Buscar

GETÚLIO VARGAS DO HOMEM AO MITO POLÍTICO

Prévia do material em texto

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
GETÚLIO VARGAS DO HOMEM AO MITO POLÍTICO: A 
DESCONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM (1930 – 1945) 
 
SAMANTHA PEREZ DE SANTANA 
(Mestranda em História Social – PUC-SP) 
 samanthahist@hotmail.com 
 
A fotografia tornou-se, a partir do século XIX, uma forma de se reproduzir 
realidades, transformando-se num instrumento de articulação entre o real e aquilo que se 
desejava como analagon. Uma nova tecnologia foi aos poucos desenvolvida, de inicio, 
para testemunhar a veracidade dos eventos e, neste sentido, evidenciar a existência do 
que havia sido retratado. As transformações da sociedade foram a principal pauta do 
momento. Após a revolução de 30, urgia negar o passado, baseado nas relações de 
poder das oligarquias cafeeiras, para principiar um novo panorama político. 
A produção imagética deste período buscou aproximações com o real. Os temas 
fotografados saíram da esfera privada e intimista, como cartões de visita e retratos, 
dando espaço ao público e aos eventos políticos. 
O governo provisório, instaurado a partir de então, buscava o reconhecimento e 
a legitimidade de suas ações através de discursos que evocavam a necessidade do País 
em passar por transições, como as de agrário para industrial. A centralidade do poder 
trazia questões políticas que envolviam modernidade e desenvolvimento. 
A tradução visual do discurso desenvolvimentista deu-se na necessidade do 
registro dos eventos ligados não somente ao político como também ao econômico, pois 
estes representavam o desenvolvimento tecnológico e industrial, colocando em 
evidência as medidas e propostas do novo governo. 
A fotografia assumiu função de primeiro plano no governo Vargas, ao assegurar 
que, através da imagem, o discurso do governo alcançasse boa parte dos populares e 
fornecesse a eles uma impressão de participação no governo, através da emoção e 
evocando sentimentos ligados ao País. 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
Vargas e seu governo se apóiam na verossimilhança com o referente para tornar 
o discurso válido, no entanto, as fotos eram na verdade realidades construídas e, mesmo 
que absorvessem características de referências ao real, não deixavam de ser 
representações do mesmo. 
Estas imagens construíram uma narrativa oficial, auxiliando na criação de um 
imaginário político e social intencionalmente elaborado pelo governo. 
As propostas e feitos do governo eram transformados em narrativas 
fundamentadas na visualidade da fotografia, que propunha testemunhar os eventos. 
 
Fotos fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar mas de que 
duvidamos parece comprovado quando nos mostram uma foto. Numa das 
versões da sua utilidade, o registro da câmara incrimina. (...) Numa outra 
versão de sua utilidade, o registro da câmara justifica. Uma foto equivale a 
uma prova incontestável de que determinada coisa aconteceu. A foto pode 
distorcer; mas sempre existe o pressuposto de que algo existe, ou existiu, e 
era semelhante ao que está na imagem. (...) uma foto – qualquer foto – parece 
ter uma relação mais inocente, e, portanto mais acurada, com a realidade 
visível do que outros objetos miméticos. (SONTAG, 2004,p.16) 
 
Para atender esta necessidade de testemunho, o espaço da fotografia foi 
meticulosamente disposto e articulado: os objetos, a composição da cena e os 
representados eram dispostos de modo a confirmar um discurso intencional ou 
ideológico. 
A imagem torna-se uma linguagem e uma prática discursiva, usada para 
promover o governo e a figura de Vargas, a inteligibilidade dos projetos do governo e 
de sua atuação eram impressos nas fotografias, que tinham papel importante na 
propagação ideológica do período. 
Dentre muitos dos instrumentos usados nos primeiros anos do governo Vargas, a 
produção imagética, através da fotografia, serviu como um analagon que atestava a 
veracidade dos acontecimentos, buscando reforçar sua legitimação. A fotografia tornou-
se prática discursiva, semelhante a usada pela Igreja para pregar os conteúdos de sua 
doutrina. Assim como a igreja se utilizou deste recurso por muito tempo como uma 
maneira de informar e educar o olhar do fiel – usando a força dos símbolos como o 
peixe, a cruz, a lágrima e o sangue, entre outros símbolos associados às imagens como 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
os santos, as virgens e os personagens bíblicos –, Vargas também usou este recurso para 
compor uma narrativa através da imagem visual. 
A reflexão desta força simbólica usada tanto pela igreja quanto por Vargas vai 
além da experiência visual e da evocação de sentimentos, memórias e significados, ela é 
tecida no estabelecimento de vínculos, tanto social quanto políticos. 
A imagem é passível de interpretação no ato de sua leitura, uma vez que é 
imbricada de intencionalidades, significados e valores atribuídos a ela na sua 
construção, desde o produtor (fotógrafo, pintor, escultor) ao receptor (populares, fiéis), 
filtros culturais comuns que influem sobre a imagem na sua produção e resignificação. 
As imagens do período são manipuladas desde sua produção até a recepção, 
passando por sua veiculação e difusão, e recebem resignificações e funções 
independentes das propostas que a geriram. 
Para que haja um entendimento da mensagem codificada nestas produções 
imagéticas, necessariamente, há de se ter uma convenção simbólica de significados, pois 
é através deles que as imagens serão compreendidas. 
As convenções simbólicas podem ser entendidas como um comum acordo do 
que o representado venha a significar, por exemplo, a centralidade e posicionamento de 
Vargas nas fotos podem ser traduzidos como a centralidade do poder nas mãos do 
governante, e muitas outras releituras podem se formar a partir dos códigos culturais 
que o receptor possui. 
As relações entre os produtores da imagem e os receptores (populares), tornam-
se uma interpretação narrativa dos eventos, demonstrada pelo posicionamento, escolha 
dos presentes na fotografia, cenário, vestuário, maneiras de exclusão e visibilidade. 
O espectador, a partir de seus códigos culturais e sociais, constrói para si um 
significado, capturado, muito além do que foi apreendido, pelo olhar na fotografia, pois 
ela tem o poder de despertar nele emoções, inquietações, trazer à tona memórias, 
conflitos e tensões, entre outros sentimentos, e, com isto, criar um imaginário. 
As imagens fotográficas, por sua natureza polissêmica, permitem sempre 
uma leitura plural, dependendo de quem as apreciam. Estes, já trazem 
embutido no espírito, suas próprias imagens mentais preconcebidas acerca de 
determinados assuntos (os referentes). Estas imagens mentais funcionam 
como filtros: ideológicos, culturais, morais, étnicos etc. Tais filtros, „todos 
nós temos‟, sendo que cada receptor, individualmente, os mencionados 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
componentes interagem entre si, atuando com maior ou menor intensidade. 
(KOSSOY, 2002,P.44) 
 As imagens, ao servirem de registro dos eventos, reafirmavam o seu caráter 
legitimador. Os retratados eram essencialmente ligados ao cenário político, em sua 
maioria, representados por de eventos políticos, posses e nomeações. Neste período 
inicial do governo,não há produção fotográfica que representasse os populares. 
Há de se procurar nas imagens sua inteligibilidade, fugir do aparente (ir à busca 
da desconstrução). Nesse sentido, observa-se, no Brasil, a partir de 1930, um aumento 
significativo da produção fotográfica, uma nova preocupação com o processo 
fotográfico, influenciado pela inserção de novas tecnologias de políticas 
desenvolvimentistas no País, interesse, inclusive, movido pelos ideais de modernidade e 
progresso, amplamente defendidos na revolução de 1930 e centralizado na figura de 
Getúlio Vargas. 
Houve desde o início uma preocupação do governo Vargas em educar o olhar do 
popular na leitura e interpretação das fotografias. Em julho de 1931, diversos 
ministérios e departamentos foram criados com este objetivo, como, por exemplo, o 
Departamento Oficial de Publicidade (DOP), que fornecia informações sobre o governo 
Varguista à imprensa e aos demais setores de comunicação. 
As fotos oficiais demonstram a necessidade de legitimação e uma ruptura com o 
passado oligárquico em busca do futuro da modernidade e da industrialização. Elas 
deveriam mostrar aspectos de novos processos que influíram sobre a sociedade: 
retratando Vargas em inaugurações, em comícios, a bordo de aviões e navios e desfiles 
cívicos organizados pelo Estado. 
O conjunto de imagens produzido até 1933 trata de temáticas ligadas aos eventos 
políticos e a Nova Constituição de 1934 com suas novas temáticas. A partir desta, os 
personagens retratados mudam, a visibilidade passa agora a se direcionar aos 
privilegiados na Constituição: a mulher e os trabalhadores. 
Os temas abordados nas fotografias, a partir da instauração da Nova 
Constituição de 1934, giram em torno de temas ligados à mulher, à família e aos 
trabalhadores, uma articulação simbólica entre o que a constituição traria de novo e 
Vargas - que começa a ser conhecido por Pai dos Pobres, Chefe da Nação - iniciando, 
assim, a construção de um legado, com a fotografia como instrumento político e 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
propagandístico do Estado, similar às práticas usadas no Nazismo e no Fascismo, e que, 
posteriormente, foram amplamente usadas na América Latina por Vargas e Perón. 
 
Nas democracias, as potencialidades dramáticas são as mais débeis. Nos 
regimes autoritários que se fundamentam na política de massas, a 
teatralização tem papel mais importante: o mito da unidade, a imagem do 
líder atrelado as massas convertem o cenário teatral especialmente adequado 
para o convencimento. O imaginário da unidade mascara as divisões e os 
conflitos existentes na sociedade. (CAPELATO, 1998, p.57) 
 
As ideologias e os projetos políticos nortearam a produção fotográfica, deram a 
ela caráter singular, absorvendo características de outros moldes; a propaganda e o 
Estado fundiram-se em um projeto comum, o apelo aos sentimentos, em especial ao 
nacionalismo. 
No que se refere à recepção destas imagens, há uma espécie de mão dupla, uma 
troca de significados e valores, pois a interpretação e absorção de significados não são 
passivas, embora haja entre aquele que detém o poder e os populares uma relação de 
dominação. 
A figura de Vargas foi construída a partir de uma vasta produção imagética que 
teve função propagandística e legitimadora, por conseguinte, seu governo também se 
utilizou das imagens como veículo de transmissão de ideologias e comunicação entre o 
governante e os populares. 
Os cenários perfeitos tornam-se as inaugurações nos mais diferentes âmbitos: 
hospitais, setor privado, desfiles, congressos; fortalecendo a intervenção e presença 
efetiva, tanto de Vargas, quanto de sua política, em muitos setores da sociedade. 
As aplicações das fotografias em destaque na imprensa requeriam especial 
dedicação e preocupação, porque nelas havia a função de disseminação dos projetos e 
intenções políticas de Vargas e seu governo. 
O governo criou para si e para os populares um contínuo espetáculo de eventos e 
cerimônias como os desfiles cívicos de sete de setembro, da juventude, primeiro de 
maio e dia do trabalhador, além de outras medidas que, na verdade, serviam como palco 
para a exaltação de Vargas e sua imagem. O uso da máquina do Estado de difusão e 
propaganda, iniciado com a criação de diversos departamentos e fortalecido 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
posteriormente com o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), exerceu com 
pertinácia este objetivo político. 
Anterior ao DIP, outros departamentos foram criados para intervir na produção e 
veiculação das imagens, no rádio, revistas e jornais, entre outros meios de comunicação. 
Em consequência disso é que o autoritarismo ganhou forças, uma vez que controlou a 
circularidade das informações e propagação dos ideais do Estado. No entanto, a 
recepção desta censura também não foi passiva. 
As mensagens do DIP causaram impacto social e político na história social e 
cultural do período em que atuou. 
A fotografia e os meios de comunicação tornaram-se responsáveis por denotar 
visibilidade ou anonimato a personagens e eventos, na mesma intensidade, disputando 
poder e notoriedade no espaço público. 
Comumente evocavam o futuro e o desenvolvimento e os responsáveis recebiam 
reconhecimento através das lentes do fotografo, entrando, desta maneira, para o registro 
na História, através da imagem assegurada pela impressão e propagação. 
Com o Estado Novo, surgiram ainda mais departamentos, comissões, conselhos 
e órgãos governamentais, como formas de controle e intervencionismo do Estado. O 
período ficou marcado com a criação, por exemplo, do Conselho Técnico de Economia 
e Finanças do Ministério da Fazenda. Posteriormente, em 1938, 1939, 1941, 
respectivamente, foram criados o Conselho de Água e Energia, a Comissão Executiva 
do Plano de Siderurgia Nacional, a Comissão do Vale do Rio Doce, o Conselho Federal 
de Comércio Exterior, dentre outros. 
Nesse período, muitas das medidas do governo de Vargas foram inspiradas em 
modelos europeus autoritários, trabalhados através de temas como a ordem e o 
progresso e a preocupação de influir sobre a juventude, de fazer a propaganda política e 
ideológica do Estado através da educação. 
As manifestações cívicas transformaram-se em momentos de exaltação à figura 
de Vargas: retratos e faixas lhe faziam reverência com títulos como “Chefe da nação”. 
Neste momento, sua imagem e os feitos de seu governo eram comumente destacados 
pelos órgãos de difusão e comunicação em torno de um projeto comum: o 
desenvolvimento e o nacionalismo. 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
Em boa parte dos governos autoritários há grande esforço em exaltar seus 
líderes, no governo Varguista não foi diferente: as fotografias oficiais eram uma forma 
de evocar os sentimentos de identidade nacional, civilismo, progresso e enaltecimento 
do presidente, ingredientes para a unificação dos valores e interesses nacionais. 
Em 1934, com o Departamento de difusão cultural, o intelectual Lourival Fontes 
- conhecido na historiografia a respeito por Goebbels Tupiniquim, uma alusão à 
proximidade de suas idéias as de Paul Joseph Goebbels - passou a ser o responsável 
pelo trabalho de propaganda e difusão das imagens oficiais através das cartilhas, livros 
escolares, desfiles, biografias e monografias. Esta produção da imagem, tantode Vargas 
quanto de seu governo, foram aperfeiçoadas com o DIP a partir de 1939. 
As fotografias, neste momento, assumem o papel de revelar um imaginário 
social construído e fortalecido, pois elas tornam o simbólico compreensível. Os 
departamentos vêm a fotografia enquanto instrumento de manipulação da informação a 
respeito de Vargas e do Estado Novo. Devido a isto, o DIP assume tamanha importância 
no governo varguista: a de censurar, construir e propagar a imagem adequada às idéias 
do Estado. 
Ao operar as imagens, o DIP atribui a elas diversas batalhas simbólicas, 
abrangendo uma gama ampla de atribuições burocráticas, todo o imaginário social e 
político do Estado Novo. 
No que se refere ao controle do Estado sob a produção, distribuição e controle 
das informações e imagens de Vargas e de seu governo, foi criado, em 04 de setembro 
de 1940, os DEIPs (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), órgãos 
regionais responsáveis pelo controle e censura locais, sendo subordinados ao DIP. 
As imagens do período orientado pelo DIP seguiram duas frentes, 
necessariamente: uma adotando os critérios anteriores ao departamento, privilegiando os 
eventos e feitos do governo, desfiles, comemorações e a figura Varguista; outra, 
marcada por uma acentuada mudança, o contexto em que são produzidas mudam, e com 
isto os representados também. Agora, a ênfase estaria também na relação de Vargas 
com os populares, com o progresso e com o desenvolvimento. 
De acordo com as propostas defendidas e muito usadas pelo DIP, as imagens 
formam um discurso, instigadas pelo olhar e alimentadas pela legenda. 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
No agrupamento de diversos temas, imagens e legendas, o DIP esforçou-se em 
persuadir os populares, construindo discursos e usando a imagem como prova do 
trabalho de Vargas e de seu governo. 
O uso da foto-montagem pelo DIP foi uma estratégia política e propagandística 
para reforçar as realizações e projetos do governo Vargas. 
 Há, nestas fotomontagens, uma bricolagem de fotos para mostrar o presidente 
como um chefe atento aos acontecimentos a sua volta, supervisionando e participando 
efetivamente do desenvolvimento da nação. Sua figura transmite um ar de seriedade, 
observância, uma mão forte para a construção de um futuro glorioso. Mais uma vez, o 
departamento tenta imprimir na fotografia um caráter de fidelidade aos eventos, de 
registro, mas é importante considerar que não se discute a veracidade com que foram 
representados, mas sim a intencionalidade desta construção. 
A Agência Nacional intervinha nas publicações, inclusive com matérias 
dirigidas para o rádio, através de programas como a Hora do Brasil, e no Cinejornal 
Brasileiro, com filmes; além de concursos de monografias e outras publicações, 
produção de livretos e cartilhas. Neste momento, observa-se a expansão dos meios de 
comunicação e o intercâmbio cultural, principalmente, como os Estados Unidos. 
Através das imagens, observa-se alguns momentos destes intercâmbios como, 
por exemplo, Walt Disney, ao criar o personagem Zé Carioca, personalizando a política 
da boa vizinhança que se estabeleceu entre Brasil e Estados Unidos, onde a propaganda 
incutia no país a adoção de costumes e boa parte da cultura americana. Há, inclusive, 
neste momento, o envio ao Brasil de um escultor chamado Jo Davidson para esculpir o 
busto de Vargas. Este reforço da imagem presidencial e dos heróis e mitos, tanto da 
esfera pública como política, é uma característica do povo americano que vê, nestes 
atos, uma perpetuação do representado. 
As imagens, neste momento de intervenção do DIP, não podem ser analisadas 
fora do contexto em que foram produzidas, não são isoladas da atribuição simbólica do 
regime autoritário de Vargas, recebem, na sua idealização e até no ato fotográfico, 
diferentes intenções e interpretações. 
As análises das imagens produzidas, desde a criação do DIP, em dezembro de 
1939, até a extinção do departamento, em 1943, fogem à regra dos demais períodos 
pesquisados. Elas são, em todos os aspectos, diferentes das produções anteriores: os 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
populares recebem, pela primeira vez, notoriedade, porém ainda se encontram em 
tamanho e posicionamento inferiores a Vargas. Os temas que recebem maior destaque 
relacionam-se com as indústrias, o desenvolvimento e a guerra. Ainda que produzidas 
em menor escala, nota-se aqui e ali um eventual retorno das cenas regionais e 
familiares. 
Outros instrumentos apologéticos e propagandísticos como livros escolares, 
cartilhas, filmes, concursos de monografia e outros compuseram, aliados a fotografia, 
um caráter mítico a Vargas; e a censura do departamento de imprensa e propaganda 
constibuiu para que produções fora destes modelos não fossem divulgadas. 
 
(...) o poder simbólico não reside nos „sistemas simbólicos‟ em forma de uma 
„illocutionary force‟ mas se define numa relação determinada - e por meio 
desta - entre os que exercem o poder e os que lhes estão sujeitos, quer dizer, 
isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a 
crença. O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de 
manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e 
daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é da competência das 
palavras. (BOURDIEU, 1989, p.14-15) 
 
 Os fotógrafos, os elementos presentes na fotografia e os representados, 
produzidos no período de censura e controle dos meios de comunicação através do DIP, 
tinham a função de penetrar no imaginário social e conduzir a significados e valores 
carregados de interesses políticos, promovendo o regime através da elaboração de 
formas simbólicas de poder. A produção fotográfica alimentada pelo simbólico une o 
discurso do governante ao desejo de um futuro glorioso, valorizando a nacionalidade e 
seduzindo com imagens, favorecendo a aceitação do governo pelos populares. 
No ato fotográfico, todos os elementos são significativos para estas fotografias, 
no entanto, na interpretação, alguns podem ser negligenciados ou enaltecidos, segundo 
convenção ou significado que podem assumir. As imagens condicionam o olhar, o 
processo que o faz é signico, é disparado por elementos que, sofisticadamente 
associados, expressam valores e idéias. 
O mito político de Vargas foi construído através de diversos meios de 
comunicação, dentre eles a fotografia, a visualidade narrativa dos eventos, personagens 
e figura de Vargas foram traduzidos na produção imagética do período. 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
Os mitos políticos enraízam-se na realidade como ponto fundador, em meio a 
crises e entraves sociais e políticos estabelecem-se como detentores da nova ordem 
social e política, ocupam a lacuna com uma retórica fabulosa de propostas que 
abandonam o passado e enaltecem o futuro. 
Na figura de Vargas, a construção deu-se muito cedo, sua carreira política foi 
colaboradora na produção de sua imagem, o lado regionalista e familiar esteve presente 
por diversos momentos, uma maneira, de através da visualidade do discurso, propor a 
união, a importância da família, dos valores e dos costumes. 
Os elementos que favoreceram a elevação de Vargas a mito político são muitos, 
no entanto alguns saltam ao olhar, a partir do privado (a família, o regional)ganham 
valorização no espaço público: um elo entre o governante e os populares, porque 
reconhecerem nele significados que lhe são íntimos. 
 
Os mitos políticos de nossas sociedades contemporâneas não se diferenciam 
muito, dos grandes mitos sagrados das sociedades tradicionais. A mesma e 
essencial fluidez os caracteriza, ao mesmo tempo em que a imprecisão de 
seus respectivos contornos. Imbricam-se, interpenetram-se, perdem-se por 
vezes um no outro. Uma rede ao mesmo tempo sutil e poderosa de liames de 
complementaridade não cessa de manter entre eles passagens, transições e 
inferências. A nostalgia das idades de ouro findas desemboca geralmente na 
espera e na pregação profética de sua ressurreição. (GIRARDET, 1987, p.15) 
 
Há neste momento um vínculo comum a todos, a necessidade de rompimento 
com um passado e a necessidade de direcionamento a um futuro promissor, este 
sentimento se torna a coesão social necessária para a criação do mito político Vargas. 
Vargas surge como o personagem capaz de sanar as crises e assume com isto a 
função de Pai dos Pobres, Chefe da nação; dentre outros inúmeros atributos, esta 
característica heróica resguarda a centralidade do poder a Vargas. 
O reconhecimento social e político de Vargas se deram através do uso das 
imagens como legitimador e revelador ideológico de seu governo. O imaginário social 
da era Vargas foi estimulado e manipulado, pelo uso dos meios de comunicação e 
propaganda, com destaque para a produção fotográfica a serviço do Estado. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
 
Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom 
 
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 
1989, p.14-15 
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no 
varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1998, p. 57. 
GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo. Companhia das 
letras. 1987. 
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo: Ateliê 
Editorial, 2002, p.44. 
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 16.

Continue navegando