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1apost. DOMÍCIO PROENÇA FILHO

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS-UNEAL 
Departamento de Letras 
TEORIA DA LITERATURA I 
Professora Eliane Bezerra da Silva 
Campus I 
Curso de Letras - 2016 
 
FILHO, Domício Proença. A Linguagem Literária. São Paulo: Ática, 1986. 
Série Princípios. (p. 5-10 e 36-44) 
 
A LINGUAGEM LITERÁRIA 
 
Texto literário, texto não-literário 
Imaginemos que, na comunicação cotidiana, alguém nos diga a seguinte 
frase: 
- Uma flor nasceu no chão da minha rua! 
Conforme as circunstâncias em que é dita, isto é, de acordo com a situação 
de fala, entendemos que se refere a algo que realmente ocorreu, corresponde a 
um fato anterior ao seu enunciado e de fácil comprovação. Mesmo diante de sua 
transcrição escrita, o que nela se comunica basicamente permanece. 
Num ou noutro caso, para trazer essa informação, o nosso interlocutor 
selecionou uma série de palavras do idioma que nos é comum e, de acordo com as 
regras que presidem o seu funcionamento e que todos conhecemos, as dispôs 
numa seqüência. A seleção feita e a sucessão estabelecida conferem à frase uma 
significação que pode ser submetida à prova da verdade em relação à realidade 
imediata. Como é fácil concluir, é isso que acontece ao nos comunicarmos no dia-
a-dia do nosso convívio social. 
Retomemos a nossa frase inicial, agora ligeiramente modificada e 
combinada com outros elementos: 
Uma flor nasceu na rua! 
Passem de longe, bondes, ônibus, rios de aço do tráfego. 
Uma flor ainda desbotada 
ilude a polícia, rompe o asfalto. 
Façam completo silêncio, paralisem os negócios, 
Garanto que uma flor nasceu. 
 
Sua cor não se percebe. 
Suas pétalas não se abrem. 
Seu nome não está nos livros. 
É feia. Mas é realmente uma flor. 
 
Percebemos, desde logo, que estamos diante de uma utilização especial da 
língua que falamos. O ritmo que caracteriza o texto, a natureza do que se 
comunica e, ao chegar até nós por escrito, a distribuição das palavras no espaço 
do papel, justificam essa conclusão. A nossa frase-exemplo depende também, 
como ato lingüístico que é, da gesticulação e da entoação que a acompanharem ao 
ser enunciada; por força, entretanto, de sua situação nesse conjunto e da 
associação com as demais afirmações que a ela se vinculam, abre-se para um 
sentido múltiplo, ganha marcas de ambigüidade: no contexto do fragmento 
transcrito e da totalidade do poema de que faz parte - “A flor e a náusea”, de 
Carlos Drummond de Andrade - podemos entender essa flor como esperança de 
mudança, por exemplo. Mas esse sentido que o texto a ela confere não reproduz 
nenhuma realidade imediata; nasce tão-somente do próprio texto. A flor dessa rua 
deixa de ser um elemento vegetal para alçar-se à condição de símbolo, ganha uma 
significação que vai além do real concreto e que passa a existir em função do 
conjunto em que a palavra se encontra. É claro que os versos remetem a uma 
realidade dos homens e do mundo, mas muito mais profunda do que a realidade 
imediatamente perceptível e traduzida no discurso comum das pessoas. É o que 
acontece com essa modalidade de linguagem, a linguagem da literatura, tanto na 
prosa, como nas manifestações em verso. 
Na prosa, por exemplo, podemos encontrar a palavra flor em outro contexto 
lingüístico e com outro sentido, que lhe é conferido exatamente por essa nova 
circunstância: trata-se do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde o 
termo parece numa afirmação vinculada a um famoso personagem criado pelo 
escritor: “Uma flor, o Quincas Borba”. 
Aí está um conteúdo inteiramente distinto do que se configura no poema 
drummondiano e que só pode ser percebido plenamente, na força de sua 
causticante ironia, quando a frase é considerada na totalidade do romance de que 
faz parte. É possível perceber a estreita relação entre a dimensão lingüística e a 
dimensão literária que envolve a significação das palavras quando estas integram o 
sistema semiótico que é o texto literário. 
Os três exemplos que acabamos de examinar permitem algumas 
conclusões: 
A fala ou discurso é, no uso cotidiano, um instrumento da informação e da 
ação e não exige, no mais das vezes, atitude interpretativa. A significação das 
palavras, nesse caso, tem por base o jogo de relações configuradoras do idioma 
que falamos. 
A fala comum se caracteriza pela transparência. O mesmo não acontece 
com o discurso literário. Este se encontra a serviço da criação artística. O texto da 
literatura é um objeto de linguagem ao qual se associa uma representação de 
realidades físicas, sociais e emocionais mediatizadas pelas palavras da língua na 
configuração de um objeto estético. O texto repercute em nós na medida em que 
revele emoções profundas, coincidentes com as que em nós se abriguem como 
seres sociais. O artista da palavra, copartícipe da nossa humanidade, incorpora 
elementos dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Nosso 
entendimento do que nele se comunica passa a ser proporcional ao nosso 
repertório cultural, enquanto receptores e usuários de um saber comum. 
O discurso literário traz, em certa medida, a marca da opacidade: abre-se a 
um tipo específico de descodificação ligado à capacidade e ao universo cultural do 
receptor. 
Já se percebe o alto índice de multissignificação dessa modalidade de 
linguagem que, de antemão, quando com ela travamos contato, sabemos ser 
especial e distinta da modalidade própria do uso cotidiano. Quem se aproxima do 
texto literário sabe a priori que está diante de manifestação da literatura. 
 
Literatura: conceitos 
A literatura é, tradicionalmente, uma arte verbal. A persença do advérbio se 
justifica diante das inúmeras propostas de vanguarda que, sobretudo a partir dos 
anos 60, buscaram espaços extraverbais para concretizá-la. No Brasil, o 
Movimento da poesia concreta e o Movimento do poema-processo são dois 
exemplos fortes dessas atitudes. 
Por outro lado, tomo o termo, em sentido restrito, a partir de uma 
perspectiva estética, isto é, como o equivalente à criação estética, sem entrar no 
mérito da controvérsia que ainda hoje o acompanha. 
Vale recordar que o conceito de literatura não é matéria pacífica entre os 
estudiosos que a ela se dedicam. Mesmo neste último sentido, tem vivido 
variações significativas ao longo da história. Foge ao propósito deste volume 
restrear tais perspectivas; indicam-se, entretanto, na bibliografia do final do 
volume, algumas obras que podem ser esclarecedoras a propósito do assunto. 
Essa posição não impede, porém, que sejam assinaladas duas concepções 
que a têm identificado com maior relevo no âmbito da cultura ocidental: 
Há os que entendem que a obra literária envolve uma representação e uma 
visão do mundo, além de uma tomada de posição diante dele. Tal posicionamento 
centraliza, assim, suas atenções no criador de literatura e na imitação da natureza, 
compreendida como cópia ou reprodução. A linguagem é vista como mero veículo 
dessa comunicação, e, como assinala Marucie-Jean Lefebve, “a beleza da obra 
resulta, então, de um lado, da originalidade da visão, e, de outro, da adequação 
de sua linguagem às coisas expressas”. É a chamada concepção clássica da 
literatura. 
No século XIX, os românticos acrescentam algo a esse conceito: à luz da 
ideologia que os norteia, entendem que ao artista cabe a visão das coisas como 
ainda não foram vistas e como são profunda e autenticamente em si mesmas. 
A segunda metade da mesma centúria assiste a uma mudança significativa: 
o núcleo da conceituação se desloca para o como a literatura se realiza. Sua 
especificidade, segundo essa nova visão, nasce do uso da linguagem que nela se 
configura. 
É consenso, na atualidade, que os aspectos estéticos da obra literária 
podem ser alcançados através do texto e que todos eles têm uma base lingüística 
(sintática, semântica ou estrutural). 
A questãofundamental, e que continua desafiando os especialistas, é a 
caracterização da natureza das propriedades estéticas do texto literário e quais as 
ligações entre ambos. 
Este livro não tem a menor pretensão nem a veleidade de responder a essa 
indagação. Acredito, porém, que, se não podemos, até o momento, caracterizar 
plenamente a especificidade da literatura, temos possibilidade, graças ao 
desenvolvimento dos estudos e das pesquisas na área, de indicar traços peculiares 
e identificadores do discurso literário enquanto tal. 
 
 
(p. 36-44) 
5. Características do discurso literário 
 
Literatura e especificidade 
Se a literatura é uma arte, nessa condição ela é um meio de comunicação 
de tipo especial e envolve uma linguagem também especial. Esta última, como já 
foi visto, apóia-se numa língua e se configura em textos em que se caracteriza 
uma determinada modalidade de discurso. 
O código em que se pauta o discurso literário guarda íntima relação com o 
código do discurso comum, mas apresenta, em relação a este, diferenças 
singularizadoras. 
Diante do mistério do fenômeno literário, o grande desafio dos estudiosos e 
pesquisadores tem sido caracterizar plenamente essa especificidade. 
Identificar, entretanto, certos traços peculiares do discurso literário tem sido 
possível: o que ainda não se conseguiu definir, mesmo à luz desses traços, é o 
índice da chamada literariedade, busca mobilizadora sobretudo da crítica formalista 
e estruturalista. 
A próposito, estudiosos como Greimas, por exemplo, vinculam a 
interpretação dessa literariedade a uma conotação sócio-cultural e sua 
conseqüente variação no tempo e no espaço humanos. 
Essa relatividade e essas limitações não impedem que assinalemos uma 
série de caracteres distintivos do discurso literário em relação ao discurso comum. 
Vamos a eles. 
 
Complexidade 
O discurso da literatura se caracteriza por sua complexidade. No discurso 
não-literário, há um relacionamento imediato com o referente; caracteriza-se, na 
maioria dos casos, a significação singular dos signos, marcados pela transparência, 
como vimos na frase-exemplo “Uma flor nasceu no chão da minha rua”. Já o que 
depreendemos do texto literário ultrapassa, como já foi assinalado, os limites da 
simples reprodução. A natureza das informações que, por seu intermédio, são 
transmitidas, vai além do nível meramente semântico para se converter em algo 
tal, que sua comunicação se torna impossível através das estruturas elementares 
do discurso cotidiano. 
No dispositivo verbal configurador da obra de arte literária, revelam-se 
realidades que, mesmo vinculadas a elementos de natureza individual ou de 
época, atingem espaços de universalidade. Por seu intermédio se busca aceder à 
plenitude do real. 
Em certo sentido, a linguagem literária produz; a não-literária reproduz. 
O texto literário é, ao mesmo tempo, um objeto lingüístico e um objeto 
estético. 
Nessa situação, configura-se um sistema de signos secundário em relação à 
língua de que se vale, esta funcionando, no caso, como o sistema 1. Entenda-se o 
adjetivo secundário vinculado sobretudo à natureza complexa que está sendo 
assinalada e não somente ao fato de que o sistema 1 é uma língua natural. 
A obra de arte literária, valho-me ainda uma vez de Lefebve, é sempre a 
intersecção de dois movimentos de sentidos opostos que se envolvem, por um 
lado, um dobrar-se da literatura sobre si mesma “num puro objeto de linguagem” 
e, por outro lado, um abrir-se “ao mundo interrogado na sua realidade e na sua 
presença essencial [...] movimentos contraditórios e entretanto solidários, pólos ao 
mesmo tempo complementares e antagonistas, criadores de um campo dinâmico 
que só ele permite compreender os diversos aspectos do fenômeno literário”. 
 
Multissignificação 
Ao caracterizar-se no texto literário um uso específico e complexo da língua, 
os signos lingüísticos, as frases, as seqüências assumem significado variado e 
múltiplo. Assim, afastam-se, por exemplo, da monossignificação típica do discurso 
científico, para só citar um caso. 
É nesse sentido que alguns estudiosos situam o distanciamento que a 
linguagem literária assume em relação ao que chamam grau zero da escritura. 
Entenda-se, a princípio, grau zero como o discurso preocupado sobretudo 
com a plena clareza da comunicação nele veiculada e com a obediência às normas 
usuais da língua. (Para uma visão mais minuciosa do conceito, pode-se ver o livro 
de Roland Barthes, Novos ensaios críticos seguidos de o grau zero da escritura, 
edição da Cultrix de 1974.) 
A literatura, na verdade, cria significantes e funda significados. Apresenta 
seus próprios meios de expressão, ainda que se valendo da língua, ponto de 
partida. Superposto ao da língua, o código literário, em certa medida, caracteriza 
alterações e mesmo oposições em relação àquele. É um desvio mais ou menos 
acentuado em relação ao uso lingüístico comum. Em termos literários, por 
exemplo, assegurada a coerência do conjunto em que inseríssemos a afirmação, 
teriam sentido frases como “a flor de nossa rua comeu todos os medos” ou “a flor 
expulsou todos os monstros” e, fora desse âmbito sintático-vocabular, lembro 
versos como “Um supremíssimo cansaço/íssimo, íssimo/cansaço” de Fernando 
Pessoa, onde, como se vê, se fere, em nome da expressividade poética, a norma 
morfológica do idioma no seu uso cotidiano. 
E mais: para a plurissignificação do texto contribuem, como acentua Paul 
Ricoeur, fatores de ordem sincrônica e de ordem diacrônica. Vale dizer, os 
primeiros se vinculam à carga significativa ligada às relações entre as palavras no 
conjunto do texto de que fazem parte; já o plano da diacronia envolve tudo o que 
de significação e evocação o tempo agregou aos vocábulos, no decurso de sua 
história, incluídas nessa totalidade as dimensões resultantes do uso das palavras 
na tradição literária. 
Num ou noutro caso, a plurissignificação pode associar-se ao âmbito sócio-
cultural, como quer, por exemplo, Della Volpe, ou a espaços miticos e arquetípicos, 
como pretende Northrop Frye; situo-me, no caso, entre os que acreditam que tais 
dimensões não se excluem, antes se complementam. 
A multissignificação é, pois, uma das marcas fundamentais do texto literário 
como tal. É o traço que permite, entre outras, as múltiplas leituras existentes da 
obra de João Cabral de Melo Neto, de Carlos Drummond de Andrade, de 
Guimarães Rosa; que possibilita a Roland Barthes a sua apreciação da obra de 
Racine e que nos autoriza ler, em Iracema, de José de Alencar, uma síntese 
simbólica do processo civilizatório da América, entre outras interpretações. A 
permanência de determinadas obras se prende ao seu alto índice de polissemia, 
que as abre às mais variadas incursões e possibilita a sua atemporalidade. 
 
Predomínio da conotação 
A linguagem literária é eminentemente conotativa. O texto literário resulta 
de uma criação, feita de palavras. É do arranjo especial das palavras nessa 
modalidade de discurso que emerge o sentido múltiplo que a caracteriza. 
Os signos verbais, no texto de literatura, por força do processo criador a 
que são submetidos, à luz da arte do escritor, revelam-se carregados de traços 
significativos que a eles se agregam a partir do processo sócio-cultural complexo a 
que a língua se veicula. O texto literário pode abrigar a presença de elementos 
identificadores de um real concreto, quase sempre garantidor de verossimilhança, 
como costuma também, nessa mesma dimensão, apresentar uma imagem desse 
real ligada estreitamente a outros elementos que fazem o texto. Essa presença, 
que pode trair uma dimensão denotativa, não é, entretanto, seu traço dominante. 
Este reside na conotação, conceito fundamental para os estudos de literatura e de 
tal maneira que especialistas como André Martinet,Georges Mounin e, entre nós, 
José Guilherme Merquior chegam a admitir que nas conotações reside “o segredo 
do valor poético de um texto”. 
 
Liberdade na criação 
As manifestações literárias podem envolver adesão, transformação ou 
ruptura em relação à tradição lingüística, à tradição retórico-estilística, à tradição 
técnico-literária ou à tradição temático-literária às quais necessariamente está 
vinculado o trabalho do escritor. A literatura se abre, então, plenamente, à 
criatividade do artista. Em seu percurso, ela consiste na constante invenção de 
novos meios de expressão ou numa nova utilização dos recursos vigentes em 
determinadas épocas. Mesmo nos momentos em que a obediência a determinados 
princípios pareceu regular os procedimentos literários, a literatura, por sua própria 
natureza, levou à abertura de caminhos renovadores. 
Não existe uma “gramática normativa” para o texto literário. Seu único 
espaço de criação é o da liberdade. 
Se a norma, em alguns instantes, regulou a “arte”, o “engenho” foi sempre 
além, com maior ou menor evidência. E os movimentos de vanguarda, a constante 
exigência e busca do novo continuam sendo suas marcas mais patentes, num 
curso que segue paralelo à dinâmica do processo cultural em que se integra. Nesse 
processo, ora o acompanha, ora se antecipa, transformadora, porta-voz do devir. 
Veja-se o Ulisses, de Joyce, por exemplo. O artista da palavra tem uma 
sensibilidade mais apurada do que a do comum das gentes, e essa acuidade 
mobiliza-lhe a criação progressora. 
Na maioria dos casos, é a própria obra que traz em si suas próprias regras. 
A obra de arte literária se faz, fazendo-se. 
Observe-se que as normas reguladoras do texto não-literário, aquelas que 
se impõem ao indivíduo por corresponderem àquilo que habitualmente se diz, 
precisam ser obedecidas, sob pena de sérios ruídos na comunicação e, em certas 
circunstâncias, até de total obliteração do que se pretende comunicar. No texto 
literário a criação estética autoriza qualquer transgressão nesse sentido. E em 
termos de história literária, múltiplos e vários têm sido os percursos nessa direção, 
seja em termos individuais, seja ao nível de época. 
 
Ênfase no significante 
Enquanto o texto não-literário confere destaque ao significado, ou seja, ao 
plano de conteúdo, o texto literário tem o seu sentido apoiado no significado e no 
significante, com especial relevo concedido a este último. A questão, entretanto, 
não é pacífica. Sobretudo quando pensamos que, ao situar significante e 
significado no âmbito da semiótica, estes ganham dimensões que, embora 
relacionadas com a visão da lingüística, adquirem matizes diferentes e contribuem 
efetivamente para o sentido do texto, principalmente em termos da informação 
estética que nele se configura. Num poema como o “Soneto de separação”, de 
Vinícius de Morais, por exemplo, os fonemas bilabiais de certos vocábulos parecem 
contribuir para o sentido dominante no texto, centrado na separação entre dois 
seres: 
 
Soneto de separação 
 
De repente do riso fez-se o pranto 
Silencioso e branco como a bruma 
E das bocas unidas fez-se a espuma 
E das mãos espalmadas fez-se o espanto. 
 
De repente da calma fez-se o vento 
Que dos olhos desfez a última chama 
E da paixão fez-se o pressentimento 
E do momento imóvel fez-se o drama. 
 
De repente, não mais que de repente 
Fez-se de triste o que se fez amante 
E de sozinho o que se fez contente. 
 
Fez-se do amigo próximo o distante 
Fez-se da vida uma aventura errante 
De repente, não mais que de repente. 
 
Textos há em que o significante sobressai de maneira ainda mais marcante, 
como neste poema concreto de Ronaldo Azeredo: 
 
V V V V V V V V V V 
V V V V V V V V V E 
V V V V V V V V E L 
V V V V V V V E L O 
V V V V V V E L O C 
V V V V V E L O C I 
V V V V E L O C I D 
V V V E L O C I D A 
V V E L O C I D A D 
V E L O C I D A D E 
 
A questão é facilmente compreensível: basta substituir os vocábulos de um 
texto por sinônimos, para aquilatar a relevância do significante. Pensemos na fala 
famosa do Hamlet, de Shakespeare: 
 
To be or not to be: that is the question 
(Ser ou não ser: eis a questão) 
 
Veja-se o efeito de substituições: 
 
Am I or am I not: that is the question 
(Sou ou não sou: eis a questão) 
 
ou 
 
To be or not to be: that is what worries me 
(Ser ou não ser: é isso que me preocupa) 
 
Evidentemente, perde-se muito do efeito estético com as expressões 
substitutas, levando-se em conta, obviamente, o contexto em que as palavras do 
teatrólogo se inserem. 
No “Soneto de separação”, de Vinícius de Morais, é bastante trocar algumas 
palavras para verificar a força do significante, colocando, por exemplo, 
“repentinamente” em lugar de “de repente”; “juntas”, onde está “unidas”; ou 
“tranqüilidade”, onde se encontra “calma”. 
 
Variabilidade 
O texto literário se vincula, como foi assinalado, a um universo sócio-
cultural e a dimensões ideológicas; sua natureza envolve mutações no tempo e no 
espaço; ele tem uma língua como ponto de partida e de chegada; as línguas 
acompanham as mudanças culturais; mudam-se os tempos, mudam-se as 
vontades, mudam as pessoas, os povos, a linguagem; a literatura, manifestação 
cultural, acompanha as mudanças da cultura de que é parte integrante e 
altamente representativa. A literatura traz a marca de uma variabilidade específica, 
seja a nível de discursos individuais, seja a nível de representatividade cultural. E 
não nos esqueça de que, na base da literatura, está a permanente invenção.

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