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UM NOVO OLHAR SOBRE O DIP: UMA REVOLUÇÃO NA ARTE DA PROPAGANDA E DO MARKETING CULTURAL ANJOS, Carlos Versiani dos. Mestre em História Social pela USP Faculdade Pitágoras – Belo Horizonte – Minas Gerais RESUMO Os estudos realizados sobre o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado por Getúlio Vargas em 1939, sempre focaram esta instituição como um instrumento do poder central do Estado Novo, um sustentáculo do populismo e do autoritarismo de Vargas, principalmente nas suas atribuições relacionadas à censura e à produção da imagem do presidente como defensor da nação e pai do povo brasileiro. Acreditamos que falta um estudo maior sobre as inovações produzidas pelo DIP na área da propaganda e do marketing cultural brasileiro. A estrutura deste órgão, nas suas sete divisões e serviços auxiliares, era altamente complexa. Certamente, o seu sucesso não se restringia à sua ação como órgão censor ou como sustentáculo do populismo getulista, mas também à sua interlocução com os profissionais e intelectuais que atuavam na propaganda e na produção cultural brasileira. Uma interlocução eficaz, também por ampliar consideravelmente o mercado artístico e cultural brasileiro: seja no apoio às manifestações populares, no fomento da produção cinematográfica e da radiodifusão, ou no fortalecimento dos instrumentos de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional. PALAVRAS CHAVES: História da comunicação Cultura Brasileira Marketing e Propaganda 1 A redoma de vidro: visões cristalizadas sobre o DIP na historiografia brasileira A Era Vargas é um dos períodos que suscitam mais polêmica na produção historiográfica brasileira. Talvez não pudesse ser diferente, pois foram mais de dezoito anos de governo (somando-se os períodos de 1930-45 e 1951-54), em que muitas transformações estruturais ocorreram no ambiente político, econômico e cultural do país. Transformações estas que são comumente estudadas a partir de cinco elementos básicos: industrialização, nacionalismo, trabalhismo, populismo e autoritarismo. Para o bem ou para o mal, a figura de Vargas e o seu projeto político são julgados a partir da ênfase dada a cada um destes elementos, ou da relação existente entre eles. Também serão responsáveis por criar ou referendar juízos de valor contraditórios sobre Getúlio Vargas as distintas relações que o seu governo estabelecerá com diferentes setores, segmentos sociais e regiões do país. Não queremos aqui polemizar se, no cômputo geral, Vargas foi bom ou ruim para o país; se o peso do desenvolvimento sócio-econômico, da ampliação dos direitos sociais e trabalhistas, merece mais destaque do que as práticas autoritárias do período do Estado Novo; se Getúlio foi o “pai dos pobres” ou a “mãe dos ricos”; se o seu projeto nacionalista foi revolucionário ou conservador; se foi o defensor da soberania e da cultura nacional ou o perpetuador no Brasil do pensamento nazi-fascista. Todas estas discussões são muito profícuas, e há campo fértil entre os vários ramos da pesquisa científica para aprofundá-las. Nós aqui pretendemos analisar o contexto cultural do Estado Novo, e em especial a atuação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), criado em 1939, tendo como foco principal de análise as políticas culturais vinculadas a este instituto. Segundo uma visão bastante corrente nos estudos sobre o DIP, este órgão teria sido criado “com o objetivo de difundir a ideologia do Estado Novo junto às camadas populares."1 1 - Este tipo de afirmativa parece resumir exageradamente, de forma limitada, os objetivos estipulados e concretamente atingidos por este departamento, em seus seis anos de existência. Objetivos estes implementados ou conduzidos por 6 divisões (Divulgação, Rádio-difusão, Cinema e Teatro, Turismo, Imprensa e Serviços Auxiliares). A premissa de que o DIP servia à ideologia do Estado Novo, difundindo-a junto às massas, é verdadeira. Mas há que se indagar sobre a real abrangência da ideologia do Estado Novo; sobre como http://www.cpdoc.fgv.br , acesso em 10/7/2009. Esta mesma frase é exaustivamente reproduzida em dezenas de artigos sobre o DIP, na internet e em obras impressas. 2 se dava sua aproximação com as camadas populares; sobre o que foi realmente produzido de forma inovadora no Brasil, em termos de políticas culturais, a partir da atuação do DIP. A linha política dos estudos realizados sobre o Departamento de Imprensa e Propaganda, entendendo-o como um mero instrumento do poder central, um sustentáculo do populismo e do autoritarismo de Getúlio, encontra sua razão de ser principalmente nas atribuições do DIP relacionadas à censura dos meios de comunicação, ou à publicidade da imagem do presidente como defensor da nação e pai do povo brasileiro. O jornalista e escritor Joel Silveira, ironiza no livro “A Fogueira” a forma como a imprensa nacional esteve amordaçada pela censura oficial do DIP durante o Estado Novo: “... as notícias sobre o Brasil não podiam ser mais risonhas. Estávamos vivendo num paraíso. Nenhuma tragédia, nenhum crime, nada que perturbasse a ordem e a paz impostas pela ditadura. Até mesmo a seca do Nordeste, que até a véspera do Estado Novo era assunto prioritário dos jornais, que a descreviam como uma das mais inclementes dos últimos anos, até ela havia sumido do noticiário...”2 Mais grave, porém, era a perseguição em relação à classe artística, aos intelectuais, aos jornalistas e empresários que trabalhavam no ramo das comunicações. Uma perseguição que não se limitava apenas à censura do que seria produzido, publicado ou divulgado. Mas também se verificava no acionamento da terrível polícia política do Estado Novo, em inquéritos que não raramente resultavam em prisões arbitrárias, e incluíam algumas vezes a aplicação da tortura. É muito citada, para exemplificar a repressão aos jornalistas e intelectuais, a histórica prisão do escritor e jornalista Graciliano Ramos. Mas devemos lembrar que esta prisão se deu no rastro da repressão à intentona comunista de 1935. Nada teve a ver com o Estado Novo, instituído em 1937, e muito menos com o DIP, criado em 1939. Em 1937, Graciliano Ramos já estava solto, e no ano da fundação do DIP ele já trabalhava para o governo Vargas, como Inspetor Federal de Ensino Secundário no Rio de Janeiro. 3 É muito extensa a lista de artistas, arquitetos, poetas, escritores e jornalistas que colaboraram na política cultural e educacional do governo Vargas, inclusive no período 2 - Apud PASCHOAL, Francisco José. Getúlio Vargas e o DIP: a consolidação do “marketing político” e da propaganda no Brasil. http://www.virtu.uff.br. Acesso em 10/7/2009. 3 - Ver biografia do escritor: www.sitedoescritor.com.br; www.infoescola.com/literatura - Acesso em 11/7/09. 3 ditatorial do Estado Novo. Podemos citar Cândido Portinari, Cassiano Ricardo, Villa- Lobos, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Ciro dos Anjos, Nelson Werneck Sodré, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Rodrigo Melo Franco de Andrade... Que tinham na figura de Gustavo Capanema, Ministro da Educação entre 1934 e 1945, e do jornalista Lourival Fontes, que comandava o setor de Comunicação do governo Vargas entre 1934 e 1943, direções incontestes. Há quem defenda que o intelectual, que de alguma forma integrasse o projeto cultural e educacional do Estado Novo, estivesse condenado“a participar ou passar a ser considerado elemento subversivo contra o regime e o Brasil, sofrendo com prisões, perseguições, exílios e torturas constantes.”4 A criação do DIP está dentro de um contexto ideológico maior, que abrange também toda a direção nacionalista do governo Vargas. Quando se colocou, por exemplo, pela primeira vez, como projeto político governamental, a defesa do patrimônio histórico e cultural brasileiro, isto se deu também como resposta a um novo conceito de cultura brasileira que vinha sendo amadurecido desde o movimento modernista. A revolução de 1930 fez reacender o projeto cultural nacionalista como bandeira política, passando a se estender como um manto sobre os vários segmentos da sociedade. Como afirmou Maria Helena Capelato, “a cultura foi entendida como suporte da política e, nessa perspectiva, Este é um raciocínio teleológico e falso, que não apenas reduz o valor da obra e biografia desses intelectuais, como contribui para limitar a pesquisa sobre o alcance social das políticas culturais implementadas no governo Vargas, o que inclui o que foi gestado e produzido pelo DIP. É indiscutível a relação entre o DIP e a política populista e autoritária do Estado Novo, mas não podemos concordar que esta relação seja o bastante para explicar e entender as transformações ocorridas na área cultural brasileira a partir da atuação deste instituto. Muitas destas transformações ocorreram também pelas demandas sociais existentes entre a classe artística e intelectual: na área do cinema, da radiodifusão, da arte, da propaganda, da cultura popular, do patrimônio histórico nacional. 4 - PASCHOAL, Francisco José. Getúlio Vargas e o DIP: a consolidação do “marketing político” e da propaganda no Brasil. http://www.virtu.uff.br. Acesso em 10/7/2009. 4 cultura, política e propaganda se mesclaram”.5 "Mil novecentos e trinta... O sentido destrutivo e festeiro do movimento modernista já não tinha mais razão de ser, cumprido o seu destino legítimo. Na rua, o povo amotinado gritava: - Getúlio! Getúlio!” O nosso objetivo é entender melhor a tessitura desta mescla, e os frutos sociais transformadores que dela nasceriam. A teia e o tecido: refazendo os horizontes e os vértices da cultura nacional 6 A política nacionalista de Vargas incorporaria, na área cultural, muitas direções que foram colocadas pelos modernistas. De fato, o jornalista e escritor Mário de Andrade foi convocado em 1936 pelo Ministro da Educação e da Saúde do governo Vargas, Gustavo Capanema, a abandonar o espírito “festeiro e destrutivo” dos modernistas e concretamente aplicar suas idéias na criação de um instituto destinado a “determinar, organizar, conservar, defender e propagar o patrimônio artístico nacional”. Seria o SPHAN, atual IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Mário de Andrade, que então ocupava o posto de diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, há muito se tornara um grande pesquisar da cultura brasileira, principalmente na área da música e do folclore nacional. . Assim Mário de Andrade descreveu a chegada de Getúlio ao poder, após a Revolução de 1930. Neste depoimento, ele deixava entrever que a partir de Vargas o modernismo não teria o sentido meramente “festeiro e destrutivo”, legitimando- se também como política nacional. E Mário de Andrade não pensava assim porque fosse, desde o início, um grande partidário e admirador de Getúlio Vargas. Mas porque ele compreendia que a revolução de 30, entre outras coisas, significava uma ruptura com a visão hegemônica anterior da cultura brasileira, cujo conservadorismo, elitismo e estrangeirismo os modernistas combatiam ferozmente em seus manifestos e revistas, desde a Semana de 22. 7 O envolvimento dos modernistas com o patrimônio histórico nacional começara bem antes, em 1924, quando Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral E aceitou o desafio. 5 - CAPELATO, Maria Helena. "O Estado Novo: O que trouxe de novo?" in FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo: do Início da Década de 1930 ao Apogeu do Estado Novo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003. 6 - NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens dos nossos dias. Ed.15. São Paulo. Scipione, 1995. 5 fizeram uma viagem pelas cidades coloniais mineiras, e ficaram impressionados pela grandeza da arte e da arquitetura do barroco mineiro. Iniciaram então um movimento que acabaria levando o governo Getúlio Vargas a erigir a cidade de Ouro Preto à condição de Monumento Nacional, em 1933. Assim como Mário de Andrade, outros ilustres representantes do modernismo brasileiro passaram então a integrar o ministério da Educação, selando uma espécie de casamento entre o movimento modernista e os projetos nacionalistas de Vargas na área cultural. Em torno do SPHAN, nas décadas de 1930-40, foi reunida toda uma geração de pensadores, escritores, arquitetos, historiadores e antropólogos brasileiros, como Lúcio Costa, Oscar Niemayer, Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Gilberto Freyre. Os modernistas eram sim, nacionalistas de primeira ordem. Muitos manifestos, livros e revistas publicados nas duas décadas que se seguiram à semana de arte moderna reafirmam a consolidação de novas fórmulas de ver e representar a cultura brasileira. Ainda em 1925, o jovem Carlos Drummond de Andrade assim escrevia em A Revista, publicação responsável pela divulgação do movimento modernista em Minas Gerais: “Será preciso dizer que temos um ideal? Ele se apóia no mais franco e decidido nacionalismo. A confissão desse nacionalismo constitui o maior orgulho da nossa geração, que não pratica a xenofobia nem o chauvinismo, e que, longe de repudiar as correntes civilizadoras da Europa, intenta submeter o Brasil cada vez mais ao seu influxo, sem quebra de nossa originalidade nacional”.8 Não se pode atribuir como fonte do discurso nacionalista de Vargas apenas o desejo de imposição do Estado e do governante sobre a nação. Dentro da ligação umbilical entre a estrutura material e o universo da cultura, o nacionalismo econômico de Vargas, presente no processo de industrialização, estaria totalmente ligado ao seu discurso nacionalista na área política e cultural. Neste sentido, a ida dos modernistas para a repartição do SPHAN, não foi vã nem ocasional. Estava se tornando realidade a crença difundida entre os modernistas “de que era o Estado o lugar da renovação e da vanguarda naquele momento, assim como o vislumbre da possibilidade de aplicar na realidade idéias de reinterpretação 7 - Em 1929 Mário de Andrade já havia feito duas viagens ao nordeste, documentando a música da tradição popular nordestina no seu Ensaio sobre a Música brasileira. 6 ou reinvenção de um país que estavam sendo praticadas nas páginas de seus livros. Na implantação do ‘modernismo’ como dominante de uma política cultural, conseguiram realizar o sonho de todo revolucionário: escrever simultaneamente o mapa astral e a árvore genealógica do país.”9 Pode se argumentar que o exemplo do SPHAN, como símbolo da ligação intrínseca entre a política cultural de Vargas e as demandas da sociedade, não pode se aplicar ao DIP, pelas diferenças de propósitos na criação dos dois órgãos e por não haver entre eles qualquer vínculo institucional. Ora, ospropósitos do SPHAN, principalmente no que se refere ao investimento na pesquisa sobre a cultura popular brasileira, tarefa a que se dedicava, entre outros, Gilberto Freyre, estavam em plena consonância com as atribuições do DIP, fundado em 1939, que trazia em seu 14º tópico a incumbência de “promover, organizar, patrocinar ou auxiliar manifestações cívicas e festas populares”. 10 Tomando como tema o cinema nacional, também verificamos que a política cultural de Getúlio Vargas não obedeceu apenas aos interesses ideológicos do Estado, mas a uma demanda social, à exigência dos produtores e cineastas brasileiros. O grande precursor do cinema nacional, Humberto Mauro, em 1932, lamentava as deficiências técnicas do cinema nacional, face ao americano, e a falta de incentivos financeiros, alimentando a esperança de que, com apoio e aprimoramento técnico, as salas pudessem exibir um conteúdo mais nacional e menos estrangeiro: “O diretor de cena no Brasil ainda está um pouco longe de conseguir realizar os seus filmes tal qual ele os imagina, isto pelo fato de nossa indústria de filmes não contar com os poderosos elementos econômicos e financeiros de que dispõe esta mesma indústria nos EUA (...) Temos que esperar pela produção regular e continuada, fatores principais de que dispuseram os americanos para fazer os seus filmes mais conhecidos entre os brasileiros do que o são para nós os nossos próprios costumes.” O que, em ambas as frentes, cívica ou popular, se tornaria realidade. 11 No mesmo ano a atriz, produtora e diretora Carmem Santos atentava para a 8 - ANDRADE, Carlos Drummond. A Revista, Ano 1, n. 1, jul/ago 1925. Apud: BUENO, Antônio Sérgio. O modernismo em Belo Horizonte: década de 20. Belo Horizonte: UFMG / PROED, 1982. 9 - CAVALCANTI, Lauro (org.) Modernistas na Repartição. 2 ed. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2000. 10 - http://www.cpdoc.fgv.br , acesso em 10 /7/2009. 11 - MAURO, Humberto. Cinearte, 314, 2/3/32, p. 9. 7 dimensão educativa da cinematografia, preconizando a necessidade de realizar filmes que levassem mais cultura e sentimento cívico à população: “O Brasil precisa dos filmes educativos para a instrução do seu povo. Além de estimular o patriotismo do povo, o cinema brasileiro tem ainda a vantagem de tornar o Brasil conhecido dos seus filhos de norte a sul, concorrendo assim para o fortalecimento da unidade nacional.”12 A fala de Carmem poderia facilmente ser colocada na boca de Getúlio, justificando a futura política do DIP para o cinema nacional. Assim como a fala de Adhemar Gonzaga, outro ícone da cinematografia brasileira, que faz menção direta à relação entre cinema e propaganda: “Não vamos apenas produzir filmes com os méritos de serem feitos em casa, vamos produzir bons filmes, com a vantagem de terem o espírito e o pensamento brasileiros. Não apenas para mostrar belezas naturais aos estrangeiros. A propaganda será feita para uso interno mesmo, com idéias nossas, mais avançadas, com objetivo de uma arte cinematográfica de mais personalidade e ainda da educação do nosso povo. Cinema é imprensa com mais força que um exército...”13 Os trechos citados, de três figuras proeminentes do cinema brasileiro, estão dentro de um contexto em que a classe dos produtores e cineastas reivindicava maior espaço e apoio para a produção e exibição dos filmes nacionais. Os produtores cinematográficos brasileiros, sob a liderança de Roquette Pinto, elaborariam o Projeto de Lei de Proteção à Indústria do Filme Brasileiro, reivindicando, entre outras medidas, a adoção imediata da exibição obrigatória de filmes nacionais, além da subvenção e premiação de filmes “falados em português e produzidos no Brasil”. 14 Como agradecimento, os produtores e cineastas realizaram uma homenagem a Vargas, que retribuiu com um discurso intitulado “O Cinema Nacional como aproximação dos habitantes do país”. Neste discurso, são facilmente percebidas as “coincidências” entre Em 1934, mesmo ano em que foi criado o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), precursor do DIP, veio o decreto de Vargas atendendo às reivindicações da classe cinematográfica, incluindo a obrigatoriedade da apresentação de curtas metragens nacionais antes da exibição de qualquer filme nos cinemas brasileiros. 12 - SANTOS, Carmem . A Cena Muda, 1/3/32, p. 32. 13 - GONZAGA, Adhemar. Cinearte, 334, 20/7/32, p. 7. 8 o discurso do presidente e as reivindicações dos seus interlocutores: Para Vargas o cinema seria “o livro de imagens luminosas”, que educaria “sem exigir o esforço e as reservas de erudição que o livro requer e os mestres nas suas aulas reclamam”, aproximando “os diferentes núcleos urbanos no vasto território da república”.15 Todo este processo está narrado no estudo feito por Cláudio Aguiar Silveira, no livro intitulado “O Cinema como Agitador de Almas”, em que procura situar melhor a produção cinematográfica brasileira dentro da política cultural presente no Estado Novo. Assim expressa sua orientadora, Maria Helena Capelato, no prefácio: “O autor teve a sensibilidade para perceber as mediações entre a política oficial e a sociedade. Ao invés de se restringir à critica da produção cinematográfica unicamente pelo ângulo da ideologia estadonovista, indica de que forma muitas idéias foram produzidas por setores sociais ligados à cultura, apropriadas pelos interlocutores do governo e retrabalhadas como proposta de Estado. Na verdade, ele não era o único produtor de objetivos em relação ao cinema; cineastas, atores, educadores, participaram de um debate cultural amplo, no qual se insere a atividade cinematográfica”. 16 Desde o modernismo estava em construção no Brasil um novo conceito de identidade nacional, elaborado através de manifestações artísticas e literárias, mas também pelo trabalho árduo de pesquisadores. Colocava-se pela primeira vez, como protagonistas, as matrizes culturais indígenas e africanas, e as manifestações da cultura popular. O estudo destes elementos fundadores da identidade nacional encontraria abrigo e projeção na política nacionalista do governo Getúlio Vargas. Durante o Estado Novo (1937-1945), no rastro dos institutos oficiais, uma gama de intelectuais e pesquisadores, ligados à área cultural do governo ou independentes, buscava formular novos modelos de compreensão da identidade cultural brasileira, atentando para o popular, para o regional e também para o processo de miscigenação que sempre caracterizou a formação da cultura nacional. Como exemplo, podemos citar Gilberto Freyre, que em 1933 publicava Casa Grande e Senzala, um clássico no estudo do sincretismo entre a cultura africana e européia no período 14 - Associação Cinematográfica de Produtores Brasileiros, Relatório de Diretoria, p. 23-7. In: ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas. São Paulo: Ed. Annablume/FAPESP, 1999. 15 - Apud ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas, Ob. Cit. 16 - ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas, Ob. Cit. 9 escravista. E na mesma época o folclorista Luiz da Câmara Cascudo andava às voltas com as suas pesquisas, para compor o seu Dicionário do Folclore Brasileiro. O DIP, nas suas divisões de Divulgação, Cinemae Teatro, Radiodifusão e Turismo, contribuiu de forma contundente, tanto para a proteção e preservação da cultura popular, notadamente de raízes afro-brasileiras, quanto para a sua difusão em todo o território nacional, através de programas, eventos e projetos educativos. Diminuindo consideravelmente, pelos meios de Comunicação, as distâncias que impediam as várias regiões brasileiras de conhecerem o que era produzido culturalmente em todo o Brasil. Neste sentido, a propaganda oficial do DIP serviu não apenas à ideologia do Estado e ao marketing político do governo Vargas, mas igualmente à produção e ao marketing cultural, nas várias áreas da arte e da cultura nacional. As formas como evoluíram a propaganda e o marketing cultural brasileiro, a partir da atuação do DIP (e dos institutos que o antecederam no governo Vargas), é o que procuraremos discutir a seguir. Nas ondas do DIP: revoluções na arte da propaganda e do marketng cultural Uma das provas de que as políticas implementadas pelo governo Vargas através do Departamento de Imprensa e Propaganda não serviam apenas à ideologia e ao autoritarismo do Estado Novo, mas que também respondiam aos anseios de segmentos sociais, está no fato de que muitos propósitos e atribuições daquele instituto já estavam presentes nos órgãos que lhe antecederam, e norteavam as relações entre o Estado e a sociedade na área da cultura, da arte e da propaganda. Em julho de 1931 foi criado o Departamento Oficial de Publicidade (DOP), vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, atuando basicamente no setor de radiodifusão. Uma década depois da primeira transmissão radiofônica no Brasil, em comemoração ao centenário da independência, o DOP já estabelecia uma série de regulamentações para o setor, entre elas a permissão para a exploração de espaços comerciais. Os primeiros “reclames”, como se chamavam as peças publicitárias, abririam então as portas das emissoras para a injeção de recursos das empresas, possibilitando um maior desenvolvimento técnico e profissional, tanto da rádio e quando da publicidade brasileira. É bom ressaltar que todo o desenvolvimento da propaganda nas décadas de 1930 e 40, se deu sem grandes conflitos entre os órgãos governamentais responsáveis pelo setor 10 (do DOP ao DIP), e as agências de publicidade independentes. Ao final da década de 30 estimava-se em 56 o número de agências privadas de propaganda em plena atividade no eixo Rio – São Paulo, boa parte dela de multinacionais. Na primeira metade da década de 40 houve algumas dificuldades, não decorrentes de qualquer intervenção federal, mas dos impactos comerciais negativos provocados pela segunda guerra mundial. Se havia censura em relação ao conteúdo das reportagens jornalísticas, o mesmo não ocorreu quanto ao conteúdo dos reclames, jingles e demais peças publicitárias exibidas nas rádios e nos jornais. Na verdade, programas oficiais criados pelo DIP, como a Hora do Brasil e o Repórter Esso, só favoreceriam o setor de publicidade brasileira. A estatização da Rádio Nacional, ocorrida em 1940, emissora que liderou a era de ouro do rádio brasileiro, também contribuiu para a ampliação do mercado publicitário, seja nos programas musicais, informativos ou nas populares radionovelas. 17 Roquette Pinto, ao fundar em 1923 a primeira emissora, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, proclamara: “a rádio é a escola de quem não tem escola”. 18 O seu propósito de fazer do rádio um instrumento a serviço da cultura e da educação popular só seria realmente atingido na década de 30 e 40, para o que teve papel decisivo a intervenção positiva dos órgãos oficiais. Mas a decisão de ampliar mais o universo de atuação do Estado na área da comunicação não foi apenas uma decisão apenas política. Ela se deu a partir do desenvolvimento técnico e profissionalizante do rádio, do cinema, da imprensa e da propaganda brasileira. Em 1934, foi criado, também pelas exigências do mercado, o DPDC (Departamento de Propaganda e Difusão Cultural), que expressava entre os seus artigos o propósito de “estimular a produção, favorecer a circulação, intensificar e racionalizar a exibição em todos os meios sociais de filmes educativos”.19 As ações de Vargas em 1934 realmente trouxeram um avanço considerável na produção cinematográfica brasileira, inclusive com a criação de novas produtoras, como a Vita Films, de Carmem Santos e Humberto Mauro. Em 1937 foi dado novo impulso ao 17- Sobre o desenvolvimento da propaganda no Brasil, e suas relações com os órgãos estatais nas décadas de 30 e 40, ver: CASTELO BRANCO, Renato; MARTENSEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (Org.). Historia da propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990 e RAMOS, Ricardo. Do reclame a comunicação: pequena historia da propaganda no Brasil. 3a ed., rev. e atualizada. São Paulo: Atual Ed., 1985. 18- ROQUETTE PINTO, Vera Lúcia. Roquette-Pinto, o rádio e o cinema educativos. Revista da USP, n.56, dez/fev – 2002/2003. 19 - ROQUETTE PINTO, Vera Lúcia. Roquette-Pinto, o rádio e o cinema educativos. Ob. Cit. 11 cinema, com a fundação do Instituto Nacional de Cinema Educativo, presidido pelo antropólogo e produtor Edgar Roquette Pinto. A parceria futura entre o INCE e o DIP, seria responsável pelo maior fomento da atividade cinematográfica brasileira, comprovando a aproximação entre a política cultural estatal e as reivindicações dos representantes dos produtores culturais. O DIP já delimitaria melhor, nos seus estatutos, os caminhos desta aproximação, objetivando “estimular a produção de filmes nacionais; classificar os filmes educativos e os nacionais para concessão de prêmios e favores; sugerir ao Governo a isenção ou redução de impostos e taxas federais para os filmes educativos e de propaganda, bem como a concessão de idênticos favores para transporte dos mesmos filmes...”20 Estes objetivos foram realmente concretizados. Entre 1939 e 1945, centenas de filmes educativos, encomendados como propaganda do governo Vargas ou independentes, foram realizados com o apoio ou patrocínio do DIP. Ali não estava presente apenas a ideologia do Estado Novo, mas a arte cinematográfica de centenas de diretores, produtores, atores e técnicos brasileiros. O crítico e dramaturgo Mário Nunes, fundador da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, assim escreveu em crônica no Jornal do Brasil: “Getúlio Vargas fez ver aos exibidores que dispunham de tão maravilhoso aparelho de propaganda, dele se utilizassem também, em prol do progresso do país, facultando às platéias que acodem aos seus estabelecimentos, Filmes educativos e de propaganda sanitária.”21 É claro que o apreço de Vargas pelo caráter educativo do cinema e dos meios de comunicação não encontrava explicação apenas no propósito de levar educação e cultura ao povo brasileiro, mas ao poder massificador que estes meios possuíam no condicionamento da opinião pública. O governo Vargas tinha conhecimento e estava atento às ligações entre os meios de comunicação e a propaganda nazi-fascista na Itália e na Alemanha. Principalmente nas transformações idealizadas por Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do governo de Hitler, em sua utilização da imprensa, rádio e cinema como veículos de doutrinamento ideológico. Já em 1934, o oficial de gabinete da Presidência da República, Luiz Simões Lopes, escrevia a Getúlio Vargas, comunicando-lhe a impressão que tivera da viagem que fez à Alemanha: “O que mais me impressionou em Berlim foi a 20 - http://www.cpdoc.fgv.br , acesso em 10 /7/2009. 21 - Apud SILVEIRA, CláudioAguiar. O Cinema como agitador de Almas, p. 78. Ob. Cit. 12 propaganda sistemática, metodizada pelo governo (...) Não há, em toda a Alemanha, uma só pessoa que não sinta diariamente o contado com o nazismo ou de Hitler, seja pela fotografia, pelo rádio, pelo cinema, pela imprensa (...) A organização do Ministério da Propaganda fascina tanto que eu me permito sugerir a criação de uma miniatura dele no Brasil...”22 A ligação do DIP com as manifestações de cultura popular e as ações efetivamente realizadas como fruto desta ligação, muitas vezes são menosprezadas em favor do argumento de que se tratava de uma relação puramente ideológica, visando apenas propagar para as massas uma imagem positiva do governo Vargas. Mas como se pode negar, por exemplo, o significado dos eventos, festivais e concursos patrocinados pelo DIP para a música brasileira, consagrando toda uma geração de músicos e compositores? O samba, que O DIP com certeza se inspirou na experiência alemã, passando a atuar diretamente na produção de curtas-metragens de propaganda, através do Cinejornal Brasileiro, que ocuparia o espaço já destinado aos curtas brasileiros antes da exibição dos longas- metragens. Os cinejornais exaltavam os feitos do Governo Vargas descrevendo eventos, viagens, comemorações, em que o próprio presidente figurava como protagonista. E acabaram estabelecendo uma concorrência desleal com as produtoras independentes. Para compensar, o DIP criou novos incentivos para a produção cinematográfica brasileira, como a instituição da obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais de longas-metragens em todas as salas de cinema. Na verdade, os produtores e cineastas encontraram no DIP mais um aliado que um inimigo, no favorecimento comercial, técnico e artístico dos seus empreendimentos. A censura e exigências se davam mais em relação aos filmes estrangeiros, pelo menos até a entrada do Brasil na segunda guerra, quando ocorreu maior abertura comercial às produções americanas. Há que se considerar também que o próprio DIP e seus departamentos afiliados (DEIPs), em vários estados brasileiros, empregavam centenas de técnicos e profissionais do cinema, do rádio, da propaganda; desenvolvendo por isto know- how na área publicitária e cinematográfica brasileira. Um know-how público, não secreto, que dialogava com os setores congêneres independentes. 22 - Apud SILVEIRA, Cláudio Aguiar. O Cinema como agitador de Almas, p. 79. Ob. Cit 13 hoje desfila pelas tvs, discos e passarelas como símbolo de brasilidade, nem sempre foi considerado música de qualidade, genuíno representante da cultura nacional. Os primeiros sambistas do início do século XX no Rio de Janeiro, aliás, eram perseguidos pela polícia, considerados marginais também pelo preconceito racial. O samba só virou “oficialmente” brasileiro quando desceu o morro, apareceu no rádio e na vitrola dos ricos, quando houve a criação e o patrocínio estatal das primeiras escolas de samba, quando os sambistas passaram a ser legitimados e reconhecidos através das políticas culturais do Estado brasileiro. Aí está o que chamamos de revolução do marketing cultural no Brasil. A cultura brasileira, em suas diversas matizes populares, passou a ser, também através do DIP, pesquisada, difundida, valorizada e “vendida” como identidade nacional. Mesmo aquelas manifestações consideradas como marginais desde o período colonial. Getúlio Vargas, em plena vigência do Estado Novo, assinará os decretos autorizando a prática livre da religiosidade afro-brasileira, com a abertura pública dos terreiros de candomblé, assim como autorizará a abertura das primeiras academias de capoeira, encerrando assim séculos de discriminação oficial contra manifestações originais da cultura afro-brasileira. Na verdade, toda a musicalidade, religiosidade, culinária, folclore, manifestações trazidas ou criadas pelos índios, negros e descendentes foi ignorada até o século XX pela cultura oficial. Até que intelectuais, artistas, políticos, pesquisadores, também a serviço de órgãos estatais como SPHAN, o INCE, o INL (Instituto Nacional do Livro), o DNT (Departamento Nacional de Teatro) e o DIP, criados por Vargas, as tomaram como cultura genuinamente nacional. Não podemos esquecer o pioneirismo das críticas que os modernistas em 1922 fizeram em relação às visões conservadoras, idealizadas e elitizadas sobre a arte e a cultura brasileira. Mas suas propostas, propondo enxergar na diversidade das expressões populares a verdadeira dimensão e força da cultura nacional, agora teriam, efetivamente, a oportunidade de se concretizar. E a política nacionalista de Getúlio Vargas, em que pese toda a ditadura do Estado Novo, serviria de ponte para esta concretização. É preciso romper com uma visão excessivamente estigmatizada sobre a cultura brasileira durante a chamada Era Vargas, como se tudo fosse resultado de uma conspiração do Estado sobre a sociedade. Até mesmo o grande incremento do Turismo nacional, cujas diretrizes foram traçadas pelo DIP, pode ser entendido equivocadamente apenas como 14 estratégia de manipulação das massas em favor do Estado. É como se a criação de museus, bibliotecas e centros culturais pelo Brasil inteiro, a promoção do intercâmbio de manifestações culturais entre as várias regiões, o apoio aos grupos musicais e folclóricos tradicionais, a preservação do patrimônio das cidades históricas, entre outras ações também promovidas pela Divisão de Turismo do DIP, não passassem de controle ideológico “das estruturas burocráticas preparadas para manter a ordem e firmar diante da opinião pública a imagem do presidente”. 23 A revista mensal “Cultura Política”, publicada pelo DIP, vendida nas bancas de jornais das capitais brasileiras, circulou ininterruptamente entre março de 1941 e outubro de 1945, e não consta que as centenas de artigos escritos nestes quase cinco anos de existência visassem somente a propaganda das ações de governo e da imagem de Vargas. Artigos independentes sobre História, Música, Teatro, Cinema, Artes Plásticas, Folclore, Cultura Regional, dividiam o espaço com artigos sobre Política Brasileira, estes sim, via de regra tendenciosos e propagandísticos do governo. Também não consta que os autores dos artigos fossem todos ideólogos do Estado Novo. A maioria absoluta não era. Entre os mais freqüentes colaboradores estavam, por exemplo, o historiador marxista Nelson Werneck Sodré e o escritor Graciliano Ramos, que fora preso pela polícia de Vargas após a intentona comunista. Como se não significassem, por si sós, um avanço para o desenvolvimento educacional e cultural de toda nação. 24 Em artigo intitulado “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo” a historiadora Mônica Veloso analisa a vinculação dos intelectuais com o regime de Vargas, afirmando que esta vinculação se dava a partir de uma compreensão do Estado, também fundamentada pelo DIP, que aos intelectuais caberia o papel de auxiliar da política governamental, no sentido de conduzir as massas ignaras rumo à conscientização do valor da cultura nacional, do próprio sentimento de nacionalidade. Os intelectuais seriam convocados a participar de um “projeto político-pedagógico destinado a educar as camadas populares”, procurando “resgatar o espírito de grandeza subjacente às suas 23- SANTOS FILHO, João dos. O Turismo na era Vargas e o Departamento de Imprensa e Propaganda. CULTUR, Ano 2, n. 2, julho/2008. 24 - Todos os artigos de todos os números da revista Cultura Política podem ser consultadospelo site http://www.cpdoc.fgv.br . Acesso em 23/7/2009. 15 manifestações”.25 25 - VELLOSO, Mônica. “Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo”. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo: do Início da Década de 1930 ao Apogeu do Estado Novo. Ob. Cit. Sinceramente, não acreditamos que a ênfase nacionalista da produção intelectual brasileira do início dos anos 40, explicitada nos artigos da revista “Cultura Política”, faça parte apenas de um projeto político do Estado getulista. Modificando o sentido da rotação do raciocínio da autora, poderíamos perguntar se o ideário cultural nacionalista e popular do Estado Novo não é mais fruto das novas inclinações da classe artística, científica e pensante brasileira, desde o movimento modernista, do que o contrário. Mesmo que se reconheça a camisa de força sob a qual esteve a imprensa brasileira durante o Estado Novo, o que de resto acontece em qualquer ditadura; mesmo que se reconheça o uso indiscriminado da instituição oficial de propaganda para propagar aos quatro ventos, nos quatro cantos do país, a exaltação da imagem boa e positiva do líder do governo, o que de resto acontece em todas as ditaduras populistas; não podemos por isto tapar os nossos olhos e nossos ouvidos para a revolução que estava em curso na área da comunicação e da produção cultural brasileira. Defendemos que existiu um verdadeiro salto qualitativo com a criação do DIP, em relação à arte, à técnica e ao alcance social da propaganda no Brasil; também quanto ao marketing e à projeção social das manifestações artísticas e culturais nacionais. O tamanho e a qualidade deste salto merecem um estudo mais dedicado da historiografia brasileira relacionada à mídia e à cultura no século XX. Bibliografia: - ALMEIDA, Cláudio Aguiar. O Cinema como Agitador de Almas. São Paulo: Ed. Annablume/FAPESP, 1999. - CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo. São Paulo: UNESP, 2009. - CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil S.A., 5 ed., 1988. - CASTELO BRANCO, Renato et alii. Historia da propaganda no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990. - CAVALCANTI, Lauro (org.) Modernistas na Repartição. 2 ed. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2000. - FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Cia. Das Letras, 2006. - FERREIRA, Jorge e DELGADO (Org.) O Brasil Republicano – O Tempo do Nacional Estatismo: do Início da Década de 1930 ao Apogeu do Estado Novo. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003. 16 - NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens dos nossos dias. Ed.15. São Paulo. Scipione, 1995. - RAMOS, Ricardo. Do reclame a comunicação: pequena historia da propaganda no Brasil. 3 ed. São Paulo: Atual Ed., 1985. - SAROLDI, Luiz Carlos. Radio nacional: o Brasil em sintonia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. - MATTOS, Sérgio. Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo. São Paulo: Paulus, 2005. - SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. Rio: Paz e terra, 1982.
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