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Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom GETÚLIO VARGAS DO HOMEM AO MITO POLÍTICO: A DESCONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM (1930 – 1945) SAMANTHA PEREZ DE SANTANA (Mestranda em História Social – PUC-SP) samanthahist@hotmail.com A fotografia tornou-se, a partir do século XIX, uma forma de se reproduzir realidades, transformando-se num instrumento de articulação entre o real e aquilo que se desejava como analagon. Uma nova tecnologia foi aos poucos desenvolvida, de inicio, para testemunhar a veracidade dos eventos e, neste sentido, evidenciar a existência do que havia sido retratado. As transformações da sociedade foram a principal pauta do momento. Após a revolução de 30, urgia negar o passado, baseado nas relações de poder das oligarquias cafeeiras, para principiar um novo panorama político. A produção imagética deste período buscou aproximações com o real. Os temas fotografados saíram da esfera privada e intimista, como cartões de visita e retratos, dando espaço ao público e aos eventos políticos. O governo provisório, instaurado a partir de então, buscava o reconhecimento e a legitimidade de suas ações através de discursos que evocavam a necessidade do País em passar por transições, como as de agrário para industrial. A centralidade do poder trazia questões políticas que envolviam modernidade e desenvolvimento. A tradução visual do discurso desenvolvimentista deu-se na necessidade do registro dos eventos ligados não somente ao político como também ao econômico, pois estes representavam o desenvolvimento tecnológico e industrial, colocando em evidência as medidas e propostas do novo governo. A fotografia assumiu função de primeiro plano no governo Vargas, ao assegurar que, através da imagem, o discurso do governo alcançasse boa parte dos populares e fornecesse a eles uma impressão de participação no governo, através da emoção e evocando sentimentos ligados ao País. Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom Vargas e seu governo se apóiam na verossimilhança com o referente para tornar o discurso válido, no entanto, as fotos eram na verdade realidades construídas e, mesmo que absorvessem características de referências ao real, não deixavam de ser representações do mesmo. Estas imagens construíram uma narrativa oficial, auxiliando na criação de um imaginário político e social intencionalmente elaborado pelo governo. As propostas e feitos do governo eram transformados em narrativas fundamentadas na visualidade da fotografia, que propunha testemunhar os eventos. Fotos fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar mas de que duvidamos parece comprovado quando nos mostram uma foto. Numa das versões da sua utilidade, o registro da câmara incrimina. (...) Numa outra versão de sua utilidade, o registro da câmara justifica. Uma foto equivale a uma prova incontestável de que determinada coisa aconteceu. A foto pode distorcer; mas sempre existe o pressuposto de que algo existe, ou existiu, e era semelhante ao que está na imagem. (...) uma foto – qualquer foto – parece ter uma relação mais inocente, e, portanto mais acurada, com a realidade visível do que outros objetos miméticos. (SONTAG, 2004,p.16) Para atender esta necessidade de testemunho, o espaço da fotografia foi meticulosamente disposto e articulado: os objetos, a composição da cena e os representados eram dispostos de modo a confirmar um discurso intencional ou ideológico. A imagem torna-se uma linguagem e uma prática discursiva, usada para promover o governo e a figura de Vargas, a inteligibilidade dos projetos do governo e de sua atuação eram impressos nas fotografias, que tinham papel importante na propagação ideológica do período. Dentre muitos dos instrumentos usados nos primeiros anos do governo Vargas, a produção imagética, através da fotografia, serviu como um analagon que atestava a veracidade dos acontecimentos, buscando reforçar sua legitimação. A fotografia tornou- se prática discursiva, semelhante a usada pela Igreja para pregar os conteúdos de sua doutrina. Assim como a igreja se utilizou deste recurso por muito tempo como uma maneira de informar e educar o olhar do fiel – usando a força dos símbolos como o peixe, a cruz, a lágrima e o sangue, entre outros símbolos associados às imagens como Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom os santos, as virgens e os personagens bíblicos –, Vargas também usou este recurso para compor uma narrativa através da imagem visual. A reflexão desta força simbólica usada tanto pela igreja quanto por Vargas vai além da experiência visual e da evocação de sentimentos, memórias e significados, ela é tecida no estabelecimento de vínculos, tanto social quanto políticos. A imagem é passível de interpretação no ato de sua leitura, uma vez que é imbricada de intencionalidades, significados e valores atribuídos a ela na sua construção, desde o produtor (fotógrafo, pintor, escultor) ao receptor (populares, fiéis), filtros culturais comuns que influem sobre a imagem na sua produção e resignificação. As imagens do período são manipuladas desde sua produção até a recepção, passando por sua veiculação e difusão, e recebem resignificações e funções independentes das propostas que a geriram. Para que haja um entendimento da mensagem codificada nestas produções imagéticas, necessariamente, há de se ter uma convenção simbólica de significados, pois é através deles que as imagens serão compreendidas. As convenções simbólicas podem ser entendidas como um comum acordo do que o representado venha a significar, por exemplo, a centralidade e posicionamento de Vargas nas fotos podem ser traduzidos como a centralidade do poder nas mãos do governante, e muitas outras releituras podem se formar a partir dos códigos culturais que o receptor possui. As relações entre os produtores da imagem e os receptores (populares), tornam- se uma interpretação narrativa dos eventos, demonstrada pelo posicionamento, escolha dos presentes na fotografia, cenário, vestuário, maneiras de exclusão e visibilidade. O espectador, a partir de seus códigos culturais e sociais, constrói para si um significado, capturado, muito além do que foi apreendido, pelo olhar na fotografia, pois ela tem o poder de despertar nele emoções, inquietações, trazer à tona memórias, conflitos e tensões, entre outros sentimentos, e, com isto, criar um imaginário. As imagens fotográficas, por sua natureza polissêmica, permitem sempre uma leitura plural, dependendo de quem as apreciam. Estes, já trazem embutido no espírito, suas próprias imagens mentais preconcebidas acerca de determinados assuntos (os referentes). Estas imagens mentais funcionam como filtros: ideológicos, culturais, morais, étnicos etc. Tais filtros, „todos nós temos‟, sendo que cada receptor, individualmente, os mencionados Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom componentes interagem entre si, atuando com maior ou menor intensidade. (KOSSOY, 2002,P.44) As imagens, ao servirem de registro dos eventos, reafirmavam o seu caráter legitimador. Os retratados eram essencialmente ligados ao cenário político, em sua maioria, representados por de eventos políticos, posses e nomeações. Neste período inicial do governo,não há produção fotográfica que representasse os populares. Há de se procurar nas imagens sua inteligibilidade, fugir do aparente (ir à busca da desconstrução). Nesse sentido, observa-se, no Brasil, a partir de 1930, um aumento significativo da produção fotográfica, uma nova preocupação com o processo fotográfico, influenciado pela inserção de novas tecnologias de políticas desenvolvimentistas no País, interesse, inclusive, movido pelos ideais de modernidade e progresso, amplamente defendidos na revolução de 1930 e centralizado na figura de Getúlio Vargas. Houve desde o início uma preocupação do governo Vargas em educar o olhar do popular na leitura e interpretação das fotografias. Em julho de 1931, diversos ministérios e departamentos foram criados com este objetivo, como, por exemplo, o Departamento Oficial de Publicidade (DOP), que fornecia informações sobre o governo Varguista à imprensa e aos demais setores de comunicação. As fotos oficiais demonstram a necessidade de legitimação e uma ruptura com o passado oligárquico em busca do futuro da modernidade e da industrialização. Elas deveriam mostrar aspectos de novos processos que influíram sobre a sociedade: retratando Vargas em inaugurações, em comícios, a bordo de aviões e navios e desfiles cívicos organizados pelo Estado. O conjunto de imagens produzido até 1933 trata de temáticas ligadas aos eventos políticos e a Nova Constituição de 1934 com suas novas temáticas. A partir desta, os personagens retratados mudam, a visibilidade passa agora a se direcionar aos privilegiados na Constituição: a mulher e os trabalhadores. Os temas abordados nas fotografias, a partir da instauração da Nova Constituição de 1934, giram em torno de temas ligados à mulher, à família e aos trabalhadores, uma articulação simbólica entre o que a constituição traria de novo e Vargas - que começa a ser conhecido por Pai dos Pobres, Chefe da Nação - iniciando, assim, a construção de um legado, com a fotografia como instrumento político e Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom propagandístico do Estado, similar às práticas usadas no Nazismo e no Fascismo, e que, posteriormente, foram amplamente usadas na América Latina por Vargas e Perón. Nas democracias, as potencialidades dramáticas são as mais débeis. Nos regimes autoritários que se fundamentam na política de massas, a teatralização tem papel mais importante: o mito da unidade, a imagem do líder atrelado as massas convertem o cenário teatral especialmente adequado para o convencimento. O imaginário da unidade mascara as divisões e os conflitos existentes na sociedade. (CAPELATO, 1998, p.57) As ideologias e os projetos políticos nortearam a produção fotográfica, deram a ela caráter singular, absorvendo características de outros moldes; a propaganda e o Estado fundiram-se em um projeto comum, o apelo aos sentimentos, em especial ao nacionalismo. No que se refere à recepção destas imagens, há uma espécie de mão dupla, uma troca de significados e valores, pois a interpretação e absorção de significados não são passivas, embora haja entre aquele que detém o poder e os populares uma relação de dominação. A figura de Vargas foi construída a partir de uma vasta produção imagética que teve função propagandística e legitimadora, por conseguinte, seu governo também se utilizou das imagens como veículo de transmissão de ideologias e comunicação entre o governante e os populares. Os cenários perfeitos tornam-se as inaugurações nos mais diferentes âmbitos: hospitais, setor privado, desfiles, congressos; fortalecendo a intervenção e presença efetiva, tanto de Vargas, quanto de sua política, em muitos setores da sociedade. As aplicações das fotografias em destaque na imprensa requeriam especial dedicação e preocupação, porque nelas havia a função de disseminação dos projetos e intenções políticas de Vargas e seu governo. O governo criou para si e para os populares um contínuo espetáculo de eventos e cerimônias como os desfiles cívicos de sete de setembro, da juventude, primeiro de maio e dia do trabalhador, além de outras medidas que, na verdade, serviam como palco para a exaltação de Vargas e sua imagem. O uso da máquina do Estado de difusão e propaganda, iniciado com a criação de diversos departamentos e fortalecido Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom posteriormente com o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), exerceu com pertinácia este objetivo político. Anterior ao DIP, outros departamentos foram criados para intervir na produção e veiculação das imagens, no rádio, revistas e jornais, entre outros meios de comunicação. Em consequência disso é que o autoritarismo ganhou forças, uma vez que controlou a circularidade das informações e propagação dos ideais do Estado. No entanto, a recepção desta censura também não foi passiva. As mensagens do DIP causaram impacto social e político na história social e cultural do período em que atuou. A fotografia e os meios de comunicação tornaram-se responsáveis por denotar visibilidade ou anonimato a personagens e eventos, na mesma intensidade, disputando poder e notoriedade no espaço público. Comumente evocavam o futuro e o desenvolvimento e os responsáveis recebiam reconhecimento através das lentes do fotografo, entrando, desta maneira, para o registro na História, através da imagem assegurada pela impressão e propagação. Com o Estado Novo, surgiram ainda mais departamentos, comissões, conselhos e órgãos governamentais, como formas de controle e intervencionismo do Estado. O período ficou marcado com a criação, por exemplo, do Conselho Técnico de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda. Posteriormente, em 1938, 1939, 1941, respectivamente, foram criados o Conselho de Água e Energia, a Comissão Executiva do Plano de Siderurgia Nacional, a Comissão do Vale do Rio Doce, o Conselho Federal de Comércio Exterior, dentre outros. Nesse período, muitas das medidas do governo de Vargas foram inspiradas em modelos europeus autoritários, trabalhados através de temas como a ordem e o progresso e a preocupação de influir sobre a juventude, de fazer a propaganda política e ideológica do Estado através da educação. As manifestações cívicas transformaram-se em momentos de exaltação à figura de Vargas: retratos e faixas lhe faziam reverência com títulos como “Chefe da nação”. Neste momento, sua imagem e os feitos de seu governo eram comumente destacados pelos órgãos de difusão e comunicação em torno de um projeto comum: o desenvolvimento e o nacionalismo. Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom Em boa parte dos governos autoritários há grande esforço em exaltar seus líderes, no governo Varguista não foi diferente: as fotografias oficiais eram uma forma de evocar os sentimentos de identidade nacional, civilismo, progresso e enaltecimento do presidente, ingredientes para a unificação dos valores e interesses nacionais. Em 1934, com o Departamento de difusão cultural, o intelectual Lourival Fontes - conhecido na historiografia a respeito por Goebbels Tupiniquim, uma alusão à proximidade de suas idéias as de Paul Joseph Goebbels - passou a ser o responsável pelo trabalho de propaganda e difusão das imagens oficiais através das cartilhas, livros escolares, desfiles, biografias e monografias. Esta produção da imagem, tantode Vargas quanto de seu governo, foram aperfeiçoadas com o DIP a partir de 1939. As fotografias, neste momento, assumem o papel de revelar um imaginário social construído e fortalecido, pois elas tornam o simbólico compreensível. Os departamentos vêm a fotografia enquanto instrumento de manipulação da informação a respeito de Vargas e do Estado Novo. Devido a isto, o DIP assume tamanha importância no governo varguista: a de censurar, construir e propagar a imagem adequada às idéias do Estado. Ao operar as imagens, o DIP atribui a elas diversas batalhas simbólicas, abrangendo uma gama ampla de atribuições burocráticas, todo o imaginário social e político do Estado Novo. No que se refere ao controle do Estado sob a produção, distribuição e controle das informações e imagens de Vargas e de seu governo, foi criado, em 04 de setembro de 1940, os DEIPs (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), órgãos regionais responsáveis pelo controle e censura locais, sendo subordinados ao DIP. As imagens do período orientado pelo DIP seguiram duas frentes, necessariamente: uma adotando os critérios anteriores ao departamento, privilegiando os eventos e feitos do governo, desfiles, comemorações e a figura Varguista; outra, marcada por uma acentuada mudança, o contexto em que são produzidas mudam, e com isto os representados também. Agora, a ênfase estaria também na relação de Vargas com os populares, com o progresso e com o desenvolvimento. De acordo com as propostas defendidas e muito usadas pelo DIP, as imagens formam um discurso, instigadas pelo olhar e alimentadas pela legenda. Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom No agrupamento de diversos temas, imagens e legendas, o DIP esforçou-se em persuadir os populares, construindo discursos e usando a imagem como prova do trabalho de Vargas e de seu governo. O uso da foto-montagem pelo DIP foi uma estratégia política e propagandística para reforçar as realizações e projetos do governo Vargas. Há, nestas fotomontagens, uma bricolagem de fotos para mostrar o presidente como um chefe atento aos acontecimentos a sua volta, supervisionando e participando efetivamente do desenvolvimento da nação. Sua figura transmite um ar de seriedade, observância, uma mão forte para a construção de um futuro glorioso. Mais uma vez, o departamento tenta imprimir na fotografia um caráter de fidelidade aos eventos, de registro, mas é importante considerar que não se discute a veracidade com que foram representados, mas sim a intencionalidade desta construção. A Agência Nacional intervinha nas publicações, inclusive com matérias dirigidas para o rádio, através de programas como a Hora do Brasil, e no Cinejornal Brasileiro, com filmes; além de concursos de monografias e outras publicações, produção de livretos e cartilhas. Neste momento, observa-se a expansão dos meios de comunicação e o intercâmbio cultural, principalmente, como os Estados Unidos. Através das imagens, observa-se alguns momentos destes intercâmbios como, por exemplo, Walt Disney, ao criar o personagem Zé Carioca, personalizando a política da boa vizinhança que se estabeleceu entre Brasil e Estados Unidos, onde a propaganda incutia no país a adoção de costumes e boa parte da cultura americana. Há, inclusive, neste momento, o envio ao Brasil de um escultor chamado Jo Davidson para esculpir o busto de Vargas. Este reforço da imagem presidencial e dos heróis e mitos, tanto da esfera pública como política, é uma característica do povo americano que vê, nestes atos, uma perpetuação do representado. As imagens, neste momento de intervenção do DIP, não podem ser analisadas fora do contexto em que foram produzidas, não são isoladas da atribuição simbólica do regime autoritário de Vargas, recebem, na sua idealização e até no ato fotográfico, diferentes intenções e interpretações. As análises das imagens produzidas, desde a criação do DIP, em dezembro de 1939, até a extinção do departamento, em 1943, fogem à regra dos demais períodos pesquisados. Elas são, em todos os aspectos, diferentes das produções anteriores: os Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom populares recebem, pela primeira vez, notoriedade, porém ainda se encontram em tamanho e posicionamento inferiores a Vargas. Os temas que recebem maior destaque relacionam-se com as indústrias, o desenvolvimento e a guerra. Ainda que produzidas em menor escala, nota-se aqui e ali um eventual retorno das cenas regionais e familiares. Outros instrumentos apologéticos e propagandísticos como livros escolares, cartilhas, filmes, concursos de monografia e outros compuseram, aliados a fotografia, um caráter mítico a Vargas; e a censura do departamento de imprensa e propaganda constibuiu para que produções fora destes modelos não fossem divulgadas. (...) o poder simbólico não reside nos „sistemas simbólicos‟ em forma de uma „illocutionary force‟ mas se define numa relação determinada - e por meio desta - entre os que exercem o poder e os que lhes estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras. (BOURDIEU, 1989, p.14-15) Os fotógrafos, os elementos presentes na fotografia e os representados, produzidos no período de censura e controle dos meios de comunicação através do DIP, tinham a função de penetrar no imaginário social e conduzir a significados e valores carregados de interesses políticos, promovendo o regime através da elaboração de formas simbólicas de poder. A produção fotográfica alimentada pelo simbólico une o discurso do governante ao desejo de um futuro glorioso, valorizando a nacionalidade e seduzindo com imagens, favorecendo a aceitação do governo pelos populares. No ato fotográfico, todos os elementos são significativos para estas fotografias, no entanto, na interpretação, alguns podem ser negligenciados ou enaltecidos, segundo convenção ou significado que podem assumir. As imagens condicionam o olhar, o processo que o faz é signico, é disparado por elementos que, sofisticadamente associados, expressam valores e idéias. O mito político de Vargas foi construído através de diversos meios de comunicação, dentre eles a fotografia, a visualidade narrativa dos eventos, personagens e figura de Vargas foram traduzidos na produção imagética do período. Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom Os mitos políticos enraízam-se na realidade como ponto fundador, em meio a crises e entraves sociais e políticos estabelecem-se como detentores da nova ordem social e política, ocupam a lacuna com uma retórica fabulosa de propostas que abandonam o passado e enaltecem o futuro. Na figura de Vargas, a construção deu-se muito cedo, sua carreira política foi colaboradora na produção de sua imagem, o lado regionalista e familiar esteve presente por diversos momentos, uma maneira, de através da visualidade do discurso, propor a união, a importância da família, dos valores e dos costumes. Os elementos que favoreceram a elevação de Vargas a mito político são muitos, no entanto alguns saltam ao olhar, a partir do privado (a família, o regional)ganham valorização no espaço público: um elo entre o governante e os populares, porque reconhecerem nele significados que lhe são íntimos. Os mitos políticos de nossas sociedades contemporâneas não se diferenciam muito, dos grandes mitos sagrados das sociedades tradicionais. A mesma e essencial fluidez os caracteriza, ao mesmo tempo em que a imprecisão de seus respectivos contornos. Imbricam-se, interpenetram-se, perdem-se por vezes um no outro. Uma rede ao mesmo tempo sutil e poderosa de liames de complementaridade não cessa de manter entre eles passagens, transições e inferências. A nostalgia das idades de ouro findas desemboca geralmente na espera e na pregação profética de sua ressurreição. (GIRARDET, 1987, p.15) Há neste momento um vínculo comum a todos, a necessidade de rompimento com um passado e a necessidade de direcionamento a um futuro promissor, este sentimento se torna a coesão social necessária para a criação do mito político Vargas. Vargas surge como o personagem capaz de sanar as crises e assume com isto a função de Pai dos Pobres, Chefe da nação; dentre outros inúmeros atributos, esta característica heróica resguarda a centralidade do poder a Vargas. O reconhecimento social e político de Vargas se deram através do uso das imagens como legitimador e revelador ideológico de seu governo. O imaginário social da era Vargas foi estimulado e manipulado, pelo uso dos meios de comunicação e propaganda, com destaque para a produção fotográfica a serviço do Estado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, p.14-15 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1998, p. 57. GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo. Companhia das letras. 1987. KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002, p.44. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 16.
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