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Ap.2.Lit.Bras.Mod.e.Tend.Cont.2s2015.at.04.11.2015

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2s2015 
Org.: Prof. Roberto Samuel Sanches 
UNISO- Universidade de Sorocaba 
2s2015 
Modernismo no Brasil – (cont.) Lit. Brasileira- 
Modernismo e Tendências Contemporâneas – 
Apostila 2 
Literatura Brasileira- Modernismo e Tendências Contemporâneas – Curso de Letras – UNISO – Org.: Prof. 
Roberto Samuel Sanches 2 
 
APOSTILA 2 . MODERNISMO – (continuação) 
 autores: 
Jorge Amado 
Érico Veríssimo 
Dyonélio Machado 
Carlos Drummond de Andrade 
Murilo Mendes 
Jorge de Lima 
Cecília Meireles 
Vinicius de Moraes 
Clarice Lispector 
Guimarães Rosa 
Antonio Callado 
João Cabral de Melo Neto 
 
 
JORGE AMADO 
 
 
 
 Jorge e a neta Mariana 
 
 
 
JORGE AMADO Nasceu em Itabuna/Bahia - (1912) - faleceu em Salvador/Bahia– ( 2001) – Estudou 
Direito e trabalhou na imprensa. Em 1931 mudou-se para o Rio de Janeiro e tornou-se conhecido por 
causa da publicação do livro O país do carnaval. Alcançou notoriedade pela publicação dos dois 
romances seguintes: Cacau e Suor. Comprometido com ideias socialistas, participou da Aliança Nacional 
Libertadora, movimento de frente popular, e foi preso em 1936. Libertado no ano seguinte, morou em 
Buenos Aires, onde publicou a biografia de Prestes. De volta para o Brasil, foi eleito deputado federal, 
mas teve seu mandato político cassado. Mudou-se para a França, depois para a União Soviética e residiu 
em vários outros países das chamadas democracias populares, voltando para o Brasil em 1952. 
Ingressou na Academia Brasileira de Letras em 1959. Tornou-se conhecido em muitos países e sua obra 
foi publicada em mais de 30 línguas. A maior parte de sua obra, principalmente as iniciais, apresenta 
preocupação político-social, denunciando, num tom direto, lírico e participante, a miséria e a opressão do 
trabalhador rural e das classes populares. Posteriormente, sua obra voltou-se para os pobres, para a 
infância abandonada e delinquente, para a miséria do negro, para o cais, para os pescadores de sua terra 
natal, a Bahia, para a seca, o cangaço, a exploração do trabalhador urbano e rural e para a denúncia do 
coronelismo latifundiário, chegando, posteriormente, à crônica de costumes. 
O crítico literário, Alfredo Bosi, considera cinco fases na obra de Jorge Amado: 
1. O romance proletário - no primeiro momento, envolvendo a vida baiana, rural e citadina ( Cacau; 
Suor) 
2. Depoimentos líricos, sentimentais, em torno de rixas e amores marinheiros (Jubiabá; Mar Morto; 
Capitães da Areia) 
3. Pregação partidária: O cavaleiro da esperança; O mundo da paz); 
4. A região do cacau e o tom épico da luta entre coronéis e exportadores (Terras do sem-fim; São 
Jorge dos Ilhéus); 
5. Crônicas amaneiradas de costumes provincianos (Gabriela, cravo e canela; Dona Flor e seus 
dois maridos). Nessa linha, formam uma obra à parte, menos pelo espírito que pela inflexão 
acadêmica do estilo, como as novelas reunidas em Os velhos marinheiros. Na última fase 
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abandonam-se os esquemas de literatura ideológica que nortearam os romances de 30 e 40; 
tudo se dissolve no pitoresco, no saboroso, no gorduroso, no apimentado do regional. 
Jorge Amado tornou-se bastante conhecido principalmente pelo que sua obra apresenta de pitoresco, 
daquilo que trata do regional que se universaliza, pelo que traz de sua terra, a Bahia e seus 
personagens, numa linguagem considerada despretenciosa e popular. Apesar de parte dos críticos 
literários considerarem que sua obra é um tanto repetitiva em relação a personagens e enredo, 
principalmente o apimentado de suas histórias mais populares, recheadas de erotismo. Independente 
desses aspectos, ele conseguiu renome nacional e internacional, sendo considerado um dos autores 
brasileiros mais prestigiados no Brasil e exterior. Suas obras foram traduzidas em 55 países e, no Brasil, 
venderam-se mais de 20 milhões de exemplares. 
Obra: 
Ficção: O país do carnaval (1931); Cacau (1933); Suor (1934); Jubiabá (1935); Mar Morto (1936); 
Capitães da Areia (1937); Terras do sem-fim (1942); São Jorge dos Ilhéus (1944); Seara Vermelha 
(1946); Os subterrâneos da liberdade – 3 vols. (1952); Gabriela, cravo e canela (1958); Velhos 
Marinheiros (novelas) – (1961); Os pastores da noite (1964); Dona Flor e seus dois maridos (1967). 
Outros gêneros: ABC de Castro Alves (biografia lírica)(1941); Vida de Luís Carlos Prestes, o cavaleiro 
da esperança (1942); Bahia de todos os santos (Guia da cidade)(1945); O amor de Castro Alves, 
mais tarde O amor do soldado (peça teatral) (1947); O mundo da paz (viagem). 
A esposa de Jorge Amado, Zélia Gattai, também escritora, acompanhou de perto a criação da obra do 
escritor. Ele foi muito benquisto dentre muitos intelectuais, sendo visitado por eles e cultivado grandes 
amizades, dentre eles, Pablo Neruda, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, etc. 
 
Vejamos alguns aspectos sobre um de seus livros, Capitães da Areia. O link a seguir, 
http://guiadosvestibulandos.blogspot.com/2010/10/resumo-capitaes-de-areia.html , apresenta um interessante 
resumo e análise dessa obra. Vejamos esse resumo e análise, e depois um trecho dessa obra: 
CAPITÃES DA AREIA 
Análise da obra 
A obra Capitães da Areia foi escrita na primeira fase da carreira de Jorge Amado, e nota-se grandes preocupações sociais. As 
autoridades e o clero são sempre retratados como opressores (Padre José Pedro é uma exceção, mas nem tanto; antes de ser um 
bom padre foi um operário), cruéis e responsáveis pelos males. Os Capitães da Areia são tachados como heróis no estilo Robin 
Hood. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas existenciais dos garotos os transforma em personagens 
únicos e corajosos Capitães da Areia de Salvador. 
 
A grande admiração de Jorge Amado pelos vagabundos ensejou o romance Capitães da Areia. A narrativa se desenrola no Trapiche 
(hoje Solar do Unhão e o Museu de Arte Moderna); no Terreiro de Jesus (na época era lugar de destaque comercial de Salvador); 
onde os meninos circulavam na esperança de conseguirem dinheiro e comida devido ao trânsito de pessoas que trabalhavam lá e 
passavam por lá; no Corredor da Vitória área nobre de Salvador, local visado pelo grupo porque lá habitavam as pessoas da alta 
sociedade baiana, como o comendador mencionado no início da narrativa. 
 
Tempo - A obra apresenta tempo cronológico demarcado pelos dias, meses, anos e horas conforme exemplificam os fragmentos: 
"É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia, Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus 5 anos. Hoje tem 
15 anos. Há dez anos que vagabundeia nas ruas da Bahia." 
 
O tempo psicológico correspondente às lembranças e recordações constantes na narrativa. 
 
A fala de Zé Fuinha (...) "Quando terminaram, o preto bateu as mãos uma na outra, falou: 
 
- Teu irmão disse que a mãe de você morreu de bexiga... 
 
- Papai também... 
 
- Lá também morreu um... 
 
- Teu pai? 
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- Não. Foi Almiro um do grupo." 
 
Foco Narrativo 
 
A obra Capitães da Areia é narrada na terceira pessoa, sendo o autor, Jorge Amado, o narrador apenas o expectador. Ele se 
comporta, durante todo o desenvolvimento do tema, de maneira indiferente, criando e narrando os acontecimentos sem se 
envolver diretamente com eles. 
 
O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, via uma seqüência de pseudo-reportagens, explica-se que os Capitães 
da Areia é um grupo de menores abandonados e marginalizados, que aterrorizam Salvador. Os únicos que se relacionamcom eles 
são Padre José Pedro e uma mãe-de-santo. O Reformatório é um antro de crueldades, e a polícia os caça como os adultos antes do 
tempo que são. 
 
Personagens 
 
Pedro Bala: Era um jovem loiro de 15 anos, que tinha um corte no rosto. Era o chefe dos Capitães da Areia, ágil, esperto, 
respeitador e sabia respeitar a todos. Saiu do grupo para comandar e organizar os Índios Maloqueiros em Aracaju, desejando com 
líder do grupo Barandão. Depois disso ficou muito conhecido por organizar várias greves, como perigoso inimigo da ordem 
estabelecida. 
 
Professor: Era um garoto magro, inteligente, calmo e o único que sabia ler no grupo. O professor era quem planejava os roubos 
dos Capitães da Areia. Depois de muito tempo aceitou um convite e foi pintar no Rio de Janeiro. 
 
Gato: Era o mais bonito e mais elegante da turma,. candidato a malandro do bando, tinha em caso com Dalva mulher das noites, 
que lhe dava dinheiro, por isso, muitas vezes, não dormia no trapiche. Só aparecia ao amanhecer, quando saía com os outros, para 
as aventuras do dia. Participava dos planos mais arriscados e era muito malandro e esperto. Tempos depois foi embora para Ilheús 
tentar a sorte. 
 
Volta-Seca: Imitador de pássaros e afilhado de Lampião, era mulato sertanejo de alpargatas. 
 
Sem Pernas: Era um garoto pequeno para sua idade, coxo de uma perna, agressivo, individualista. Era quem penetrava nas casas 
de família fingindo ser um pobre órgão com o objetivo de descobrir os lugares da casa, onde ficavam os objetos de valor depois 
fugia e os Capitães da Areia assaltavam a casa. Seu destino foi suicidar-se atirando-se do parapeito do elevador Lacerda, pelo ódio 
que nutria pela polícia baiana. 
 
João Grande: Negro, mais alto e mais forte do bando. Cabelo crespo e baixo, músculos rígidos. Após a morte de seu pai, João 
Grande não voltou mais ao morro onde morava, pois estava atraído pela cidade da Bahia. Cidade essa que era negra, religiosa, 
quase tão misteriosa como o verde mar. Com nove anos entrou no Capitães da Areia. Época em que o Caboclo ainda era o chefe. 
Cedo, se fez um dos chefes do grupo e nunca deixou de ser convidado para as reuniões que os maiorais faziam para organizar os 
furtos. Ele não era chamado para as reuniões porque ele era inteligente e sabia planejar os furtos, mas porque ele era temido, 
devido a sua força muscular. Se fosse para pensar, até lhe doía a cabeça e os olhos ardiam. Os olhos ardiam também quando viam 
alguém machucando menores. Então seus músculos ficavam duros e ele estava disposto a qualquer briga. Ele era uma pessoa boa 
e forte, por isso, quando chegavam pequeninos cheios de receio para o grupo, ele era escolhido o protetor deles. O chefe dos 
Capitães da Areia era amigo de João Grande não por sua força, mas porque Pedro o achava muito bom, até melhor que eles. João 
Grande aprendeu capoeira com o Querido-de-Deus junto com Pedro Bala e Gato. João Grande tinha um grande pé, fumava e 
bebia cachaça. Não sabia ler. Era chamado de Grande pelo professor, admirava o professor. O professor achava João Grande um 
negro macho de verdade. 
 
Pirulito: Era magro e muito alto, um cara seca, meio amarelado, olhos fundos, boca rasgada e pouco risonha. Era o único do grupo 
que tinha vocação religiosa apesar de pertencer ao Capitães da Areia. Quando parou de roubar, para sobreviver vendia jornais, 
seu destino foi ajudar o padre José Pedro numa paróquia distante. 
 
Boa Vida: Era mulato troncudo e feio, o mais malandro do grupo. Muito preguiçoso, era o único que não participava das atividades 
de roubo do grupo. Às vezes, roubava um relógio ou uma joia qualquer, passando-a logo para o Bala, como forma de apoio ao 
grupo. Era um boa-vida, gostava de violão e de ficar fazendo nada, contemplando o mar e os barcos. Seu destino foi virar um 
verdadeiro malandro, que vivia a correr pelos morros compondo sambas. 
 
Dora: Tinha treze para quatorze anos, era a única mulher do grupo e se adaptou bem a ele. Era uma menina muito simples, dócil, 
bonita, simpática e meiga. Conquistou facilmente o grupo com seus cabelos lisos. Seus pais haviam morrido de alastrine e ela ficou 
sozinha no mundo com seu irmão pequeno. Tentou arrumar emprego, mas ninguém queria empregar filha de bexiguento. Aí ela 
encontrou João Grande e professor que a chamaram para morar no Trapiche, e logo ela já era considerada por todos como uma 
mãe, irmã e para Bala uma noiva. Ela participava dos roubos com os outros meninos. Morreu queimando de febre. 
 
João-de-Adão: Estivador, negro fortíssimo e antigo grevista, era igualmente temido e amado em toda a estiva. Através dele, Pedro 
Bala soube de seu pai. Ele tinha conhecido o loiro Raimundo, estivador que tinha morrido, baleado na greve, lutando em prol dos 
estivadores. Segundo ele, a mãe de Pedro falecera quando ele tinha seis meses; era uma mulher e tanto. 
 
Don'aninha: Mãe de santo, sempre os socorria em caso de doença ou necessidade. 
 
Padre José Pedro: Introduzido no grupo pelo Boa-Vida, conhecia o esconderijo dos capitães. 
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Querido-de-Deus: Pescador, juntamente com João- de- Adão tinham a confiança dos meninos, que, por sua vez, não mediam 
esforços para recompensar esse apoio. 
 
Enredo 
 
Tendo como cenário as ruas e as areias das praias de Salvador, Capitães da Areia trata da vida de crianças sem família que viviam 
em um velho armazém abandonado no cais do porto. Os motivos que as uniram eram os mais variados: ficaram órfãs, foram 
abandonadas, ou fugiram dos abusos e maus tratos recebidos em casa. 
 
Aproximadamente quarenta meninos de todas as cores, entre nove e dezesseis anos, dormiam nas ruínas do velho trapiche. 
Tinham como líder Pedro Bala, rapaz de quinze anos, loiro, com uma cicatriz no rosto. Generoso e valente, há dez anos 
vagabundeava pelas ruas de Salvador, conhecendo cada palmo da cidade. 
 
Durante o dia, maltrapilhos, sujos e esfomeados, mostravam-se para a sociedade, perambulando pelas ruas, fumando pontas de 
cigarro, mendigando comida ou praticando pequenos furtos para poder comer. Esse contato precoce com a dura realidade da vida 
adulta fazia com que se tornassem agressivos e desbocados. 
 
Além desses pequenos expedientes, os Capitães da Areia praticavam roubos maiores, o que os tornou conhecidos, temidos e 
procurados pela polícia, que estava em busca do esconderijo e do chefe dos capitães. Esses meninos se pegos, seriam enviados 
para o Reformatório de Menores, visto pela sociedade como um estabelecimento modelar para a criança em processo de 
regeneração, com trabalho, comida ótima e direito a lazer. No entanto, esta não era a opinião dos menores infratores. Sabendo 
que lá estariam sujeitos a todos os tipos de castigo, preferiam as agruras das ruas e da areia à essa falsa instituição. 
 
Um dia, Salvador foi assolada pela epidemia de varíola. Como os pobres não tinham acesso à vacina, muitos morriam, isolados no 
lazareto. Almiro, o primeiro capitão a ser infectado, ali morreu. Já Boa-Vida teve outra sorte; saiu de lá, andando. Dora e o irmão, 
Zequinha, perderam os pais durante a epidemia. Ao saber que eram filhos de bexiguentos, o povo fechava-lhes a porta na cara. 
Não tendo onde ficar, os dois acabaram no trapiche, levados por João Grande e o Professor. 
 
A confusão, causada pela presença de Dora no armazém, foi contornada por Pedro. Os meninos aceitaram-na no grupo e, depois 
de algum tempo, vestida como um deles, participava de todas as atividades e roubos do bando. Pedro Bala considerava Dora mais 
que uma irmã; era sua noiva. Ele que não sabia o que era amor, viu-se apaixonado; o que sentia era diferente dos encontros 
amorosos com as negrinhas ou prostitutas no areal. 
 
Quando roubavam um palacete de um ricaço na ladeira de São Bento, foram presos. Partedo grupo conseguiu fugir da delegacia, 
graças à intervenção de Bala que acabou sendo levado para o Reformatório. Ali sofreu muito, mas conseguiu fugir. Em liberdade, 
preparou-se para libertar Dora. Um mês no Reformatório feminino foi o suficiente para acabar com a alegria e saúde da menina 
que, ardendo em febre, se encontrava na enfermaria. 
 
Após renderem a irmã, Pedro, Professor e Volta-Seca fugiram, levando Dora consigo. Infelizmente, não resistindo, ela morreu na 
manhã seguinte. Don'aninha embrulhou-a em uma toalha de renda branca e Querido-de-Deus levou-a em seu saveiro, jogando-a 
em alto mar. Pedro Bala, inconsolável e muito triste, chorou com todos a ausência de Dora. Alguns anos se passaram e o destino 
de cada um do grupo foi tomando rumo. Graças ao apoio de um poeta, o Professor foi para o Rio, e já estava expondo seus 
quadros. Pirulito, que já não roubava mais, entrara para uma ordem religiosa. Sem-Pernas morreu, quando fugia da polícia. Volta-
Seca estava fazendo o que sempre tinha sonhado; aliou-se ao bando de seu padrinho, Lampião, tornando-se um terrível matador 
de polícia. Gato, perfeito gigolô e vigarista, estava em Ilhéus, trapaceando coronéis. Boa-Vida, tocador de violão e armador de 
bagunças, pouco aparecia no trapiche. João Grande embarcou como marinheiro, num navio de carga do Lloyd. 
 
Após o auxílio na greve dos condutores de bonde, o bando Capitães da Areia de Pedro Bala, tornou-se uma "brigada de choque", 
intervindo em comício, greves e em lutas de classes. Assim como Pirulito, Bala havia encontrado sua vocação. Passando a chefia 
do bando para Barandão, seguiu para Aracaju, onde iria organizar outra brigada. Anos depois, Pedro Bala, conhecido organizador 
de greves e perigoso inimigo da ordem estabelecida, é perseguido pela polícia de cinco estados. 
 
Os Capitães da Areia são heroicos, "Robin Hood"s que tiram dos ricos e guardam para si (os pobres). O Comunismo é mostrado 
como algo bom. No geral, as preocupações sociais dominam, mas os problemas existenciais dos garotos os transforma em 
personagens únicos e corajosos. 
 
Fonte: http://www.passeiweb.com 
 
 
 
 
 
 
 
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Capitães da Areia 
 
 
Companheiros 
 
Há um movimento novo na cidade. Pedro Bala sai do trapiche com João Grande e Barandão. O cais está deserto, parece que todos 
o abandonaram. Somente soldados de policia guardam os grandes armazéns. Não há descarga de navios neste dia. 
Porque os estivadores, com João de Adão à frente, foram prestar solidariedade aos condutores de bonde que estão em greve. 
Parece que há uma festa na cidade, mas uma festa diferente de todas. Passam grupos de homens que conversam, os automóveis 
cortam as ruas conduzindo gente para o trabalho, empregados no comércio riem, a ladeira da Montanha está cheia de gente que 
sobe e desce, pois os elevadores também estão parados. 
As marinetes vão entupidas, gente sobrando pelas portas. Os grupos de grevistas passam silenciosos para a sede do sindicato, 
onde vão ouvir a leitura do manifesto dos estivadores, que João de Adão conduz nas suas mãos grandes. Na porta do sindicato 
grupos conversam, soldados montam guarda. 
Pedro Bala anda com João Grande e Barandão pelas ruas. Diz: - Tá bonito... 
João Grande também sorri, o negrinho Barandão fala: - Hoje vai ter fuzuê. 
- Eu é que não queria ser condutor de bonde, nem motorneiro. 
Ganha uma porcaria. Eles faz bem... - fala João Grande. 
- Vamos espiar? -- propõe Pedro Bala. 
Vão para a porta do sindicato. Entram homens negros, mulatos, espanhóis e portugueses. Veem quando João de Adão e os outros 
estivadores saem entre vivas dos operários das linhas de bonde. Eles vivam também. João Grande e Barandão porque gostam do 
doqueiro João de Adão. Pedro Bala não só por isso como porque acha bonito o espetáculo da greve, é como uma das mais belas 
aventuras dos Capitães da Areia. 
Um grupo de homens bem vestidos entra no sindicato. Da porta eles ouvem uma voz que discursa, uma que interrompe: Vendido, 
amarelo. 
- Tá bonito... -- repete Pedro Bala. 
Tem vontade de entrar, de se misturar com os grevistas, de gritar e lutar ao lado deles. 
A cidade dormiu cedo. A lua ilumina o céu, vem a voz de um negro do mar em frente. Canta a amargura da sua vida desde que a 
amada se foi. No trapiche as crianças já dormem. Até o negro João Grande ronca estirado na porta, o punhal ao alcance da mão. 
Somente Pedro Bala vela, estirado na areia, olhando a lua, ouvindo o negro que canta as saudades da sua mulata que partiu. O 
vento traz trechos soltos da canção e ela faz com que Pedro Bala procure Dora no meio das estrelas do céu. Ela também virou uma 
estrela, uma estranha estrela de longa cabeleira loira. Os homens valentes têm uma estrela em lugar do coração. Mas nunca se 
ouviu falar de uma mulher que tivesse no peito, como uma flor, uma estrela. As mulheres mais valentes da terra e do mar da 
Bahia, quando morriam, viravam santas para os negros, como os malandros que foram também muito valentes. Rosa Palmeirão 
virou santa num candomblé de caboclo, rezam para ela orações em nagô, Maria Cabaçu é santa nos candomblés de Itabuna, pois 
foi naquela cidade que ela mostrou sua coragem primeiro. Eram duas mulheres grandes e fortes. De braços musculosos como 
homens, como grevistas. 
Rosa Palmeirão era bonita, tinha o andar gingado de marítima, era uma mulher do mar, certa vez teve um saveiro, cortou as ondas 
da entrada da barra. Os homens do cais a amavam não só pela sua coragem, como pelo seu corpo também. Maria Cabaçu era feia, 
mulata escura, filha de negro e índia, grossa e zangada. Dava nos homens que a achavam feia. Mas se entregou toda a um 
cearense amarelo e fraco que a amou como se ela fosse uma mulher bonita, de corpo belo e olhos sensuais. Tinham sido valentes, 
viraram santas nos candomblés de caboclo, que são candomblés que de quando em vez inventam novos santos, não têm aquela 
pureza de rito dos candomblés nagôs dos negros. São candomblés dos mulatos. Mas Dora fora mais valente que elas. Era apenas 
uma menina, vivera igual a um dos Capitães da Areia, e todos sabem que um capitão da areia é igual a um homem valente. Dora 
vivera com eles, fora mãe para todos eles. Mas fora irmã também, correra com eles pelas ruas, invadira casas, batera carteiras, 
brigara com o grupo de Ezequiel. 
Depois, para Pedro Bala, fora noiva e esposa, esposa quando a febre a devorava, quando a morte já a rondava naquela noite de 
tanta paz. Paz que ia dos olhos dela para a noite em torno. Estivera no orfanato, fugira dele, igual a Pedro Bala fugindo do 
reformatório. Tivera coragem para morrer, consolando seus filhos, irmãos, noivos e esposo que eram os Capitães da Areia. A mãe-
de-santo Don' Aninha a enrolara numa toalha branca, bordada como se fora para um santo. O querido-dedeus a levara no seu 
saveiro para junto de Yemanjá. Padre José Pedro rezava. Todos a queriam. Mas só Pedro Bala quis ir com ela. Professor fugiu do 
trapiche porque não pôde mais suportar o casarão depois que ela partiu. Mas só Pedro Bala se jogou n'água para seguir o destino 
de Dora, ir fazer com ela aquela maravilhosa viagem que os valentes fazem com Yemanjá no fundo verde do mar. Por isso só ele 
viu quando ela virou estrela e cruzou os céus. Ela veio só para ele, com sua longa cabeleira loira. 
Brilhou sobre sua cabeça de quase afogado e suicida. Deu-lhe novas forças, o saveiro do querido-de-deus que voltava o pôde 
recolher. Agora olha o céu procurando a estrela de Dora. É uma estrela de longa cabeleira loira, uma estrela como não existe 
nenhuma outra. Porque nunca existiu nenhuma mulher como Dora, que era uma menina. A noite está cheia de estrelas que se 
refletem no mar calmo. A voz do negro parece se dirigir às estrelas, como que há pranto na sua voz cheia. Ele também procuraa 
amada que fugiu na noite da Bahia. Pedro Bala pensa que a estrela que é Dora talvez ande agora correndo sobre as ruas, becos e 
ladeiras da cidade a procurá-lo. 
Talvez o pense numa aventura nas ladeiras. Mas hoje não são os Capitães da Areia que estão metidos numa bela aventura. São os 
condutores de bonde, negros fortes, mulatos risonhos, espanhóis e portugueses, que vieram de terras distantes. São eles, que 
levantam os braços e gritam iguais aos Capitães da Areia. A greve se soltou na cidade. É uma coisa bonita a greve, é a mais bela 
das aventuras. 
Pedro Bala tem vontade de entrar na greve, de gritar com toda a força do seu peito, de apartear os discursos. Seu pai fazia 
discursos numa greve, uma bala o derrubou. Ele tem sangue de grevista. Demais a vida da rua o ensinou a amar a liberdade. 
A canção daqueles presos dizia que a liberdade é como o sol: o bem maior do mundo. Sabe que os grevistas lutam pela liberdade, 
por um pouco mais de pão, por um pouco mais de liberdade. É como uma festa aquela luta. 
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Os vultos que se aproximam o fazem levantar desconfiado. Mas logo reconhece a figura enorme do estivador João de Adão. Junto 
a ele vem um rapaz bem vestido, mas com os cabelos despenteados. Pedro Bala tira o boné, fala para João de Adão: -- Tu hoje 
ganhou viva, hein? João de Adão ri. Distende seus músculos, seu rosto está aberto num sorriso para o chefe dos Capitães da Areia: 
- Capitão Pedro, eu quero apresentar a tu o companheiro Alberto. 
O rapaz estende a mão para Pedro Bala. O chefe dos Capitães da Areia limpa primeiro sua mão no paletó rasgado, depois aperta a 
do estudante. João de Adão está explicando: -- É um estudante da Faculdade, mas é um companheiro da gente. 
Pedro Bala olha sem desconfiança. O estudante sorri: -- Já ouvi falar muito em você e em seu grupo. Você é um batuta... 
- A gente é macho, sim responde Pedro Bala. 
João de Adão se aproxima mais: -- Capitão, a gente tem que conversar com tu. Tem um assunto com tu. Um troço sério. Aqui o 
companheiro Alberto... 
- Vamos para dentro? -- fala Pedro Bala. 
Acordam João Grande ao passar. O negro olha com desconfiança o estudante, pensa que é um polícia, levanta um pouco o punhal 
por detrás do braço. Só Pedro Bala vê e fala: -- É um amigo de João de Adão. Vem com a gente, Grande. 
Vão os quatro. Sentam num canto. Alguns dos Capitães da Areia acordam e espiam o grupo. O estudante olha o trapiche, as 
crianças que dormem. Treme como se um vento frio tivesse passado pelo seu corpo: -- Que horror! Mas Pedro Bala está dizendo a 
João de Adão: -- Que coisa porreta a greve! Nunca vi coisa tão bonita. É como uma festa... 
- A greve é a festa dos pobres... -- diz o estudante. 
A voz de Alberto é mansa e boa. Pedro Bala o escuta enlevado, como se fosse a voz de um negro cantando uma canção no mar. 
- Meu pai morreu numa greve, tu sabe? Pergunte a João de Adão, se está duvidando... 
- Foi uma morte bonita fala o estudante. -- Ele foi um campeão da sua classe. 
Não foi o Loiro? O estudante sabe o nome de seu pai. Seu pai foi um campeão... Todos o conhecem. Teve uma morte bonita, 
morreu numa greve, a greve é a festa dos pobres... Escuta a voz do estudante: -- Você acha a greve bonita, Pedro? -- 
Companheiro, esse é um porreta diz João de Adão. --Tu não conhece os Capitães da Areia nem Capitão Pedro... É um 
companheiro... 
Companheiro... Companheiro... Pedro Bala acha a palavra mais bonita do mundo. O estudante diz como Dora dizia a palavra 
irmão. 
- Pois companheiro Pedro, a gente precisa de você e do seu grupo. 
- Pra quê? -- pergunta João Grande curioso. 
Pedro Bala apresenta: -- Este negro é João Grande, um negro bom. Quem for bom é igual a João Grande, melhor não é... 
Alberto estende a mão ao negro. João Grande fica um momento indeciso, não está acostumado a apertos de mão. Mas logo 
aperta aquela mão, meio encabulado. O estudante novamente diz: 
- Vocês são uns batutas... 
 
Alguns endereços interessantes sobre Jorge Amado: 
http://www.fundacaojorgeamado.com.br/?page_id=79&lang=pt 
 
 Érico Veríssimo (Cruz Alta-RS – 1905/ Porto Alegre-RS – 1975) 
Érico Veríssimo escreveu a trilogia O tempo e o vento, que demorou 15 anos para ser concluída 
Aos 13 anos, Érico Lopes Veríssimo já lia autores nacionais como Aluísio Azevedo e Joaquim Manoel de Macedo; e 
autores estrangeiros como Walter Scott, Émile Zola e Dostoievski. Em 1920 foi estudar em Porto Alegre, no Colégio 
Cruzeiro do Sul, de orientação protestante. Seus pais separam-se em 1922. 
Sua mãe, o irmão e a irmã foram morar na casa da avó materna. Para ajudar no orçamento, Érico tornou-se 
balconista no armazém do tio, até que conseguiu uma vaga no Banco Nacional do Comércio. Nessa época começou 
a escrever seus primeiros textos. 
Sua mãe decidiu que a família se mudaria para Porto Alegre, a fim de que seu irmão, Ênio, fizesse o ginásio no 
mesmo colégio onde Érico havia estudado. Na capital, Érico, transferido para a matriz do Banco do Comércio, teve 
problemas de saúde e perdeu o emprego. Recuperado, empregou-se numa seguradora, mas não se adaptou aos 
superiores. 
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Diante das dificuldades, a família retornou a Cruz Alta. Érico voltou a trabalhar no Banco do Comércio em 1925, mas 
acabou aceitando a proposta de Lotário Muller, amigo de seu pai, para tornar-se sócio da "Pharmacia Central". Em 
1927, além das obrigações da farmácia, dava aulas de literatura e inglês. Começou a namorar sua vizinha, Mafalda, 
então com 15 anos. 
Em 1929 Érico publicou "Chico: um conto de Natal", no"Cruz Alta em Revista" e os contos "Ladrão de gado" e "A 
tragédia dum homem gordo", na "Revista do Globo", em Porto Alegre. O conto "A lâmpada mágica" foi publicado 
no "Correio do Povo". Com a falência da farmácia em 1930, o autor mudou-se para Porto Alegre. Passou a conviver 
com escritores renomados, como Mario Quintana, Augusto Meyer, Guilhermino César e foi contratado para o cargo 
de secretário de redação da "Revista do Globo". 
Em 1931 casou-se com Mafalda Halfen Volpe e fez as traduções de "O sineiro", "O círculo vermelho" e "A porta das 
sete chaves" de Edgar Wallace. Colaborou nos jornais "Diário de Notícias" e "Correio do Povo". Em 1932 foi 
promovido a Diretor da Revista do Globo e passou a atuar no departamento editorial da Livraria do Globo. Sua obra 
de estréia, "Fantoches" era uma coletânea de histórias em sua maior parte na forma de peças de teatro. Em 1933 
traduziu "Contraponto", de Aldous Huxley. 
No mesmo ano, seu primeiro romance, "Clarissa" foi lançado e fez sucesso. Em seguida, "Música ao longe", foi 
agraciado com o Prêmio Machado de Assis. Outro romance, "Caminhos cruzados", recebeu o Prêmio Fundação 
Graça Aranha. Foi publicado, ainda naquele ano "A vida de Joana d'Arc". Em viagem ao Rio de Janeiro, Veríssimo fez 
contato com Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego e outros. 
Em 1936, publicou o livro infantil, "As aventuras do avião vermelho". e depois, "Um lugar ao sol". No ano seguinte 
criou o programa infantil "Clube dos três porquinhos", na Rádio Farroupilha e fez a "Coleção Nanquinote", com os 
livros "Os três porquinhos pobres", "Rosa Maria no castelo encantado" e "Meu ABC". Resistindo a submeter 
previamente à censura as histórias apresentada no rádio, Érico encerrou programa que havia criado. 
Em 1938 lançou um de seus maiores sucessos, "Olhai os lírios do campo". No mesmo ano publicou "O urso com 
música na barriga". No ano seguinte, lançou a série infantil, "A vida do elefante Basílio" e "Outra vez os três 
porquinhos"; e o livro de ficção científica "Viagem à aurora do mundo". Depois publicou "Saga" e fezvárias 
traduções. 
Em 1941 passou três meses nos Estados Unidos, a convite do Departamento de Estado americano. Suas impressões 
dessa temporada estão no livro "Gato preto em campo de neve". A idéia do livro "O resto é silêncio" veio de um 
trágico incidente quando ele e seu irmão Enio testemunharam o suicídio de uma mulher que se atirou de um 
edifício em Porto Alegre. Em 1942 a Editora Meridiano publicou "As mãos de meu filho", reunião de contos e 
outros textos do autor. Depois foi publicado "O resto é silêncio". 
Temendo a ditadura Vargas, Érico aceitou o convite para lecionar Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia 
e mudou-se para os Estados Unidos com a família. Publicou o compêndio "Breve história da literatura brasileira". De 
volta ao Brasil lançou, em 1946, "A volta do gato preto"e começou a escrever "O tempo e o vento". Previsto para 
ter um só volume, com aproximadamente 800 páginas, e ser escrito em três anos, acabou ultrapassando as 2.200 
páginas, sob a forma de trilogia, consumindo quinze anos de trabalho. 
Em 1953, Érico Veríssimo assumiu em Washington (EUA) um cargo na Organização dos Estados Americanos, 
substituindo a Alceu Amoroso Lima. Visitou diversos países da América Latina. No ano seguinte foi agraciado com o 
prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. De volta ao 
Brasil, em 1956, lançou "Gente e bichos", coleção de livros para crianças. Sua filha casou-se e foi morar nos Estados 
Unidos. 
Posteriormente, deu palestras em Portugal. Lançou "O ataque", que reunia três contos: "Sonata", "Esquilos de 
outono" e "A ponte". Em 1962 acabou "O Arquipélago", concluindo a trilogia de "O tempo e o vento". 
Em 1965 ganhou o Prêmio Jabuti com o livro "O senhor embaixador". Viajou para os Estados Unidos e depois para 
Israel, a convite do governo daquele país. Em 1967 lançou "O prisioneiro". 
"O tempo e o vento", sob a direção de Dionísio Azevedo, com adaptação de Teixeira Filho, estreou na TV Excelsior 
em 1967. No ano seguinte Érico Veríssimo ganhou o prêmio "Intelectual do ano" (Troféu Juca Pato). 
Em 1969 a casa onde o escritor nasceu, em Cruz Alta, foi transformada em Museu. Lançou "Israel em abril" e em 
1971, "Incidente em Antares". Em 1972 relançou "Fantoches" e ampliou sua autobiografia, publicada em 1966, 
fazendo surgir suas memórias - sob o título de "Solo de clarineta" - cujo primeiro volume foi publicado em 1973. 
Deixou inacabado o segundo volume de suas memórias, além de esboços de um romance que se chamaria "A hora 
do sétimo anjo". 
 
Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/erico-verissimo.jhtm 
Vejamos um trecho de Incidente em Antares: 
XXII 
A revolução militar irrompida em São Paulo, em 1924, contra o governo do Presidente Artur Bernardes, ecoou no Rio Grande do 
Sul em localidades muito próximas a Antares, como São Borja, São Luís e Santo Ângelo, onde se revoltaram respectivamente dois 
regimentos de cavalaria e um batalhão ferroviário, este últimosob o comando dum capitão de Engenharia, Luís Carlos Prestes. O 
velho Campolargo chegou a organizar um corpo de voluntários para defender a sua cidade, caso ela fosse atacada. Como, porém, 
os insurgentes de Prestes, depois de darem combate às forças legalistas, abandonaram o Estado, rumo de Catanduvas, onde 
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deviam reunir-se aos rebeldes de São Paulo – Antares foi poupada aos desastres de mais uma guerra, e sua população continuou a 
viver a vidinha de sempre. 
Um dia, no princípio do verão de 1925, apareceu sorrateiro em Antares um membro da prestigiosa família Vargas, de São Borja. 
Chamava-se Getúlio, tinha quarenta e dois anos de idade, era bacharel em Direito e ocupava então uma cadeira de deputado na 
Câmara Federal, como representante do Partido Republicano de seu Estado. Homem sereno, de feições e maneiras agradáveis, 
sabia usar a cabeça com lúcida frieza e possuía qualidades carismáticas ainda não de todo reveladas plena e publicamente. Dizia 
pouco mas perguntava muito. Frio, solerte, sabia jogar com dois fatores importantes na vida: o tempo e as fraquezas humanas. 
Usou de artimanhas tais, que naquele dia conseguiu reunir Xisto Vacariano e Benjamim Campolargo na casa dum amigo comum, 
homem apolitico e geralmente benquisto na cidade. Quando os dois sátrapas locais deram pela coisa, estavam já frente a frente, 
fechados a chave com o Dr. Getúlio numa sala de visitas que o calor de janeiro transformava num forno aceso, com a colaboração 
de cortinas de veludo, guardanapos de croche e tapetes felpudos. Um ventilador girava e zumbia, inócuo, em cima duma mesinha 
com tampo de mármore, ao lado dum vaso de alabastro com flores artificiais. 
Os dois velhos inimigos naturalmente não se apertaram as mãos e nem sequer rosnaram a menor palavra um para o outro. 
Estavam ambos meio desarvorados. Aquilo então era coisa que se fizesse? Olhavam para Getúlio Vargas com uma expressão de 
censura em que se mesclavam surpresa e zanga. O deputado de São Borja, abrindo o seu sorriso mais sedutor, de excelentes 
dentes, convidou-os a sentarem-se, perguntando-lhes se queriam beber alguma coisa gelada. Nenhum dos dois queria. Sentaram-
se com uma certa relutância pesada, cada qual na sua poltrona, separados por três metros de tapete. Getúlio Vargas acendeu com 
pachorra o seu charuto e por alguns instantes permaneceu silencioso a olhar, de um para outro, os dois velhos, como um árbitro 
que, no meio da arena, prepara-se para anunciar ao público a luta de boxe que se vai travar entre dois campeões de peso-pesado. 
– Perdoem-me pela “traição” – disse ele. – Quando os fins são bons, às vezes temos de fechar os olhos à natureza dos meios. Foi 
essa a única maneira que encontrei para juntar numa mesma sala dois antigos adversários pessoais e políticos. 
Fez uma pausa pontuada por baforadas da fumaça do charuto e pôs-se a andar dum lado para outro. 
– Estou aqui a mandado de meu pai. O velho Manuel me fez portador dum pedido ao senhor, Cel. Xisto, e ao senhor, Cel. 
Benjamim. Os amigos hão de concordar em que os tempos estão mudando. O mundo se encontra diante da porteira duma nova 
Era. Essas rivalidades entre maragatos e republicanos serão um dia coisas do passado. Precisamos pacificar definitivamente o Rio 
Grande para podermos enfrentar unidos o que vem por aí... 
(...). 
– Pois o velho Manuel apela para os senhores – tornou a falar o emissário de São Borja – para que façam as pazes, apertem-se as 
mãos, esqueçam as diferenças e os agravos do passado e daqui por diante trabalhem juntos pelo progresso e pela grandeza de 
nossa terra. Não há nenhum desdouro nessa reconciliação, cuja iniciativa não partiu de nenhum dos prezados amigos aqui 
presentes. Foi um vizinho, um republicano, que se lembrou disso, com a melhor das intenções. Se não quiserem fazer as pazes em 
atenção ao meu pai ou a mim, reconciliem-se então pelo amor ao Rio Grande. 
(...) 
– Quem governa o Brasil – prosseguiu Getúlio – são ora os mineiros ora os paulistas, a famosa fórmula “café com leite”. – Soltou 
uma risada. – Não é justo que o chimarrão tenha também a sua vez? 
Falou durante mais dez minutos, concluindo assim: 
– Pois agora me digam sinceramente que é que ganham sendo inimigos? Quem perde é Antares e o Rio Grande. – Voltou-se para 
Xisto Vacariano. – Autorizo ao senhor, coronel, a dizer publicamente, a quem quiser, que foi meu pai, que fui eu, dois 
republicanos, que o procuraram para fazer esta proposta de paz. Que me diz, Cel. Benjamim? 
(...) – Vamos, apertem-se as mãos! O que passou, passou. Os dois anciãos levantaram-se com certa má vontade, aproximaram-se 
um do outro com passos arrastados e lentos e, sem se olharem cara a cara, trocaram o simulacro dum aperto de 
mãos. Getúlio então abraçou-os a ambos, agradeceu-lhes e felicitou-ospelo gesto, em seu nome e no de seu pai. 
Seguiu-se um momento de constrangido silêncio em que nenhum dos dois adversários crônicos parecia querer ser o primeiro a 
dirigir a palavra ao outro. Por fim o Cel. Campolargo, fazendo um esforço sobre si mesmo, olhou enviesado para Xisto e 
murmurou: 
– Como vai a sua patroa? 
Apanhado de surpresa, pois havia mais de sessenta anos que não trocava uma palavra sequer com aquele Campolargo, Xisto ficou 
meio estonteado, como se tivesse sido abruptamente agredido pelo outro. Mas, recompondo-se, respondeu automaticamente: 
– Bem. E a sua? 
– Ué... morreu o ano passado. Não sabia? Benjamim encabulou. Tinha esquecido o óbito por completo. 
– Desculpe! Meus pêsames. Getúlio Vargas interveio: 
– Bom, vamos agora ao “tratado de paz”. Acho necessário, indispensável mesmo, que mandemos publicar não só no jornal local, 
como também no Correio do Povo, no Diário do Interior de Santa Maria e no Correio do Sul de Bagé uma declaração conjunta, 
assinada por ambos os amigos, explicando ao eleitorado do Rio Grande o motivo e o sentido desta reconciliação. – Levou a mão ao 
bolso interno do casaco. – Tenho aqui um manifesto já preparado. Vou ler para ver se os amigos estão de acordo com os seus 
termos ... 
XXIV 
(...) Benjamim Campolargo não estava de todo descontente com o acordo que firmara. Getúlio Vargas bem podia ser o homem já 
escolhido pelo Dr. Borges de Medeiros para substituí-lo no governo do Estado. Talvez ele, Benjamim, tivesse acabado de atender a 
um pedido do futuro presidente do Rio Grande do Sul. Em casa também mentiu, dando a sua versão do fato. Ao fim do relato 
disse: “Me tragam álcool para eu me desinfetar. Toquei a mão dum Vacariano. Dizem que falta de vergonha é doença contagiosa”. 
Pouco mais disse pelo resto de sua vida, que foi de apenas algumas horas, naquele mesmo dia teve um edema agudo de pulmão e 
faleceu ao anoitecer. Xisto, que logo após a reunião se havia retirado para a estância, morreu menos de uma semana mais tarde, 
com o ventre rasgado pela cornada dum boi xucro que seu lenço vermelho provocara. Antares entrou assim no seu Eoceno 
político. Vacarianos e Campolargos – honrando o tratado de paz – trocaram-se condolências e custosas coroas de flores.(...)Não 
houve problemas de inventário. Não apareceu nenhum advogado cabresteando filhos ou filhas naturais do velho Xisto, embora os 
houvesse às pencas. 
Quanto a Zózimo, o único descendente macho do falecido Benjamim por linha reta, era um homem sem nenhuma vocação para a 
liderança. Tinha terminado o curso ginasial e feito dois anos de Direito. Gostava de ler, era meio indolente – homem de boa paz. 
Ficou desconcertado quando se viu feito patriarca do clã dos Campolargos. Respondeu a essa situação com eólicas intestinais que 
duraram uma semana. Por sorte ou desgraça sua – e neste particular as opiniões em Antares dividiam-se – sua mulher Quitéria, 
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uma Campolargo tanto por parte de pai como de mãe, era uma criatura enérgica e inteligente, senhora de razoáveis leituras, e até 
duma certa astúcia política, de maneira que, depois da morte do velho Benjamim, embora Zózimo empunhasse, sem o menor 
garbo, o cetro de patriarca, D. Quita – como ela gostava de ser chamada, pois detestava, por antigo, o nome avoengo que 
recebera em batismo – passara a ser a “eminência parda”, o “poder por trás do trono”. 
Eram bastante cordiais suas relações com a mulher de Tibério Vacariano, D. Briolanja, conhecida na intimidade como Lanja – outra 
que também não gostava do próprio nome de sabor arcaico. Nunca haviam tido nenhum atrito. Visitavam-se. Estimavam-se até. 
Trocavam-se receitas de doces, bolos e tricô. Lanja era o tipo da dona de casa, ocupada e preocupada com os filhos, os netos e os 
deveres domésticos, isso para não falar na sua devoção ao marido. Pode-se afirmar que as boas relações humanas entre essas 
duas damas contribuíram, mais que qualquer outro fator, para a consolidação da paz entre Campolargos e Vacarianos. 
(...) 
XIII 
Geminiano concluiu que, se tivessem de ficar ali junto aos féretros, seria desagradável para seus companheiros revezarem-se 
durante a noite inteira na guarda da entrada do cemitério. O melhor que podiam fazer para evitar que durante a madrugada “o 
inimigo” se infiltrasse na esplanada e viesse sepultar os seus mortos, era deixar grupos de quatro homens montando guarda à 
boca de cada uma das ruas que davam para o pequeno planalto. Foi o que se fez. Quando a noite caiu – morna, estrelada, pingada 
de vaga-lumes e rascada de grilos – o alto da colina estava completamente deserto de humanidade viva. Numerosas turmas de 
formigas faziam serão. Lagartos corriam por entre macegas e caraguatás. Aves noturnas fre-chavam o ar em vôos curtos, 
acomodavamse nas árvores ou nos túmulos, eventualmente bicavam insetos ou vermes. Cerca das três da madrugada, um vulto 
humano saiu de seu esconderijo – um valo encoberto pela copa de árvores – e caminhou meio agachado na direção do cemitério. 
O seu nome? Nem ele mesmo se lembrava, direito, pois tinha usado muitos em sua vida, um para cada cidade onde operava. 
Estava sendo procurado pela polícia de muitos municípios por delitos de furto e roubo. Soubera à tardinha que o mais fino dos 
sete esquifes insepultos continha uma defunta ricaça, coberta de jóias valiosas. Fizera o seu plano e metera-se no valo, antes do 
sol sumir-se. Agora, se conseguisse fazer o “serviço” rapidamente e fugir para o estrangeiro, poderia ir vendendo as jóias aos 
poucos, com a maior precaução. Um cúmplice o esperava com um cavalo encilhado, numa das muitas encruzilhadas nas 
vizinhanças de Antares. Ele tentaria cruzar o rio perto da divisa com o Estado de Santa Catarina e tentar a sorte na Argentina ou 
mesmo no Paraguai. 
Continuou a andar com toda a cautela, parando de quando em quando para olhar em torno e ficar atento aos ruídos da noite. 
Levava no bolso do casaco uma lanterna elétrica e no das calças um pé-de-cabra. Era a primeira vez que ia espoliar um cadáver. O 
principal era não chamar a atenção dos operários que guardavam as entradas das ruas, a uns duzentos metros dos muros do 
cemitério. Só acenderia a lanterna quando o caixão estivesse já aberto e ele precisasse localizar as joias no corpo da defunta. Seu 
coração batia sereno. Tinha bons nervos. Se não tivesse, não poderia exercer aquela profissão. Chegou a uma das esquinas do 
cemitério e sondou com o olhar a entrada das ruas fronteiras. A cidade estava às escuras. À fraca luz da lua não divisou nenhum 
vulto humano. Felizmente a uns dez metros à frente do muro principal do cemitério estendia-se um longo renque de cinamomos 
copados, que produziam uma zona de sombra onde ele poderia trabalhar sem ser percebido. Teria o cuidado de esconder a luz da 
lanterna com o próprio corpo. Sempre colado ao muro (boa ideia, ter vestido a roupa clara) o ladrão aproximou-se dos sete 
esquifes. O primeiro deles, bem à frente do portão da entrada, era preto e havia sido trazido às cinco da tarde. O seguinte – o 
claro e pequeno – era o que procurava. Ajoelhou-se ao pé dele, desatarraxou-lhe a tampa e, contendo a respiração, ergueu-a, 
fazendo-a depois escorregar de mansinho para um lado. Tirou a lanterna do bolso e acendeu-a. Focou primeiro as mãos da morta, 
pois ouvira falar no famoso solitário de brilhante- Opa! Naqueles dedos cor de cera de abelha não viu nenhum anel. Os pulsos 
estavam sem pulseiras. Iluminou o peito da defunta e não viu nenhum broche. No pescoço, nenhum colar... Numa relutância 
supersticiosa focou o rosto do cadáver da dama e estremeceu. Os olhos dela estavam abertos, seus lábios começaram a mover-se 
e deles saiu primeiro um ronco e depois estas palavras, nítidas: “Senhor, em vossas mãos entrego a minha alma”. O ladrão soltou 
um grito abafado, ergueu-serápido, deixou cair a lanterna acesa e o pé-de-cabra, e rompeu a correr na direção dos campos 
desertos... 
XIV 
Quando viva, Quitéria Campolargo gostava de ficar às vezes contemplando o céu da noite – “garimpando estrelas”, como ela 
própria costumava dizer. Era uma espécie de jogo divertido que de certo modo a aproximava mais de Deus. Mantinha longos 
namoros com as constelações – Orion, o Cão Maior, o Sagitário, o Triângulo Austral, o Centauro e principalmente o Cruzeiro do Sul 
que, por misteriosas artes do coração e da memória, ela não considerava uma constelação universal, mas parte do patrimônio 
brasileiro. Quando lhe acontecia alguma coisa que a entristecia, levando-a a descrer das criaturas humanas, ela procurava no céu 
o Escorpião e, se ele já estivesse visível, localizava a estrela An-tares, pensava no seu diâmetro mais de quatrocentas vezes maior 
que o do Sol, comparava essas grandezas astronômicas com as mesquinharias de sua terra e de sua gente e acabava encontrando 
no confronto um profundo consolo que a punha de novo em paz com o mundo e a vida. E sempre que se sentia melancólica ou 
entediada e vinham dizer-lhe que alguém a chamava ao telefone, respondia: “Diga que não estou em casa, que fui para 
Aldebarã...”. 
Agora, estendida no seu esquife, D. Quitéria está de olhos abertos e parece contemplar um pedaço do firmamento da madrugada. 
Apalpa as contas do rosário, que tem entre as mãos enlaçadas, e seus lábios se movem formando as palavras duma prece. Um 
vaga-lume esvoaça no campo de sua visão e acaba pousando na ponta de seu nariz. Ela o enxota com um movimento de cabeça. 
Depois, agarrando ambas as bordas do caixão, soergue-se devagarinho, permanece um instante sentada, olhando em torno – a 
solidão da esplanada e da noite, e aquela mancha luminosa e redonda num muro branco... 
Retomando a prece do princípio, num sussurro – Pai Nosso que estais no Céu – ela se vai aos poucos levantando – santificado seja 
o Vosso nome – e por fim fica numa posição perpendicular ao esquife – venha a nós o Vosso reino – depois ergue a perna direita 
por cima da borda do caixão e estende o pé devagarinho, como quem experimenta a medo a temperatura da água duma banheira 
– seja feita a Vossa vontade – e a sola de um de seus sapatos toca o chão, seus dedos apertam a cruz do rosário – assim na Terra 
como no Céu... Ao terminar o Padre-Nos-so, está já fora do esquife, ambos os pés no chão, os olhos fitos num outro caixão – esse 
negro, com alças prateadas, e no qual ela se põe a bater de leve com o bico dos sapatos. 
Durante alguns minutos a defunta fica a olhar em torno – para a esplanada, o céu, o muro do cemitério, a lanterna acesa caída no 
chão... Depois se põe de joelhos e nessa posição, lentamente, faz a volta do esquife vizinho, desatarraxando-lhe a tampa, que 
tenta em vão erguer, terminada a operação. Bate três vezes com o punho cerrado na tampa do caixão negro, cujo ocupante 
responde, após segundos, com três batidas semelhantes. D. Quitéria vê a tampa que ela desaparafusou erguer-se lentamente e 
por fim cair para um lado. Um homem de estatura mediana e vestido de escuro sai do seu féretro, dá alguns passos com uma 
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rigidez de boneco de mola, olha a seu redor, inclina-se, apanha a lanterna, passeia a sua luz pelo muro do cemitério, depois pela 
copa dos cinamomos, projeta-a contra a esplanada e por fim foca o rosto da dama, que continua ajoelhada. 
– D. Quitéria Campolargo! – exclama o desconhecido. – Que honra! Que prazer! 
– Quem é o senhor? 
– Vamos ver se me reconhece... Volta o feixe luminoso da lanterna sobre o próprio rosto. 
– Estou conhecendo... mas não tenho a certeza. 
– O Dr. Cícero Branco! 
– Mas a sua cara está diferente. 
– A morte, que eu saiba, nunca melhorou a cara de ninguém. 
– O que me despistou foi essa mancha arroxeada no lado direito de seu rosto... Mas quando foi que o senhor. .. faleceu? 
– Ontem, se não me falha a memória. 
– Coração? 
– A mancha que a senhora vê pode ser um sinal de que fui fulminado por uma hemorragia cerebral maciça. Eu ia atravessando a 
praça quando de repente tudo ficou escuro. 
D. Quitéria põe-se de pé, ergue a cabeça para o céu. 
– Pela posição do Cruzeiro do Sul acho que são três horas da madrugada. Como se explica que estamos ainda insepultos e 
abandonados fora dos muros do cemitério? 
Cícero encolhe os ombros. 
– É isso que me intriga. Mas estou também curioso por saber como foi que a senhora conseguiu sair de seu esquife... 
– Ora, eu estava serena no sono da morte quando de repente vi uma luz fortíssima. Imaginei que fosse o olho luminoso de Deus e 
disse-. “Aqui estou, Senhor, em Vossas mãos entrego a minha alma!”. Ouvi um grito de susto, a luz caiu e entrevi o vulto dum 
homem que saía disparando. .. 
– Possivelmente um desses profanadores de cemitérios ... 
– Talvez tenha sido isso mesmo, um ladrão... – Põe-se a apalpar os dedos, o pulso, o peito, o pescoço, as orelhas. – Ai! Fui 
roubada, doutor! O bandido levou todas as minhas joias! – Levanta-se. – Fui roubada! Meu Deus! Joias antigas de família... 
– Desculpe-me, D. Quitéria, mas asseguro-lhe que a senhora foi posta no seu esquife sem nenhuma das suas joias, nem mesmo a 
aliança de casamento. 
– Como é que o senhor sabe? 
– Simples. Fui ao seu velório prestar-lhe uma homenagem. Por sinal levei-lhe um ramo de gladíolos vermelhos e amarelos, que eu 
mesmo depositei junto de seu corpo. Fiquei algum tempo a seu lado. Seu amigo Tibério Vacariano é testemunha desse fato. 
Conversamos a seu respeito, fizemos os maiores elogios (aliás muito merecidos) à sua pessoa. Mas repito, sob palavra de honra, 
que não vi no seu corpo nenhuma jóia. 
 (...) 
 
 Fonte: http://virtual.claretianas.com.br/~stella/images/PDF/incidente_em_antares.pdf 
 Dionélio Machado 
DYONÉLIO MACHADO - (1895 – 1985) 
Dyonélio Machado (1895-1986) nasceu em Quaraí, Rio Grande do Sul, e formou-se em Medicina em 1929 em Porto 
Alegre, sendo psiquiatra. Foi também jornalista, chegando a dirigir o jornal Correio do Povo, e deputado pelo PCB, 
mas foi destituído do cargo com a implantação do Estado Novo. Machado adquiriu notoriedade ao vencer junto 
com, entre outros, seu amigo Érico Veríssimo, o concurso da ABL em 1935. Machado era, aliás, amigo de muitos dos 
modernistas e se correspondia com eles, estando alinhado com a Geração de 30. Dyonélio foi o iniciador da prosa 
urbana gaúcha com o livro Um Pobre Homem. Sua obra de mais repercussão foi Os Ratos, mas também é 
importante O Louco do Cati entre sua obra. 
Um acontecimento marcante na sua vida foi o assassinato do pai, que aconteceu quando ele era ainda um menino. 
 
Em 1903, como a família, que era constituída pela mãe e pelo irmão Severino, ficou pobre, aos oito anos, ele já 
vendia bilhetes de loteria para ajudar no sustento da casa . Nunca mais esqueceu uma cena terrível que lhe 
aconteceu: um dia, na rua, encontrou o assassino do pai. O homem queria comprar um bilhete. Esse encontro é 
narrado pelo próprio escritor: “Não queiram passar pelo momento que passei: negociar com quem me fizera órfão 
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era renegar uma adoração que nada abalaria. Mas trocar por dinheiro os poucos bilhetes de loteria que eu 
carregava, era obter meio quilo de carne. Cedi. Nossa transação se fez sem palavras. Sabia também o que me 
esperava em casa: era minha mãe chorando”. 
 
Embora pobre, continuou os estudos. Matriculou-se e ao irmão menor na recém-aberta Escola de Aurélio Porto. 
Para pagar a escola para os dois, ele dava aulas para os meninos das classes mais atrasadas. Com 12 anos,começou 
a trabalhar como servente no semanário O Quaraí, o que lhe permitiu conhecer os intelectuais locais. Foi também 
balconista na livraria de um parente, João Antônio Dias. 
 
Em 1911, em Quaraí mesmo, ele fundou, o jornal 0 Martelo. Em 1923, publicou um livro de ensaios políticos, 
Política Contemporânea. Em 1924, entrou para a Faculdade de Medicina, na qual foi um ótimo aluno. Tornou-se 
membro dedicado do Partido Comunista Brasileiro –PCB. Em 1927, publicou um livro de contos chamado Um Pobre 
Homem. Em 1927, publicou um livro de contos chamado Um Pobre Homem. Em 1928, fez concurso público para 
funcionário do Hospital São Pedro, classificando-se em primeiro lugar. Trabalhou lá durante trinta anos, chegando a 
ser diretor da instituição. Em 1929, formou-se em Medicina . Em 1942, publicou O Louco do Cati; em 1944, 
Desolação, em 1946, Passos Perdidos. Em 1947, com o PCB na legalidade, Dyonélio elegeu-se deputado estadual e 
tornou-se líder da sua bancada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul; em 1948, foi cassado, quando o PCB 
caiu na clandestinidade; em 1966, lançou Deuses Econômicos; em 1977, aos 82 anos, recebeu o Prêmio Especial de 
Crítica de São Paulo e foi empossado na Academia Rio-Grandense de Letras, na cadeira de Eduardo Guimarães; em 
1980, saíram os livros Prodígios e Endiabrados, Sol Subterrâneo e Nuanças; em 1981, foi a vez de Fada e Ele Vem do 
Fundão. Em 1985, faleceu em Porto Alegre. 
 
Dyonélio foi ainda um dos fundadores da Associação Rio-Grandense de Imprensa – ARI. Escritor com fama de difícil, 
pessimista, pó vezes impenetrável ao leitor mais apressado, a crítica e o público não receberam suas demais obras 
do mesmo modo como Os Ratos. 
 
Os Ratos 
"Ele vê os ratos em cima da mesa, tirando de cada lado do dinheiro - da presa! - roendo-o, arrastando-o para longe dali, para a toca, às 
migalhas!..." 
Fontes: 
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/modernismo/arte-moderna-1.php 
http://singrandohorizontes.wordpress.com/2010/01/05/dyonelio-machado-1895-%e2%80%93-1985-2/ 
 
 
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE 
 
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Roberto Samuel Sanches 13 
 
 
Carlos Drummond de Andrade: 1902-Itabira-MG/ 1987-Rio de Janeiro-RJ 
Estudou em Belo Horizonte e, em 1918 muda-se para Friburgo-RJ. Um ano depois é expulso por insubordinação 
mental, após um incidente com o professor de português, e volta para Belo Horizonte. Em 1925, casa-se e conclui o 
curso de Farmácia, em Ouro Preto, mas não exercerá a profissão. Em 1926 funda A Revista, que tem apenas 3 
edições, mas será importante para a afirmação do movimento modernista mineiro. Leciona Geografia e Português, 
muda-se para Belo Horizonte e torna-se redator-chefe do Diário de Minas. Em 1927, perde o filho recém-nascido. 
Em 1929 vai trabalhar no jornal Minas Gerais, órgão oficial do Estado e acaba tornando-se o redator. Em 1930, 
publica seu primeiro livro, pagando do próprio bolso: Alguma Poesia. Torna-se redator de três jornais, ao mesmo 
tempo: o Minas Gerais; o Estado de Minas e o Diário da Tarde. Em 1934 publica Brejo das Almas e assume o cargo 
de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação. Continua produzindo bastante, deixa a chefia do 
gabinete e torna-se editor da Imprensa Popular, jornal comunista de Luís Carlos Prestes. Por discordar da 
orientação do jornal, afasta-se dele, alguns meses depois. Começa a trabalhar no Patrimônio Histórico e Artístico 
Nacional. Apesar de exercer funções burocráticas até aposentar-se, ele sempre teve a preocupação com a 
profissionalização do escritor e procurou trabalhar em função disso. Em 1949 volta a escrever no Jornal Minas 
Gerais. Sua filha, Maria Julieta, que era grande companheira e havia publicado a novela A busca, casa-se e muda-se 
para Buenos Aires. Ele lhe dá três netos. Na década de 1950 publica várias obras. Deixa de ser redator do Minas 
Gerais e passa a publicar crônicas no Correio da Manhã. Na década de 1960, muitos dos seus livros são publicados 
em Portugal, Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Argentina e Tchecoslováquia. Continua publicando vários livros. 
Seus principais temas são: o indivíduo, a terra natal, a família, as vivências do menino, os amigos, o choque social e 
a violência humana, o amor, a própria poesia, a visão existencial e alguns exercícios lúdicos. Fez traduções das 
obras de Balzac, Laclos, Proust, Garcia Lorca, Mauriac e Molière. Em 1963, colabora no programa Vozes da Cidade 
(Rádio Roquette Pinto) e inicia o programa Cadeira de Balanço (Rádio Ministério da Educação). Em 1969, deixa o 
Correio da Manhã e passa a escrever crônicas para o Jornal do Brasil. Continua escrevendo poesias, aumenta a 
produção de crônicas, escreve contos, memórias e entra também no universo infantil com História de Dois Amores. 
Em 1986, sofre um infarto. Em janeiro de 1987 escreve seu último poema, Elegia a um Tucano Morto, que integrará 
o livro Farewell, último livro organizado pelo poeta. No Carnaval do Rio de Janeiro ele é homenageado pela Escola 
Mangueira, com o samba-enredo Reino das Palavras. Em agosto, após 2 meses de internação, morre sua querida 
filha Julieta. Desolado, seu estado de saúde piora e ele falece 12 dias depois, aos 85 anos. É enterrado no mesmo 
jazigo da filha, Maria Julieta, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Podemos considerá-lo um dos 
maiores e melhores poetas em Língua Portuguesa. Há uma estátua dele, em bronze, sentado num banco do 
calçadão junto à praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. 
Obra: PROSA: Contos de Aprendiz; Fala, Amendoeira; A bolsa & a vida; Cadeira de Balanço; Caminhos 
de João Brandão; Seleta de Prosa e Verso; O poder ultrajovem; De notícias e não-notícias faz-se a 
crônica; Os dias lindos; 70 historinhas; Contos plausíveis; Boca de luar; O observador no escritório; 
Tempo vida poesia; Moça deitada na grama; O avesso das coisas; Autorretrato e outras crônicas; 
POESIA: Sentimento do Mundo; A rosa do povo; Claro enigma; Lição de Coisas; A vida passada a limpo; 
Antologia Poética; José (Fazendeiro do Ar e Novos Poemas); Boitempo I e Boitempo II; As impurezas 
do branco; Discurso de Primavera e Algumas sombras; A paixão medida (Lição de Coisas); Corpo; Amar 
se aprende amando; Poesia Errante; O Amor Natural; Farewell; INFANTIL: O Elefante ; História de Dois 
Amores. 
 
 
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Como o Drummond estava sentado, quietinho, vendo o movimento do Rio de Janeiro, em Copacabana, resolvi tirar uma foto 
dele. A seguir, uma pessoa amiga resolver tirar uma foto de outros dois amigos conversando, mesmo sem palavras, entendendo-
se apenas com o olhar... 
Abaixo, alguns de seus poemas: 
No meio do caminho 
 
No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
 
Fonte: Memoria Viva 
Poema de sete faces 
 
Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. 
 
As casas espiam os homens 
que correm atrás de mulheres. 
A tarde talvez fosse azul, 
não houvesse tantos desejos. 
 
O bonde passa cheio de pernas: 
pernas brancas pretas amarelas. 
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. 
Porém meus olhos 
não perguntam nada. 
 
O homem atrás do bigode 
é sério, simples e forte. 
Quase não conversa. 
Tem poucos, rarosamigos 
o homem atrás dos óculos e do bigode. 
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Meu Deus, por que me abandonaste 
se sabias que eu não era Deus, 
se sabias que eu era fraco. 
 
Mundo mundo vasto mundo 
se eu me chamasse Raimundo 
seria uma rima, não seria uma solução. 
Mundo mundo vasto mundo, 
mais vasto é meu coração. 
 
Eu não devia te dizer 
mas essa lua 
mas esse conhaque 
botam a gente comovido como o diabo. 
 
 Fonte: Memória Viva 
José 
E agora, José? 
A festa acabou, 
a luz apagou, 
o povo sumiu, 
a noite esfriou, 
e agora, José? 
e agora, você? 
você que é sem nome, 
que zomba dos outros, 
você que faz versos, 
que ama, protesta? 
e agora, José? 
 
Está sem mulher, 
está sem discurso, 
está sem carinho, 
já não pode beber, 
já não pode fumar, 
cuspir já não pode, 
a noite esfriou, 
o dia não veio, 
o bonde não veio, 
o riso não veio, 
não veio a utopia 
e tudo acabou 
e tudo fugiu 
e tudo mofou, 
e agora, José? 
 
E agora, José? 
Sua doce palavra, 
seu instante de febre, 
sua gula e jejum, 
sua biblioteca, 
sua lavra de ouro, 
seu terno de vidro, 
sua incoerência, 
seu ódio – e agora? 
 
Com a chave na mão 
quer abrir a porta, 
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não existe porta; 
quer morrer no mar, 
mas o mar secou; 
quer ir para Minas, 
Minas não há mais. 
José, e agora? 
 
Se você gritasse, 
se você gemesse, 
se você tocasse 
a valsa vienense, 
se você dormisse, 
se você cansasse, 
se você morresse... 
Mas você não morre, 
você é duro, José! 
 
Sozinho no escuro 
qual bicho do mato, 
sem teogonia, 
sem parede nua 
para se encostar, 
sem cavalo preto 
que fuja a galope, 
você marcha, José! 
José, para onde? 
Vocabulário: 
utopia: país imaginário com ótimas condições de vida; projeto irrealizável; quimera; fantasia. 
teogonia: doutrina mística relativa ao nascimento dos deuses, e que frequentemente se relaciona 
com a formação do mundo; conjunto de divindades cujo culto forma o sistema religioso dum povo 
politeísta. 
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1973. p.130 
 
Mãos dadas 
Não serei o poeta de um mundo caduco. 
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros. 
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, considero a enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos. 
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 
 
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, 
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, 
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, 
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, 
a vida presente. 
 
Congresso internacional do medo 
Provisoriamente não cantaremos o amor, 
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. 
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, 
não cantaremos o ódio porque esse não existe, 
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Roberto Samuel Sanches 17 
 
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, 
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, 
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, 
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, 
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, 
depois morreremos de medo 
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas. 
 
Morte do leiteiro 
 A Cyro Novaes 
Há pouco leite no país, 
é preciso entregá-lo cedo. 
Há muita sede no país, 
é preciso entregá-lo cedo. 
Há no país uma legenda, 
que ladrão se mata com tiro. 
Então o moço que é leiteiro 
de madrugada com sua lata 
sai correndo e distribuindo 
leite bom para gente ruim. 
Sua lata, suas garrafas 
e seus sapatos de borracha 
vão dizendo aos homens no sono 
que alguém acordou cedinho 
e veio do último subúrbio 
trazer o leite mais frio 
e mais alvo da melhor vaca 
para todos criarem força 
na luta brava da cidade. 
 
Na mão a garrafa branca 
não tem tempo de dizer 
as coisas que lhe atribuo 
nem o moço leiteiro ignaro, 
morados na Rua Namur, 
empregado no entreposto, 
com 21 anos de idade, 
sabe lá o que seja impulso 
de humana compreensão. 
E já que tem pressa, o corpo 
vai deixando à beira das casas 
uma apenas mercadoria. 
 
E como a porta dos fundos 
também escondesse gente 
que aspira ao pouco de leite 
disponível em nosso tempo, 
avancemos por esse beco, 
peguemos o corredor, 
depositemos o litro... 
Sem fazer barulho, é claro, 
que barulho nada resolve. 
 
Meu leiteiro tão sutil 
de passo maneiro e leve, 
antes desliza que marcha. 
É certo que algum rumor 
sempre se faz: passo errado, 
vaso de flor no caminho, 
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Roberto Samuel Sanches 18 
 
cão latindo por princípio, 
ou um gato quizilento. 
E há sempre um senhor que acorda, 
resmunga e torna a dormir. 
 
Mas este acordou em pânico 
(ladrões infestam o bairro), 
não quis saber de mais nada. 
O revólver da gaveta 
saltou para sua mão. 
Ladrão? se pega com tiro. 
Os tiros na madrugada 
liquidaram meu leiteiro. 
Se era noivo, se era virgem, 
se era alegre, se era bom, 
não sei, 
é tarde para saber. 
 
Mas o homem perdeu o sono 
de todo, e foge pra rua. 
Meu Deus, matei um inocente. 
Bala que mata gatuno 
também serve pra furtar 
a vida de nosso irmão. 
Quem quiser que chame médico, 
polícia não bota a mão 
neste filho de meu pai. 
Está salva a propriedade. 
A noite geral prossegue, 
a manhã custa a chegar, 
mas o leiteiro 
estatelado, ao relento, 
perdeu a pressa que tinha. 
 
Da garrafa estilhaçada, 
no ladrilho já sereno 
escorre uma coisa espessa 
que é leite, sangue... não sei. 
Por entre objetos confusos, 
mal redimidos da noite, 
duas cores se procuram, 
suavemente se tocam, 
amorosamente se enlaçam, 
formando um terceiro tom 
a que chamamos aurora. 
 
Sociedade 
O homem disse para o amigo: 
– Breve irei a tua casa 
e levarei minha mulher. 
 
O amigo enfeitou a casa 
e quando o homem chegou com a mulher, 
soltou uma dúzia de foguetes. 
 
O homem comeu e bebeu. 
A mulher bebeu e cantou. 
Os dois dançaram. 
O amigo estava muito satisfeito. 
 
Quando foi hora de sair, 
o amigo disse para o homem: 
– Breve irei a tua casa. 
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Roberto Samuel Sanches 19 
 
E apertou a mão dos dois. 
 
No caminho o homem resmunga: 
– Ora essa, era o que faltava. 
E a mulher ajunta: – Que idiota. 
 
– A casa é um ninho de pulgas. 
– Reparaste o bife queimado? 
O piano ruim e a comida pouca. 
 
E todas as quintas-feiras 
eles voltam à casa do amigo 
que ainda não pôde retribuir a visita. 
 
 
Memória 
Amar o perdido 
deixa confundido 
este coração. 
Nada pode o olvido 
contra o sem sentido 
apelo do Não. 
As coisas tangíveis 
tornam-se insensíveis 
à palma da mão 
Mas as coisas findas 
muito mais que lindas, 
essas ficarão. 
Caso você queira ouvir o poeta falando os poemas abaixo, veja nos links após cada texto: 
Quadrilha 
João amava Teresa que amava Raimundo 
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili 
quenão amava ninguém. 
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, 
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, 
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes 
que não tinha entrado na história. 
http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema006.htm 
Confidências do Itabirano 
Alguns anos vivi em Itabira. 
Principalmente nasci em Itabira. 
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. 
Noventa por cento de ferro nas calçadas. 
Oitenta por cento de ferro nas almas. 
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. 
 
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, 
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. 
 
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, 
é doce herança itabirana. 
 
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: 
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil, 
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Roberto Samuel Sanches 20 
 
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; 
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; 
este orgulho, esta cabeça baixa... 
 
Tive ouro, tive gado, tive fazendas. 
Hoje sou funcionário público. 
Itabira é apenas uma fotografia na parede. 
Mas como dói! 
http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema014.htm 
Para sempre 
 
Por que Deus permite 
que as mães vão-se embora? 
Mãe não tem limite, 
é tempo sem hora, 
luz que não apaga 
quando sopra o vento 
e chuva desaba, 
veludo escondido 
na pele enrugada, 
água pura, ar puro, 
puro pensamento. 
 
 
Morrer acontece 
com o que é breve e passa 
sem deixar vestígio. 
Mãe, na sua graça, 
é eternidade. 
Por que Deus se lembra 
- mistério profundo - 
de tirá-la um dia? 
Fosse eu Rei do Mundo, 
baixava uma lei: 
Mãe não morre nunca, 
mãe ficará sempre 
junto de seu filho 
e ele, velho embora, 
será pequenino 
feito grão de milho. 
http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema039.htm 
O último poema de Drummond foi este, abaixo, escrito no livro Farewell: 
Elegia a um tucano morto 
 Ao Pedro 
O sacrifício da asa corta o voo 
no verdor da floresta. Citadino 
serás e mutilado, 
caricatura de tucano 
para a curiosidade de crianças 
e indiferença de adultos. 
sofrerás a agressão de aves vulgares 
e morto quedarás 
no chão de formigas e de trapos. 
 
Eu te celebro em vão 
como à festa colorida mas truncada, 
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Roberto Samuel Sanches 21 
 
projeto da natureza interrompido 
ao azar de peripécias e viagens 
do Amazonas ao asfalto 
da feira de animais. 
Eu te registro, simplesmente, 
no caderno de frustrações deste mundo 
pois para isto vieste: 
para a inutilidade de nascer. 
 
 
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&& 
 
Apesar de sua timidez, Drummond, com sua simplicidade, era pessoa que se comunicava muito bem e com 
delicadeza com aqueles que dele se aproximavam. Muito cultivado nas escolas, com seus textos, era comum saber 
que ele dava resposta a muitos daqueles que lhe enviavam correspondência. Nas atividades desenvolvidas em 
nossas aulas, tivemos a felicidade de receber resposta dele por duas vezes. Na primeira uma carta, sintética, mas 
de extremo bom-gosto e gentileza. Na segunda, um cartão que também demonstra sua sensibilidade. Isso mereceu 
espaço em uma matéria do Jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba: 
http://portal.cruzeirodosul.inf.br/acessarmateria.jsf?id=369481 
04/03/2012 |110 ANOS DE NASCIMENTO DO ILUSTRE DE ITABIRA 
"Vocês deixaram comovido este poeta" 
Diz a resposta de Drummond aos atores de Sorocaba que encenavam uma peça baseada em seus textos 
O professor Roberto Samuel Sanches 
relembra o contato com o poeta- 
"Vocês deixaram comovido este poeta". A frase foi a reposta de Carlos Drummond de Andrade à produção da montagem 
"Encontro de Fernando Pessoa & Drummond" ocorrida sob a coordenação do professor Roberto Samuel Sanches. O espetáculo reuniu, 
em 1983, alunos do curso de Letras da futura Universidade de Sorocaba (Uniso). Sanches já havia levado ao palco da Escola Getúlio 
Vargas, quatro anos antes, uma peça baseada em textos do poeta. 
 
Nas duas ocasiões, escreveu a Drummond dando conta do trabalho e agradecendo o bem que sua obra proporcionava. A primeira 
carta-resposta, ele conta, se perdeu; já a segunda, foi preservada. 
 
A produção datada de 1979 reunia vários textos de Drummond, tendo como fio condutor o poema "E Agora José". "Foi muito 
interessante e bonito porque, a partir da pergunta, construímos um painel ao qual foram incorporadas passagens de outros trabalhos", 
explica Sanches. 
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Roberto Samuel Sanches 22 
 
 
A peça seria, depois, encenada no Gabinete de Leitura Sorocabano. Durante os ensaios, Roberto lembra que alguns frequentadores 
reclamaram do barulho. "Apresentamos desculpas e, depois, os convidamos para assistir. Todos ficaram emocionados e agradeceram 
por poderem conhecer melhor a obra de Drummond." 
 
Sanches destaca outra passagem, esta vivida por um amigo que havia começado a trabalhar no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. 
Drummond assinava uma coluna no jornal e toda semana ia à redação pessoalmente entregar suas crônicas. Sempre com o terno 
branco, impecável, o poeta passava quase despercebido em razão da sua simplicidade. O jornalista não sabia de quem se tratava até o 
dia em que um incidente revelou a identidade daquele "senhor que aparecia por lá", nas palavras de Roberto Samuel. Quando se 
preparava para sair, o escritor esbarrou na bandeja de café carregada pela copeira e viu o linho branco ficar manchado. 
 
"Meu amigo descreveu a cena como constrangedora. A mulher pedia mil desculpas, fazia de tudo para se redimir, mas Drummond, 
sereno, disse para ela não se incomodar. Esse tipo de coisa acontece mesmo. Ficou, daquele episódio, a humildade do poeta, algo que 
se refletia, também, na sua obra. Por coincidência, a primeira das cartas que ele nos enviou também ficou manchada e se perdeu", 
rememora o professor. 
 
 
Uma das respostas enviadas por Drummond ao grupo de teatro 
 
 
 
 
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 Murilo Mendes 
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Roberto Samuel Sanches 23 
 
MURILO MENDES – (1902/Juiz de Fora/ 1987-Rio de Janeiro) 
Fez os primeiros estudos em Juiz de Fora e depois muda-se para Niterói-RJ. Dois acontecimentos marcantes na sua 
infância: a passagem do cometa Halley, em 1910 e sua fuga do Colégio interno, em Niterói, para ver a apresentação 
do dançarino russo Nijinski, no Rio de Janeiro, em 1917. Para ele, esses dois fatos foram verdadeiras revelações 
poéticas. 
Seus primeiros poemas apareceram nas revistas modernistas Antropofagia e Verde, entre os anos 1924-29. 
Pertenceu à 2ª. geração de poetas modernistas. Seu primeiro livro Poemas, foi publicado em 1930 e com ele 
ganhou o Prêmio Graça Aranha. Recebeu bastante influência do artista plástico Ismael Nery. Trabalhou como 
telegrafista e guarda-livros; inspetor do Ensino Selcundário do Distrito Federal; escrivão. Casou-se, mas não teve 
filhos. Passou a produzir e publicar bastante. Residiu na Bélgica e Holanda durante 3 anos. Mudou-se para a Itália, 
sendo professor de Cultura Brasileira na Universidade de Roma e de Pisa. Sua poesia passou a ser publicada 
também na Itália, Espanha e Portugal. Com

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