomia I (cabeça), Anatomia II (membros), Anatomia III (tórax) e Anatomia III (abdômen). Ah, e dizemos “direito público/privado” para diminuir palavras, mas o correto é dizermos RAMO do direitopúblico, RAMO do direito privado. 0.2 CONCEITO E CONTEÚDO DO DIREITO CIVIL Em algum momento em que se começou a se dividir didaticamente o direito, este era apenas “público” e “privado”. Nada mais. O direito privado, portanto, era o que regia as relações dentre iguais. Com o tempo, o direito privado foi se especializando, gerando outros ramos específicos a partir dele. Assim, do direito privado surgiu o direito comercial (depois tendo o nome trocado para empresarial), o direito do trabalho e o direito do consumidor – restando ao direito civil, portanto, tratar do direito privado não regulado em outros ramos de direito. Assim, em sala, conceituamos o direito civil como “o ramo do direito privado que regula as relações jurídicas privadas não reguladas por outros ramos do direito”. Sim, o direito civil é residual mesmo; trata de tudo o que for direito privado, e não for estudado por outro ramo. Isso não significa que é um “resto”; ao contrário, é bastante abrangente, o que aumenta ainda mais sua importância. Penso que a discussão sobre patrimonialização/despatrimonialização, constituição ou não do direito civil é pertinente, mas em um momento no qual já se conhece a matéria, podendo-se navegar nela com desenvoltura. Acho atécnico e cruel tratar de tal assunto quando o aluno ou o leitor ainda está se iniciando na matéria. Assim, a título de melhor didática, é sim necessária a divisão entre ramo de direito público e privado. O fato é que, como na economia e na história, digo que também vige a teoria dos ciclos: acham o direito civil muito patrimonial, então gritam para constitucionalizá-lo, até que décadas depois alguém vai achá-lo constitucional demais, e bradarão para patrimonializá-lo. O direito civil é o mais presente e importante em nossa vida, sem qualquer resquício de tendência. Desde as aulas de Civil I, já escuto perguntas sobre família 19 e sucessões; quando toco em casamento e união estável, então, um terço da sala tem perguntas sobre! É a prova de que não se pode separar o direito civil da própria vida; já se disse (Miguel Reale) que o Código Civil é a “Constituição das pessoas comuns”. Então, seja como estudante, seja como “simples” ser humano, aprenda-o! Figura 3 - O Código Civil regula toda a sua existência 0.3 DIREITO CIVIL E RELAÇÕES JURÍDICAS Tudo no direito civil gira em torno das relações jurídicas. O conceito de “relação jurídica” não é difícil. Quando queremos colher uma vantagem ou uma utilidade de algo ou de alguém, temos um “interesse”. Quando duas (ou mais) pessoas entregam algum sacrifício, abstenção (algo ruim) em troca da satisfação de algum interesse (algo bom), temos o conceito de relação. “Relação”, portanto, significa “troca de interesses”. Desde que temos a cognição formada, lá pela primeira infância, vivemos em relação, com a família, com a comunidade, com a escola etc. Existem dois tipos de relação, a jurídica e a não jurídica. A “relação não jurídica” (também chamada de comum) é aquela em que, se um componente descumprir sua parte do acordo, o Poder Judiciário nada poderá fazer para forçar o cumprimento ou para punir essa pessoa. Exemplo de relação comum: amizade, coleguismo e namoro. Note que, se um amigo trair a confiança do outro, não existe ação judicial apta a punir esse mau amigo ou forçá-lo a manter-se confiável. Mas pense em uma compra e venda, aluguel, contrato de trabalho: são relações. Mas aqui o componente que descumprir sua parte no acordo será forçado ou sancionado pelo Poder Judiciário. Assim, uma relação é chamada de “jurídica” quando o Poder Judiciário possui algum meio (mediante ação) para forçar o cumprimento ou para punir quem descumpriu. 0.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO CIVIL Princípios são as bases fundamentais sobre as quais se erguem todos os conceitos e normas de um instituto. São as diretrizes básicas de uma ciência. Os princípios se direcionam ao legislador, orientando a elaboração da norma; ao 20 julgador, facilitando a hermenêutica das normas; à administração e ao povo em geral, como parâmetros de melhor aplicação das normas. O Direito Civil possui Princípios Fundamentais; todos os outros princípios eventualmente indicados por outros autores decorrem destes. São eles: Princípio da “Circulação de Riquezas”, da “Boa-Fé”, da “Função Social”, do “Equilíbrio” e da “Autonomia da Vontade”. Princípio da Circulação de Riquezas – O Estado Brasileiro dá a todos os seus habitantes a possibilidade de auferir riquezas. Desde que o faça licitamente, não existe limite ao montante de riqueza que um indivíduo possa amealhar em nosso país. A riqueza (no sentido de patrimônio economicamente valorado), quando em circulação, faz nascerem outras riquezas, razão pela qual o ordenamento jurídico prestigia a troca de riquezas de mão em mão. Daí o dirigismo legal em simplificar a abertura de empresas, a locação de bens e os contratos em geral – passa a ser uma garantia ao cidadão de que o Estado interferirá o mínimo necessário para manter a justiça social no giro econômico. Princípio da Boa-Fé – Não é dado a nenhum sujeito enganar seu semelhante. A boa-fé pode ser subjetiva (ou seja, estado de inocência, estado de desconhecer a existência de qualquer mácula nas relações jurídicas) ou objetiva (situação em que o sujeito deve atuar no sentido de informar, colaborar e diligenciar diretamente para a manutenção da transparência nas relações jurídicas). A boa-fé subjetiva deve ser inerente a todas as relações jurídicas e sempre se a presume3. E a boa-fé objetiva informa os deveres das partes quanto à interpretação dos negócios, quanto à contratação e quanto à execução dos negócios. A boa-fé traz deveres principais e deveres anexos, o que significa a imposição de conduta honesta e leal nas negociações. O código nos traz várias aplicações obrigatórias do dever de boa-fé, a saber: boa-fé nos negócios (113), em todos os atos civis (187), na escolha da coisa incerta (243), nos contratos (422), na ilicitude que representa sua inobservância (927). Princípio da Função Social – O individualismo é limitado pelo interesse de toda a sociedade. Uma vez que o homem é um animal gregário, ou seja, não vive isolado, deve abrir mão de uma parcela de seus interesses particulares para prestigiar o interesse do todo, da sociedade. A essa observância do interesse de outros indivíduos da sociedade chamamos de Função Social. Nenhuma – absolutamente nenhuma – relação jurídica pode existir se trouxer prejuízo à sociedade em que está inserida. Logo o todo limita o particular. Princípio do Equilíbrio – Todos devem ganhar em uma relação jurídica. Não é dado a nenhuma pessoa enriquecer-se em detrimento de outra, ainda que esta “vítima” consinta em tal fato, visto que existe um princípio do equilíbrio informando a vida civil. 3 Trataremos sobre “presunção” ao estudar as provas no direito civil, em tópico próprio nesta obra. 21 Princípio da Autonomia da Vontade – O Estado deve interferir nas transações privadas o mínimo necessário para a garantia dos demais princípios. Os particulares têm a liberdade de fazer e de transacionar tudo o que não é proibido. Estabeleçamos aqui uma diferença entre o justo, o princípio e a regra. O justo nasce da própria consciência. O simples fato da existência da razão, o “sapiens”, já faz nascer a ideia de certo e de errado. Essa ideia do justo, quando segmentada, nos traz a ideia de princípio; um modo de se comportar para se atingir esse princípio chama-se regra. Assim... ▪ O sentimento inato de que viver é bom, importante e valioso para o outro tanto quanto o é para você é um instituto justo. ▪ Admitir, portanto, que todos têm direito à vida é um princípio. ▪ E obedecer ao mandamento de “não matar” é seguir uma regra. 0.5 FONTES DO DIREITO CIVIL “Fonte” é origem; não há muito oque conceituar aqui. Como “do nada, nada surge”, o que origina o direito civil? Os locais e os pontos que geram direito são chamados de fontes materiais: O Estado (mormente o Poder Legislativo), o povo, a história etc... ; os canais reconhecidos pelo direito como aptos a gerarem regras são chamados de fontes formais. Costumo dizer em sala que “fonte material é de onde; e fonte formal é do que”. São fontes formais a lei, os princípios, a doutrina etc. Tais fontes se dividem em fontes diretas e indiretas. A fonte direta (ou principal, ou imediata) é a lei, sendo todas as outras tratadas como fontes indiretas (ou secundárias, mediatas etc.). Em países onde vige a civil law (países de colonização europeia, exceto países colonizados pela Grã-Bretanha), a lei é a principal fonte normativa. Em países de common law (Grã-Bretanha e países por ela majoritariamente colonizados), o costume e a jurisprudência são as fontes diretas. No Brasil (tudo tem que ser mais complicado aqui?), temos um sistema misto (civil e common law), visto que jurisprudência, agora, desde que seja súmula vinculante, é norma. Trataremos do estudo da lei em capítulo próprio e deixaremos o estudo da súmula vinculante para os professores de direito constitucional. Tratemos sobre as fontes indiretas – que são usadas, segundo a teoria clássica, para suprir a lacuna da lei, para que não haja sentença non liquet, ou seja, que não decida o caso, quando o mérito o exigir. Costumes são preceitos de conduta seguidos por todos com consciência de obrigatoriedade (opinio necessitatis). Logo costume tem um elemento objetivo, que é o comportamento; e um elemento subjetivo, que é a consciência de 22 obrigatoriedade daquele comportamento. O exemplo clássico de costume é a “fila” (embora existam leis sobre tempo máximo de fila e sobre atendimento prioritário nela, não existe lei determinando que, onde há um servidor para atender a mais de um servido, um deva esperar depois do outro!); experimente furar uma fila, e a “sanção” virá. O que diferencia costume de hábito é que, neste, não há consciência de obrigatoriedade, não há “medo” de alguma sanção social. Um costume pode ser secundum legem quando acompanha a lei; pode ser contra legem quando contraria a própria lei (por exemplo: ultrapassar sinal vermelho de madrugada, com medo de assalto) ou praeter legem quando não existe lei normatizando o fato. Um exemplo de costume sendo protegido pela norma é encontrado no Artigo 326 do Código, o qual determina que os pesos e as medidas praticados em um lugar serão o parâmetro para os pagamentos de obrigações. O termo “bons costumes” indica padrões médios de moralidade de uma sociedade. Em verdade, o advento de positivar em lei os usos e os costumes não é novo; o Código Comercial (Lei n.º 556, de 25 de junho de 1850!), que ainda se encontra em vigor quanto à parte do seu comércio marítimo, já trazia: “Art. 750 – Todos os casos de abalroação serão decididos, na menor dilação possível, por peritos, que julgarão qual dos navios foi o causador do dano, conformando-se com as disposições do regulamento do porto e com os usos e as práticas do lugar. No caso dos árbitros declararem que não podem julgar com segurança qual navio foi culpado, sofrerá cada um o dano que tiver recebido”. Princípios Gerais do Direito são institutos que alicerçam o ordenamento jurídico. Os princípios informam o legislador, quando da elaboração das leis; informam o juiz, quando do julgamento; e devem informar qualquer aplicador ou destinatário da lei, quando existe qualquer dúvida quanto à prática desta. A Analogia, segundo a LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), seria fonte de direito, mas não o é; é método de integração de norma, ou seja, é forma de “tapar buraco” do ordenamento no qual não existe norma para tal. Dá-se a analogia quando o caso a ser julgado (sem lei para tal) guarda similitude com caso normatizado; nesse caso, utiliza-se a lei do caso normatizado para o caso semelhante, não normatizado. Elencamos analogia aqui porque não é raro ser considerado correto enquadrar “analogia” como fonte, em algumas provas. A analogia diferencia-se da interpretação analógica porque, nesta, a própria lei manda ao intérprete completá-la segundo uma orientação da própria lei. No direito civil pode existir analogia, em tese, para qualquer situação; no direito penal não se aplica analogia para prejudicar o réu. No direito administrativo e no tributário, a analogia também encontra suas limitações de uso. Assim, o Artigo 128 do Código Penal permite o aborto em caso de estupro. Mas costumo colocar a seguinte hipótese, criada por mim, em sala: “E se a mulher for imobilizada, vestida, e alguém, mediante uma seringa, injetar material genético em seu ovário?”. Houve 23 estupro? Não! Mas haverá uma gravidez consentida? Não! – É o caso típico, pensamos, de aplicação da analogia para se realizar o “aborto permitido”, praticado por médico. Doutrina é o conjunto de estudos desenvolvidos por jurisconsultos e publicados; tem a grande virtude de deitar soluções para situações nem de longe enfrentadas sequer pelo Judiciário, ainda. Entendemos só haver doutrina com publicação do texto; ao contrário do que possam pensar, não se precisa ter título ou ter nome de peso para ser doutrinador; basta resolver um problema jurídico segundo a lógica do direito e tornar tal solução acessível à consulta do público. A doutrina se torna especialmente importante pela sua rapidez de elaboração (em comparação às outras fontes). Uma ótima fonte de doutrina são os enunciados das jornadas de Direito Civil, eventos promovidos pelo Conselho da Justiça Federal, com o intuito de, mediante discussões de estudiosos, resolver lacunas e anacronismos do “novo” Código. Já ocorreram cinco. Concordamos com quase todos os enunciados; alguns dizem alguns absurdos que me pergunto como chegaram a conclusões tão malucas! Leia, por exemplo, essa monstruosidade: “Enunciado 286 – Art. 52: Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”. Aqui e ali encontramos esses delírios, mas 99% dos enunciados são dignos de estudo e de aplicação. Jurisprudência é o conjunto de julgamentos reiterados por órgãos legitimados para tal. Existe uma polêmica sobre ser necessária certa estabilidade nas orientações dos julgamentos para que “surja” uma jurisprudência. Somos de opinião de que, onde não há julgamento, UM julgamento já é jurisprudência; e, com o nascimento, por meio da EC 45 da súmula vinculante, pôs-se pá de cal nessa discussão, visto que basta uma súmula vinculante para gerar efeitos em todo o País, quando gerada segundo os preceitos daquela emenda. Lembramos que a jurisprudência na forma de súmula vinculante já é norma primária, desde a Emenda Constitucional 45/2004. Brocardos são ditados e máximas tradicionais do mundo jurídico que, se não obrigam, orientam algumas situações em que não existe nenhuma das outras fontes tratando. Exemplo de brocardos: “O que abunda não prejudica”; “in dubio pro reo”; “quem pode o mais pode o menos”, “primeiro no tempo, melhor no direito” etc. 0.6 LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB) A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”, Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942) nos ensina sobre obrigatoriedade, integração e ciclo de existência da lei. Costumo dizer em sala de aula que o primeiro artigo do texto da LINDB deveria ser o seu terceiro, que trata da obrigatoriedade do 24 conhecimento das leis4; é um enunciado utópico que alega que ninguém pode alegar ignorância da lei para deixar de cumpri-la; é o que chamamos de “presunção absoluta do conhecimento das leis”. O artigo quarto trata de “tapagem de buracos” no ordenamentojurídico quando da aplicação concreta da lei, a saber, mandando o juiz aplicar a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito5. É óbvio que não existe ordenamento legal perfeito. Ele sempre estará atrasado em relação aos fatos. Existem países onde o juiz pode deixar de julgar por não existir lei; são sentenças chamadas non liquet; no Brasil, tal não ocorre, pois o juiz deve julgar o caso existindo lei ou não. É o artigo quarto que determina os meios de integração (suprimento de lacunas) da lei. O artigo quinto da LINDB normatiza sobre hermenêutica, temperando a aplicação da lei. Manda que o juiz, em última análise, deve adequar a interpretação da lei ao caso concreto, e jamais o contrário, visto que enuncia que o julgador deve atender aos fins sociais aos quais a lei se destina. A interpretação da lei pode ser gramatical (sentido literal da escrita), sistemática (contextual), histórica (de acordo com o momento do nascimento da norma) ou teleológica (leva em conta a finalidade da norma). De acordo com a extensão da interpretação, esta pode ser declarativa (quando se prende aos exatos termos da norma), extensiva (quando a norma disse menos do que desejava o legislador) ou restritiva (quando o legislador em verdade quis dizer menos do que expressou na norma). O sexto artigo da LINDB trata da intocabilidade de alguns efeitos de leis revogadas. Esses casos serão tratados nesta obra ao estudarmos sobre o ciclo de existência das leis. A partir do artigo sétimo, a LINDB traz regras de Direito Internacional, matéria fora do objeto de estudo desta obra. 0.6.1 A LEI “Lei” é um conceito que possui várias acepções. Enquanto instrumento formal, significa norma geral e abstrata oriunda do órgão competente para emiti-la; nessa acepção, “lei” incorpora todas as espécies normativas originadas pelo Estado, a saber, Constituição, Lei Complementar, Lei Ordinária, Decreto-Lei, Decreto Legislativo, Lei Delegada etc. Outra acepção, que não será utilizada nesta obra, mas igualmente correta, considera o sentido estritamente técnico da palavra “lei” (“lei em sentido estrito”) e considera como tal somente Lei Complementar, Lei Ordinária e Lei Delegada. Para uma resposta simples, afirme que “lei” é norma jurídica geral e abstrata emanada do Estado”. 4 Em sala de aula, costumamos, ao explicar este artigo, repetir o bordão: “Se ignorância de lei alegar / No Judiciário você vai se ferrar!” 5 Trataremos sobre tais institutos ao estudar as fontes do direito civil. 25 Discorrendo um pouco sobre a diferença entre “lei” e “norma”, temos que a lei se origina do Estado; origina-se positivamente, ou seja, é posta, é expressa na forma escrita, após um procedimento. “Norma”, como já conceituado, é preceito de conduta seguido de sanção, seja ou não emanada do Estado. A lei pode ou não conter uma norma (já que existem leis meramente explicativas). Os costumes são normas jurídicas, mas não são leis. Teçamos algo sobre a tríade “codificação/consolidação/estatutos”: A forma mais rudimentar de se organizar determinada legislação é por meio de consolidação, que nada mais é do que a justaposição das leis, mudando-se somente a numeração dos artigos, para que fiquem em sequência. Quando no conjunto de normas uma passa a se relacionar com as outras, fazendo nascer um sistema, temos um código – um conjunto sistematizado de normas. Leis codificadas são mais fáceis de serem aplicadas, ensinadas e aprendidas, pois pertencem a um mesmo sistema, o do referido código. Mas, como nem todas as normas são codificadas, tais textos extracódigos chamamos de leis esparsas, que formam a legislação esparsa. As leis esparsas que tratam de assuntos constantes nos códigos são chamadas de leis extravagantes. As leis esparsas que tratam de assuntos não regulados pelos códigos são chamadas de leis especiais. O sistema não codificado é formado apenas por leis especiais, sem códigos; tem a vantagem de, em sendo menos engessado, haver mais normas escritas para maior número de situações, já que leis menores tramitam, em tese, mais rapidamente; e um sistema assim está mais sintonizado com seu tempo, já que os dogmas se prendem a leis menores. Modernamente observamos a profusão de “estatutos”, que são, como costumo dizer em sala de aula, “microcódigos”, pois tratam de determinado assunto, agregando um caráter principiológico e axiológico (leia-se valorativo) sobre tal assunto. 0.6.1.1 CICLO DE EXISTÊNCIA DA LEI A lei possui um ciclo que, no direito civil, inicia-se com a publicação. Lembramos que, para outros ramos do direito, a lei não se inicia necessariamente na publicação, visto que o Direito Constitucional, ao estudar o processo legislativo6, entende que essa é uma fase da vida da lei anterior à publicação; e reconhece a existência da lei a partir da promulgação. A publicação é ato pelo qual se dá ao povo o conhecimento da existência de uma nova lei. 6 O Processo Legislativo, objeto de estudo do Direito Constitucional, é um procedimento com as seguintes fases: alguém legitimado para tal apresenta um Projeto de Lei, que será discutido e votado no Congresso Nacional (nas duas casas, chamadas aqui de “casa iniciadora” e “casa revisora”, o Projeto de Lei é submetido à sanção ou ao veto do Presidente da República; caso seja sancionado, o projeto seguirá para a publicação; caso seja vetado, o projeto voltará ao Poder Legislativo para apreciação do veto que, se mantido, implicará o arquivamento do projeto; e, se derrubado, fará o projeto seguir para a publicação. 26 Pode a lei obrigar imediatamente ou não. A obrigatoriedade da lei chama-se “vigência” ou “vigor”. A obrigatoriedade será imediata se constar em seu texto “esta lei entrará em vigor na data de sua publicação” ou algo parecido. Mas pode acontecer de seguir-se à publicação um período e um tempo em que a lei ainda não obriga, embora já exista. Tal período é utilizado para que se estude a lei e para que o próprio Estado operacionalize a aplicação da lei. Esse período chama-se vacatio legis, “vacância da lei”, “vacância legal” ou “período de vacância”. Só ao fim desse período tal lei obrigará. Um exemplo é o do próprio Código Civil, a Lei n.o 10.406, de 10 de janeiro de 2002, publicada em 11/1/2002, que traz em seu Artigo 2.044: “Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação”. Esse artigo, que descreve a vacatio legis, chamado de “Cláusula de vigência”, fez que o novo código civil entrasse em vigor em 11 de janeiro de 2003. Pode ser que não conste no texto legal uma cláusula de vigência, nem estipulando algum tempo, nem afirmando que vigerá imediatamente. Nesse caso, usa-se a “cláusula geral de vigência”, prevista no Artigo primeiro da LINDB, que determina que o texto será obrigatório após 45 dias de publicado e, em três meses, devrá estar vigente. Assim, é importante saber que só se recorre ao Artigo primeiro da LINDB se uma lei tiver vacatio legis e se tal vacatio não constar no texto. Além disso, a Lei Complementar 95/98 (Lei que trata sobre redação de leis) determina que nenhuma lei deve ser redigida sem cláusula de vigência expressa. 0.6.1.2 REVOGAÇÃO Uma lei não obriga para sempre. Uma lei, um dia, “morre”. A “morte” da lei chama-se “revogação”. Revogação é o término da vigência de uma lei. No Brasil, uma lei perde vigência por um dos dois motivos: a própria lei determina seu término (são as chamadas leis autorrevogáveis) ou, o que é mais comum, outra lei a revoga. A lei revogadora, para que opere tal efeito, precisa ser de hierarquia igual ou superior à lei revogada. Essa revogação operada por outra lei pode ocorrer de forma expressa ou tácita. Na revogação expressa, um dispositivo da norma (“cláusula revocatória”) expressamente enuncia que tal lei, ou parte dela, está revogadaa partir do início da vigência da nova lei. A LC 95/987, em seu Artigo nono, determina que “quando necessária a cláusula de revogação, esta deverá indicar expressamente as leis ou disposições legais revogadas”. Ora, imagine uma lei, como o Novo Código Civil, que revogou total ou parcialmente mais de 20 leis diferentes. Qual legislador se dará o trabalho de nomear uma a uma as normas revogadas? Nenhum! Tanto que o próprio código novo não o fez! 7 Esta lei trata sobre técnica de elaboração de leis. 27 A revogação é tácita quando a lei nova não contempla, em seu texto, dispositivo revogando a lei anterior, mas regula a mesma matéria de lei anterior, porém de forma diversa; ou, por haver incompatibilidade entre a lei nova e a lei antiga, esta última “morre”. A revogação pode ser ainda total ou parcial (a lei inteira ou apenas dispositivos dela); a revogação total chama-se ab-rogação, e a revogação parcial chama-se derrogação8. O Novo Código Civil Brasileiro ab-rogou o antigo e derrogou o Código Comercial, como se nota pela redação do Artigo 2.045 do codex: “Revogam-se a Lei n.o 3.071, de 1.o de janeiro de 1916; o Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei n.o 556, de 25 de junho de 1850”. 0.6.2 EFICÁCIA DA LEI NO TEMPO Uma lei, enquanto vige, produz efeitos. Uma vez que a lei é revogada, o que ocorre com os efeitos produzidos pela lei revogada? “Morre tudo”? Não. Até para que se preserve a estabilidade das relações jurídicas (chamamos a isso “segurança jurídica”), uma lei nova mantém incólumes três institutos: ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada. Ato jurídico perfeito é o ato praticado e de acordo com a lei de seu tempo. Se era legal no tempo em que foi praticado, tal ato continuará a ser legal, ainda que lei futura mude as condições iniciais para que tal ato seja, agora, praticado. Ou seja, é a manutenção da legalidade dos efeitos de um ato cuja prática era legal quando foi praticado. Direito adquirido é uma opção já possível de ser exercida conforme determinada condição exigida em lei. Então o “direito adquirido”, em verdade, é a possibilidade de exercer uma opção já adquirida segundo determinada lei. Difere- se da “expectativa de direito”, uma vez que esta não pode ser exigida, visto que não se incorporou ao conjunto de direitos do indivíduo. Coisa julgada é a causa judicial da qual não caiba mais recurso. Por três motivos: porque a parte se resignou, aceitando a decisão, decidindo não recorrer; porque já se esgotaram todos os recursos possíveis para o caso; porque tais recursos não foram ajuizados (perda de prazo) ou conhecidos para julgamento (falta de regularidade formal, como o não pagamento das custas devidas para o recurso, por exemplo); ou ainda porque a parte sucumbente (“a que perdeu”) simplesmente resignou-se, ou seja, decidiu não mais recorrer, conformando-se com a decisão. 8 Memorize o mnemônico TOAPADE , onde: TOtal = Ab-rogação e PArcial = DErrogação 28 0.6.2.1 REPRISTINAÇÃO Muita atenção a esta palavra: “repristinação”. É que se torna comum confundir- se “repristinação” e “efeito repristinatório”. O parágrafo terceiro do Artigo segundo da LINDB determina que “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.” A questão é: existe ou não a repristinação no Brasil? O instituto significa “retorno à vigência de uma lei revogada, pela revogação da lei revogadora". Mas a LINDB é dúbia quanto à existência ou não do instituto no Brasil. Bem, o que não existe no Brasil é a repristinação automática (ou implícita, ou tácita), podendo, sim, haver o “efeito repristinatório”, também chamado de repristinação expressa ou explícita. O efeito repristinatório ocorre em duas situações: quando uma lei nova expressamente determina que lei antiga, ou parte dela, volte a viger; e, quando uma lei é declarada inconstitucional, pode o STF determinar que a lei atingida pela recém-inconstitucional lei volte ou não a viger. O problema fica grave quando a doutrina começa a se debater. Para parte da doutrina, sequer existe efeito repristinatório do Brasil, pois, se uma lei volta a viger por lei nova, se estão tão somente cumprindo uma lei nova, a lei antiga continua revogada; o seu conteúdo é que voltou à vigência; e, se lei é inconstitucional, não chegou, validamente, a existir, nunca tendo revogado, portanto, de fato, alguma outra lei (o que o STF modula são os efeitos da vigência da lei inconstitucional; não sua existência ou validade). Mas a pergunta permanece: há ou não repristinação no Brasil? Como entendemos que repristinação é a volta automática (e não provocada) de lei já revogada, simplesmente NÃO existe tal instituto em nosso país. 0.6.3 EFICÁCIA DA LEI NO ESPAÇO Em regra, a lei brasileira vige no território brasileiro; é a regra da territorialidade. Por exceção temos a ultraterritorialidade e intraterritorialidade. Ultraterritorialidade (ou extraterritorialidade) é o fenômeno em que a lei brasileira tem vigência em território estrangeiro. Intraterritorialidade é a situação na qual lei estrangeira vige no território brasileiro. Alguns exemplos de intraterritorialidade são encontrados na LINDB, como a sucessão de estrangeiros no Brasil, institutos de direito de família e regência de obrigações constituídas em território estrangeiro. 0.6.4 CONFLITOS DE LEI O sistema jurídico é um todo unitário, no qual suas peças devem funcionar perfeitamente; ainda assim, nada impede que haja conflito pelo fato de existir mais de uma norma a regular o mesmo aspecto de um mesmo fato. Norma surge a partir de nomos, reta. “Antinomia” é a existência de mais de uma lei regulando um mesmo fato. Os casos de antinomia são resolvidos pelos seguintes critérios: 29 “critério hierárquico”, em que a lei superior prevalece sobre a lei inferior; o critério da “especialidade” (ou da “amplitude”), em que a lei especial prevalece sobre a lei geral. E o critério “cronológico”, em que a lei posterior prevalece sobre a lei anterior. Ainda assim a resolução da antinomia não é pacífica. Quando se chocam os princípios da especialização e os cronológicos, há doutrinador que sustente que um e outro método devem preponderar sobre o outro. Entendemos que o critério da especialidade deve sempre preponderar. Em tempo: a falta de lei chama-se “anomia”. 0.6.5 ESTRUTURA DA LEI Existe uma regra para a redação das leis. A grafia da lei inicia-se pela epígrafe, que indica a espécie normativa, o número e a data da lei; logo depois haverá a ementa, que é a indicação do que será tratado na lei. O preâmbulo indica a origem da lei e o fundamento do poder para a emissão daquela norma. Segundo a Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998 (é esta a norma que regulamenta a redação das leis), cada lei deve ter um único objeto. São comuns armadilhas de esconder normas em leis que não tratam daquele assunto específico; é a famosa “... e dá outras disposições”. Embora o Art. 9.º da LC 95/98 enuncie que “a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou as disposições legais revogadas”, às vezes isso é impossível, principalmente em leis tributárias, nas quais uma lei se refere a dezenas; quando não a centenas de outras leis. A estrutura do texto geral da lei é: Parte Livro Título Capítulo Seção Subseção. Deixamos claro que o leitor só encontrará todas essas divisões em grandes leis, e tal sequência só é fielmente seguida em leis pós-1998. São as divisões da lei. Temos, então, as unidades normativas. Inicialmente em artigos9, que se desdobrarão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas, e as alíneas em itens. Os artigos são enumerados em ordinais até o nono, e em cardinais dodez adiante. Os parágrafos são representados pelo sinal gráfico “§”, seguido de numeração ordinal até o nono; e cardinal a partir de dez. Aliás, outra leseira tipicamente brasileira: O símbolo “§” se chama section; isso mesmo! “Seção” em inglês! (o símbolo é a junção de duas letrinhas “S”, uma em cima da outra). É um símbolo anglo-saxônico para indicar “seção” de uma lei; e aqui é usado como... “parágrafo”! Aliás, quando só existe um parágrafo em um artigo, o correto é usar a expressão “parágrafo único" (por extenso, e não como usamos até inadvertidamente no cotidiano: “§ ún.”). 9 O artigo segue ordinal até o nono; e cardinal a partir deste. 30 A lei é estruturada em disposições preliminares, em disposições gerais e em disposições finais e/ou transitórias; essas últimas disposições são necessárias para reger os fatos cujos efeitos transitam entre uma lei antiga e uma nova. 0.6.6 O CÓDIGO CIVIL – SUA HISTÓRIA E CRÍTICAS Nossa legislação civil foi, inicialmente, portuguesa, óbvio; até depois da Independência, continuou a sê-lo, já que internalizamos, na emancipação, arcabouço normativo naquele momento existente. E não tínhamos código, já que a legislação civil portuguesa estava espalhada em vários diplomas (Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas). Continuamos a não ter, no Império, um código civil, mas não faltaram tentativas, a saber: Projetos de Teixeira de Freitas (1859), Nabuco de Araújo (1872), Felício dos Santos (1881) e Coelho Rodrigues (1893); mas o que vingou foi o Projeto de Clóvis Beviláqua, entregue para discussão em 1899, sendo aprovado e publicado em 1916, para entrar em vigência a partir de 1.º de janeiro de 1917, só então ocorrendo a revogação da lei civil vigente (Ordenações Filipinas). O nosso primeiro código, portanto, já nascia “velho” até para a sua época; tanto que já a Lei 3.274, de 25/1/1919, fez diversas modificações no Código, seguidas por tantas outras. E, logo na metade do século XX, reconheceu-se a necessidade de um novo código, visto que o Código de 1916 foi escrito sob a influência do ambiente do século anterior, não contemplando muitas das novas situações de fato existentes. Em 1963 tivemos o primeiro projeto de um novo código, apresentado por Orlando Gomes e Caio Mário. Em 1969, sob a coordenação de Miguel Reale, começou a ser escrito o projeto do nosso atual código, juntamente com os juristas Arruda Alvim, Sílvio Marcondes, Herbert Chamon, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro. O projeto foi concluído em 1972, seguindo para votação na Câmara dos Deputados em 1975, ficando lá até 1984, quando então foi encaminhado ao Senado, onde permaneceu até 1998; retornou à Câmara, sendo aprovado definitivamente em 2001. Foi promulgado em 10 de janeiro de 2002, sendo publicado no dia seguinte, entrando em vigor 11 de janeiro de 2003. Talvez pelo fato de ser fruto do trabalho de muitas pessoas (Miguel Reale foi o relator, mas não o único autor!), entendo que o Código Civil Brasileiro sofre com quatro grandes defeitos: É anacrônico – Nosso CCB revela uma sociedade que não mais existe; uma sociedade dos anos 60. Talvez a extensão do texto tenha gerado preguiça em sua atualização durante sua tramitação no Legislativo (26 anos!); a impressão que se tem é que um terço do texto está fora do tempo. É lacunoso – Ok! Toda a lei o é... mas precisava ser tanto?! Biodireito? Nascituro? União homoafetiva? Sucessão na união estável (que não gere dúvidas)? Esqueça! A doutrina e a jurisprudência que se virem para regular... 31 É copiado – É chamado de “novo” em contraposição ao “antigo”, mas, de novo tem quase nada; o pecado maior é que, ao invés de o legislador escrever um Código realmente novo, simplesmente tomou o texto do Código de 1916 e saiu “atualizando” o texto aqui e ali; resultado: já não basta o primeiro defeito (ser anacrônico), ainda é uma cópia reciclada do que já existia. É enrolado – Responsabilidade civil é tratada lá pelo Artigo 186, depois lá pelo 402, depois voa lá para o 927. Pow, legislador! Não dava para ser menos complicado, não? E os livros dos “Fatos jurídicos” (Arts. 104 a 232) então? Existem livros e livros só para tentar “explicar” aquilo ali. A coisa é tão maluca que o CCB trata sobre validade dos negócios jurídicos (ao tratar dos defeitos); depois trata sobre eficácia; e depois.... volta a tratar sobre validade novamente! Dava para ser mais linear, não? Ah! Lembre-se de que, embora ele seja nominado de “Código de 2002”, em verdade só vigeu a partir de 2003, pois tivemos um ano de vacatio legis. Assim, em 2002, tínhamos dois CCBs! Um ainda vigendo e outro já publicado, esperando viger. 0.7 RELAÇÕES JURÍDICAS O conceito de relação jurídica não é difícil; apenas precisamos construir um raciocínio até seu entendimento, partindo da noção de “interesse”, que é o que temos quando queremos colher uma vantagem ou uma utilidade de algo ou de alguém. Quando duas ou mais pessoas entregam algum sacrifício, abstenção (algo ruim) em troca da satisfação de algum interesse (algo bom), temos o conceito de relação. “Relação”, portanto, significa “troca de interesses”. Desde que temos a cognição formada, lá pela primeira infância, vivemos em relação. Com a família, com a comunidade, com a escola etc. Na etimologia, a palavra “relação” vem de relatio, cuja origem é relatus, particípio passado de referre, formado este verbo de ferre, levar ou trazer, mais a partícula re (significando repetição), o que dá ao verbo referre o sentido de levar ou trazer de novo; e à palavra “relação” o sentido de ida e volta, de reciprocidade.10 Existem dois tipos de relação, a jurídica e a não jurídica. A relação não jurídica (também chamada de comum) é aquela em que, se um componente descumprir sua parte do acordo, o Poder Judiciário nada poderá fazer para forçar o cumprimento ou para punir essa pessoa; exemplo de relação comum: amizade, coleguismo e namoro. Note que, se um amigo trair a confiança do outro, não existe ação judicial apta a punir esse mau amigo ou forçá-lo a manter-se confiável. 10 BERMUDES, Sergio. Introdução ao processo civil. 2.a ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 1996. p. 75. 32 Mas pense em uma compra e venda, aluguel, contrato de trabalho: são relações. Mas aqui o componente que descumprir sua parte no acordo será forçado ou sancionado pelo Poder Judiciário. Assim, uma relação é chamada de jurídica quando o Poder Judiciário possui algum meio (mediante ação) para forçar o cumprimento ou para punir quem descumpriu. As relações jurídicas são formadas por sujeitos e objetos. Sujeitos são os seres que atuam na relação jurídica existente. Objetos representam aquilo sobre o que recai a relação jurídica. 0.8 “ESQUEMA” DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Já aprendemos o que é uma “relação jurídica” e que é formada por sujeito e objeto. Os sujeitos das relações jurídicas são as pessoas. Os objetos, direta ou indiretamente, são bens (pois, mesmo quando o objeto é atividade, se descumprida, termina em perdas e em danos, o que resultará em bem). Mas, para que haja as relações jurídicas, precisamos de um método, de uma maneira, um modus-operandi. Pois bem! A maneira como se são as relações jurídicas são os “Fatos Jurídicos”. Temos, pois, sinteticamente: QUEM desenvolve as relações jurídicas – são as PESSOAS; O QUE é objeto das relações jurídicas – são os BENS; COMO se dão as relações jurídicas – são os FATOS JURÍDICOS. Figura 4 - Quem, o que, como? As pessoas e os bens são chamados de elementos estáticos das relações jurídicas, pois, por si sós, nada fazem acontecer no mundo jurídico. Já o elemento “Fatos Jurídicos” é dinâmico, pois são tais fatos fazem que as relações ocorram, fazem que as pessoas se relacionem e movimentem osbens; daí por que dizemos que são os fatos que movimentam as pessoas e os bens. A propósito, a parte geral do nosso Código Civil é justamente dividida em... Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos! 33 O Código contém, em seus diversos livros, os mandamentos que regem a nossa vida desde antes do nosso nascimento; e continua regulando os atos existentes após a nossa morte, senão vejamos: desde a concepção o Código Civil já tutela os direitos da personalidade. Do nascimento com vida à morte, o Código regula os negócios jurídicos por nós praticados, com as obrigações, os contratos; regula também nossas relações com as coisas. Em algum momento de nossas vidas, normalmente, casamo-nos. Este ato é regulado pelo direito de família. E, após a nossa morte, as relações jurídicas envolvendo os sucessores de nosso patrimônio serão reguladas pelo direito das sucessões. O Código Civil possui duas partes: na Parte Geral, trata dos elementos das relações jurídicas (pessoas, bens e fatos jurídicos). Na Parte Especial, encontramos algumas relações jurídicas específicas. Assim foi montado o nosso Código Civil: na Parte Geral, Livro das Pessoas, dos Bens e dos Fatos Jurídicos. A Parte Geral é de importância primordial no estudo do direito civil brasileiro, visto que todos os demais assuntos jurídicos, nessa esfera, necessariamente dependem do conhecimento da teoria geral do direito civil: Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos; isso é básico para o entendimento da Parte Especial do Código Civil Brasileiro, fruto da labuta de vários juristas, sob a coordenação de Miguel Reale11, que começou a ser escrito em 1969, entrando em votação em 1976, arrastando-se pelo Poder Legislativo até 2002. Na Parte Especial, temos o Livro do Direito das Obrigações, da Empresa, das Coisas, de Família, das Sucessões e um último, chamado Livro Complementar. Temos uma peculiaridade em nosso Código; se formalmente temos um único Código, materialmente temos dois: um Código Civil e um Código Empresarial. Este último fora enxertado no Livro II da Parte Especial (“Da Empresa”); bem poderia estar em lei própria, mas, seguindo inspiração italiana, o legislador optou por deixá-lo inserido no Código Civil. O Código Civil se alinha ao Direito Romano-Germânico, com influências ainda das Ordenações Filipinas, Encíclicas Papais, Código Alemão (chamado de “BGB”) e até dogmas religiosos. Deixamos claro que o direito civil é composto pelo Código Civil e pelas leis extravagantes (que se referem às normas já codificadas) e pelas leis especiais (que tratam de temas civis, mas não inseridos no Código), além das regras constitucionais que, em verdade, são as primeiras e mais importantes a nortear o direito civil. 11 Miguel Reale, um dos papas do direito brasileiro, nasceu em São Bento do Sapucaí, em 6 de novembro de 1910, e faleceu em São Paulo, em 14 de abril de 2006 (Fonte: http://pt.wikipedia.org) http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Bento_do_Sapuca%C3%AD http://pt.wikipedia.org/wiki/6_de_novembro http://pt.wikipedia.org/wiki/6_de_novembro http://pt.wikipedia.org/wiki/1910 http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Paulo_%28cidade%29 http://pt.wikipedia.org/wiki/14_de_abril http://pt.wikipedia.org/wiki/2006 34 1 Teoria Geral 35 1 TEORIA GERAL Após estudarmos a localização do direito civil entre os ramos (didáticos!) do direito, adentremo-nos agora no estudo da nossa matéria-objeto: o Direito Civil; e vamos fazê-lo seguindo a sua principal lei infraconstitucional: o Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Demos o nome de “Teoria Geral” ao capítulo que tratará sobre a Parte Geral do Código. A Parte Geral é de importância primordial no estudo do direito civil brasileiro, visto que todos os demais assuntos jurídicos, nessa esfera, necessariamente dependem do conhecimento da teoria geral do direito civil: Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos; isso é básico para o entendimento da Parte Especial do Código. 1.1 PESSOAS Embora o ser humano esteja localizado no centro do direito, descobriremos que, no direito civil, os humanos são “apenas” uma das duas espécies de pessoas. Passemos ao estudo dos atores do mundo jurídico. 1.1.2 CONCEITO DE “PESSOA” Tudo o que existe no universo é chamado de “ente”. Quando um ente pode ter direitos e/ou obrigações, passa a se chamar “pessoa”. Pessoas são, portanto, os sujeitos de direitos e de obrigações. São os elementos ativos das relações jurídicas; são os atores. A essa característica (ter aptidão para ter direitos e obrigações) chamamos “personalidade”. As pessoas, no direito brasileiro, se dividem em pessoas naturais e pessoas jurídicas. Pessoas naturais são as existentes a partir de gametas humanos, e as pessoas jurídicas são entes não humanos, criados pela mente humana. Estudaremos cada uma a seguir. 1.1.3 PESSOA NATURAL É a pessoa gerada, concebida a partir de gametas humanos masculino e feminino, daí o nome de “natural”. É chamada de “pessoa física” por outros ramos do direito, já que possui existência tangível, corpórea. Ao estudarmos a “pessoa natural”, aproveitaremos o ensejo de desenvolver o estudo sobre personalidade e seus institutos afins. Vários são os elementos de identificação da pessoa natural: nome, estado civil, domicílio. Como já estudamos, é o atributo da “personalidade” que torna um ser humano uma pessoa. O próximo capítulo trata sobre a personalidade da pessoa natural. 36 1.1.3.1 PERSONALIDADE É a personalidade que distingue as pessoas dos demais entes. Ocorre que a palavra “personalidade” no direito não é utilizada como o é nos termos do dicionário ou na psicologia. Para o direito, personalidade é a aptidão para se ter direitos e obrigações. Para o direito, o que nos distingue dos animais irracionais é a personalidade. Não é a razão ou a capacidade de pensar. É de triste memória que, até quase fim do século retrasado, os escravos não eram dotados de personalidade. Um dos requisitos até 1888 para que um ser humano tivesse personalidade era ser “livre”. Ou seja, personalidade é um atributo dado pelo direito, por meio de lei, não pela natureza. Então, isso significa que, se uma lei brasileira atribuir personalidade aos animais irracionais (incluindo insetos e vegetais), estes passarão a ser pessoa? Exato! A personalidade possui vários atributos: atributos visuais, auditivos e imateriais. Tais atributos são tutelados pelos direitos da personalidade, que serão estudados em tópico próprio desta obra. Apresentamos alguns motivos pelos quais um nascituro (ser humano já concebido, mas ainda não nascido) é pessoa. Embora ainda haja alguma resistência a tal ideia, lembramos que algo que hoje é óbvio um dia foi absurdo; e as discussões sobre o que era absurdo fizeram mudar algum paradigma; depois a mudança foi aceita, até se tornar óbvia. E depois nos perguntamos como pôde o atual óbvio já ter sido considerado absurdo um dia. Nascituro (mórula, blástula, embrião, feto) possui personalidade jurídica, já que “personalidade” é a aptidão para ter direitos e obrigações”; e são direitos do nascituro: receber doação, receber herança, reconhecimento de sua paternidade, ter a vida protegida; bem, se “pessoa” é o ente apto a ter direitos e obrigações, e a própria lei confere direitos ao nascituro, pela conclusão lógico-matemática, nascituro só não seria pessoa se o conceito de pessoa fosse mudado; o Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, enuncia que “todo ser humano é pessoa”; então, para se afirmar que feto não é pessoa, precisamos mudar também o conceito de “ser humano”; o referido pacto (em verdade, uma “Convenção Americana sobre Direitos Humanos”), de 1969, foi internalizado no Brasil por meio do Decreto Legislativo n.o 27, de 26 de maio de 1992; embora o Artigo segundo do CCB enuncie em seu início que
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